Adelia Fonseca, por A. A.

Wikisource, a biblioteca livre

D. Adelia Josefina de Castro Fonseca, sogra de Capistrano de Abreu, nasceu na cidade do Salvador, Baia, a 24 de novembro de 1827.

Cedo manifestou acentuado pendor para a literatura em geral e, em especial, para a poesia.

Quidquid tentabam dicere versus erat (tudo o que eu queria dizer me saia em verso) – refere de si mesmo Ovidio.

Se não se exprimia normalmente na linguagem dos deuses, mostrou no entanto Adelia Josefina, por forma brilhante, pertencer a mesma estirpe espiritual do cantor das Metamorfoses: com menos de 7 anos, glosava qualquer mote.

Francisco Moniz Barreto, o célebre repentista baiano, duvidou de tanta precocidade, supondo que algum assistente soprasse as glosas à criança. Por isso, num leilão de prendas na Barra, pô-la Moniz Barreto no colo e, para verificar a exatidão do que ouvia a seu respeito, deu-lhe ele mesmo por mote

Das uvas o belo cacho

que era o lote que o leiloeiro apregoava na ocasião.

Perto de onde se achavam os dois, um certo sr. Franco, na sala, cabeceava, alheio aos acontecimentos.

A jovem poetisa, no colo do Moniz, preparou a glosa e, depois, segundo costumava, bateu palmas e recitou:


Senhor Franco, não cochile,
Que cai da cadeira abaixo:
E' melhor que vá comer
Das uvas o belo cacho.


Abraçou-a o Moniz, que lhe dedicou desde então grande estima. Quando, vinte anos mais tarde, frequentava a casa de Adelia, que trocara o nome de solteira, Castro Rebelo, pelo de Castro Fonseca do seu marido, chamava-lhe o poeta sempre “minha irmã em Apolo”.

Tambem um tal sr. Junqueira, estando á janela, quis pôr a prova Adelia; foi o seu mote

Das meninas a mais bela

E a poetisa:


Estava o senhor Junqueira
Sentado ao pé da Janella,
Esperando ver passar
Das meninas a mais bela


Tinha Adelia [trecho ilegível] os seus últimos dias.

Dos “Lusíadas” sabia ela de cór vários cantos e , bem assim, muitos outros poemas e longos trechos em prosa de autores diversos.

Ainda na Baia publicou, em 1865, o livro de poesias “Ecos da Minhalma”, “com o dom de ser o seu produto liquido aplicado a bem das familia[s] pobres dos bravos da nossa armada, falecidos na guerra do sul”.

No Rio escreveu para diversos periódicos, nomeadamente a Semana Ilustrada e a Gazeta de Notícias.

Faleceu nesta cidade, aos 9 de dezembro de 1920.

Transcrevemos-lhe em seguida o soneto:


AMAR EM RELAÇÃO AO HOMEM E A MULHER


Amar é Bernardim, triste gemendo,
Da bela Infanta a ausência lamentando;
E' Pedro a esposa ao tumulo roubando
E de rainha o ceptro lhe rendendo.

Amar é, sim, Moema perecendo
Nas águas que vencer busca, nadando;
E' Virginia o retrato inda abraçando
De Paulo, quando a engole o abismo horrendo

Amar é verbo de mistério infindo:
Amarga taça, que tem mel no fundo;
Martirio que se sofre as vezes rindo.

Amar é sentimento em bens fecundo
E' o sétimo céo, o céo mais lindo
Gosar no pobre, miseravel mundo.


Esse soneto e outro com a epigrafe “Casar em relação ao homem à mulher”, escreveu-os Adelia Josefina em resposta a dois sonetos sob os mesmos títulos do bardo Moniz Barreto.

Publicou a Semana Ilustrada uns e outros; mas Luiz de Castro, ao que se supõe que era seu redator, quis tambem opinar, em relação a terceiro e importante personagem esquecido na enumeração, o que fez pela quadra:


CASAR EM RELAÇÃO AO PADRE


Casar é pôr o mel na boca do asno;
Tocar o sino sem dançar na festa.
E' contemplar um rosto e da-lo a outro
E' ver com os olhos comer com a testa.