A velhice do Padre Eterno/XI
Na barca de S. Pedro ex-santo, hoje banqueiro,
São tantos os caixões com bulas da cruzada,
E tanto o oiro em barra, as joias, o dinheiro,
O navio é tão velho e a carga é tão pesada;
Os anneis, os setins, as purpuras, as rendas,
As mitras d'oiro fino, os bentos, as imagens,
As pratas, os cristaes, os vinhos, as of'rendas,
Os meninos do côro, os famulos, os pagens;
O macisso tropel de conegos vermelhos,
De sacristas, bedeis, archeiros, missionarios,
E o damasco, o velludo, os bronzes, os espelhos,
o silabus, a curia, as forcas, os rosarios;
As pipas e os toneis com aguas milagrosas,
Que ainda causam hoje o mais profundo assombro;
Dos velhos cardeaes as cortezãs formosas,
E o cura Santa Cruz de bacamarte ao hombro;
Esta orgia pagã, esta riqueza immensa
Atulham de tal forma a barca ultramontana,
É tão desenfreado o vento da descrença,
E o mar é tão revolto, a carga é tão mundana;
Que a barca do senhor, outr'ora dirigida
Por doze galileus descalços, quasi nus,
Ella que atravessava o grande mar da vida
Tendo só por farol os olhos de Jesus;
A barca que atravez do horror da tempestade,
Arvorando no mastro o pavilhão da Esp'rança,
Levava os corações de toda a cristandade
Ao grande porto ideal da Bemaventurança;
Hoje ao peso cruel d'este deboche hediondo
Essa barca da Egreja, esse colosso antigo
Sossobrará, o Deus, com pavoroso estrondo,
Indo dormir ao pé dos galeões de Vigo.