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Anais da Ilha Terceira/I/XXXVII

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Ano de 1600

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A 20 de Janeiro levantou-se bandeira de saúde em toda a ilha Terceira de que ficou sendo padroeiro o mártir São Sebastião.

Foi provido Bispo desta diocese D. Hieronimo Teixeira Cabral, natural da cidade de Lamego, licenciado em cânones, e deputado do tribunal do Santo Ofício, por cuja ordem parece que de antes havia visitado estas ilhas . Vem provido com mais 300$000 réis de acrescentamento, além dos 200$000 réis de dote que eram da criação do Bispado, por alvará de 17 de Fevereiro . Por outro alvará, de 16 deste mês, lhe foi concedida embarcação segura, quando fosse de visita às outras ilhas, e que seria paga na Feitoria onde ele embarcasse; este mesmo privilégio tiveram alguns dos seus sucessores.

Por alvará de 20 de Junho foram proibidos os cristãos novos de servirem os cargos dos cristãos velhos, não obstante as grandes somas de dinheiro que deram ao Santo Padre, para lhe serem perdoadas as culpas de heresia e judaísmo. Também por outro alvará, a requerimento da Câmara de Angra, se ordenou que não entrassem nos cargos municipais os tabeliães e escrivães, senão deixando de escrever em seus ofícios, como já por algumas vezes se tinha determinado, e ultimamente em alvará de 9 de Julho de 1562.

O insolente e escandaloso procedimento do mestre-de-campo António Sentono para com as pessoas da governança da cidade e vilas da ilha Terceira, as quais ele prendia nas cadeias públicas, insultava e perseguia quebrando-lhes seus privilégios e tratando-as mal de palavras, e da mesma forma a todas as pessoas que se opunham a seus arbitrários mandados, bem como as gravíssimas desinteligências que ele teve com o Bispo, em cujas censuras incorreu e reincidiu pertinazmente , puseram em fim a todos na dura necessidade de se queixarem dele, pedindo a El-Rei com as maiores instâncias o mandasse retirar da ilha com os 2000 homens do presídio, os quais também, além do grande vexame que faziam aos povos em razão do alojamento e paga de seus soldos , não cessavam de se amotinar contra os chefes, recusando obedecer-lhes, e causando as maiores desordens e atentados na sociedade, servindo muitas vezes de firme apoio ao arbítrio do mestre de campo; motivo porque a ilha inteira se vigiava de soldados castelhanos.

Sobre este importante negócio escreveu a Câmara de Angra ao donatário, D. Cristóvão de Moura, que nesse tempo servia de Vice-Rei em Portugal, pedindo-lhe com a maior instância o seu valimento na corte de Madrid, o que ele de boa vontade efectuou; e sem dúvida que, a não ser ainda necessário conservar na ilha o presídio, por causa dos corsários que de contínuo infestavam estes mares, e em razão da peste que também ainda nela grassava, imediatamente mandaria El-Rei retirar o presídio; porém, atendendo às muitas e justificadas queixas que do mestre de campo haviam, e achar-se o castelo de S. Filipe já em forma de praça cerrada, exigindo por isso outra qualidade de governo, mandou chamar à corte ao mestre de campo, dito António Sentono, e despachou 1.º governador do castelo a Diogo de Miranda Quiroz, ancião mui respeitável por sua idade e conhecimentos militares, o qual imediatamente fez partir para a ilha.

Nomeou outrossim El-Rei, em alvará de 2 de Novembro, para o cargo de provedor da fazenda, por tempo de 3 anos, a João Agostinho de Ávila, cavaleiro da Ordem de Cristo, e com os mesmos poderes de seus antecessores, o qual, por ser da mesma nação espanhola procedeu sem émulos em todo o tempo que serviu.

Ano de 1601

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A 22 de Fevereiro escreveu o Vice-Rei D. Cristóvão de Moura à Câmara de Angra uma carta (— Documento Y** —) dando-lhe parte das boas esperanças em que ficava de se mandar tirar da ilha a gente de guerra, e do bom estado em que estava o requerimento a respeito do pagamento das dívidas dos soldados, prometendo-lhe advertir ao castelão Diogo de Miranda Quiroz o que melhor convinha a benefício da ilha.

Em 14 de Março escreveu El-Rei à Câmara de Angra , dizendo-lhe que enviava agora o capitão Pedro de Heredia com as ordens que lhe havia de apresentar , e mandava recolher a Espanha o castelão Diogo de Miranda Quiroz e a gente do terço, excepto a que devia ficar para guarda do Monte Brasil . E porque o dito Heredia tinha servido, havia muitos anos, dando boa conta de si, recomendava-lhe facilitassem todas as coisas necessárias para boa saída da gente de guerra e que sobre o mais já o Vice-Rei teria prevenido a Câmara; e com efeito a 22 de Abril escreveu este à Câmara, dando-lhe parte de ser rendido o castelão Quiroz e das boas intenções de Pedro de Heredia para conviver com os terceirenses, esperando que eles da sua parte se contivessem, e o tratassem conforme o seu merecimento, já de muito tempo reconhecido. E quanto às dívidas dos soldados, que El-Rei as tomava sobra si.

Mas não obstante, esta promessa parece que nunca se verificou em tempo algum o pagamento pelos cofres da fazenda; porque ainda El-Rei escreveu ao corregedor Leonardo da Cunha, em 2 de Agosto, para que ele pedisse algum dinheiro para isto, e fizesse com que a capitania da Praia concorresse com a sua respectiva parte, “porquanto sentia muito que ela pelo contrário se quisesse isentar” de contribuir; e no ano de 1616 achámos que ainda a Câmara se queixava de não estar paga a dívida de 200 mil cruzados.

Finalmente, no dia 29 de Maio, retirou-se para Espanha, numa armada, o castelão Diogo de Miranda Quiroz, levando o presídio, do qual somente ficaram 500 soldados a cargo do referido capitão Pedro de Heredia; e por tenente do castelo ficou Filipe Espínola Quiroz, sobrinho do governador, filho de sua irmã D. Isabel de Laberrera.

O primeiro acto governativo do Bispo D. Hieronimo Teixeira Cabral, que encontrámos é o auto de 17 de Junho de 1601, exarado no Livro do Registo da Câmara da Praia, fl. 127, verso, pelo tabelião Bernardo da Fonseca Saraiva, e por ele consta que o dito Bispo fora à igreja matriz daquela vila, em presença do deão Lopo Gil, do arcediago Manuel Gonçalves, do padre reitor do colégio da Companhia de Jesus, Gonçalo Simões, e de seu companheiro André Botelho; em presença do ouvidor e vigário Bartolomeu Cardoso, e dos beneficiados da mesma igreja, do padre frei Domingos da Conceição, guardião do convento de S. Francisco, do ouvidor da capitania, dos oficiais da Câmara, nobres e pessoas do povo, e mandara desmanchar parte do altar em que estavam guardadas as santas relíquias de que trata o auto referido no ano de 1517 e que achando serem as próprias, as depositou na mesma boceta em que estavam, com papéis distintos e com letreiros, e metendo-as em um armário que servia de sacrário, da parte do evangelho, ali as deixou para que estivessem mais recomendadas à devoção do povo.

Em vereação de 4 de Julho de 1603 resolveram os oficiais da Câmara da Praia mandar fazer uma cruz de 6 marcos de prata, para meter o Santo Lenho, e as relíquias do mártir S. Sebastião, padroeiro da vila, a fim de ser levada com a maior devoção nas procissões que se faziam; e ajustaram com o ourives Manuel Gonçalves, que fizesse a tal cruz pelo modelo e traça da custódia do Santíssimo Sacramento, e lhe dariam 1$500 réis por cada marco de prata lavrada. Ainda no ano de 1653 foram os oficiais da Câmara à igreja matriz acautelar as santas relíquias, o achando aberto o sacrário o fecharam, entregando uma das três chaves ao vigário, outra ao beneficiado presidente do coro, e a outra levou o presidente da Câmara. Foi esta a última notícia que alcançámos das santas relíquias com que foi sagrada a dita igreja matriz pelo Bispo D. Duarte no ano de 1517.

Não obstante acharem-se impostas nos mantimentos da cidade duas imposições, uma com que se pagava o aluguer das casas ocupadas pelo presídio, que rendia 600$000 réis anuais, e outra, chamada velha, sobre vinhos, carnes e azeites, aplicada para a lenha e azeite dos dois castelos, tinha El-Rei mandado no ano de 1600 uma provisão, para que o corregedor fintasse os moradores da ilha em 3000 cruzados para se pagar aos soldados, e a mesma ordem se deu para este ano de 1601, em 30 de Julho.

Ano de 1602

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Com a ausência do presídio cessou uma grande parte dos males que oprimiam os moradores da ilha Terceira, e deixaram de haver destacamentos de soldados castelhanos fora da cidade, sendo o serviço militar feito pelos soldados portugueses das companhias de ordenanças. Contudo ainda o comandante do presídio que ficou, requereu se lhe desse quartel para os soldados casados; e se bem que o Vice-Rei quisesse evitar distinções, que sempre entre soldados se tornam odiosas, recomendou ao governador Quiroz, em 20 de Março deste ano, para que, em atenção ao melhor expediente do serviço, alojasse os soldados o mais perto que pudesse ser da fortaleza, e que se desse a cada soldado 4 arráteis de carne por 40 réis, e o trigo pelo preço que se vendesse aos naturais da terra. Isto mesmo participou o Vice-Rei à Câmara em carta de 29 de Janeiro.

Abriu visita nesta diocese o Bispo D. Hieronimo Teixeira Cabral, e por ela cuidou de emendar as relaxações e abusos introduzidos na disciplina eclesiástica. Proibiu portanto aos foliões que serviam nas festas do Espírito Santo, o bailarem na capela-mor das igrejas paroquiais na ocasião de se coroarem os imperadores; e que o padre celebrante à oblata subisse por entre o povo com o surrão às costas a tirar dos fregueses e esmola da missa , como já se determinara nas Constituições do Bispado.

Penitenciou várias mulheres por feiticeiras e adúlteras; e obrigou os mordomos das confrarias, para que fossem à sua presença fazer estatutos, para ele os aprovar . E suposto que este venerando pastor estivesse persuadido da necessidade de prover em todas estas coisas por benefício das nas ovelhas, não deixou de mostrar alguma paixão na forma com que pretendia desarreigar-lhes os vícios. Esquecendo-se dos meios de brandura e suavidade com que devia proceder, ganhou muitas inimizades, que foram a causa de passar uma grande parte do tempo em desgosto e desassossego, como já por semelhantes causas acontecera neste Bispado aos seus antecessores D. Pedro de Castilho e D. frei Jorge de S. Tiago.

Declarou excomungado, e por tal fez publicar, o juiz dos órfãos de Angra, António Pires do Couto , por ter feito inventário dos bens que ficaram por óbito do cónego Bartolomeu Cardoso, de quem era herdeiro João Lourenço, seu pai, que vivia na ilha de S. Miguel. Igual procedimento teve para com o juiz da vila de S. Sebastião, Gaspar Lopes da Costa, por haver procedido a inventário em casa do beneficiado Francisco de Toledo, de quem era testamenteiro seu sobrinho Gaspar de Toledo. E tudo isto fazia o Bispo fundada nas Constituições do Bispado, t.º 22, § último, que mandava fazer inventário dos clérigos, e depositar os bens até determinar a quem pertenciam; e suposto que isto fosse costume antiquíssimo do Bispado, decidiu-se, na Relação dos Feitos da Coroa , que o vigário geral que impediu a factura dos inventários com vexações e censuras, impedia a jurisdição real, e a usurpava com notório agravo; porque os bens que eram eclesiásticos em vida dos clérigos, ficavam sendo profanos à sua morte, e aos juízes seculares pertencia a factura dos inventários deles.

Continuando o Bispo a visitação na igreja de Rosto de Cão, da ilha de S. Miguel, obrigou os fregueses a requererem a El-Rei o acrescentamento da capela-mor, o aumento da fábrica, ornamentos, retábulos, &c., sobre o que tiraram instrumento de agravo, em que foram providos, por serem seculares e da jurisdição real, e não terem obrigação senão de fazerem e repararem o corpo da igreja, e tudo o mais pertencer ao Grão-Mestre da Ordem de Cristo .

Outra decisão, de igual natureza, foi proferida contra o mesmo Bispo sobre a visitação que fez na igreja principal da dita ilha de S. Miguel, proibindo que alguém saísse da ilha para fora em quanto ele estivesse em visita, sem licença sua. E por culpas, adultérios e outros pecados mixti fori de que tomava conhecimento na visitação, procedeu com censuras tão desarrazoadas e intempestivas, que ganhou mortais inimizades naquela ilha.

Deste mesmo Bispo interpuseram e agravo os oficiais da Câmara da vila da Praia da Terceira, por serem obrigados com tais penas a contribuir para a reparação da igreja principal e torre dos sinos da vila. Alegava o Bispo em seu favor, o terem sido já os agravantes excomungados pelos Bispos, seus antecessores, D. Gaspar de Faria e D. Pedro de Castilho, e não cumprirem as suas determinações. Porém, subindo o agravo ao tribunal competente, decidiu-se que eram agravados pelo Bispo, em razão de serem pessoas leigas e da jurisdição real .

Enquanto o Bispo D. Hieronimo Teixeira Cabral distinguia o seu governo por estes e semelhantes actos, que na verdade o não acreditavam muito, o corregedor Leonardo da Cunha procedia com igual ardor nas coisas de seu ofício; e pelo que deste magistrado encontrámos, não lhe ficaram os povos açorianos muito obrigados quando deixou ele os governar. O primeiro acto que dele encontrámos é a carta testemunhável de 20 de Fevereiro de 1602, pela qual se determinou a melhor forma de tomar as contas da receita e despesa aos concelhos. Em 17 de Maio procedeu a inventário dos livros e papéis da Câmara de Angra com o tabelião António Gonçalves Ruivo, e se acharam 32 livros de vereações e 37 da receita e despesa, dos quais não existe hoje um só .

Algumas suspeitas houve neste ano de que os corsários queriam atacar esta ilha, porque o corregedor escreveu à Câmara da Praia uma carta, da qual foi portador o capitão-mor Francisco da Câmara Paim, que a levou à vereação de 13 de Abril, ordenando-lhe tomasse quantidade de trigo para se cozer em biscoito, e se dar à gente de guerra, quando acontecesse rebate de inimigos; nas parece que esta providência não foi necessária porque não sabemos que eles aparecessem nestes mares. Todavia, na forma do antigo costume, antes que a ilha fosse entrada, ajuntaram-se na Câmara em acto público os oficiais dela cora os misteres e pessoas da governança, e assentaram embargar a quarta parte dos trigos daquela jurisdição, para se vender ao povo nos três meses da maior necessidade, que eram Abril, Maio e Junho.

Ainda que El-Rei mandou buscar a maior parte do presídio que guarnecia a Terceira, prevenia a Câmara de Angra, em carta de 8 de Junho, para que se provesse do trigo necessário para sustento da infantaria que ficava no castelo, recomendando-lhe muito empregasse nisto todos os meios de suavidade e de brandura. Porém, os juízes ordinários António Pires do Couto e Manuel do Rego da Silveira não quiseram cumprir esta determinação, porque se não dava forma de pagamento do trigo embargado senão por cédulas, pelo que os mandou o corregedor prender na cadeia pública.

Defendiam-se os juízes que eles não podiam ser havidos como reveis às ordens de El-Rei, pois lhe haviam feito muitos serviços, e padecido muitos trabalhos por sua causa; que eram homens nobres, e não deviam acostar as varas para ser presos na cadeia; mas sim nas suas casas, na forma dos privilégios dos infanções, de que gozavam os moradores da cidade de Angra. Contra isto opunha o corregedor, que esses privilégios estavam quebrados pela cidade, desde quando se rebelara contra El-Rei Filipe e que a carta de perdão concedida por ele no ano de 1586 os não podia sufragar. Decidiu-se enfim, por sentença do desembargo, que os ditos juízes eram agravados pelo corregedor em os mandou livrar da culpa que se lhes imputava, vista a forma da carta por que se mandava tirar o trigo para sustentação do presídio, sem primeiro serem pagos os seus donos .

Ano de 1603

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No embargo da quarta parte dos trigos que as Câmaras da ilha Terceira e das mais ilhas dos Açores faziam alguns anos para o provimento dos concelhos haviam muitas vezes gravíssimos inconvenientes, procedidos de interesses pessoais, porquanto umas vezes se recolhiam os trigos ao depósito, sem ficarem pagos os donos do seu preço ordinário, outras vezes se deixava de fazer este depósito em tempo oportuno, do que resultavam muitas faltas e clamores do povo, que não tinha pão para sustentar-se, nem para semear as terras, e prover a gente dos presídios de cada uma das ilhas; e estes grandes males traziam consigo terríveis efeitos, que por bastantes vezes se experimentaram. Assim, constando na corte a origem deste mal, tratou El-Rei de o evitar agora e no futuro, mandando ao corregedor a seguinte provisão: — “Leonardo da Cunha, corregedor das ilhas dos Açores, eu El-Rei vos envio muito saudar. — Por assim convir ao meu serviço, e aos moradores das ditas ilhas, Hei por bem e mando que delas se não possa tirar trigo algum para fora delas, nem de umas para outras, sem primeiro ficar cada uma provida de todo o trigo que for necessário para os vizinhos dela se sustentarem, e para suas sementeiras, e para sustentação da gente da guerra que nos presídios delas houver, e em particular se terá com isto muita conta na ilha Terceira, — e assim vos encomendo que o façais cumprir, tendo disto muito cuidado, e o mesmo terão os corregedores que vos sucederem, e os oficiais das Câmaras das ditas ilhas, — e para esse efeito se registará esta minha carta nos livros das Câmaras, e de como assim estiver feito me enviareis”. — Escrita em Buitrago, a 22 de Maio de 1603. — Rei — Pedro Álvares Pereira.

Contudo, esta provisão teve o defeito de não limitar o tempo em que se deviam fazer os exames e depósitos do trigo, e por consequência não deixava a seus donos a liberdade de dispor dele, principalmente nos primeiros 3 meses depois da colheita, em que careciam vender algum para remediar suas necessidades, e que até o preço convidava aos cultivadores a o exportarem para fora da ilha antes que chegasse o Inverno, o qual, por ser mui rigoroso nestes mares, não deixava aproximar os navios de carga.

Logo que esta provisão foi intimada às Câmaras da cidade e vilas desta ilha, foram elas com um requerimento ao corregedor, alegando os gravíssimos inconvenientes que haviam em se não limitar o tempo de tais depósitos, e quando deviam ser pagos os trigos a seus donos; pedindo, em conclusão, lhes fosse limitado o prazo de um mês contado de 15 de Julho a 15 de Agosto, e que, feitos os exames e depósitos, ficasse o mais trigo livre a seus donos, para dele disporem à sua vontade.

A isto indeferiu o corregedor, dizendo que só a El-Rei competia fazer esta declaração; e sendo ouvido o mestre de campo Diogo de Miranda Quiroz, e o procurador-geral dos armazéns reais, Gonçalo Vaz Coutinho, sobre o caso preferiram os do desembargo esta sentença: — “Acordei, os agravantes são agravados por vós corregedor em mandardes ordem que fique na terra todo o trigo que for necessário para sustentação da gente da guerra, como para os moradores dela e suas sementeiras, para que dos sobejos possam os senhorios aproveitar-se em tempo acomodado: provendo em seu agravo, vistos os autos; e como ficando na terra o trigo necessário que baste para o sobredito, não se proíbe o tirar-se dela o que sobejar, e usarem dele os senhorios particulares como lhe for melhor, mando que de 15 dias de Julho até 20 de Agosto de cada um ano se faça orçamento e exame do trigo que for necessário para sustentação da gente da guerra, como para os moradores da terra e suas sementeiras, ouvindo nisto o provedor do presídio, ou seu procurador, para que tirando na terra todo o trigo necessário para provimento das ditas necessidades, dos sobejas possam os senhorios aproveitar-se no tempo e modo que lhes aprouver”. — A 29 de Maio de 1604 .

Com esta decisão cessaram os vexames do corregedor Leonardo da Cunha, quanto ao embargo dos trigos para provimento dos soldados e sustentação dos moradores das ilhas. Também dele tirou instrumento de agravo Gonçalo Nunes de Ares, procurador do marquês de Castelo Rodrigo , por avocar ante si os feitos que corriam na vila da Praia desta ilha, e provido por sentença do Desembargo, como já se tinha decidido a favor dos moradores daquela capitania no ano de 1520, sendo donatário Antão Martins Homem .

Este procedimento que teve o corregedor na Terceira, foi o mesmo que praticou a respeito das ilhas de baixo, levando de umas para as outras os feitos cíveis e crimes; e porque, além disto, fez na ilha de S. Miguel muitos vexames ao povo, e retirando-se a esta ilha trouxe consigo vários processos, e também exigiu salários muito maiores do que lhe pertenciam queixaram-se os oficiais da Câmara de Ponta Delgada a El-Rei. Em consequência do que mandou, em alvará de 21 de Agosto de 1605, que os sindicantes fossem estar na dita ilha de S. Miguel, e continuassem ali a tirar a residência dos corregedores, para que se soubesse do procedimento de todos eles . E com efeito achámos que foi despachado, em 7 de Setembro de 1606, o corregedor Francisco Botelho, para vir tomar residência ao referido Leonardo da Cunha, que sem dúvida por estes procedimentos arbitrários é que deixou de servir no cargo de corregedor e continuou o dito Francisco Botelho a servir nele. Foi este o primeiro desembargador que veio com beca e posse tomada na Relação do Porto.

Em 19 de Abril e em 2 de Agosto, acordou-se na Câmara da Praia, visto que ainda haviam receios de peste, que todo o barqueiro que trouxesse fardos de fazenda de bordo dos navios ancorados no porto daquela vila, os abrisse e ventilasse primeiro no areal, segundo lhe fosse determinado pelos oficiais da saúde; e que depois os conduzisse à alfândega, com pena de 50 cruzados e um ano de degredo.

Ano de 1604

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Continuavam os excessos do corregedor Leonardo da Cunha, e porque ele se intrometeu dispor do dinheiro que estava destinado para pagamento dos alugueres das casas onde estivera alojado o presídio, agravaram disto os oficiais da Câmara de Angra, e foram providos em 3 de Junho deste ano de 1604. Ainda no ano de 1606 foi proferida outra sentença a este respeito contra o dito corregedor. Também obteve sentença de agravo contra o dito corregedor, a 8 de Julho, um Pedro Gomes Pinheiro e sua mulher, da ilha do Faial, porque o corregedor mandou trazer à cidade de Angra a querela em que eles eram réus.

Suposto haver a Câmara da Praia agravado, como dissemos no ano de 1603, do Bispo, por querer obrigar o povo a concertar a igreja matriz e a torre dos sinos daquela vila, ignorando ela qual seria o resultado do agravo, assentou, por acórdão de 16 de Maio de 1604, pedir a El-Rei que lhe concedesse, por espaço de três anos, o rendimento das imposições, aplicado ao aluguer das casas do presídio, e que se sustivesse o pagamento dos alugueres, porquanto isto parecia menos opressão do povo, do que o pedir-se alvará de finta da quantia necessária, que não podia ser menos de 1500 cruzados, por ser a igreja muito grande e principal, e a vila a mais nobre dos ilhas .

Escreveu El-Rei à Câmara de Angra, dando-lhe parte de que a porta do cais ficava a cargo do castelão Diogo de Miranda Quiroz, e que este continuasse a fazer ali corpo de guarda, “não por desconfiança” — diz a carta — “que houvesse na gente natural da ilha, que por satisfação que tinha do seu procedimento e lealdade confiava cumpriria sempre inteiramente com sua obrigação”. E que o castelão deixaria passar todas as coisas necessárias para a sustentação e provimento comum e particular da cidade, sem que delas se pudessem ali comprar algumas, mas sim nas praças e lugares para isso designados. Foi esta carta escrita em Muald a 31 de Agosto (Livro 2.º do Registo da Câmara de Angra, fl. 242).

Ano de 1605

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Por alvará de 5 de Março deste ano, a instâncias do Bispo D. Hieronimo Teixeira Cabral, foram acrescentadas as ordinárias dos ministros eclesiásticos da igreja de Nossa Senhora de Guadalupe, na Agualva, e ficaram reguladas a trigo, como ainda hoje se conservam (— Documento Z** —).

Ano de 1606

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Tal era o empenho das eleições das Câmaras, e as desordens que anualmente havia por essa causa, que, em o 1.º de Fevereiro deste ano de 1606, estando em vereação da Câmara da Praia o ouvidor com alçada, Gaspar Camelo do Rego, e Manuel do Canto Vieira, juiz ordinário, Gil Fernandes Teixeira e André de Sousa, vereadores, e António Rodrigues do Brasil, procurador, logo por este foi dito que no dia antecedente ele, ouvidor, fizera eleição geral para os três anos vindouros, e que tinha ouvido que algumas pessoas pretendiam entrar na Câmara e tomar o cofre da eleição, servindo-se para isso de Domingos Machado de Andrade, homem desasisado, para melhor o fazerem a seu salvo; pelo que, para quietação e não acontecer o que no ano atrás se fizera na cidade de Angra, requeria a eles oficiais, da parte de Deus e de El-Rei nosso senhor, que pusessem em guarda o dito cofre no convento de S. Francisco em poder do padre guardião, como em Angra também estava o cofre da eleição no convento dos padres da Companhia. E logo veio o padre guardião, frei Pedro da Ressurreição, chamado à Câmara, e aceitou o cofre de boa vontade e o levou (Livro dos Acórdãos, fl. 67).

Tomou posse de provedor da fazenda, em 16 de Fevereiro, Germão Pereira Sarmento, cargo em que foi provido por 6 anos, os quais não ultimou por seu desastroso proceder .

Também veio por corregedor o desembargador Francisco Botelho que trouxe autoridade para sindicar do corregedor e desembargador Leonardo da Cunha, assim nesta ilha como na de S. Miguel ; parece que, concluída esta sindicância, se recolheu a Lisboa, porque achámos que neste mesmo ano serviu de corregedor D. Diogo de Miranda Henriques, que se intitulava embaixador de S. Santidade, e por ter mui rijas preferências com o Bispo, que talvez se decidiram contra ele corregedor, pouco tempo se demorou no cargo.

A 8 de Julho deste ano de 1606 foi proferida outra sentença na Relação contra o mencionado Leonardo da Cunha, declarando que só às Câmaras pertencia a repartição do dinheiro das imposições para pagamento dos alugueres das casas onde se alojou o presídio; que ao corregedor não competia senão o numerar dos livros respeitantes a ela, assim como lhe pertencia tomar as contas e superintender neste negócio na forma do alvará de 22 de Fevereiro de 1597.

Fundou em Angra o mosteiro de Nossa Senhora da Conceição Pedro Cardoso Machado, terceiro neto pela parte paterna de Gonçalo Anes da Ribeira Seca. Possou às Índias de Castela, onde casou com D. Isabel de Molina, e por se achar sem sucessão, saudoso da pátria, veio a ela, e a rogos de sua irmã Simoa da Anunciada, religiosa professa no Mosteiro de Jesus da Praia, se deliberou fundar o dito mosteiro da Conceição, e para isto comprou o sítio, que era hospício dos religiosos de Santo Agostinho, por não estar ainda concluído o seu convento sito às Covas .

Impetrada a Bula que lhe concedeu o Papa Paulo V, com o número de 25 religiosas e renda de 300 cruzados anuais, se lhe impôs a condição de que o fundador, por sua morte, deixaria todos os seus bens ao mosteiro, e por isto teria 4 lugares perpétuos para suas parentas. Em 16 de Fevereiro de 1607 lhe fez Pedro Cardoso doação de 20 moios de trigo anuais, renda fixa e a retro, e aceite esta pelo Bispo e religiosas, verificou-se a clausura, e foi nomeada fundadora a dita Simoa da Anunciada, irmã do padroeiro, e Clara da Madre de Deus, que governaram o convento enquanto viveram.

Clausurado já o mosteiro, e professas as religiosas que nele se admitiram, voltou Pedro Cardoso à Índia com ânimo de tornar ainda à ilha. Frustrado porém o intento, em razão de mau sucesso nos seus negócios, e já com o desengano das poucas esperanças da sua vinda, no ano de 1629 fez doação do padroado à dita sua irmã, abadessa perpétua, a qual pelo tempo em diante desistiu indiscretamente nas abadessas futuras nas quais se reuniu o padroado com prejuízo das parentas, e fraude da Bula e da instituição, porque o mosteiro se eximiu do cargo que tinha com diferentes pretextos, fundados na falta de cumprimento das premissas com que o padroeiro obtivera a referida Bula, e por não estarem inteirados os 300 cruzados de renda anual .

Ano de 1607

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A 26 de Janeiro escreveu El-Rei à Câmara de Angra, dando-lhe parte de que mandava por corregedor ao desembargador Roque da Silveira, com alçada de que usara na vila de Guimarães, e tomou posse do cargo em 31 de Outubro.

Tão mal havia procedido o provedor da fazenda Germão Pereira Sarmento, e com tão desastrosos modos nas obrigações de seu cargo, que sendo capitulado em matérias relevantes, ordenou El-Rei que o dito corregedor viesse juntamente com o cargo de provedor, e com poder de sindicar e devassar do dito Germão Pereira, e dos oficiais que com ele serviam. Achou o corregedor, com efeito, serem as culpas do provedor de tal qualidade, que, sendo remetida a devassa na forma do alvará, resultou ordem que ele fosse enviado em ferros ao limoeiro de Lisboa onde parece que faleceu sem acabar de livrar-se.

Por influência deste corregedor se repararam e acrescentaram as casas da Câmara de Angra, o paço do concelho, açougue, torre dos sinos e da vigia, e se alargou a praça que era mui pequena, comprando-se para este fim muitas casas que ficavam à roda. Calçaram-se e alargaram-se várias ruas sem finta nem imposição, à custa dos fidalgos e cidadãos de Angra, gastando-se nestas obras mais de 8 mil cruzados ; e para se concluírem, mandou El-Rei, pelo alvará de Setembro de 1612, que dos sobejos das imposições novas e velhas se desse o dinheiro que faltava, e desta forma se evitaria finta, visto que havia provisão para se fintarem os moradores em 5 mil cruzados para os canos das águas; e que de tudo fosse o corregedor o superintendente, e se nomeasse tesoureiro e escrivão.

Foram acrescentadas as côngruas dos 9 beneficiados, do vigário e do tesoureiro, e a fábrica da igreja matriz da Praia, pelos alvarás de 26 de Julho e de 29 do Novembro de 1607, foi este o último acrescentamento que tiveram (veja-se o mapa no — Documento A*** —).

Faleceu, em 12 de Novembro deste ano, já muito velho o castelão Diogo de Miranda Quiroz, casado com D. Joana, filha de Estêvão Ferreira de Melo e de D. Antónia de Lima. Não lhe ficou descendência alguma. Sucedeu-lhe no governo o capitão Francisco de la Rua, casado com D. Beatriz, natural da ilha do Faial, onde havia estado governando o presídio deixado pelo marquês de Santa Cruz.

Por alvará de 5 de Abril foram acrescentadas as ordinárias dos ministros eclesiásticos da igreja das Lajes (mapa referido — Documento A*** —).

Neste mesmo ano obtiveram sentença os clérigos da ilha de S. Miguel, para embarcarem os trigos de suas ordinárias sem dependência dos oficiais das Câmaras. O mesmo se entendia a respeito dos clérigos das outras ilhas dos Açores, tudo isto em virtude de uma provisão registada no Livro da Feitoria, fl. 34.

Houve por bem El-Rei considerar nos rendimentos das alfândegas dos Açores 16 000$000 réis por outros tantos dados nas suas aduanas de Sevilha para sustentação das praças de África, os quais 16:000$000 réis obrigou por provisão de 12 de Outubro, determinando que os pagassem os contratadores que tinham arrematado as alfândegas, à conta do seu contrato; e não os havendo, entregariam os feitores e almoxarife ao pagador do presídio castelhano para pagamento dos soldos. A esta consignação prefiram somente as ordinárias, tenças e juros que até ali estavam impostos nas alfândegas; e que não se admitiria outro algum pagamento sem estar inteirada a dita consignação, ainda que para isto houvesse provisão assinada pela mão do Rei.

Ano de 1608

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Foi mandado selo à alfândega de Angra, para se marcarem as fazendas estrangeiras que nela se despachassem Foi também extinto o ofício de alcaide do mar por sentença do provedor Roque da Silveira, ficando as suas obrigações anexas ao ofício de meirinho de alfândega.

Em 22 de Fevereiro passou-se alvará para que os governadores do castelo revissem os livros das alfândegas, em ordem a saberem se havia ou não efeitos para se satisfizer a consignação dos 16:000$000 réis, aplicados ao pagamento do presídio e obras do castelo; e porque a execução contra os devedoras corria em princípio por conta dos governadores do mesmo castelo, continuaram nela com manifesta infracção do referido alvará.

Neste ano de 1608, por alvará de 22 de Novembro, foram acrescentadas as ordinárias do Bispo e dignidades da Sé, e foi este o último acrescentamento que se lhes fez.

Ano de 1609

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Proveu El-Rei no governo do castelo S. Filipe, sem determinação de tempo, a D. Pedro Sarmiento, ao qual o capitão Francisco la Rua o entregou, e passou ao governo da ilha da Madeira, ou, segundo alguns dizem, das ilhas Canárias.

D. Pedro Sarmiento, cavaleiro do hábito de S. Tiago, e um dos afamados cabos de guerra que teve a Espanha, pela grande experiência desde os seus primeiros anos. Trouxe por seu tenente um irmão cujo nome se ignora. Depois de alguns anos passou a Madrid, deixando em seu lugar o referido irmão; e sendo feito mestre de campo do exército de Flandres, serviu com grande valor e notória fama, e quando assim engrandecido e com esperança de maiores honras, sobreveio-lhe uma doença da qual morreu com sentimento geral do seu exército .

Pediu D. Luiz de Alencastre ao corregedor Roque da Silveira informação do estado das fortificações da ilha Terceira, dos rendimentos a elas aplicados, suas origens, e maneira de sua fiscalização, e se era necessário acrescentarem-se . Mandou então o corregedor ouvir a Câmara de Angra, onde serviam Manuel do Canto de Castro, Domingos Martins da Fonseca, Luiz Pereira de Lacerda, Sebastião Moniz Barreto e Melchior Homem Goulart, os quais responderam que o estado da fortificação era de grande ruína; que havia muita falta de munições, petrechos de guerra e de artilharia em toda a costa; e que os rendimentos aplicados a isto eram a imposição nos vinhos, carnes e azeites, e os dois por cento, que tudo, uns anos por outros, rendia 300$000 réis, o que ainda desta quantia se tirava uma parte para as obras do castelo e pagamento dos alugueres das casas do antigo presídio.

Ano de 1610

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Ainda que não faltavam exemplos e casos julgados para que os corregedores não levassem consigo da capitania da Praia os feitos que nela corriam entre partes, o corregedor Roque da Silveira levou um de Tomé Ferraz de Figueiredo; do que ele agravou, e obteve sentença favorável em 25 de Fevereiro.

Em 6 de Março deste ano houve na ilha uma formidável tempestade, que fez muitos estragos, e se reputou efeito do cometa aparecido nos primeiros dias de Janeiro .

Por alvará de 20 de Abril de 1610 foram concedidos ao provedor e irmãos da mesa da Misericórdia da vila de S. Sebastião os privilégios da Misericórdia de Angra, para desta forma cessarem as desinteligências e rivalidades desta casa contra a dita irmandade, que já por alvará de 8 de Agosto de 1592 tinha obtido os privilégios e compromisso da Misericórdia da corte. O mestre frei Diogo das Chagas diz que esta irmandade da vila de S. Sebastião teve privilégio singular de executar ante o seu provedor os seus devedores, e que dele usou em seu tempo o provedor André Coelho Martins Fagundes, sem embargo da oposição que lhe fez o corregedor Manuel Ferreira Delgado.

Obteve a Câmara de Angra uma provisão para fintar em 60$000 réis os herdeiros das pessoas que faleceram da peste no ano de 1599, e se fazer uma igreja a S. Roque, para que o campo de sepultura de tantos cadáveres ficasse mais respeitado. E como ali jaziam os parentes de todos, e de toda a ilha vinham em romaria sufragar as almas dos defuntos, disseram convinha se fizessem também casas para os romeiros: a este fim logo se juntou grande cópia de dinheiro e se abriram os alicerces da obra, mas porque era mui grande, e a administração não ia bem, em pouco tempo se gastou, e desapareceu o massame, ficando sem efeito o intento. Com o andar dos tempos, Paulo de Oliveira, rico mercador da cidade, que tinha sido um dos depositários, talvez doendo-se de sua consciência, como se disse, efectuou uma pequena ermida, a qual depois passou a ser cabeça do convento dos recoletos, com o título de Santo António, e hoje é um dos excelentes templos, frequentado com muita devoção dos povos da cidade, em razão de se venerar nele a santa imagem de Nossa Senhora do Livramento, de cuja capela foi fundador o dito André Coelho Martins Fagundes.

Em 20 de Junho escreveu El-Rei ao corregedor, para que enviasse mil casais ao reino de Valença, donde ele tinha excluído os mouriscos, persuadindo-o das vantagens que nisto se ofereciam aos povos, e que para melhor se informarem, mandasse o corregedor dois homens a ver os lugares que se haviam de habitar, contanto que isto se fizesse com a maior brevidade.

Ano de 1611

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Tão traves foram as culpas do provedor da fazenda Germão Pereira Sarmento, que lhe não foi restituído o cargo, e por isso o conselho de fazenda despachou a Francisco Nunes Marinho, que desistiu da mercê; e sendo neste mesmo tempo despachado corregedor João Correia de Mesquita, se lhe passou ordem para servir juntamente de provedor ; e trouxe novo regimento e alçada, de que usaram todos os corregedores destas ilhas até serem extintos. Tomou posse em 24 de Setembro, sendo juízes em Angra Rui Dias de Sampaio e André Fernandes da Fonseca, vereadores Gomes Dias Vieira, o licenciado Manuel Fernandes do Casal e Manuel Pacheco de Lima, procurador Francisco Vaz Torrado.

Por alvará de 26 de Outubro foram acrescentadas as côngruas dos ministros eclesiásticos da paroquial de S. Roque dos Altares, e por outro, de 7 de Dezembro, as de S. Mateus da Calheta e de S. Bartolomeu dos Regatos (veja-se o citado mapa).

Também se passou alvará para que o Bispo pudesse ser pago, pela ilha de S. Miguel, a trigo, quando na ilha Terceira o não houvesse. Era então bispo D. Hieronimo Teixeira Cabral, que foi promovido ao Bispado de Leiria. Entre os elogios que lhe prodigaliza o nosso padre Maldonado, foi o de estabelecer por estatuto que os e capitulares fossem assistir às festas de S. João Baptista, que se faziam em Angra no seu dia: que ele mesmo deu o exemplo assistindo a elas montado a cavalo. Esta é a primeira notícia que encontrei acerca das referidas festas.

Ano de 1612

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Por alvará de 4 de Julho determinou El-Rei a Baltasar Dias e João de Sequeira, da ilha S. Miguel, que entregassem ao castelão D. Pedro Sarmiento os quatro mil cruzados que tinham em depósito, sem embargo dos 16:000$000 que estavam consignados, tudo para as obras do castelo S. Filipe; e assim mais aplicou à dita obra 400$000 réis nas rendas dos dois por cento da ilha de S. Miguel , e 500$000 réis na imposição da ilha de S. Jorge; que a Câmara de Angra desse do novo imposto 300$000 réis, por tempo de 4 anos, para se fazerem os alojamentos necessários para a infantaria do presídio; e que no fim dos 4 anos cessariam os alojamentos fora do castelo.

No ano de 1613, por alvará do 1.º de Fevereiro, se aplicaram às mesmas obras dois mil cruzados anuais, tirados dos sobejos das alfândegas de todas as ilhas, com declaração que se mandaria do Reino toda a cal precisa, determinando-se, outrossim, que o provedor avisasse do estado da obra em todas as embarcações. Tudo isto assim consignado era um quase nada em proporção do que vinha todos os anos sucessivamente de Espanha, pois chegou ocasião de virem navios da Biscaia atulhados de ferramentas, de forma que estavam muitos armazéns cheios delas de reserva.

Assim acontecia a respeito de madeiras e tabuados vindos de Flandres, e materiais de pólvora e bala, morrão e chumbo, de que estavam os armazéns tão providos que desde a entrega do castelo até ao ano de 1700 não foi necessário proverem-se de mais coisa alguma .

Sobretudo era grande o número de artilharia, pois contavam-se cento e tantas peças, entre as quais se achavam 52 de bronze, a maior parte canhões, colubrinas de 18, 20 e 24 libras de calibre, montadas nas plataformas e baluartes.

Além disto, mandava El-Rei buscar madeiras de diferentes partes, com que se faziam os reparos, tudo à sua custa, sem em nada se valer das mencionadas consignações. E tal era o seu empenho em concluir esta praça, que ele decretou nos tribunais que nas sentenças dos criminosos que merecessem ser lançados nas galés, lhes comutassem a pena remetendo-os às obras do castelo de S. Filipe. Assim eram enviados todos os mal procedidos para as mesmas obras, de onde saíam estropiados .

Disto se pode coligir quanto El-Rei anelava o fim das obras desta fortaleza, não só porque com ela dominava a Terceira, mas também todas as outras ilhas, facilitando deste modo a comunicação com as possessões ultramarinas pela provisão das frotas que a elas vinham refrescar.

Sendo pois a consignação para as obras do castelo mui considerável, absorvendo parte dos meios destinados ao pagamento do clero, ordenou El-Rei, em 7 de Junho de 1613, que dos 16:000$000 réis aplicados às obras da fortaleza se deduzissem oito contos para deles se pagarem pro rata as tenças e ordinárias, e assim se verificou. Consta finalmente, segundo diz Maldonado, que as obras do referido castelo importaram em um milhão e sessenta e tantos mil cruzados.

Ano de 1613

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A 13 de Janeiro passou-se alvará para que o corregedor tomasse residência aos juízes dos resíduos e ouvidores dos capitães, que nas ilhas, abusando dos poderes de seus cargos, sentenciavam quase todos os feitos civis e crimes sem apelação nem agravo, absolvendo ordinariamente os delinquentes que mereciam grandes castigos, de que resultavam muitas desordens na justiça, que o corregedor não podia remediar segundo um artigo de seu regimento, pelo qual se lhe ordenava que por nenhuma via tomasse conhecimento das sentenças dadas pelos ouvidores dos capitães.

E pr se entender finalmente que o remédio de tudo isto era tomar-se-lhes residência do tempo que tivessem servido, assim o mandou El-Rei no dito alvará que dali por diante a dessem de certo em certo tempo, como no Reino a davam os juízes dos órfãos; e como os escrivães faziam conta de não darem residência, e cometiam muitos excessos, lhes tomasse residência também: e com isto — formais palavras — se atalhariam os grandes insultos que de contínuo ali sucediam, de mortes, furtos de mulheres, testemunhos falsos, roubos de campo, que qualquer dos ditos ouvidores absolvia sem apelar nem dar castigo, e eles ficavam sem ele, por não dar residência, e os delinquentes mais atrevidos para o diante.

Outrossim, ordenou El-Rei que o corregedor por correição visse os feitos não apelados dos ouvidores, e achando que não cabiam na sua alçada os apelasse, obrigando os culpados a lhe mostrarem melhoramentos; e que também indo por correição visse as doações dos donatários, para saber se excediam alguma coisa do que por elas lhes era concedido; e que em fim de tudo, o avisasse por suas cartas do procedimento dos sindicados na obrigação de seus cargos, e de seu talento, partes, vida e costumes, mandando estas informações com os autos das residências à Mesa do Desembargo do Paço; e que “destas concessões usariam os corregedores que lhe sucedessem no porvir” (Livro 2.º do Registo da Câmara de Angra, fl. 137).

Em consequência desta ordem procedeu o corregedor à correcção em todas as ilhas, e achando provedores dos resíduos nomeados pela Mesa da Consciência, os suspendeu ; porém, recorrendo eles de tal suspensão, decidiu-se que a este tribunal, e não ao Desembargo do Paço, competia fazer a nomeação (alvará de 12 de Novembro de 1613).

Ajuntaram-se as Câmaras da ilha a 31 de Janeiro, na vila de S. Sebastião, e resolveram dar 250$000 réis à pessoa que alcançasse o não se pagar impostos dos trigos que se embarcavam para o reino. Também acrescentaram o valor nominal da moeda, com aumento de 10 réis em cada tostão.

Continuavam as obras da casa da Câmara e paço do concelho, acrescentamento da praça e melhoramento das ruas da cidade; e para isto mandou El-Rei dar mil cruzados.

Perseverando El-Rei no intento de concluir a edificação do castelo S. Filipe, expediu alvará no 1.º de Fevereiro recomendando ao corregedor João Correia de Mesquita que continuasse na fábrica dele, acrescentando o quartel e provendo-se de todo o necessário e tirando mais dois mil cruzados dos sobejos dos rendimentos das alfândegas das ilhas; e que não os havendo, mandaria El-Rei prover do dinheiro das terças dos concelhos.

Foi este ano de 1613 o que se diz da esterilidade dos campos no geral da ilha Terceira. Enquanto as ervas dos pastos foram tão consumidas dos tempos, que os gados na maior parte não tiveram que comer, morrendo de fome: e sendo então o preço regular de uma carrada de palha 100 réis, chegou a vender-se a 6 e 7 tostões.

Por alvará de 12 de Novembro foi regulado o modo de se fazerem as eleições dos oficiais das Câmaras nas vilas e lugares, donde iam a El-Rei para as apurar ; e se determinou a forma de proceder contra os subornadores (citado Livro 2.º do Registo da Câmara de Angra, fl. 344).

Ano de 1614

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Foi este ano um dos mas calamitosos que experimentaram os nossos antepassados, por causa do espantoso terramoto que abalou toda a ilha Terceira, e totalmente destruiu e assolou as 5 povoações da capitania da Praia, a saber, a vila deste nome, as freguesias de Fontinhas, Lajes, Vila Nova e Agualva, que lhe ficam ao norte. Daremos agora uma abreviada notícia deste miserando acontecimento, e das providências que se deram para socorrer os povos, e se repararem os edifícios arruinados.

Na quarta-feira 9 de Abril de 1614, entre as 9 e as 10 horas da noite, sentiu-se na ilha Terceira um violento tremor de terra, que, dando com maior ímpeto na freguesia das Fontinhas, derribou quase todas as suas casas, excepto duas que por muito arruinadas que ficaram ninguém as quis depois habitar . A mesma sorte experimentou a igreja paroquial de Nossa Senhora da Pena, e a ermida de Santo António, que ficaram derribadas até aos alicerces.

Parece que em meados do mês de Maio daquele ano já se tinham sentido na ilha alguns pequenos abalos de terra, e que no dia 24 de manhã tinha havido dois ; porém na tarde daquele dia, que era véspera da Santíssima Trindade, houve em toda a ilha um impetuoso terramoto, que nela causou um susto e espanto jamais experimentado, principalmente na vila da Praia e sua jurisdição. Deste miserando caso achámos no livro dos óbitos da igreja matriz, a fl. 48, verso, o seguinte termo: — “Em 24 de Maio de 1614, depois das 3 horas e um quarto, estando o vigário e nós beneficiados a vésperas, e um dos padres-curas, deu um terramoto nesta vila e sua jurisdição, que arrasou as igrejas é casas desta vila; e dos que estavam dentro na igreja faleceu o padre Francisco Teixeira, beneficiado, e o padre-cura Melchior Machado, e Manuel de Barcelos, mercador, Gaspar Dias Pomposo, Catarina Fernandes, mulher de Gaspar Afonso, que estava no confessionário para se confessar. O padre Melchior Machado tinha feito testamento: é sua irmã Justa Lourenço testamenteira. Acha-se que nesta vila faleceram, afora as pessoas acima nomeadas, 24, cujos nomes não escrevo por não ser necessário” .

Por efeito deste terramoto caíram 1600 fogos; excepto os que não tinham moradores, e 21 igrejas; a saber, 5 paroquiais, 2 mosteiros de freiras, 1 convento de frades, o recolhimento das Chagas, e 17 ermidas filiais .

Faleceram nos conventos 3 freiras e uma fâmula; e das outras pessoas, grandes e pequenas, afirmou-se que morreram mais de 200 .

Também se arruinaram alguns edifícios nas freguesias do Cabo da Praia e Fonte do Bastardo, que ficam na parte sul, e que são da jurisdição da referida capitania.

Na vila de S. Sebastião caíram muitas casas e arruinaram-se as fortificações da costa; e até 20 de Novembro do dito ano de 1614 não cessou de tremer a terra, algumas vezes ainda que brandamente . Consta do auto, a fl. 117 do Livro dos Acórdãos, exarado em 30 de Maio, que esta vila tomou sua protectora Nossa Senhora da Graça, com a promessa de lhe fazer no dia do aniversário do terramoto uma procissão como se faziam as de El-Rei; e de facto a fez por muitos anos.

Igual promessa fizeram os irmãos da Misericórdia da Praia ao Senhor Santo Cristo, e se cumpriu até ao ano de 1841, em que, por semelhante acontecimento no dia 15 de Junho, mudaram a procissão para este dia.

Espavoridos e aterrados os moradores da vila da Praia com tão infausto acontecimento, que os pregadores e padres espirituais lhes inculcavam efeitos da cólera divina , abandonaram suas casas no intento de não voltarem mais a elas.

Deste número foram os religiosos franciscanos, que se retiraram ao seu convento de Angra, e as freiras de Jesus, que se recolheram ao palácio do Bispo, que se achava despejado, a 31 de Maio; e as da Luz, em 11 de Junho, ao convento da Esperança. A matrona Isabel da Piedade, regente do recolhimento das Chagas, e outras mulheres nobres do mesmo instituto, foram habitar em uma pequena propriedade sua à Canada das dadas, limite da Agualva.

Uma grande parte dos ricos proprietários e cidadãos da vila retiraram-se à cidade, ou para os limites daquela capitania, resolvidos a não voltarem mais à vila; e a maior parte do povo saiu da sua jurisdição e espelhou-se por toda a ilha, implorando dos seus conterrâneos os necessários socorros para manter a vida e cobrir as carnes, pois que lhes não restava coisa alguma, tendo tudo que possuíam ficado seupultado debaixo das ruínas.

Para ocorrer a tamanhos trabalhos e necessidades deste povo, imediatamente se ajuntaram em Angra as Câmaras da ilha, o cabido da Sé, o corregedor João Correia de Mesquita e o provedor da fazenda, e depois de algumas providências que mais demandavam as circunstâncias; resolveram dar parte a El-Rei, pedindo-lhe os socorros indispensáveis para os moradores daquela vila, e reparação das mais povoações assoladas. Por voto unânime foi eleito o nobre cidadão João Vaz de Vasconcelos, a quem foram entregues os autos e cartas que todas estas corporações e o corregedor escreveram a El-Rei; e com efeito partiu o deputado para a corte levando estes requerimentos e cartas de recomendação para o donatário marquês de Castelo Rodrigo, pedindo-lhe o seu valimento.

Alguns embaraços houve sem dúvida na corte de Madrid, antes que se deferisse a tão justas representações; porém, a 18 de Maio de 1615 escreveu El-Rei ao corregedor, acusando a recepção das participações sobre este negócio, e louvando muito a diligência com que ele procedera e acudira aos trabalhos e necessidades dos referidos povos; e ao mesmo tempo lhe deu parte de uma provisão que mandara passar aos oficiais da Câmara pela qual se entenderia o que lhes concedera para se povoar e reedificar a vila da Praia e sua jurisdição.

Desta provisão constava, em suma, o seguinte: — Que, juntos os oficiais das Câmaras com algumas pessoas da governança, tratassem da reedificação da dita vila, para que se concluísse com a maior brevidade; e o que se assentasse o desse logo o corregedor à execução; e que primeiro que tudo se tratasse da reedificação dos mosteiros de Jesus, da Luz, e de S. Francisco; e que os religiosos e religiosas deles pudessem pedir esmola em todas as ilhas dos Açores. — Que o corregedor tratasse com o Bispo, e custódio de S. Francisco, a quem eram sujeitas as freiras, a maneira de tirar das suas rendas alguma quantia, que se devia depositar para esta reparação dos mosteiros; e que para se fazerem as capelas pertencentes a morgados, examinaria o corregedor as instituições, obrigando os administradores e testamenteiros a que também os reedificassem, sequestrando-lhes os rendimentos aplicados às ditas capelas. — Que os donos das casas as reedificassem, ou pudessem vender os sítios a quem lhes parecesse para as levantar, e não o fazendo no espaço de 3 anos, ficariam devolutos ao concelho, para se darem a quem os aproveitasse edificando neles algumas casas, ou convertendo-os em ruas públicas, com tal ordem e traça que ficassem as ruas melhor do que de antes estavam, o que seria dirigido por algum arquitecto que El-Rei mandaria a esta ilha, não havendo cá algum. — Para as obras da casa da Câmara e muros da vila, e ainda para se reedificarem os mosteiros mais pobres, concedeu os sobejos dos 2 por 100 de todas as ilhas, que estavam aplicados à fortificação; e bem assim concedeu por tempo de um ano em todas as ilhas dos Açores, um real de imposição em cada arrátel de carne, quartilho de vinho e de azeite para as obras da reedificação da vila; e que a aplicação de todos estes rendimentos fosse feita pelo corregedor e oficiais da Câmara da Praia, os quais, findo o ano, lhe dariam parte se ainda se carecia desta imposição, e se se poderiam escusar as imposições antigas, ou dilatar o efeito das coisas para que estavam aplicadas. — Que aos soldados do presídio se não consentisse terem venda alguma fora do castelo. — Que os moradores da Praia não pudessem ser fintados para outro fim antes de se concluir esta reedificação. — E para que, com mais vontade, os moradores daquela capitania se aplicassem à obra e fossem habitar a vila, lhes concedeu os privilégios dos cidadãos do Porto. — E finalmente recomendou El-Rei ao corregedor com muita particularidade, que todo o tempo que pudesse escusar dos negócios ordinários, o ocupasse na superintendência destas coisas, a fim de se concluir a reedificação com a maior brevidade.

Para as capelas-mores, retábulos, e sacristias das igrejas paroquiais, concedeu El-Rei 2 mil cruzados anuais por tempo de 4 anos, dos 3 mil cruzados aplicados às obras da Sé (alvará de 20 de Maio de 1615). Concedeu-lhe também os decaídos, e dinheiro que se achasse em depósito em todas as ilhas, procedidos dos 2 por 100; e constando lhe que algumas Câmaras pretendiam embargar estas provisões, mandou que o corregedor lhes desse vista em separado (alvará de 10 de Setembro de 1615).

Apesar das demoras que em tudo isto havia, como já constavam as providências que o governo dava para se reedificar e habitar a vila, uma grande parte dos seus moradores tinha voltado a ela. As freiras da Luz, e os padres de S. Francisco cuidavam de reparar os seus conventos, e o governo administrativo e judiciário da vila continuava: só as freiras de Jesus, induzidas por algumas pessoas, e protegidas pelo bispo D. Agostinho Ribeiro, não queriam reedificar o seu convento, antes se tinham decidido a fazer um novo em Angra, para nele ficarem. Disto se queixou a Câmara da Praia a El-Rei, o qual escreveu ao seu plenipotenciário era Roma, para que negociasse um breve de S. Santidade, pelo qual estas religiosas fossem obrigadas a voltar ao seu antigo mosteiro, o que assim foi concedido. Em consequência disto, e a pedido da Câmara, passou-se uma provisão em 7 de Setembro de 1617 para que Francisco da Câmara Paim, capitão-mor daquela vila, começasse a obra deste mosteiro, e achando-se pronta a clausura, se recolhessem a ele as freiras, pelo dano que se seguia em não irem habitá-lo, porque com este exemplo muitas proprietários e cidadãos daquela capitania faziam o mesmo, e a terra ficava exposta a ser entrada por aquele porto.

Outra providência deu El-Rei, que muito aproveitou, e foi a provisão de 17 de Setembro de 1617; por ela mandou fintar a fazenda dos moradores da capitania, presentes e ausentes, para concerto dos corpos das igrejas, e mandava que feitos as arrematações destas obras se verificasse a finta, nomeando-se um depositário para receber todos os dinheiros em arca de três chaves, uma das quais teria o corregedor, outra o vereador mais velho, e a terceira o mesmo depositário, fazendo-se livro da receito e despesa, numerado e rubricado pelo dito corregedor.

Todas estas ordens se executavam pontualmente; mas as freiras de Jesus achavam de dia em dia meios de se escusar, para não reedificarem o seu convento, nem o irem habitar. Em 16 de Fevereiro de 1619 passou-se alvará para que elas fossem para a Praia onde já se achavam há muito as outras religiosas e a gente que de antes havia na dita vila; e ordenou El-Rei que se pusesse perpétuo silêncio nesta causa, e nela se não replicasse, nem houvesse alteração, como já tinha mandado por vezes; e que o corregedor e o deão fossem à Praia tomar as casas que lhe parecessem convenientes para recolhimento destas religiosas, ordenando-lhes clausura enquanto se reedificava o mosteiro. O que não obstante, vieram elas com embargos à provisão, mas o bispo deles não tomou conhecimento, antes os remeteu ao Desembargo do Paço, que ultimamente os decidiu a 28 de Setembro de 1619, mandando ao corregedor Manuel Vieira Borba desse pronta execução às provisões, e ao bispo que de sua parte as fizesse cumprir.

Ainda assim mesmo não quiseram as religiosas obedecer, por se lhes ordenar que pelos rendimentos do convento reparassem as ruínas que nele estavam por compor, e que as freiras que não quisessem ir, ficassem sem receber coisa alguma dos bens do mosteiro; e sendo-lhes notificada a ordem diante do Bispo e do corregedor, a desatenderam dizendo algumas palavras descompostas, não deixando sair algumas que queriam ir para o convento, fechando-lhes as grades do parlatório e as portas claustrais com grande arruído e pelejando umas com as outras.

Pelo que lhes mandou El-Rei sequestrar todas as rendas, para que não pudessem comer delas: impediu-lhes a água para beberem, fazendo-lhes quebrar os canos por onde lhes ia, tolhendo-lhes também os mantimentos que lhes levavam de fora; e finalmente determinou que, querendo algumas das ditas freiras ir para o mosteiro, as levasse com toda a decência (alvará de 4 de Julho de 1620).

A 22 de Maio de 1621 ainda os oficiais da Câmara pediam que as ditas freiras fossem obrigadas a voltar à Praia, e que, não querendo, se lhes quebrassem as portas e fossem levadas à força; porém, El-Rei mandou pôr termo à pertinácia das referidas religiosas, incumbindo ao Bispo e ao corregedor este negócio, pelos meios e modos que eles julgassem convenientes (provisão de 7 de Junho de 1620). Determinaram-se finalmente as religiosas, obrigadas da necessidade, a seguir as ordens de seu prelado, e recolheram-se ao convento, dando entrada na vila em acto processional e cruz alçada.

Antes porém de se efectuarem todas estas coisas, suscitaram muitas dúvidas e dificuldades, que não parece justo esquecer. Logo que chegou a provisão de 18 de Maio de 1615, ajuntaram-se na Praia, a 2 de Setembro, o corregedor Mesquita e os oficiais da Câmara da cidade, Cristóvão de Lemos de Mendonça, juiz, Luiz Homem da Costa, Cristóvão Borges, e Luiz do Canto, vereadores, e o procurador do concelho Pedro Dias, com os respectivos misteres. E bem assim foram juntos os oficiais da Câmara a Praia, Miguel do Canto Vieira e Manuel Paim da Câmara, juízes, André de Sousa Pereira, Gaspar Monteiro e Luiz Vaz de Vasconcelos, vereadores, e o procurador Domingos Pacheco, os misteres, e vários cidadãos da governança da vila. Proposto o negócio das novas imposições, não faltaram dificuldades da Câmara de Angra, que se opôs pretextando com as muitas fintas que a cidade pagava, e com os serviços que desde 30 anos àquela parte havia feito .

Começou então uma grande controvérsia entre as duas Câmaras, que terminou por agravar a de Angra do corregedor, em razão de lhe ar vista em auto apartado, do que resultou um volumoso processo, que foi decidido na Relação contra a Câmara agravante a 11 de Março de 1616 .

Sem embargo dos embargos opostos pela Câmara, procedeu ao lançamento das imposições, que o corregedor verificou por um regimento autêntico, determinando os livros respectivos, escrivão, e depositário dos dinheiros, como se achava ordenado, assim nesta ilha como nas ilhas de baixo, onde ele foi, resolvendo ali muitas dúvidas e embargos que em todas elas a uma voz se lhe opuserem, principalmente na ilha de S. Miguel, na qual passou a estabelecer o imposto. Retirou-se por fim a esta ilha com muito risco de sua vida, por se queimar o navio em que vinha, do qual apenas pôde escapar-se com só 383$000 réis do produto da imposição, morrendo-lhe desastrosamente dois escrivães e o porteiro da correição, com cinco religiosas que na embarcação vinham.

Por este mesmo tempo ocorreram os negócios da fortificação destas ilhas, por notícias que houveram de corsários as demandarem, o que distraiu o corregedor dos negócios da reedificação, e o obrigou muitas vezes a fazer-se substituir pelo capitão-mor Francisco da Câmara Paim. Mas achando-se já desembaraçado de tantos cuidados, foi pessoalmente assistir à conclusão das ditas obras, aposentando-se na Praia em 6 de Outubro de 1618, dia em que com os vereadores assentou dirigir a El-Rei novas súplicas para se dar fim ao negócio da reedificação da vila, segundo os socorros que novamente lhe pediam.

E não há dúvida que com a sua presença tudo se animou, e os trabalhos se adiantaram visivelmente, a termos de se recolher a suas casas o resto dos moradores que estavam ausentes ou privados delas; o que na verdade tudo foi devido ao seu zelo incansável, boa inteligência, e sobretudo ao seu notório desinteresse, qualidades estas tão estimáveis, como raras de encontrar nos homens em iguais circunstâncias .

Neste mesmo ano de 1614, por alvará de 12 de Julho, foi confirmado Bispo desta diocese D. Agostinho Ribeiro, com ordenado de 1:200$000 réis, com faculdade de haver 800$000 réis da feitoria de Angra, e 400$000 réis da feitoria de Ponta Delgada. Era natural do Brasil e achava-se bispo de Ceuta quando foi promovido a este Bispado . Era este bispo doutor em teologia, em cuja faculdade se dizia ser muito inteligente. Pregava no estilo mais eloquente, em que ninguém se lhe avantajava . Era mui prático em todas as matérias políticas, crónicas dos reis e dos pontífices, em que falava com grande conhecimento de causa. Não quis jamais prover os ofícios de propriedade, e costumava dizer que a confirmação dos benefícios eclesiásticos fazia esquecer os padres das suas obrigações. Cheio de moléstias e gotoso dos pés, veio a falecer a 12 de Julho de 1621. Foi o décimo bispo desta diocese, e o quinto que jaz na Sé.

Ano de 1615

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Obtiveram os soldados do presídio sentença a seu favor nos embargos com que vieram os eclesiásticos à provisão de 1613, pela qual se ordenava que fossem preferidos nos 8 contos de reis, dos 16 consignados para pagamento dos soldados, com declaração que nas rendas eclesiásticas prefeririam sempre os padres, e que nas rendas das alfândegas fossem preferidos os soldados. Também os tencionários alegavam preferência ao pagamento do presídio; porém não lhes foram recebidos os embargos.

Servia de provedor da fazenda real João Trigueiros.

Ano de 1616

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Em provisão de 23 de Novembro foi permitido caçar aos coelhos nos meses proibidos, ou de laço ou de outra qualquer forma, por ser isto caso de devassa; e na provisão declara-se a necessidade que havia de se tomar esta medida, para evitar os danos que esta praga causava nos campos semeados.

Por morte de João Ponce, homem de muita idade , foi provido proprietário no governo do castelo D. Gonçalo Mexia, fidalgo nobilíssimo, e muito amigo dos portugueses. Era naturalmente inclinado a florestas, e por isso edificou uma na grota, e junto dela fez construir a ermida de Santo António. Serviu com ele de tenente Filipe Espínola Quiroz.

Ano de 1617

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Tendo El-Rei notícia de haverem saído de Argel duas esquadras de corsários, comandadas pelo general genovês Tabaca Raz, que se entendia vinham saquear algumas ilhas dos Açores, por se haverem saído bem dos assaltos que deram nas ilhas de Santa Maria e do Porto Santo, de onde nos anos antecedentes levaram grande número de cativos, despachou ao capitão e sargento-mor Marcos Fernandes de Teive com quantidade de pólvora e munições, para que, ajuntando-se no castelo de S. Filipe com o governador Gonçalo Mexia, com o corregedor Mesquita e com o capitão-mor Manuel do Canto de Castro, tratassem o melhor modo de defender a ilha Terceira, e as mais da sua dependência, a fim de que o inimigo, atacando-as, achasse a necessária resistência.

Para isto se efectuar escreveu El-Rei a todos os nomeados, significando-lhe o muito que confiava do seu zelo e boa inteligência; e que não hesitariam pôr em acção todos os meios que no caso se pediam para repulsa do inimigo (veja-se a carta do corregedor — Documento B*** —).

Ajuntaram-se com efeito no castelo os mencionados militares com o corregedor João Correia de Mesquita, e trataram com seriedade o plano da defesa desta ilha, em conformidade do regimento que trazia o capitão e sargento-mor Marcos Fernandes de Teive, que lhe dava poderes tão latos como eram os de despovoar ilhas quando o julgasse conveniente.

Em consequência destes poderes aumentou as companhias, reformou oficiais e demitiu todos os que julgou incapazes ou de pouca confiança. Cuidou-se imediatamente na fortificação da costa, proveu-se o castelo dos necessários mantimentos e redobraram-se as vigias e os exercícios da milícia.

Concluídos estes trabalhos e preparativos na parte de Angra, passou o capitão e sargento-mor à capitania da Praia, com o corregedor, e na Câmara com os vereadores e capitão-mor, provedor das fortificações, Francisco da Câmara, trataram o modo conveniente de defender a baía do porto; mas tudo ali se achava na maior deterioração, não só do tempo em que o castelhano entrara a ilha e recolhera a maior parte da artilharia ao castelo, senão ainda pelo destroço do terramoto de 1614.

Contudo, como o inimigo que se esperava era tanto de temer, não faltaram os braços dos povos e o manejo das armas nos continuados exercícios. Cozeu-se em toda a ilha grande quantidade de trigo em biscoito , prepararam-se outros bastimentos, e durante aquele verão esperou-se pelo inimigo, que, suposto aparecesse nestes mares, cativando alguns navios e barcos, não ousou atacar alguma destas ilhas, às quais, logo depois dos primeiros meses, passaram o capitão e sargento-mor Teive e o corregedor Mesquita, para dispor iguais planos de defesa.

Veio inquisidor e visitador por parte do Santo Ofício o licenciado Francisco Cardoso, colegial do colégio de S. Pedro, visitador das ilhas da Madeira e Açores, por alvará de 20 de Julho. Ausentando-se no ano de 1619, deixou seu comissário ao reitor da Companhia de Jesus, Francisco Valente, e aos mais que lhe sucedessem, para visitarem as ilhas Terceiras, a saber, S. Jorge, Faial, Pico, Graciosa, Flores, e Corvo; e que servissem de visitadores de todos os navios que ao porto viessem, assim mercantes como de guerra, com pena de excomunhão aos que lhes não deixassem visitar os tais navios.

Foi neste ano criado o curato da paroquial de S. Pedro da Ribeirinha pelo bispo D. Agostinho Pinheiro.

Ano de 1618

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Continuando El-Rei no intento de fortificar as ilhas dos Açores, aceitou o oferecimento que lhe fez Pedro Alvernaz, de fornecer no prazo de 4 meses as armas e munições necessárias a saber, 2000 mosquetes aparelhados com seus frasquilhos, 1000 arcabuzes, 1000 lanças de 21 a 22 palmos de comprido, 300 quintais de pólvora, 200 de chumbo e 100 de morrão (provisão de 19 de Julho de 1618).

Este oferecimento aceitou El-Rei, e o teve por um grande serviço, muito mais que Pedro Alvernaz tratou os pagamentos que lhe haviam de ser feitos com muita vantagem do Estado e da Câmara de Angra, a qual ficou obrigada a dar para estas munições anualmente 100 cruzados das imposições e 2 por 100; mas achando que o contrato fora lesivo, porque o fornecedor dito Alvernaz ganhava meio por meio dos preços por que as armas e munições se vendiam ordinariamente, embargaram a provisão , alegando também que a cidade estava muito pobre, e tinha à força concorrido com mais de 100 mil cruzados para pagamento e sustento do presídio, que os 2 por 100 não davam para os reparos da fortificação da costa, e que a cumprir-se aquela provisão se poderia dizer que se dera outro saque à cidade; e que os seus moradores faziam, e tinham sempre feito, grandes serviços à coroa de Portugal e Castela, porque no ano de 1597 defenderam no porto da cidade 12 galeões carregados de prata, metendo-os no porto, apesar de 150 velas de que era general o conde de Essex, que às bombardadas lhes queria tirar das mãos . E assim defenderam a nau Conceição que vinha da Índia, e a meteram no dito porto, apesar de uma armada holandesa que às bombardadas a queria tirar do ancoradouro, o que conseguiria se não fossem os moradores da cidade. Que outrossim salvaram a fazenda e drogas da nau da Índia S. Jacinto, à custa de muito trabalho, vida e saúde de muitas pessoas que a tiraram de debaixo de água com o socorro de bombas e invenções, do que resultou adoecerem e morrerem muitas pessoas; e nos mais dos anos levaram da cidade às naus da Índia que de ordinário passavam pela ilha, embarcando-se em defesa delas, como era bem notório, público e sabido, &c. &c.

Alegava-se por parte do embargado Pedro Alvernaz, que os vereadores eram suspeitos, porque todos eles serviam na milícia, como eram os capitães Cristóvão de Lemos, Domingos Vieira Pacheco, Diogo do Canto de Castro, e Francisco Cardoso Machado, que embargavam a distribuição das armas para se furtarem ao trabalho; que por isso na ilha de S. Miguei tais pessoas da milícia não serviam as Câmaras. Com estes argumentos de parte decidiu-se, por sentença do Desembargo em 27 de Abril de 1622, que não eram agravados os agravantes, e se cumprisse a provisão embargada.

Constando a El-Rei as grandes desavenças que desde o ano de 1531 sucessivamente havia nas Câmaras da ilha Terceira, por se não escolherem pessoas nobres para os cargos de almotacés, determinou, em provisão de 5 de Abril, que feita a eleição lhe fosse remetida, para ele nomear os que deviam servir estes cargos. Deu ocasião a esta medida preventiva e eleição que se fez de almotacé da cidade de Angra na pessoa de Francisco Lopes Estaço, irmão de Melchior Estaço, mamposteiro-mor da redenção dos cativos, que, suposto ser de nação hebreia, servia este e outros cargos do município. Opôs-se à dita eleição o juiz mais velho, Lopo Gil Fagundes, alegando contra o eleito não só a qualidade de pertencer à referida nação e ser menor de 25 anos, senão ainda outras razões que o excluíam do cargo; encontrando desta forma os votos dos mais vereadores e do corregedor João Correia de Mesquita, que, autuando-o por algumas palavras descomedidas que ele disse, o suspendeu e prendou, dando-lhe finalmente por homenagem a cidade.

Deste procedimento resultou um tumulto na mesma cidade, acudindo o povo armado às vozes do juiz, arrombando as portas da casa da Câmara onde se estava processando o feito.

De tudo agravou o juiz Lopo Gil Fagundes, e obteve provimento na Relação a 22 de Dezembro de 1618. Embargada na chancelaria a sentença, proferiu-se o julgado (constante do — Documento O*** —) pelo qual se conhece a que ponto chegou este caso. E por efeito do julgado foi posto em liberdade o juiz recorrente, condenados nas custas os vereadores e o corregedor. E com efeito sendo requeridos por elas, cabia a cada um 5$750 réis, vieram com embargos dizendo: — ‘‘Que provariam em como a lei rigorosa que se fizera em 1618 para que a gente hebraica não servisse, não estava pública nesse tempo nesta ilha. — Que as razões por que prenderam ao agravante, fora porque ele se descompusera de razões com cólera, e chamara pelo povo, e fizera acudir gente armada a arrombar as portas da Câmara com grande motim, e ameaçar pegando em alguns oficiais descomedidamente, resistindo-lhes, e não os deixando fazer seus ofícios”.

Contudo não procederam os embargos; o juiz foi restituído ao seu cargo, repreendidos os vereadores e o corregedor, a quem El-Rei deu o tempo por acabado, nomeando para o substituir, em provisão de 19 de Novembro do dito ano, ao desembargador Manuel Correia Borba, natural do termo de Alcobaça, com autoridade de servir de provedor da fazenda por tempo de 6 meses, até entrar neste cargo Manuel Pacheco de Lima, que todavia tomou passe em 22 de Outubro.

Com este contador e provedor da fazenda teve o capitão-mor de Angra uma grande questão, pretendendo obrigá-lo a comparecer nos alardos que repetidamente se faziam na cidade; porém sobre isto o defendeu o conde de Faro, enviando-lhe muitos privilégios que o isentavam na qualidade de juiz contador da fazenda, e, entre outros, uma carta de El-Rei D. João I, escrita era Santarém a 30 de Novembro de 1437, pela qual se mostrava o privilégio de todos os oficiais das alfândegas, aplicável no presente caso; e com isto se pôs termo à questão.

Houve neste ano sentença do corregedor, com trânsito em julgado, para que as companhias de ordenanças da vila de S. Sebastião e Porto Judeu ficassem sujeitas à cidade. Por efeito desta sentença deixou de haver ali capitão-mor, que então era Diogo Álvares Machado.

Não cessavam os corsários de infestar os mares dos Açores com grande poder, obrigando por esta causa os povos a continuados exercícios da milícia. No dia 22 de Junho de 1618 foi o corregedor João Correia de Mesquita à Câmara da Praia prevenir os vereadores de que, por aviso certo, lhe constava haverem os turcos entrado nas ilhas Canárias, e saqueado a de Lançarote e a Gomeira; pelo que determinou se entregasse a cada capitão 100 arráteis de pólvora, ao menos, e que em cada um dos 12 fortes da baía daquela vila estivessem preparadas duas peças, a termos de que os inimigos fossem de ali rechaçados no caso de intentarem desembarcar.

Em 23 de Outubro faleceu D. Gonçalo Mexia, 3.º governador do castelo de S. Filipe.

Neste mês chegou à ilha o corregedor Manuel Correia Borba, natural do termo de Alcobaça.

Ano de 1619

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A 14 de Janeiro deste ano passou o corregedor Manuel Correia Borba à Câmara da Praia, e mandando abrir o cofre dos pelouros dos oficiais que haviam de servir nos anos de 1620 e 1621, os queimou em público assim como os autos da eleição, que no dia primeiro de Janeiro do mesmo ano, em sua ausência, fizera Francisco da Câmara Paim, ouvidor do conde de Lumiares, D. Manuel de Moura, donatário desta ilha, provido por óbito de seu pai D. Manuel de Moura no ano de 1614 . Suspendeu os juízes e oficiais há pouco eleitos, e fez nova eleição.

Apelando deste procedimento ouvidor, e Tomé Correia da Costa, não lhes recebeu o corregedor a apelação; agravando, obtiveram finalmente na Relação dos feitos da coroa, a 16 de Janeiro de 1620 (Livro do Registo da Câmara da Praia, de fl. 174 verso até fl. 183). Por maior brevidade, não relatamos as alegações jurídicas que neste renhido pleito se fizeram, contentando-nos com dizer, que, além de várias provisões e alvarás produzidos em favor da jurisdição dos capitães e seus ouvidores, para poderem fazer as tais eleições na falta dos corregedores, ajuntaram os agravantes 12 sentenças proferidas na Relação em favor daqueles, desde o ano de 1548; com o que sobejamente se provam as inquietações em que de muito tempo àquela parte andava a ilha Terceira por causa das eleições municipais.

Foi nomeado provedor da fazenda António Ferreira de Betancor, natural da vila de Água de Pau da ilha de S. Miguel, da nobre família dos Bettencourt. Era formado em direito civil, e muito douto; sobre tudo tão político, que suas cartas e escritos admiravam os ministros do conselho, em tal forma que por extraordinários eram geralmente procurados e lidos com o maior interesse .

Passou à Flandres logo depois de formado, onde ocupou os cargos de justiça, e por seus procedimentos denotarem a qualidade de seu ser, também casou nobremente. Aspirando viver na sua pátria, julgou que constituído no cargo do provedor da fazenda com ordenado do 200$000 réis para si e seus descendentes, vinha a ser a melhor fortuna que podia alcançar. Assim obteve este cargo com condição de levar ao Maranhão 50 casais à sua custa, e trazer de Flandres dois mestres que fabricassem salitre e pólvora, e as munições e materiais de guerra pelo valor que naqueles estados corressem e que ele desempenhou, despendendo nesta comissão grande quantia, com que poderia comprar um grande morgadio para si, seus filhos e descendentes. Mas não aconteceu assim; pelo contrário, comprou-lhes o dito ofício em que pelos anos em diante se viram inquietos e desgraçados.

Concedeu-se que ele e seu escrivão tivessem aposentadorias, e que não pudessem ser querelados; e que vindo-lho alguém com suspeição teria ele provedor por adjunto o corregedor, e na sua falta o juiz ordinário; e tomaria por escrivão adjunto um tabelião que mais sem suspeita parecesse; que falecendo não pudessem as justiças entender com sua fazenda, e muitos outros privilégios. E tendo satisfeito às condições a que se ofereceu, El-Rei lhe mandou passar carta em 20 de Dezembro de 1624. A 15 de Outubro de 1635 passou-se carta a seu genro, Agostinho Borges de Sousa, em quem ele cedeu o cargo de provedor da fazenda.

Ordenou El-Rei, em carta de 22 de Novembro, que as fábricas das igrejas se entregassem aos vigários de cada uma delas, cessando o costume de se entregarem a um tesoureiro, que, além de fazer despesa, dilatava as entregas.

Ano de 1620

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Pretendeu o corregedor Manuel Correia Borba ampliar tanto a sua jurisdição, além dos regimentos que lhe prescreviam as ordenanças, que inquietou a ilha Terceira com mandados arbitrários; de modo que se lhe opuseram os vereadores da Câmara de Angra, interpondo dele sete recursos de agravo, dos quais só em dois não obtiveram provimento, como achámos no Livro do Registo, fl. 119, em data de 4 de Janeiro deste ano. Continha a sentença: — “Que levantava a suspensão do juiz Domingos Vieira Pacheco, e que o corregedor não fosse assistir em Câmara à feitura dos oficiais dela que se tiravam por pelouro. — Que não tomasse contas ao tesoureiro da cidade. — Que não mandasse passar mandados em seu nome para se lhe pagarem ordenados e salários das ditas contas antes de o fazer constar aos oficiais a quem pertencia fazê-las. — Que não passasse também mandado para se despenderem bens do concelho e dinheiro, por não ser da sua competência. — Que não proibisse os oficiais arrendarem por arrematação o 2 por 100 sem ele estar presente, por lhe não pertencer, senão aos ditos oficiais, e ele quando viesse por correição saber se o cobrado e o despendido fora como convinha, e nas coisas para que a dita renda era aplicada. — E que finalmente assim mandavam se cumprisse, e que o corregedor se não intrometesse no que lhe não pertencia, aliás se procederia contra ele com o rigor que convinha”.

Afora estas sentenças proferidas contra este corregedor, acham-se muitas outras das quais não fazemos menção por abreviar. Também se intrometeu na jurisdição da fazenda real, do que resultou o ser asperamente repreendido em uma provisão que se acha registada no livro da Feitoria, a que se refere o Padre Maldonado. De todos estes factos se conclui sobejamente que ele não fez tão boa justiça na ilha Terceira, como disseram alguns dos nossos cronistas, e que por isto El-Rei lhe deu o tempo por acabado.

Era consequência de haverem saído de Argel 46 velas com 6 a 8 mil homens no intento de assaltarem algumas ilhas deste arquipélago, escreveu El-Rei às Câmaras da Terceira para que dessem as necessárias providências, e o corregedor Manuel Correia Borba passou a intimar-lhes a ordem real. Deste feito achámos o acórdão exarado na Câmara da Praia, em 3 de Julho, na presença do castelão e governador Pedro Ponce de Leão e do capitão-mor e provedor das fortificações Francisco da Câmara Paim. Achando o deplorável estado em que estava a fortificação da baía, determinaram mandar concertar todos os fortes e trincheiras, que estavam arruinados por causa do terramoto; e que de fachina se fizessem as cortinas desde a barroca até ao forte de Santa Catarina; que se reedificasse as fortalezas de Santo Antão e a das Chagas, e a cortina ao Poço, com algum dinheiro das imposições e 2 por 100, e com alguns materiais de antes aplicados à reparação da vila.

Ano de 1621

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Determinou-se, a requerimento do provedor da fazenda, que na alfândega tivesse inteira fé o livro do pesador Simão Ribeiro. Serviu este livro de muita desordem pelo tempo em diante, despertando o provedor Agostinho Borges de Sousa, em razão de com ele encontrar outro, que trouxera João Baptista de Oliveira, para haver livro de ementas, querendo o provedor que este livro do pesador o fosse, sem atender ao mais que poderia ocorrer no procedimento das averiguações, por não se usar fazerem-se as conferências e ajustes na forma que no dito mandado vinham dispostos.

Achado por acaso pelo sindicante Francisco Guerreiro este mandado, logo fez executar o livro do peso, e por ele conferiu os despachos dos livros reais, nos quais achou tantos erros de uma e outra parte que gastou nesta conferência mais de 4 anos sem outro resultado do que pagar-se-lhe a enorme despesa de alçada pelos bens dos supostos culpados, que apesar disto saíram livres.

Foi enviada é Câmara de Angra uma carta, escrita em Lisboa a 29 de Julho deste ano de 1621, assinada pelo marquês de Alenquer, participando a morte de El-Rei Filipe II de Portugal e com ela uma provisão em que se determinava o modo e forma de se vestirem de dó as pessoas da governança das vilas e cidades, e os mais cidadãos (— Documento D*** —).

Em todas as Câmaras se executou a ordem régia; fizeram-se os actos de luto e pranto, e aclamação do novo Rei D. Filipe III.

A 2 de Maio deste ano faleceu João Ponce de Leão, 4.º governador do castelo de S. Filipe; jaz na igreja do mesmo castelo. Em seu lugar foi provido de propriedade D. Pedro Estêvão de Ávila, cavaleiro de alta qualidade, descendente da casa dos Navas, uma das mais distintas de Espanha.

Ano de 1622

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Andavam neste tempo os fidalgos de Angra divididos em dois bandos, cometendo violências sem nenhum respeito às leis. Um destes bandos chamava-se o de cima, porque dele eram cabeças os Canto e os Moniz, moradores no alto da cidade. O outro chamava-se o bando de baixo, em que figuravam de principais os Bettencourt, Pamplona, e outros fidalgos da terra. De tudo isto era causa a preferência das eleições dos que haviam de servir nos cargos de juízes, vereadores e procurador do concelho; e na Misericórdia sobre quem havia de servir de provedor, e de escrivão da casa e hospital.

Mui graves ódios e malquerenças nasceram destas rivalidades, cometendo reciprocamente os maiores desatinas. Houve ano em que se constituiriam dois conclaves, saindo eleitos em cada um deles, no dia de Janeiro, juízes e vereadores; de modo que se acharam na praça de Angra, a um mesmo tempo e hora, com as varas nas mãos 6 juízes, 9 vereadores, e 3 procuradores do concelho; isto é, os que existiam do ano antecedente, os eleitos pelo bando de cima e os nomeados pelo bando de baixo; e todos na persuasão de o serem do que resultaram alterações, ferimentos e mortes. O mesmo acontecia em dia de Santa Isabel, em que se procedia à eleição de provedor da Misericórdia.

Tão inquietos andavam os corregedores nos dias das indicadas eleições que nas antevésperas mandavam prender aqueles de que havia suspeita serem cabeça das desordens, por mais poderosos e arrojados que eles fossem, valendo-se das armas do presídio castelhano ; e desta forma evitavam as maiores ruínas, quando com prudência o não podiam conseguir.

Governava então no castelo D. Pedro Estêvão de Ávila, e servia de corregedor Pedro Vaz Freire , e devendo-se mostrar neutrais a respeito dos bandos, o fizeram tanto pelo contrário, que, desprezando as recomendações de El-Rei, seguiu o governador à voz pública e com todo o empenho o bando de baixo, em que era parcial o provedor da fazenda António Ferreira de Bettencourt, Hieronimo Fernandes Coelho, Manuel Borges da Costa, os Pamplona e outros. Encostaram-se ao bando de cima, parciais do capitão-mor Manuel do Canto de Castro, o vedor do castelo Hieronimo de Roxas, e o corregedor Pedro Vaz Freire, chegando em fim a termos de inimizade declarada e notória.

A tanto chegou a paixão de governador, que mandou assestar a artilharia do castelo contra as casas do capitão-mor dito Manuel do Canto de Castro, disparando-lhe muitas balas, que por ser grande a distância não puderam fazer o efeito pretendido. Fia consequência desta desordem e excesso mandou o capitão-mor tocar a rebate, e quase esteve a ilha a pôr-se em armas contra o presídio castelhano, o que assim aconteceria, a não sossegar de repente o governador, considerando o erro e fúria de que se deixou possuir.

Ano de 1623

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Chegou à Terceira o bispo D. Pedro da Costa, que fora provido em 24 de Agosto. Era doutor em teologia, reformador da Universidade de Coimbra, cónego doutoral em Évora, por apresentação da mesma Universidade. Achando a ilha dividida em bandos, julgou conveniente abrir visita, e neste sentido partiu para a ilha de S. Miguel, onde estava o conde D. Rodrigo da Câmara; e por motivos que se ignoram, se odiaram de tal forma, que, estando o bispo celebrando pontifical na matriz de Ponta Delgada, mandou o conde tocar a rebate, com o pretexto de aparecerem muitas embarcações, e com tal alvoroço do povo, que todo saiu da igreja, ficando somente os ministros eclesiásticos. E porque o bispo entendeu que isto fora feito de propósito e caso pensado para o desgostar, se apaixonou por tal forma que em poucos dias morreu. Foi sepultado na dita igreja matriz. É o 1.º bispo que nela jaz, e o undécimo deste bispado.

Ano de 1624

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No meio da confusão e perigo em que se achava a ilha Terceira, como fica dito no ano de 1622, dividida em bandos e parcialidades, tornou-se de absoluta necessidade recorrer a El-Rei. Sobre isto a Câmara de Angra, principal vítima desta infelicidade, levou à sua presença uma circunstanciada relação dos fatais acontecimentos que na cidade ocorreram, apresentando-lhe um vivo quadro do ardor com que se haviam os dois partidos, o escândalo dos subornos, e mui principalmente a ousadia com que o castelão D. Pedro Estêvão de Ávila havia atacado a cidade, bombardeando as casa do capitão-mor Manuel do Canto de Castro, só porque ele se não amoldava ao seu parecer.

Foi deputado a este fim o nobre cidadão Lopo Gil Fagundes de Sousa, varão respeitável por sua idade e representação nos cargos da cidade de Angra . Logo que ele entregou as cartas e participações que levava, El-Rei lhe deferiu, ordenando a D. Iñigo Hurtado de Corcuera y Mendoza, cavaleiro da ordem de S. Tiago, e do seu conselho, que no prazo de três dias se embarcasse para a ilha Terceira, com 250 soldados que lhe deu para reforço do presídio, e com ordem para render o dito castelão D. Pedro Estêvão de Ávila. Entregou a Lopo Gil Fagundes cartas para os magistrados da cidade, e uma para a Câmara, datada a 22 de Maio de 1624, em que se continha: — “que Lopo Gil Fagundes de Sousa, enviado a tratar dos negócios da cidade, em particular das diferenças que nela houve com D. Pedro Estêvão de Ávila, lhe apresentara suas cartas e petições, e ficava em cuidado e lembrança o despacho delas; que à matéria de mais importância se achava deferido; e que o mandava recolher e retirar, por não ser mais necessária a sua assistência em Madrid”.

Não só a Câmara de Angra tinha representado a El-Rei, também ambos os partidos lhe haviam dirigido as suas queixas, sem diminuição das culpas de uns e outros, o que o determinou mandar comparecer na corte de Madrid os seguintes: Hieronimo das Roxas, vedor do castelo de S. Filipe, o capitão-mor de Angra Manuel do Canto de Castro, o corregedor Pedro Vaz Freire, Cristóvão Borges da Costa, e Fernão Feio Pita: e que ficassem em seus cargos, de provedor, Estêvão Ferreira de Melo, de capitão-mor, Francisco de Utra de Quadros, que servia na ilha do Faial , e de corregedor, o desembargador Francisco de Carnide. Foram outrossim enviados sindicantes, por parte de Castela, o licenciado Afonso Moratalla de Tobar, e por parte de Portugal, o dito corregedor Francisco de Carnide, com autoridade de fazer o ofício de corregedor enquanto durasse a sindicância, e se tomasse resolução nela.

Ano de 1625

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Suposto haver El-Rei tomado a séria resolução de enviar à ilha Terceira os referidos ministros sindicantes, e por governador do castelo de S. Filipe a D. Iñigo Hurtado de Corcuera y Mendoza, enquanto durasse a ausência do proprietário D. Pedro Estêvão de Ávila, a quem também chamava à corte para dar conta do seu procedimento no dito cargo, é certo que ele não deixou o governo desta praça senão já no ano de 1625, e muito depois de novas desinteligências com a Câmara e moradores de Angra, como achámos por documentos autênticos extraídos do Livro dos Acórdãos da mesma Câmara.

No dia 12 de Março, quarta-feira, estando na sala das vereações o escrivão da Câmara António Henriques com o vereador António Coelho de Carvalho esperando que chegassem os mais vereadores, entrou pela porta o dito mestre de campo D. Pedro Estêvão de Ávila, deixando da parte de fora os alabardeiros que costumavam acompanhá-lo, e com palavras arrogantes e afrontosas lhes disse, que, pois os meios oficiais se não queriam ajuntar para se concluir a arrematação das obras que mandava fazer no castelo de S. Sebastião, os mandaria presos ao castelo, e os meteria no calabouço. Neste tempo chegou o juiz Cristóvão Borges da Costa, por mandado de quem foram postas as ditas obras em arrematação, para se evitar o procedimento do no mestre-de-campo, que se retirou satisfeito de se lhe ter obedecido em presença das armas que pretendia empregar contra os oficiais da Câmara, se eles recusassem satisfizer ao seu mandato.

Igual procedimento veio praticar no dia 15 de Março, porque, escoltado com a mesma guarda de alabardeiros, vociferou e disse na praça da cidade palavras muito descomedidas contra os juízes e vereadores que se achavam na Câmara, ameaçando que os mandaria prender, e levar ao um calabouço do castelo. O que vendo os oficiais da Câmara, e receando funestas consequências pelo furor em que ardia o mestre-de-campo, fizeram concluir a arrematação das mencionadas obras, e continuaram a corresponder-se com ele, pelo seu sargento-mor e alcaide da cidade, em tudo o que era conveniente. No entretanto mandaram lavrar os autos a que por bem de seus ofícios eram obrigados, para a todo o tempo constar, dando de tudo parte a El-Rei a fim de pôr termo à desordem da ilha.

Em presença disto parece que El-Rei não demorou enviar para a ilha novo governo; porém ignora-se quando ele chegou: somente nos consta que a 14 de Junho o governador D. Iñigo já estava na ilha , porque El-Rei lhe escreveu uma carta, avisando-o de que por todo aquele mês devia sair a armada que se preparava em Inglaterra e em Argel com intento de atacar algum porto destes Reinos; e a 25 de Julho escreveu-lhe outra carta, avisando-o novamente que sabia por pessoa certa do intento desta armada que pretendia atacar a ilha Terceira, para o que se preparasse com a maior actividade.

Com a chegada de D. Iñigo à ilha , e em presença dos ministros sindicantes, ficaram mais quietas as diferenças que andavam entre as autoridades e povo da cidade, e também concorreu para a tranquilidade pública o serem removidos da ilha os principais cabeças dos referidos bandos, D. Pedro Estêvão de Ávila e outros da sua parcialidade, assim como por ser falecido Manuel do Canto de Castro, havia quatro meses.

E porque juntamente com D. Iñigo chegou o licenciado Tobar, que vinha sindicar do mestre de campo D. Pedro Estêvão de Ávila, e lhe era necessário ausentar-se, elegeu por seu bastante procurador ao capitão Filipe Espínola de Quiroz, entretenido no castelo, pessoa de muita experiência em matérias de guerra, de negócios e de autoridade, além disto mui especial amigo do seu constituinte e grande parcial nos bandos; e foi este na verdade o original princípio do trágico sucesso e desastroso fim que ele teve.

Quanto às averiguações e processo que a respeito dos bandos fizeram os dois sindicantes, como tão culpados eram os do partido de baixo, como os de cima, e por um bem notório princípio de tirania o governo espanhol indirectamente os consentia e autorizava, também se não procedeu como era de esperar, antes sim os culpados, de parte a parte, foram havidos por livres e desembaraçados algum tempo depois; mas o mestre de campo D. Pedro Estêvão de Ávila não voltou à ilha.

Entre os requerimentos que fez a Câmara de Angra a El-Rei no ano de 1624, foi um para que as eleições do provedor e escrivão da mesa da Misericórdia a subissem ao Desembargo do Paço e por ele fossem nomeadas as pessoas que deviam servir dali por diante, com o fim de se evitarem as grandes desavenças e modos exorbitantes com que nos dias das eleições se havia tu os pretendentes destes cargos. Pela mesma razão lhe pediram enviasse a pauta dos que haviam de servir na Câmara, pela forma que já antigamente se determinara, e por várias vezes. A isto deferiu El-Rei por alvará de 9 de Maio de 1625, e se continuou a praticar por muitos anos. Com esta resolução se pôs perpétuo silêncio na matéria dos bandos, ficando assim pacíficas as eleições que, havia tantos anos, eram causa de gravíssimas desinteligências.

Em consequência dos avisos teve o governador D. Iñigo, tratou de fortificar a costa, recolhendo ao castelo, grande quantidade de víveres; e determinou El-Rei ao marquês de Inojosa, do seu Conselho de Estado, e capitão general de artilharia em Espanha, que se transportasse a Lisboa e desse as necessárias providências, comunicando-as à Câmara de Angra (carta régia à mesmo Câmara em 25 de Dezembro de 1625, no 3.º Livro do Registo, fl. 148).

Ano de 1626

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A 5 de Maio tomou posse de corregedor o desembargador Francisco de Carnide, a quem El-Rei mandara, vir no ano de 1624, sindicar das desavenças entre o governador do castelo D. Pedro Estêvão de Ávila e os moradores da cidade, resultantes dos bandos; e conforme parece, já tinha acabado esta comissão, de que fora encarregado «especialmente; e no enquanto esteve com a vara de corregedor Pedro Vaz Freire .

Continuava o desgosto entre os soldados do presídio e o governador D. Iñigo Hurtado homem na verdade imprudente, teimoso e mal intencionado .

Apenas entrou no governo, procedeu tão contra os deveres do seu cargo, que escandalizou os seus súbditos e tanto que se animaram alguns soldados a queixarem se dele ao conselho de guerra, e até ao mestre-de-campo D. Pedro Estêvão de Ávila, pedindo-lhe o seu valimento enquanto não voltava ao seu posto; e assim também escreveram cartas a outras pessoas da corte de Madrid, implorando o seu favor .

Destas queixas teve notícias certas D. Iñigo e no dia 11 de Setembro de 1626 mandou formar auto para inquirir testemunhas sobre este objecto, do que resultou serem indiciados no crime os soldados Tomé Gomes e Cristóvão de S. Tiago, os quais foram convencidos, por meio de tormentos que se lhe deram, de serem os autores de duas daquelas cartas, em que expunham o muito trabalho que tinham e a falta de pagamento de seus soldos, e pediam algum socorro, e que não se lhes dando poderia suceder mal .

Para co-honestar as execuções que D. Iñigo pretendia fazer, convocou uma junta de pessoas particulares e de sua confiança, composta do provedor da fazenda António Ferreira de Bettencourt, tenente D. Alonso Zymbron, capitão D. Gaspar Muñoz, sargento-mor Alonso Parrado Verdejo, capitão Diego Gujarro, tenente de artilharia Jerónimo Sanches Falero, licenciado António da Rocha Fróis, auditor, e escrivão João de Bustos. Congregados todos no castelo, votaram que os réus fossem enforcados, por ser caso de motim, mas que o governador podia usar de alguma misericórdia com eles.

O auditor lavrou contra eles a sentença de morte em 22 de Dezembro, condenando-os em perdimento dos soldos que se lhes deviam, e em 10 escudos para os gastos da justiça , cuja sentença não obstante aquela recomendação, o desumano governador Iñigo firmou de sua mão, sem hesitação alguma; e rejeitando os embargos com que os padecentes vieram, os mandou enforcar no dia 24 do dito mês de Dezembro de 1626, no castelo junto ao portão dos carros, depois de lhes ser dado garrote.

Outra carta semelhante foi enviada por mão de D. Miguel Muñoz, contando que os soldados do presídio andavam roubados, e por esta causa resolvidos a levantar-se contra D. Iñigo se no entretanto D. Pedro Estêvão os não socorresse. Então D. Pedro, recebendo esta carta, escreveu a El-Rei enviando-lhe a própria, e dizendo-lhe conhecia muito bem a maldade de quem lhe fazia tamanha queixa, porém que, sendo gravíssima a perda daquela praça, lhe parecia conveniente avisá-lo do que havia nela, porquanto não era novo amotinarem-se os soldados, como fizeram em tempo do mestre-de-campo António Sentono, e no ano de 1602 quando governava D. Diogo de Miranda Quiroz, e com tão feio protesto que não lhes mandando Sua Majestade pagar, entregariam a praça aos inimigos, o que largamente constava do processo feito aos culpados, que o mesmo governador Quiroz mandara justiçar; e que na verdade se deviam ao presídio mais de 80 mil cruzados; convinha portanto se mandassem 10 ou 12 mil ducados para o sustentar. Foi esta carta escrita a 9 de Julho de 1626; mas apesar de ser esta e outras cartas sobre este objecto entregues em conselho de guerra, mui pouco se avaliou delas, mandando-se recolher sem efeito algum.

Achava-se já em Madrid o vedor Hieronimo das Roxas, e pelo muito que escutava pelos tribunais a respeito da ilha Terceira, teve notícia certa das cartas, e sem perder tempo, em 27 de Maio de 1626, escreveu a D. Iñigo , avisando-o de que D. Pedro, recebendo a carta referida por mão de D. Miguel de Muñoz, fizera um memorial a El-Rei, oferecendo-se a vir para o castelo remediar os males que nele andavam, e restabelecer a ordem entre o presídio; e que o conselho, recebendo este memorial, tratava o negócio com o maior cuidado; e que em fim D. Iñigo soubesse quem era o autor da carta e os cúmplices, pois ele desconfiava ser partido que a todo o custo pretendia restabelecer no governo do castelo ao dito D. Pedro.

Logo que D. Iñigo recebeu esta participação, cuidou com todas as veras de saber quem era o autor da carta; e do muito que Filipe Espínola advogava a causa de D. Pedro, concebeu por indubitável ser ele o mesmo que a mandara fazer, e com pretexto de ser carta anónima a classificou de princípio de motim: em consequência do que tratou de formar processo contra qualquer pessoa em que recaíssem indícios, ainda os mais leves, e para isto publicou bando em toda a ilha, a toque de pífaro e tambor, para que lhe denunciassem tudo quanto se ouvisse aos soldados nesta matéria.

E porque o capitão Filipe Espínola, desde que chegou à ilha D. Iñigo, solicitava a causa do governador D. Pedro com todo o cuidado, como seu único procurador, disto concebeu D. Iñigo contra ele grandes ciúmes, que vieram aumentar o antigo ódio que ente eles havia desde que frequentaram as escolas, e por este motivo, como também por lhe não convir que D. Pedro ficasse na posse do governo, intentou vingar-se dele.

Tais eram os empenhos nas eleições dos cargos municipais, que os oficiais da Câmara de Angra, os nobres e o povo requereram a El-Rei, que os pais e avós das pessoas da governança da cidade fossem naturais dela ou letrados, cristãos velhos; e assim lhes foi concedido por alvará em 15 de Dezembro deste ano; porém um tal requerimento era tanto sem acordo, que se justificou em como a maior parte dos nobres capazes de servir eram netos de pessoas de fora da ilha e para se poder cumprir o alvará seria necessário que os escolhidos fossem proprietários nos ofícios, ficando por este modo inabilitados aqueles que por seus próprios merecimentos começavam na carreira destes empregos .

Ano de 1627

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Aconteceu neste tempo ser preso António Salado, soldado velho do presídio, por se queixar, diante de outros, do mau tratamento que recebia do governador, pela falta de soldos e de fardamento, quando pelo contrário os soldados bisonhos andavam muito bem pagos e vestidos; e disse mais que havendo outro do seu humor....

Não faltou quem fosse logo denunciar estas palavras ao governador, que o fez prender, e dar-lhe tormentos para que declarasse a significação delas; e porque nada mais confessou, o mandou reter na prisão porém, temendo-se de lhe darem tormentos mais algumas vezes, evadiu-se do castelo saltando a muralha, e depois de andar retirado pelos montes sem achar quem o protegesse e pedisse por ele ao governador, amanheceu morto na Prainha abaixo do castelo, na noite de 23 de Janeiro de 1627, com sinais de ter sido afogado. Este assassínio veio aumentar as suspeitas em que estava D. Iñigo, de que se tramava alguma conspiração contra ele, e que receando-se o agressor de que o infeliz Salado o descobrisse, ou fizesse explicação das palavras de que inadvertidamente usara, o tinha matado.

Mandou portanto D. Iñigo inquirir testemunhas com todo o escrúpulo, mas nada pôde colher delas; e só Pedro Fernandes Alvernaz culpou ao capitão Filipe Espínola, dizendo que o Salado, no tempo que andava fugido, lhe descobrira ser autor da carta que fora ao conselho de guerra, e que o capitão Espínola o ajudara nisto.

No entretanto procedia-se nos tormentos contra os soldados Alonso Martins e Juan Monroy, os quais, suspeitava D. Iñigo, tiveram parte naquela morte; igualmente se procedia contra Francisco Vidal; porém, da copiosa inquirição que sobre isto houve, não deixou de se colher que o dito Alonso Martins era compreendido na morte do seu camarada, e que a respeito do motim alguma coisa havia a recear.

Tão apaixonado estava D. Iñigo por estas coisas que deu parte a El-Rei, mostrando-se ofendido do capitão Espínola, e pedindo-lhe satisfação de tais agravos; e no entretanto elegeu promotor por parte da justiça a Juan de Hita, alferes do presídio, em nome do qual foi proposta a acusação contra os ditos Espínola, Alonso Martins, Juan Monroy e Francisco Vidal, alegando terem cometido crimes mui atrozes , e serem a causa do desassossego em que andava o presídio; cúmplices nas cartas que se escreveram contra D. Iñigo, e finalmente autores da morte de António Salado, pedindo em conclusão fossem condenados na forma de direito.

Nomeou o capitão Espínola por seu único procurador a Cristóvão de Lemos de Mendonça, que logo pediu visto da acusação, e concedendo-lhe somente 6 dias, e por muitas instâncias outros 6, neste curto espaço contraditou as testemunhas como suas inimigas capitais e do bando contrário. Deram-se procuradores por parte da justiça aos outros culpados, porém não alegaram coisa alguma.

Produziram-se 34 testemunhas, e uma só depôs contra o capitão Espínola, o que não obstante, mandou o auditor António da Rocha Fróis, no dia 19 de Junho, que lhe fossem os autos para consultar com o governador, e nesse mesmo dia proferiu a sentença de morte contra o dito capitão Espínola, e contra os soldados Alonso Martins e Juan Monroy; e que Francisco Vidal fosse degredado por 10 anos para galés, com o fundamento de ser o primeiro dos réus parte na morte de António Salado, e os outros dois executores do delito.

Pelo que sendo todos mandados confessar, pediram Alonso Martins e Juan Monroy ao seu confessor, rogasse ao capitão Espínola que lhes perdoasse o falso testemunho que contra ele tinham dado, porque lhe não mandara matar a António Salado. Porém, requerendo-se por parte do capitão se ajuntasse aos autos esta confissão, nem assim lhe deferiu; e finalmente, no dia 23 de Julho, ordenou se executasse a sentença, sem embargo dos embargos e apelação interposta. A isto se opôs o auditor, mas em vão; porque depois, receando das ameaças do governador, mandou ao tenente Alonso Zymbron executasse a ordem que recebera (— Documento E*** —).

Desta forma, não havendo mais a esperar, saiu o tenente com um troço de soldados, e foi a casa do infeliz padecente Espínola, o qual estava já acompanhado de 3 religiosos e do capelão; sendo garroteado duas vezes, observou-se que de ambas se desfez o cordel sem ofensa de garganta do padecente, o que se teve na verdade por coisa maravilhosa , e lhe fez dizer “Mi inocência me libra, ó me salva”. Correram logo os padres ao governador, e com muitas lágrimas lhe rogaram atendesse àquela inocência; porém ele respondeu-lhes da primeira vez, que dobrassem os cordéis; e da segunda, indo os mesmos padres com um crucifixo nas mãos pedir-lhe houvesse misericórdia do padecente, ele se fechou em casa sem dar resposta.

Neste desengano pediu o tenente Zymbron a execução da ordem; e o padecente requereu o decapitassem, porque de outra forma padecia risco a sua salvação. Em continente foi decantado, e trazido o cadáver sobre um tabuado, em que esteve patente com geral sentimento de quantos o viram e concordaram todos que morria inocente e mártir. Depois dele foram garroteados Juan de Monrey e Alonso Martins. De tarde mandaram-se estes sepultar no hospital da Boa Nova, e ao capitão Espínola no convento de Nossa Senhora da Graça.

Três dias de pois chegou ordem para que os autos do capitão Espínola subissem ao conselho de guerra, a fim de nele serem decididos. Então D. Iñigo os enviou com a execução da sentença. Sendo entregues ao licenciado Juan de PaIafax, se querelou criminalmente de D. Iñigo, do tenente Zymbron, do licenciado António Ferreira de Bettencourt, do capitão Diogo Guijarro, do auditor António da Rocha Fróis e de João de Bastos; e assim de todos quantos ficassem culpados na injusta morte do dito Espínola, pedindo que fossem presos.

A isto deferiu o conselho em 30 de Outubro de 1628, mandando que o licenciado Francisco Santiago viesse à ilha Terceira averiguar o conteúdo da querela do fiscal. Mas paree que não teve efeito esta ordem, ignora-se a causa; sabe-se contudo que El-Rei mandou por governador do castelo a D. Diogo Fajardo, que chegou á ilha numa nau inglesa, na qual se embarcou D. Iñigo em direitura a Bilbau; e passando à corte de Madrid, nela foi preso a requerimento de D. Cristóvão de Espínola, filho do defunto, e de Cristóvão de Lemos, seu parente. Levado a perguntas, a tudo respondeu D. Iñigo com sobressalto e confusamente; porem as dilações e alicantinas que por sua parte se opuseram, desenganaram os acusadores e os obrigaram a retirar-se à sua pátria.

Depôs enfim El-Rei a D. Iñigo do governo do castelo de S. Filipe, dando-se por mal servido dele e merecedor de um castigo exemplar, como foi opinião de todos os ministros, os quais todavia o não condenaram, e por isso ficou escandalosamente impune este delito na verdade mui atroz.

Chegou novo Bispo desta diocese em 9 de Abril de 1627, por nome D. João Pimenta de Abreu , doutor em teologia e cónego doutoral na Sé de Coimbra. Era naturalmente fácil e amigo por extremo de lhe darem coisas de valor, não que trocasse por ofertas a justiça , mas por não ter génio de rejeitar o que se lhe dava; e por isto não escapou à censura dos que em outro sentido ajuizavam.

Obteve alvará, em 17 de Janeiro de 1628, para se recolherem à cadeia pública todas as pessoas que as justiças eclesiásticas requeressem. Passou à ilha de S. Miguel, onde faleceu no ano de 1634, achando-se de visita; jaz sepultado na igreja matriz de Ponta Delgada. Foi o duodécimo Bispo desta diocese.

Neste mesmo ano, em princípio de Junho, veio para o governo do castelo de S. Filipe o mestre de campo D. Diogo Fajardo, que foi provido neste cargo enquanto D. Iñigo Hurtado de Corcuera y Mendoza estava na corte, chamado para negócios do serviço, e para responder às queixas que dele havia a respeito do governo do presídio e morte do capitão Filipe Espínola Quiroz. Foi provido na propriedade do castelo, como fora D. Pedro Estêvão de Ávila.

Ano de 1628

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Era 29 de Dezembro deste ano, na corte de Madrid, foi ao cárcere real D. Gonçalo de Valença, do Conselho de Sua Majestade e da Guerra, e fez comparecer ante si a D. Iñigo Hurtado de Corcuera y Mendoza, de quem havemos tratado, e lhe encarregou juramento para que depusesse sobre os factos acima relatados. Era a D. Iñigo de idade de 48 anos .

Ano de 1629

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Concedeu El-Rei ao provedor da fazenda António Ferreira de Bettencourt o poder de nomear por sua morte pessoa que lhe sucedesse no mesmo cargo (por alvará de 10 de Junho); e que dele se não pudesse querelar, nem devassar de seus oficiais senão perante o corregedor do crime da corte (alvará de 2 de Agosto).

A requerimento da Câmara de Angra determinou-se que o corregedor desse execução ao alvará de 10 de Janeiro de 1626, pelo qual se tinha ordenado que os da governança da cidade somente fossem os naturais da mesma cidade, letrados ou cristãos velhos (alvará em o 1.º de Julho de 1629).

Deu ocasião à providência tomada no referido ano de 1626 o ser nomeado tumultuosamente almotacé da cidade, e ano de 1619, Francisco Lopes Estaço, menor de 25 anos e hebreu de nação, e outros casos semelhantes. Opondo-se o juiz Lopo Gil Fagundes de Sousa contra os votos do corregedor e da Câmara, foi deposto e processado por este; mas agravando de tão arbitrário procedimento, obteve provimento, condenada a Câmara e o corregedor nas custas dos autos, a 10 de Outubro deste ano 1629.

Ano de 1630

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Do ano de 1630 nada consta.

Ano de 1631

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Do ano de 1631 nada consta.

Ano de 1632

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Obteve a Câmara de Angra provisão, em 23 de Dezembro, para o seu tesoureiro gozar dos mesmos privilégios que gozavam os vereadores, porque assim o tinha já alcançado a cidade de Ponta Delgada, e a Vila Franca do campo, na ilha de S. Miguel (citado Livro do Registo, fl. 188). Deste tempo para cá sempre os procuradores das outras Câmaras, por serem também tesoureiros, gozaram de iguais privilégios.

Ano de 1633

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Do ano de 1633 nada consta.

Ano de 1634

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Foi criada a alfândega da vila da Praia desta ilha pelo provedor António Ferreira de Bettencourt, nas casas que foram de Ambrósio de Freitas da Câmara e de sua mulher Helena de Figueiró de Sousa, compradas em 25 de Maio de 1632. Foi primeiro almoxarife Francisco Ferreira Drummond , casado na Ribeira Seca com D. Bárbara Gato, e se lhe passou provisão em 11 de Janeiro de 1634 (Livro da Alfândega).

Obteve provisão, em 13 de Fevereiro, Manuel Vieira Cardoso, procurador da Câmara de Angra, para se lhe pagarem 1$000 réis por dia enquanto andasse nas diligências e pesquisas para que não tivesse lugar a vinda de ministros castelhanos, e se não fosse responder a Castela pelos negócios de maior consideração, “em tanto que se imputava aos oficiais da Câmara — dizia a provisão — em culpa o guardarem seu regimento” (Livro do Registo, fl. 188, verso).

Escreveu El-Rei uma carta ao corregedor contendo: — “que por avisos se havia entendido que o inimigo armava no Norte, com intento de fazer uma invasão e saque em terra; e posto que disso não havia certeza, nem da parte a que se dirigia o desígnio, que em todo o caso era sempre necessário prevenção neste pressuposto, tratasse de aperceber tudo nas ilhas reconhecendo a gente que havia, por que companhias estava repartida, se estavam providos de oficiais experimentados, se toda a gente estava armada, e que género de armas havia, o modo com que se acudia às vigias dos postos; que se criassem as praças dos capitães entretenidos das ilhas; que avisasse a El-Rei da pessoa mais apta para esse entretenimento dando relação de seus serviços; que visse a quantidade de pólvora e munições que havia nas ilhas e seus armazéns, avisando na primeira embarcação; e havendo alguma em mão de particulares, a tomasse pagando-a por seu justo preço” (em Lisboa em o 1.º de Junho de 1634, assinado D. Diogo de Castro).

Porque os corregedores se intrometiam nas coisas tocantes ao provedor dos resíduos, expediu-se alvará, em 3 de Agosto de 1634, para que em Câmara assinassem termo, e lhes fosse notificado pelos oficiais este alvará.

Ano de 1635

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Com muita razão tinha El-Rei mandado ir ao Desembargo do Paço os eleições dos oficiais da Câmara, e de muitos anos àquela parte escolhia os que deviam servir na Câmara de Angra; mas nem assim se evitavam as grandes desordens dos que andavam no regimento.

A 27 de Fevereiro deste ano, passou-se carta com a 2.ª via da pauta dos oficiais que haviam de servir, e que a Câmara actual desse a razão porque não tinha aberto a 1.ª via; e para isto se executar mandou o corregedor Fernão Gameiro Massão uma precatória ao juiz António Salvado de Sousa, e que metesse na posse dos cargos aos nomeados na pauta de 1634, que eram: juízes, Francisco de Betancor e André Fernandes da Fonseca; vereadores, João de Ávila, Álvaro Pereira de Lacerda, Luiz Homem da Costa; procurador, Pedro Alvernaz; e tesoureiro, Manuel da Terra. Dizia o corregedor que estava ocupado em diligências do serviço na ilha de S. Miguel, e não podia embarcar-se, como desejava, para fazer executar esta ordem, “visto que os oficiais do ano passado se haviam levantado com os tais ofícios, não obedecendo às castas e provisões de El-Rei, sumindo-as eles e pessoas de sua facção, fazendo bandos e juntas de noite, em casas particulares, impedindo com simulados embargos dar-se posse aos novos oficiais: e que informado El-Rei de tal desordem lhe mandava acudir à ilha, e que procedesse”. Que o dito juiz mandasse ir à Câmara o escrivão dela António Toledo, e desse juramento aos nomeados, ficando suspensos os intrusos Luiz Homem da Costa, Estêvão Silveira Borges, juízes; e os vereadores, João Pamplona de Miranda, Diogo Moniz Barreto, Diogo do Canto de Castro; e o procurador João Toste; a cujos mandados ninguém obedecesse, publicando-se desta forma nas praças mais notáveis, prendendo nas cadeias ou no castelo a quem se lhe opusesse, e ainda assim qualquer dos que vinham nomeados na pauta e por alguma razão recusasse servir.

Passou-se provisão ao corregedor desta comarca Diogo Marchão Temudo, em 6 de Março de 1634; porém achámos que ele tomou posse deste cargo, em Angra, a 11 de Junho do ano em que vamos de 1635 (fl. 193, verso, do 3.º Livro do Registo). Fez boa justiça, e por esta causa foi promovido a desembargador do paço.

Também foi nomeado 13.º bispo D. frei António da Ressurreição, religioso domínico .

Ano de 1636

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Foi dirigida à Câmara de Angra, pelo conselho de guerra, uma carta régia assinada pela princesa Margarida de Sabóia, regente de Portugal, em resposta a uma queixa que lhe fez, de não dar o governador do castelo de S. Filipe execução à ordem de 31 de Agosto de 1604, a respeito da liberdade da porta do cais; e por esta carta, escrita em 13 de Março de 1636, mandou que agora passassem livremente todas as coisas. Para solicitar esta providência tinha a Câmara posto em Lisboa, à sua custa, os cidadãos Cristóvão Borges da Costa e Fernão Feio Pita, que já se achavam na corte de Madrid, em princípio do ano de 1636, requerendo sobre este e outros negócios, em que o governador se intrometia sem lhe pertencer; e tanto assim que El-Rei escreveu à dita princesa, em 3 de Março daquele ano, para que lembrasse ao governador o conteúdo da carta régia de 7 de Julho de 1597, pela qual foi repreendido o mestre de campo António Sentono, para que se não intrometesse no governo da terra, nem prendesse os naturais dela, tratando-os mal de palavras (3.º Livro do Registo, fl. 11, verso).

Ano de 1637

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Foi provido vitaliciamente alferes mor da bandeira da cidade, o fidalgo Baltasar da Costa Pereira, com provisão de 26 de Maio deste ano, em lugar de Bartolomeu Madruga; e pelo tempo em diante houveram com ele muitos desgostos, por querer levar os cordões da bandeira nas procissões, e o seu escravo, ou qualquer outra pessoa de seu mandado, a haste da mesma bandeira, como era costume de 40 anos àquela parte .

Continuava o orgulho aristocrático contra os homens do povo, desprezando-os em todas as relações da vida social e excluindo-os dos cargos municipais, por efeito dos usos, costumes e instituições defeituosas de que nascem essas odiosas distinções de que temos falado. Era este o maior entretimento da nobreza de Angra, como largamente consta dos processos a este respeito registados nos livros da Câmara, mui principalmente daquele em que foram partes André Fernandes da Fonseca e o procurador do concelho Alexandre Garcia, que se opuseram com embargos à patente do capitão João de Ávila, para que se lhe não pagasse o ordenado de 20$000 réis pelos rendimentos das imposições e dois por cento, com o frívolo pretexto de não ter o embargado prestado juramento em câmara; e de não ser a posse válida, por ele não ter as qualidades suficientes , e servir de escrivão da correição. Deste procedimento interpôs João de Ávila um agravo contra os oficiais da Câmara, e por ele se decidiu que era agravado, e que a posse dada pelo corregedor não envolvia nulidade, suposto que fosse conferida em acto apartado da vereação .

Indo o Bispo D. Frei António da Ressurreição visitar a ilha de S. Miguel, nela faleceu a 7 de Abril deste ano de 1637, e foi sepultado na capela do Santíssimo da igreja matriz de Ponta Delgada. Era este Bispo, conforme o padre Maldonado, doutor na sagrada teologia, lente de prima na Universidade de Coimbra. Foi ao capítulo geral celebrado em Paris, onde tomou o grau de doutor. Estando presente aos seus actos Henrique IV, Rei de França, o qual dele tanto se agradou que quis ficasse ensinando em Paris. Findo o capítulo, pelos anos em diante, retirou-se à sua pátria, onde regeu a cadeira de prima por espaço de 16 anos, findos os quais foi eleito bispo desta diocese, a qual governou com a maior aceitação de todos, e morreu santamente.

Afirma-se que indo de visita, sede vacante, o licenciado Manuel Duarte da Mota, querendo trasladar o corpo deste bispo à capela-mor, o achou na sepultura inteiro, com todas as insígnias pontificais com que nela fora enterrado, tendo decorrido mais de um ano depois da sua morte.

Morto este bispo, e porque logo sucedeu a feliz aclamação de El-Rei D. João IV, pararam os provimentos dos bispados em muitas anos.

Ano de 1638

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Mandou El-Rei levantar nestas ilhas 1000 infantes para restauração do Pernambuco, incumbindo esta diligência a D. Diogo Lobo, mestre de campo do chamado terço, a quem proveu a 18 de Dezembro de 1637 . Para isto se efectuar, escreveu o conselho de fazenda ao provedor Agostinho Borges de Sousa, recomendando-lhe que todo o dinheiro que nos cofres existisse se não distraísse para outro fim, porque em Setembro devia a gente recrutada partir desta ilha; que também o imposto do real de água serviria para isto; que em chegando a leva a 500 soldados, lhe assistiria com 60 escudos o tempo que se demorasse na ilha de S. Miguel, onde mandava sequestrar o feitor Manuel da Costa de Oliveira, que não dava contas havia 7 anos (carta régia em 12 de Março de 1638).

E a 23 de Dezembro do mesmo ano de 1638, recomendou ao dito Agostinho Borges quais os fundos de que se havia de valer para se verificar a leva dos mencionados 1000 infantes, a saber: todo o dinheiro que nas ilhas houvesse da cruzada ; depósitos de defuntos e ausentes, o dinheiro que pertencia às esmolas dos bispos, que estivesse em depósito; o das fortificações, e que estivesse em ser para pagamento das casas do presídio; todo o que houvesse do rendimento da obra pia; e que não bastando, fizesse com Cristóvão de Lemos e Tomé Correia da Costa, pessoas nobres e ricas, e de crédito da fazenda, para que por empréstimo pedissem aos comerciantes alguma quantia; e para isto lhes daria as cartas que lhes mandava. E também se informasse se André Fernandes da Fonseca era cristão velho, e sendo-o, receberia dele 2 mil cruzados que lhe oferecera para ser feito fidalgo de sua casa, pois já era sargento-mor da cidade; e lhe oferecera também armar 100 homens para irem nesta leva ao Brasil, &c. &c. (citado Livro do Registo, fl. 226).

Foi o ano de 1639 chamado da cinza por haver rebentado um vulcão horrendo na ilha de S. Miguel, a 3 de Julho , com tais explosões de cinza, que, caindo como chuveiros nesta ilha Terceira, nela produziram trevas tão espessas que, no espaço de três dias tudo nela foi escuridão .

Ano de 1639

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Escreveu El-Rei aos corregedores da ilha da Madeira e Açores, e aos provedores da fazenda e da justiça, que tinha aviso de inimigos quererem atacar estas ilhas, e por isso com todas as veras se ajuntassem a contrastar suas forças nos pontos onde eles pudessem intentar algum dano, incitados dos bons sucessos do ano passado.

Por esta ocasião incumbiu El-Rei ao mestre-de-campo Francisco de Bettencourt de Sá o levantar um terço de 1000 soldados que devia conduzir à Corunha (carta régia de 21 de Janeiro).

E com efeito parece que se verificou este recrutamento, porque a 20 de Maio fui avisado o provedor Agostinho Borges para não demorar os navios que vinham transportar a gente que estava recrutada nas ilhas para o Brasil; e que para isto se valesse de todos os meios que se lhe oferecessem, tomando até dinheiro da bula da cruzada. E mui principalmente se lhe recomendava o empréstimo que se pedira a Cristóvão de Lemos e a Tomé Correia da Costa.

Valeu-se então o provedor dos dinheiros da imposição da cidade, e achámos que por assento feito em Câmara a 13 de Março se lhe entregaram 900$000 réis de empréstimo; e a mesma Câmara prontificou o alojamento dos soldados recrutas, que finalmente veio fazer Sebastião Correia de Lorvela para a restauração do Pernambuco (carta régia em 17 de Maio de 1639, citado Livro, fl. 247).

Constando em Madrid o demasiado rigor com que D. Diogo Fajardo, castelão do castelo de S. Filipe, se havia com os soldados, e alguns desgostos que tinha com as pessoas da governança da terra, o mandou El-Rei chamar provendo-o no governo das Filipinas, em cuja viajem se diz falecera.

Do manuscrito do padre Maldonado recopiámos parte da sua biografia. Era tão terrível para os soldados, como benigno e afável para os naturais da terra. Foi o mais activo de todos que houveram no presídio castelhano, e mui severo nos castigos sem atenção alguma à qualidade e gerarquia das pessoas. Era inexorável contra os que entravam em facções e bandos. Estabeleceu por lei militar, ao som de caixa e pífaro, que todo o soldado que dormisse fora do castelo, sem ordem sua, seria estropeado a braço solto, e mandado para as obras do castelo: e o que se achasse compreendido em furto leve, padeceria a mesma pena; e sendo furto, morreria morte natural.

No governo e polícia da praça era tão exacto e vigilante, que costumava dizer, quando os oficiais lhe faziam alguma reflexão que ele era obrigado a dar “la orden, pero no Ia prudencia”. Empregava contudo os meios, ainda os mais difíceis, para os soldados serem pagos.

Havia em D. Diogo tão feliz memória, que, vindo em seu tempo uma nova guarnição de soldados, logo que entraram no castelo, os mandou pôr em linha, e começou pelo primeiro a perguntar como se chamava, e continuando assim com os mais até ao último, voltou segunda vez nomeando-os sem lhe escapar senão dois, sendo eles mais de trinta. Era outrossim D. Diogo Fajardo tão severo e de horrível presença, que não houve pessoa que em público o visse rir.

Sucedeu-lhe no governo do castelo D. Álvaro de Viveiros, que foi o último por parte de Castela.

Ano de 1640

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A 6 de Março deste ano foi provido corregedor da comarca das ilhas dos Açores o doutor Diogo Botelho, que servia de juiz do crime na corte; tomou posse em Angra a 20 de Maio, e faleceu no fim de Agosto do mesmo ano de 1640.

A 6 de Dezembro foi aclamado em Lisboa Rei de Portugal o Sereníssimo príncipe da Casa de Bragança com o título de D. João IV, e logo por todo o reino foi seguida a mesma voz com geral aplauso.

Pela sucinta narração dos factos que deixámos apontados nesta obra, julgamos ter dado uma ideia suficiente do horroroso estado em que se achava o Reino de Portugal, depois que os espanhóis se fizeram senhores dele e de seus domínios, parecendo-nos escusado relatar aqui as causas que obrigaram os portugueses a sacudir tão pesado jugo; muito mais quando por tantas e tão sábias penas se acha demonstrada a tirania dos dominadores e intrusos reis de Castela, e o justo ressentimento dos portugueses, assim como o evidente direito da Sereníssima casa de Bragança à coroa de Portugal; restando-nos observar, com o abade de Vertot, que os espanhóis fugiram de Portugal com a mesma precipitação com que fogem os prisioneiros escapados de suas prisões, sem que restasse em todo o Reino um só espanhol que não fosse preso, e tudo isto em menos de quinze dias. Tão respeitado é o império da razão e da justiça!

Notas

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FIM DA QUARTA ÉPOCA
FIM DO TOMO I