Anais da Ilha Terceira/I/XIII

Wikisource, a biblioteca livre
Saltar para a navegação Saltar para a pesquisa

Começamos a terceira época ao princípio do século XVI, até à entrada do governo espanhol. Memorável é na verdade, e saudoso, este espaço de tempo, pelo progresso da civilização, e da sã moral; e não menos pelas vantagens do comércio, de onde procedeu a riqueza e prosperidade dos Terceirenses. Trabalharemos por guardar a cronologia dos sucessos, e a série dos anos, não obstante a falta de notícias em muitos deles, por se terem descaminhado os registos públicos, em que deviam guardar-se.

Ano de 1500[editar]

Começou este século em tempo do Sereníssimo Rei D. Manuel, em que Portugal se viu engrandecido pela entrada nas terras do oriente, e novo descobrimento do Brasil. Mas para que a ilha Terceira participasse de tão grandes vantagens comerciais, e muitos de seus habitantes abrissem uma nobre carreira à fama de seus ilustres feitos, na primavera do ano em que vamos de 1500 saiu do Tejo Gaspar Corte Real, filho do capitão donatário João Vaz Corte Real, de quem temos falado, com dois navios, no intento de investigar o último termo da América setentrional; e efectivamente descobriu toda a Terra do Labrador, à qual deu o nome de Terra de Corte Real, costeando aquela parte até ao Estreito de Hudson. Também descobriu a que chamam a Terra, ou Ilha, do Bacalhau, cujo descobrimento o Padre Cordeiro atribui a Álvaro Martins Homem e ao dito João Vaz Corte Real.

Voltou o ilustre navegante ao Reino, e repetindo a mesma viagem a 15 de Maio de 1501, não houve dele mais notícia; e por isso, no ano de 1502, saiu em busca dele seu irmão Miguel Corte Real; porém com a mesma infelicidade. E suposto que El-Rei D. Manuel, no ano de 1503, despachasse duas naus a procurar ambos, elas voltaram sem resultado algum. Preparando-se então para repetir a mesma diligência o irmão dos dois, Vasco Anes Corte Real, capitão e alcaide-mor em Angra e na ilha de S. Jorge, El-Rei o não consentiu, segundo diz o autor do Índice Cronológico das Viagens, acrescentando que Vasco Anes tivera o senhorio da Terra Nova, ou o título da Terra Nova dos Corte Reais. Deste título gozou seu filho Manuel Corte Real, como se vê do 1.º Livro do Registo da Câmara de Angra, a fl. 221, sem embargo das cartas geográficas modernas haverem recusado conservar a memória deste ilustre Terceirense no nome de Corte Real dado às terras que ele descobriu.

Nunca casou — diz o Padre Cordeiro no Livro 6.º, Capítulo 4.º — mas foi seu filho natural D. João Corte Real, Bispo de Leiria, e Fernão Martins Corte Real (Documento F).

Ano de 1502[editar]

Passou neste ano segunda vez à Índia D. Vasco da Gama com 20 navios e só voltou a Portugal com 13, carregados de riquíssimos tesouros, que, segundo dá a entender o Padre Maldonado, deixaram na Terceira boa parte.

Ano de 1503[editar]

O Mestre Frei Diogo das Chagas achou na vila das Lagens da ilha do Pico o 1.º Livro dos Acórdãos da Câmara, e dele copiou a postura feita a 4 de Novembro, pela qual se proibiu que os cristãos novos que na ilha houvessem, ou a ela concorressem, vendessem suas fazendas senão por preços honestos; aliás se retirassem no prazo de dois meses, pagando para o concelho cada um 2$000 réis. Por esta deliberação parece concluir-se que nos Açores apenas se toleravam os desta nação depois do alvará de 1496 que El-Rei assinou para gozar a Princesa D. Isabel, que lhe pôs a condição de não o receber por marido sem que ele banisse de seus estados os mouros e os judeus.

Se bem que o Padre Maldonado, no Alento 3.º, lustro da Dezena de 1480, n.º 25, muito engrandeceu a nobreza dos primeiros habitantes da Terceira em tempo de Álvaro Martins e João Vaz, também confessa que alguns tiveram o labéu de pertencer ao Judaísmo; razão por que muito tempo depois se excitou grande perseguição nesta ilha contra eles.

Por carta de 6 de Março deste ano foi criada a vila de S. Sebastião com todos os seus oficiais, como tinham as vilas de Angra e da Praia, pelas razões constantes da carta respectiva (Documento M). Neste mesmo ano foi instaurado o auditório, como acho no inventário de Isabel de Ornelas.

Foi então demarcado o terreno para se estabelecer a povoação em forma; e este negócio fui incumbido a um hábil engenheiro, que deu às ruas desta vila uma excelente direcção e regularidade, com saída para seis estradas, que também lhe foram feitas em direcção às povoações circunvizinhas, por estar ela no centro, motivo pelo qual ao depois se tornou o local das reuniões com as outras Câmaras para os negócios do interesse comum.

Demarcou-se a sua jurisdição do norte ao sul com uma légua de largo, desde a Ribeira Seca ao marco da Feteira. Nesta demarcação unicamente compreendeu a freguesia de Santo António do Porto Judeu e os moradores de Porta Alegre, ficando-lhe no interior da ilha muitos campos baldios, e a norte, onde hoje está o Raminho e antigamente se chamava os Folhadais.

Neste ano proferia El-Rei sentença contra Gaspar Corte Real a respeito das terras do Pico das Contendas[1]: e indo dar-se à execução pelo juiz da Praia, Francisco Fernandes, foi apelada ao corregedor Afonso de Matos, com o fundamento de que era necessário citar-se Fernão Vaz, filho do doado Gaspar Corte Real, por ser já em idade de 28 anos. Por este facto se conhece o estabelecimento dos corregedores: e diz Frutuoso que este fora o primeiro em tal cargo e que já servira de ouvidor (veja-se o Documento F). As suas atribuições eram as mesmas que pertenciam aos ouvidores gerais (veja-se o Capítulo IV, da Primeira Época, nota 11). Com efeito acho que este corregedor ainda servia no ano de 1505.

Ano de 1506[editar]

Faleceu neste ano Álvaro Lopes da Fonseca, 2.º ouvidor do capitão na vila da Praia, instituiu a capela de Santa Madalena na Matriz de Santa Cruz, e lhe anexou um bom morgado, que anda em seu descendente o nonagenário Vital de Bettencourt.

Ano de 1507[editar]

Mandou o Grão Prior de Tomar, D. Diogo Pinheiro, às ilhas dos Açores o 2.º Bispo, que foi D. João Lobo, o qual nelas crismou e deu ordens sacras.

Ano de 1508[editar]

Privilégiou neste ano El-Rei D. Manuel a Misericórdia de Angra, por alvará de 3 de Agosto, concedendo-lhe a irmandade dos 13 irmãos. Já estava fundado o seu hospital por alvará em 15 de Março de 1502. Teve princípio em uma irmandade do Santo Espírito com bodo, que em dia de Pentecostes se dava à porta da ermida desta invocação.

Na Crónica de El-Rei D. João III, escrita pelo insigne Frei Luiz de Sousa, acha-se que o Bispo D. João Lobo viera neste ano às ilhas dos Açores, não obstante dizerem os nossos escritores que fora no ano de 1507.

Porque o corsário francês Mondragon roubou nos mares dos Açores a Job Queimado, comandante de um navio português que vinha da Índia, fez El-Rei inúteis reclamações à corte de França sobre a restituição desta presa: e sabendo-se depois que mesmo corsário armava quatro navios para com eles sair ao encontro das naus da Índia, mandou El-Rei a Duarte Pacheco Pereira com algumas embarcações para o impedir na passagem dos Açores: o que felizmente se conseguiu encontrando-o no Cabo de Finisterra, e destruindo-o depois de um bem ferido combate. Preso o corsário, e levado a Lisboa, obrigou-se a não pelejar mais contra os portugueses, e com esta promessa foi posto era liberdade (Crónica de Damião de Góis, Parte 2, capítulo 42, página 470; e Memória Histórica de Bernardino de Sena Freitas). Eis aqui os motivos porque nos Açores andava uma armada de guarda costa

Ano de 1509[editar]

Foi Pedro Anes do Canto[2], o primeiro do nome, em socorro da praça de Arzila, então cercada por El-Rei de Fez, levando um navio carregado de gente paga à sua custa, com a qual saltou em terra, a grande risco, pelo muito fogo que lhe fizeram os mouros para lhe impedirem o desembarque. Então D. Vasco, capitão da praça, lhe encarregou o baluarte chamado o Tombelalão, de que já os mouros estavam senhores. Pedro Anes o rendeu e sustentou até os inimigos se retirarem, oito dias depois; por esta causa lhe acrescentou El-Rei D. João III ao antigo escudo de armas um baluarte, por alvará de 20 de Junho de 1539. — Consta isto de uma justificação de serviços que eu vi, e deve existir em poder de seus descendentes.

Notas[editar]

  1. Veja-se no Capítulo VI da Segunda Época, e o resultado desta demanda no ano de 1514.
  2. Era Pedro Anes do Canto casado com Joana de Abarca, filha de Pedro Abarca, irmão de Maria Abarca, mulher do donatário João Vaz Corte Real.