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Anexo:Imprimir/A bandeira nacional (Eduardo Prado)

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EDUARDO PRADO
 

A Bandeira
Nacional

 

1.ª EDIÇÃO

 

SÃO PAULO
ESCOLA TYPOGRAPHICA SALESIANA


1903

INTRODUCÇÃO


 

A 15 de novembro de 1889, a guarnição e a força naval do Rio de Janeiro effectuaram a mudança da fórma de governo do Brasil.

A bandeira e as armas da nação, symbolos da Patria até aquelle dia, foram mudadas. Entendeu-se que a Patria tambem tinha mudado. No logar das instituições abolidas ficou um governo, por sua origem, por seus processos, por suas theorias, por suas praticas e por seu pessôal, inteiramente diverso do governo supprimido. O governo representativo e constitucional desappareceu. O chefe supremo do Estado, até então hereditario e limitado nos seus poderes, deixou de ser hereditario e deixou, até hoje, de ser limitado. Ficou assim creada a Republica dos Estados Unidos do Brasil.

No dia 15 de novembro, voltando os regimentos para os quarteis, os alferes enrolaram as bandeiras e, atiradas sobre uma carreta, foram ellas recolhidas aos armazens do exercito, como trastes já sem uso, symbolos mudos, que já nada diziam aos corações. A força desfilou pelas ruas, sem que sobre as baionetas rutilantes ao sol fluctuasse o velho symbolo da Patria. Têm o seu destino as bandeiras: pela manhã, o exercito lhes fazia continencias; á tarde, eram largadas, talvez, a um canto escuso do quartel. Hontem, palladio sacrosanto do patriotismo, a que foram feitos os juramentos mais solemnes; hoje, pedaço de panno, que o soldado teve de abandonar e de esquecer.

No mesmo dia, foram içadas novas bandeiras. Eram de listras horizontaes verdes e amarellas, tendo a um canto vinte e uma estrellas de prata em campo azul. Essas primeiras e ephemeras bandeiras desappareceram, dahi a cinco dias, quando o Diario Official publicou o decreto n. 4, de 19 de novembro[1], conferindo ao Brasil nova bandeira e novas armas[2].

Não agradou a todos esse decreto. O sr. Raymundo Teixeira Mendes, em defesa delle, publicou, no Diario Official de 24 de novembro, um escripto[3], a que chamou Apreciação Philosophica e uma carta posterior, datada de 21 de Frederico de 101 [4].

O sr. Raymundo Teixeira Mendes [5] pretende, segundo diz, patentear as eminentes qualidades moraes e politicas do pavilhão republicano do Brasil. «Esse pavilhão — diz o sr. Teixeira Mendes — coincide essencialmente com uma patriótica inspiração do denodado chefe do governo actual» e «da força publica de terra e mar, única parte da nação em que o culto fetichico [6] da bandeira foi systematicamente mantido».

Um simples exame da bandeira e uma leitura da Apreciação Philosophica mostraram-nos que, no plano da bandeira applaudido pelo sr. Teixeira Mendes, houve certamente:

1.º Desprezo, ou ignorancia da tradição histórica.

2.º Erro capital de astronomia.

3.º Grave menoscabo da esthetica.

Destacaremos, segundo essa ordem, e examinaremos, uma por uma, as principaes proposições da Apreciação Philosophica, documento que, no repositorio das nossas leis, dará à posteridade uma curiosa impressão de alguns homens e de alguns factos brasileiros, neste fim de seculo.

Não fazemos parte da força publica de nossa Patria, a quem o sr. Teixeira Mendes attribuira o privilegio do amor á bandeira nacional. Não são do exercito nem da armada perto de quatorze milhões dos nossos compatriotas. Nós, porém, como todos os brasileiros, temos pela insignia gloriosa de nossa nacionalidade o mais ardente amor. O culto que lhe consagramos, embora chamado hoje de fetichismo no orgam official, é um culto commum a todos os filhos do Brasil.

Esse amor do symbolo supremo da Patria é que nos leva a assignalar e a deplorar os erros desconhecidos e até elogiados pelo sr. Teixeira Mendes e acceitos pelo Governo Provisorio, no que diz respeito á nova bandeira do Brasil.

 

Paris, outubro de 1890.

 

  1. Annexo n. 1.
  2. Em Lisbôa, dous officiaes da marinha brasileira, ignorando a mudança, arvoraram, a bordo do Alagôas, a bandeira das listras, que já não era a da nova Republica, no dia 8 de dezembro; era, comtudo, a bandeira á qual, na occasião, deviam a mesma fidelidade que haviam jurado á antiga.
  3. Annexo n. 2.
  4. Annexo n. 3.
  5. O sr. Teixeira Mendes tem a gentileza de, ao subscrever os seus artigos, informar o publico de que mora ao n. 10 da rua de Santa Izabel e de que nasceu no Maranhão (Caxias), em 5 de janeiro de 1855.
  6. O fetichismo é a adoração de um objecto qualquer considerado Deus, exercendo as funcções e revestido do poder de um Deus. É preciso não confundil-o com a idolatria, que é a adoração de uma imagem, ou de um objecto, considerado como a representação, ou a morada occasional, ou habitual, de uma divindade, independente do objecto. A bandeira do Brasil nunca foi considerada Deus. Póde, até certo ponto, dizer-se que era idolatrada pelos patriotas, como a representação da Patria. Esta distincção entre fetichismo e idolatria é elementar. É de extranhar a confusão feita pelo sr. Teixeira Mendes.

HISTORIA


 

« A bandeira recorda o Passado, donde proviemos, a Posteridade[1], por quem trabalhamos, e o Presente, que fórma o élo movediço dessas massas indefinidas das gerações humanas. Este symbolo corresponde a tudo quanto o outro (a antiga bandeira de 1822, feita por José Bonifacio e Pedro I tinha de essencial. Ella lembra, naturalmente, a phase do Brasil-Colonia nas côres azul e branca que matizam a esphera, ao mesmo tempo que esta recorda o periodo do Brasil-Reino, por trazer á memoria a esphera armillar. Desperta a lembrança da fé gloriosa dos nossos antepassados e o descobrimento desta parte da America, não mais por meio de um signal, que é actualmente um symbolo de divergencia (a cruz de Christo), mas por meio de uma constellação, cuja imagem só pôde fomentar a mais vasta fraternidade (o Cruzeiro do Sul), porque nella o maia fervoroso catholico contemplará os mysterios insondaveis da crença medieva, e o pensador mais livre recordarâ o caracter subjectivo da mesma crença e a poetica imaginação dos nossos avós. Finalmente, foi mantida a idéa de representar a independencia e o concurso civicos por um conjunto de estrellas ...»

Apreciação Philosophica, pelo sr. Raimundo Teixeira Mendes [2].

Proposição I — «O novo symbolo corresponde a tudo quanto o outro tinha de essencial.»

É inexacto. Reproduzimos, na estampa n. 4, um fac-simile da bandeira do sr. Teixeira Mendes, como a representa o Annexo n. 1, do Diario Official.

Este fac-simile fica em opposição ao da antiga bandeira brasileira. Um lance d' olhos sobre as duas estampas mostra que a nova bandeira apenas conservou da bandeira de Pedro I e de José Bonifacio as côres verde e amarella e a disposição, isto é, um losango amarello em campo verde. O antigo escudo lembrando o descobrimento do Brasil, o Brasil-Colonia, o Brasil-Reino e o Brasil durante 67 annos de vida independente e livre, foi supprimido e substituido inestheticamente por uma bola azul, cortada por uma faixa branca e crivada, na parte interior, de estrellas dispersas.

A côr verde, segundo a Apreciação Philosophica, parece que foi conservada em attenção a Augusto Comte, que diz o seguinte : « Esta nuança convém aos homens do Porvir, por isso que caracterisa a Esperança, como o annuncia habitualmente por toda a parte a vegetação, ao mesmo tempo que indica a Paz, duplo titulo para symbolisar a actividade pacifica. Historicamente, ella inaugurou a Revolução Franceza, porque os sitiantes da Bastilha não tiveram, quasi todos, outros emblemas além de folhas subitamente arrancadas ás arvores do Palais Royal, segundo a feliz exhortação de Camillo Desmoulins». «Esta recordação universal — accrescenta o sr. Teixeira Mendes — nos transporta á contemplação do proto-martyr da nossa liberdade nacional, o generoso Tiradentes, que foi denunciado no mesmo anno em que Paris inaugurava a regeneração humana».

Proposição II — «O novo symbolo lembra a phase do Brasil-Colonia, nas côres azul e branca que matizam a esphera. »

É um erro da Apreciação, que, por ter a actual bandeira portugueza as côres azul e branca, julgou que essas côres datavam do tempo do Brasil colonial.

As côres azul e branca só são as da bandeira portugueza, desde 1830, em virtude do decreto da Regencia, chamada da Terceira, datado de Angra, a 18 de outubro daquelle anno, isto é, 8 annos depois da independencia do Brasil[3], quinze annos depois do Brasil ser elevado a reino, vinte e dous annos depois do Brasil, de facto, deixar de ser colonia, pela chegada da familia real, em 1808.

A côr da bandeira portugueza, tanto em Portugal, como nas colonias, foi, antes e depois de 1500, a côr branca. Não é, pois, possivel relembrar a phase colonial do Brasil pelas côres branca e azul, que nunca foram as dessa colonia e são as de Portugal sómente desde 1830.
 

Estampa I, fig. A.
 
 
Bandeira portugueza
nos dominios ultramarinos de Portugal; no Brasil, desde 1500 até 1649.

 

Em 1500, a bandeira que Cabral arvorou na terra do Brasil foi a bandeira branca, da ordem militar de Christo. Esta foi a dos navegantes portuguezes, a de Vasco da Gama, a de Cabral[4], que nas velas dos seus navios tambem traziam a cruz vermelha de Christo[5]. Ella se encontra em muitos portulanos e em varios documentos contemporaneos, nas estampas da peregrinação de Linschotten, no seculo XVI[6], e nas da obra de Barlœus, representando combates da guerra hollandeza no Brasil[7]. A cruz de Christo, a esphera armillar de Dom Manoel (armas dadas a este principe por Dom João II)[8] e as quinas portuguezas eram simultaneamente usadas como emblemas do rei de Portugal nas terras recem-des-cobertas[9]. A bandeira, porém, era sempre branca.

 

Estampa II.
 
 
Bandeira da Companhia do Brasil.
 
 

Estampa II a.
 
 
Bandeira hespanhola.

 

No seculo XVII, durante o dominio hespanhol, a bandeira portugueza, diz D. Francisco Manuel na sua Epanaphora Trajica[10], teve uma silva verde em torno do escudo, para se distinguir da bandeira hespanhola, que tambem era branca, tendo o escudo real no centro[11].

Depois que o Brasil foi elevado a Principado (1647), começou a esphera armillar manuelina a servir de armas ao Brasil e a bandeira especial desta parte do Imperio colonial portuguez continuou a ser branca, mas com a esphera armillar de ouro no centro[12]. Não é conhecida a data do alvará, ou decreto, que deu por armas ao Estado, ou Principado do Brasil, a esphera de D. Manuel. Vêmol-a, porém, desde o seculo XVII, nas bandeiras do Brasil, nas primeiras moedas portuguezas cunhadas em fim daquelle seculo, no Brasil e para o Brasil, e encontramol-a tambem nos sellos[13].

 

Estampa I, fig B.
 
 
Bandeira particular do Brasil,
desde 1649 até á chegada da Familia Real no Rio de Janeiro.
 
 

Estampa I, fig. C.
 
 
Bandeira portugueza
desde 1485 até 1816, e novamente de 1825 a 1830, data em que começou a ser azul e branca.
 
Nota — Até 1580 a corôa era aberta, e até fins do seculo XVIII os dous castellos inferiores eram quasi sempre inclinados.
 
 

Estampa I, fig. D.
Bandeira portugueza
desde 1816 até 1825.
(Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves)

 
As outras bandeiras, com as armas reaes, tambem foram sempre brancas e tinham no centro as armas de Portugal e Algarves[14], até 1816. Depois do decreto de 13 de maio de 1816, que deu armas ao Reino do Brasil, a bandeira do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, usada pela nossa antiga metropole até 1825, isto é, até o reconhecimento da independencia do Imperio do Brasil, foi tambem branca, tendo no centro as armas da União, isto é: o escudo das armas de Portugal e Algarves sobreposto ás armas do Reino do Brasil e tendo por timbre a corôa real[15].

Pela succinta exposição historica que fizemos, vê-se que as côres portuguezas, no Brasil, nunca foram — azul e branco — e que o sr. Teixeira Mendes errou, querendo recordar o periodo colonial da nossa historia por essas côres, as quaes, só a partir de 1830, foram as do reino de Portugal.

Proposição III — A nova bandeira «recorda o periodo do Brasil-Reino, por trazer á memoria a esphera armillar».

Não ha esphera armillar sem armillas, ou circulos. A esphera azul desenhada no losango amarello não tem signal algum que lhe dê relevo: é um circulo azul, cortado por uma faixa branca e ponteado de algumas estrellas. É necessario um esforço de imaginação para o espirito figurar a antiga esphera armillar, á vista da bola azul da nova bandeira do Brasil.

Proposição IV — « A nova bandeira desperta a lembrança da fé gloriosa dos nossos antepassados e o descobrimento desta parte da America
não mais por meio de um signal, que é actualmente um symbolo de divergencia, mas por meio de uma constellação (o Cruzeiro), cuja imagem só póde fomentar a mais vasta fraternidade; porque nella o mais fervoroso catholico contemplará os mysterios insondaveis da crença medieva e o pensador mais livre recordará o caracter subjectivo da mesma crença e a poetica imaginação dos nossos avós.»

A) — «a constellação do cruzeiro lembra o descobrimento desta parte da america.»

Pela leitura destas palavras, parece que o auctor da Apreciação Philosophica entende que a constellação do Cruzeiro do Sul está ligada á historia do descobrimento do Brasil, o que é inexacto.

As estrellas da constellação do Cruzeiro faziam parte da constellação do Centauro. Os antigos conheciam-n-as , e, no tempo de Ptolomeu, eram ellas visiveis em Alexandria[16], de cujo horizonte desappareceram, pelo effeito da precessão dos equinoxios. Como observa Humboldt, no tempo de Santo Athanasio e de São Basilio, no quarto seculo, os christãos da Thebaida viam ainda a Cruz do Sul[17]. Ignora-se a época em que foi assignalada a figura de uma cruz na parte inferior do Centauro da esphera; mas, diz ainda Humboldt, os astronomos arabes designaram tambem cruzes nas constellações do Dragão e do Golphinho. Em todo caso, não foi Pedro Alvares Cabral, o descobridor do Brasil, quem avistou primeiro o Cruzeiro do Sul; Pero Vaz de Caminha, escrivão da sua armada, na carta celebre dirigida ao rei D. Manuel, não fala, siquer, dessa constellação. As primeiras menções que se encontram della nas narrativas dos navegantes são as de Andrea Corsali, quando viajava pela costa d’Africa para Cochim (1515) e a de Pigafetta (1520), que, este, tocou no porto do Rio de Janeiro, durante a primeira viagem de circumnavegação do globo, emprehendida por Fernão de Magalhães e concluida por Sebastião del Cano. Quanto ao piloto portuguez anonymo, citado por Humboldt e de Ramusio, e que descreve, da costa d’Africa, essa constellação, sabe-se que a sua viagem teve logar em 1551, ou 1552[18]. Pedro Alvares Cabral viu, sem duvida, as estrellas do Cruzeiro do Sul, embora as não discriminasse dentre as constellações. Isto, porém, não é sufficiente para poder a Apreciação Philosophica affirmar que a constellação do Cruzeiro lembra a descoberta do Brasil. Estas estrellas foram vistas, nos tempos modernos, por todos os que passaram ao sul do Tropico de Cancer. Viram-n-as, muito antes da descoberta de Cabral: o catalão Jayme Ferrer, que, em 1346, chegou até ao rio do Ouro, na costa oriental da Africa; o portuguez Gil Eannes, que, em 1433, dobrou o Cabo Bojador; o portuguez Nuno Tristão, que, em 1441, ultrapassou o Cabo Branco; e viu essas estrellas, ainda mais altas sobre o horizonte, o veneziano Aluisio Ca da Mosto, que, em 1445, transpoz o Cabo Verde e chegou ao rio Gambia. Viram-n-as muitos outros, como Antonio de Nolla e Diogo Gomes, descobridores das ilhas do Cabo Verde (1460); Diogo Cam, descobridor do Zaire (1484); Bartholomeu Dias, ainda antes de chegar ao Cabo das Tormentas (1486); Christovam Colombo, quando descobriu a America (1492) e Vasco da Gama (1498), na expedição que precedeu a de Pedro Alvares Cabral (1500).

Um dos primeiros exploradores da costa do Brasil, Amerigo Vespucci, numa das cartas que lhe são attribuidas[19], refere-se a quatro estrellas que lhe lembraram a celebre passagem de Dante:

 

Io mi volsi a man destra e posi mente
  All'altro polo, e vidi quattro stelle
  Non viste mai fuor che alla prima gente.
Goder pareva il ciel di lor fiammelle.
  O settentrional vedovo sito
  Poi che privato sei di mirar quelle![20]
Purgatorio II, v. 22-27.

 

Vespucci não conhecia siquer, então, o nome da constellação; em vez de uma cruz, elle viu prosaicamente nella uma figura rhomboide, ou uma amendoa (una mandorla)[21]. Nos fins do seculo XVI e começos do seculo XVII, época que, segundo Varnhagen, foi a da maior gloria do nome de Vespucci[22], apparecem gravuras attribuindo a Vespucci a descoberta do Cruzeiro do Sul. É, porém, certo que só em 1612 publicou Brayer o seu Atlas, primeiro documento astronomico em que figura, destacada da constellação do Centauro, a constellação do Cruzeiro. Brayer publicou o seu Atlas justamente um seculo depois da morte de Amerigo Vespucci (1512). Durante a vida deste navegador, a Cruz do Sul não teve este nome. Não a conheceram como a constellação da Cruz, nem a ella jámais se referiram os primeiros navegadores da costa do Brasil.

Não ha, pois, razão alguma para a Apreciação Philosophica entender que a constellação do Cruzeiro lembra o descobrimento do Brasil.

B — «...não mais por meio de um signal que é actualmente um symbolo de divergencia (a cruz), mas por meio de uma constellação, cuja imagem só póde fomentar a mais vasta fraternidade».

Não comprehendemos porque a cruz será no Brasil um symbolo de divergencia. Ha naquelle paiz quatorze milhões de christãos. O brasileiro é baptisado com o signal da Cruz e, no seu descanço final, dorme no seu tumulo á sombra da cruz. Como pretende o sr. Teixeira Mendes que este signal, que o brasileiro recebe ao entrar na vida e que o acompanha na morte, seja um symbolo de divergencia? É infima a minoria não christã no Brasil.

Demais, a cruz da Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Christo tem na bandeira, além da significação religiosa, a alta significação historica e patriotica, de ter sido o symbolo representado na bandeira que o primeiro descobridor portuguez hasteou no Brasil.

O Governo Provisorio conservou para os militares a cruz verde e florenceada da ordem de São Bento de Aviz, e nenhum militar tem divergido, até hoje, recusando-a. Ainda ninguem rejeitou essa condecoração, tão larga e fraternalmente distribuida, a pretexto de divergencias theologicas.

Porque é que um symbolo é apagado da bandeira como emblema de discordia e ao mesmo tempo é pregado ao peito dos soldados como insignia de honra?

Quanto á constellação do Cruzeiro fomentando a mais vasta fraternidade, pensamos que o sr. Teixeira Mendes entrou, neste ponto, no dominio da Astrologia. A influencia daquella constellação sobre a fraternidade humana não deve ser sensivel aos povos que habitam o hemispherio norte, pois estes povos não vêem o Cruzeiro. Os hispano-americanos, que não são modelos de fraternidade, pois vivem em dissensões continuas, alimentando odios inextinguiveis; as tribus selvagens d’Africa; os barbaros das ilhas do Oceano Indico e do Pacifico e os colonos da Australia e da Nova Zelandia,
 

Estampa III.
As armas do Imperio.

 
esses, que vivem debaixo da influencia da constellação fomentadora da fraternidade, esses devem ser os povos mais fraternaes da terra.
Proposição V — «Foi mantida a idéa de representar a independencia e concurso civicos por um conjunto de estrellas.»

Na bandeira de 1822, existia, com effeito, a bella e poetica idéa de representar as antigas provincias por estrellas. Presidiu, porém, á execução dessa idéa o pensamento de representar a união harmonica das provincias por outras tantas estrellas eguaes, dispostas em circulo, isto é, na mais perfeita symbolisação da ordem e da egualdade, figuradas pela continuidade e pela equidistancia do centro[23]. Na bandeira dos Estados-Unidos, vê-se o mesmo pensamento, e as estrellas que nella figuram os Estados da União são estrellas eguaes em grandeza, como são eguaes em direitos os Estados, e essas estrellas estão dispostas symetricamente no parallelogramma azul, justa imagem da bôa ordem e da União Federal.

Na bandeira do decreto de 19 de dezembro, os Estados do Brasil são representados por estrellas e ha no campo azulado do hemispherio austral estrellas de primeira, de segunda e terceira grandeza e até uma, σ do Oitante, que é invisivel a olho nú[24]. Foi desprezado o dogma fundamental de toda organisação federativa, isto é, o da egualdade de direitos e de autonomia de todos os Estados federados.

 

Estampa IV
 
 
Bandeira da Republica.

 
Na bandeira, as estrellas não estão figuradas de modo a representarem a união e a harmonia. Separadas e dispersas, como estão, figurariam antes, não só a desegualdade, como a desunião e a desordem. Quanto á idéa de independencia figurada por um conjunto de estrellas, nas suas posições astronomicas, segundo diz o decreto, é claro que esta representação astronomica e inflexivel indica, antes, uma rigorosa subordinação a leis fataes e imutaveis, como são as da ordem cosmica, do que á independencia, de que fala o sr. Teixeira Mendes.

  1. Recordar quer dizer: — tornar a trazer á memoria. — É verbo que só se applica ao passado. É impossivel recordar a posteridade, pois a posteridade é cousa futura.
  2. Diario Official, n. 323, de 24 de novembro de 1889. 1.ª pagina, 1.ª collumna. § 2. – Vide appendice n. 2
  3. Decreto:
    «Tendo o governo que usurpou o throno de Sua Majestade Fidelíssima usurpado tambem as côres que tinham guiado para a victoria as tropas portuguezas, sempre distinctas pelo seu valor e lealdade, e sendo necessarias hoje novas insignias que distingam os portuguezes que permaneceram fieis no caminho da honra daquelles que tiveram a desgraça de seguir o partido da usurpação: manda a Regencia, em nome da Rainha, que, de ora em deante, a bandeira portugueza seja bipartida verticalmente em branco e azul, ficando o azul junto da haste e as armas reaes, collocadas no centro da bandeira, a metade sobre cada uma das côres; e manda, outrosim, a Regencia, em nome da mesma Senhora, que nos laços militares do real exercito e armada se usem as mesmas côres azul e branca com a mesma fórma do laço actualmente em uso e occupando a côr branca a parte exterior e centro do mesmo; e confia a Regencia em que todos os leaes portuguezes, tanto dentro, como fóra do Reino, se apressarão a reunir-se debaixo destas insignias, para a restauração de sua legitima soberana e sustentação da Carta Constitucional da Monarchia. O ministro e secretario d'Estado assim o tenha entendido e expeça para a sua execução as ordens necessarias. Palacio do Governo, em Angra, 18 de outubro de 1830 — Marquez de PalmellaConde de Villa Flor, José Antonio GuerreiroLuiz da Silva Mousinho d'Albuquerque

    O decreto de 7 de janeiro de 1796, o decreto das Côrtes, de 22 de agosto de 1821, revogado pelo de 18 de julho de 1823, referem-se sómente aos laços militares do exercito, e não, ás côres da bandeira.
  4. Vid. estampa n. I, fig. A.
  5. Vid. Roteiro de Lisbôa a Gôa por D. João de Castro, annotado por Andrade Corvo — Lisbôa, 1882.
  6. Navigatio et itinerarium in orientalem, sive Lusitanorum Indiam, collecta et descripta belgice, nunc latine reddita. Haggæ-Comitis. Anno 1599.
    A primeira edição hollandeza é de 1596
  7. Barlœus: Rerum per octennium in Brasília, 1647. Gravuras: Loanda Sancti Pauli et Quartum Prœlium.
  8. Damião de Góes, Chronica dei Rei Dom Emanuel , part. I, cap. V.
  9. Na raríssima obra — Ho Preste loam das Indias. Verdadeira informaçam das terras do Preste Ioam, segundo vio e escreveo oh padre Francisco Alvarez, capella del Rey Nosso Senhor. Coimbra, 1549 — ha uma curiosa gravura representando a entrada do embaixador do rei de Portugal, D. Rodrigo de Lima, na côrte da Ethiopia, em 1520. Os arnezes do cavallo do embaixador são ornados com a esphera armillar, que também se vê no chapéo do escudeiro que o acompanha e que, tendo nos arnezes do seu cavallo a cruz de Christo, empunha um pendão com as quinas.
  10. II. Naufragio da armada portugueza nas costas de França — 1627.
  11. Além das bandeiras reaes arvoradas pelas capitaneas e almirantas das armadas, tinham os portuguezes outras bandeiras navaes, coloniaes e mercantes. A Companhia de Jesus tinha uma flammula e uma bandeira com insignia propria (Vid. Basilio da Gama - O Uraguay — 1769, pag. 95); a Companhia de Guiné, creada no seculo XVII, que negociava com escravos no Brasil, usava um pavilhão branco com a cruz de Sinople (vid. Froger, na Relação da Viagem de M. de Gennes — Paris, 1700, pag. 145.
  12. Vid. estampa i, fig. B. Esta bandeira é reproduzida da obra La Connaissance des Drapeaux et Pavillons — Haye, 1735. Num mappa impresso no começo do reinado de Luiz Philippe, em Paris, vê-se ainda a referida estampa, com a designação de Ancien drapeau du Brésil. Encontramos a mesma bandeira em muitos outros mappas e documentos do seculo passado.
  13. Ha poucos annos, a Municipalidade do Rio de Janeiro, achando alguns desses sellos, ficou em duvida sobre si as armas da cidade eram as settas de São Sebastião, ou a esphera armillar. Aquellas eram as da cidade; esta, as do Brasil.
  14. Vid. estampa I, fig. C.
  15. Vid. estampa I, fig. D.
  16. HumboldtExamen Critique de l'Histoire de la Géographie du Nouveau Continent et des Progrès de l'Astronomie Nautique, au XV et au XVI siècles. Paris — 1837. Vol. IV, pag. 323.
  17. Ideler, citado por Humboldt (Examen Crit., vol. IV, pag. 322), suppõe que a constellação chamada por Plinio (lib. II, cap. 69) Cæsaris thronon é o nosso Cruzeiro do Sul.
  18. Collecção de Noticias para a Historia e Geographia das Nações Ultramarinas. Vol. II, pag. 78, 2.ª edição. Lisbôa, 1867. Julga-se, geralmente, que este piloto foi o primeiro que chamou á constellação — O Cruzeiro.
  19. Datada de 18 de julho de 1500; segunda viagem. Duvida-se de que nessa viagem tenha estado, ou não, Vespucci nas costas do norte do Brasil, apesar da affirmativa de Varnhagen. Ha tambem sérias duvidas sobre a authenticidade dessa carta.
  20. Scartazzini (Leipzig — 1875, vol. II, pag. 3), assim como a maior parte dos novos commentadores do Dante, acceita a interpretação de Humboldt, de que Dante quiz symbolisar nas quatro estrellas as quatro virtudes cardeaes (Examen Crit., vol. IV, pag. 324; Kosmos, vol. II, pags. 331 e 486; vol. III, pags. 329 e 361
  21. Examen Crit., vol. IV, pag. 319.
  22. Amerigo Vespucci, son caractère, ses écrits etc., etc., por F. A. de Varnhagen. Lima, 1865, pag. 68. E' desta época o retrato gravado por Chrispino de Passe. N.° 140 do Catalogo de Estampas Raras, da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro, publicado no vol. XI dos Annaes, da mesma Bibliotheca. Nesse retrato, Vespucci é chamado... terræ brasilianæ inventor et subactor. Possuimos em nossa collecção uma estampa de Philippe Galle (1557 — 1612) e de João Collaert (1550), segundo desenho de João Stradanus (1536 — 1605), representando Amerigo Vespucci observando o Cruzeiro e tendo esta inscripção: Americus Vespuccius, cum quattuor stellis, crucem silente nocte repperit. Esta estampa é a correspondente ao Astrolabio, da serie das descobertas novas, publicada pelos Galle, sob o titulo Nova Reperta. Além desta estampa, da serie referente a Vespucci, ha outras tambem dos Galle: Americæ detectio, com os retratos de Colombo e de Vespucci e o globo terrestre pairando sobre o mar, no littoral ligurico, Genova, etc., etc.; outra representa Vespucci entre tritões, numa nave, divisando ao longe algumas terras: Americus Vespuccius Florentinus portentosa navigatione ad Occasum alque ad Austrum duas orbis terrarum partes, nostris oris quas incolimus majores, et nullis antea nobis notas sæculis, quarum alteram de suo nomine Americam mortalium consensum nominavit. — An. Sal. et IIID. Os retratos de Colombo e de Vespucci—o primeiro em relação á America, chamado inventor, o segundo, detector et denominator—apparecem noutra gravura de Philippe, desenhada por Stradanus, e em que uma rosa dos ventos, figurando a bussola, tem esta inscripção: Flavius Amalfitanus Italus Inventor. Finalmente, numa gravura de Theodoro Galle (158o), vê-se Vespucci, ao saltar numa terra, despertar uma india deitada numa maca; Vespucci traz uma bandeira, na qual se vê uma cruz e quatro estrellas: Americen Americus retexit et semel vocavit inde semper excitam. O desenho é ainda de Stradanus.
  23. Vid. estampa III.
  24. Vid. estampa VII.

ASTRONOMIA


 

Art. 1.º..... — «21 estrellas, entre as quaes ha a coostellação do cruzeiro, dispostas na sua situação astronomica quanto á distancia e ao tamanho relativos.»

«Adoptou-se a representação idealisada do aspecto do céo na capital dos Estados Unidos do Brasil, no momento em que a constellação do cruzeiro do sul se acha no meridiano, estampando-se na direcção da orbita terrestre a legenda — Ordem e Progresso... Figurou-se a esphera inclinada sobre o horizonte, segundo a latitude do Rio de Janeiro, e assignalou-se o polo Sul pelo σ do oitante, que se tornou o symbolo natural do Municipio Neutro. Escolheram-se constellações austraes, com excepção do pequeno cão, que forneceu Procyon, para significar que a União Brasileira tem um Estado que se extende ao hemispherio norte. Esta constellação fica ao norte do Equador e ao sul da Ecliptica. As outras constellações escolhidas, além do cruzeiro, convenientemente destacadas, são o triangulo austral, o escorpião, a virgem (Espiga), argus, (Canopo)[1] e o grande cão (Syrius).[2] A virgem tem parte no hemispherio norte e parte no hemispherio sul, extendendo-se, aquella, acima da Ecliptica. A sua estrella mais bella, a Espiga, pertence ao nosso hemispherio, e a essa estrella está ligada a memoria da descoberta da precessão dos equinoxios pelo fundador da astronomia, o immortal Hyparco[3]. Ella não podia, pois, deixar de ser escolhida. Na bandeira, está figurada acima da Ecliptica, para quebrar a monotonia do hemispherio boreal. Procyon; que é a unica estrella das escolhidas que está no hemispherio norte, não podia ser collocada acima da Ecliptica, porque a constelação está ao sul dessa linha. A liberdade esthetica, pelo contrario, permittia collocar a Espiga acima da faixa representativa do Zodiaco, por se tratar de uma constellação que tem parte acima e parte abaixo do plano da orbita terrestre, e de uma estrella que bastaria uma pequena variação, na inclinação desse plano, para transportal-a ao norte delle. Mas ella foi representada junto á faixa.»

Apreciação Philosophica, pelo sr. Raymundo Teixeira Mendes.

As unicas estrellas que um astronomo (e as bandeiras não devem ser feitas para os astronomos) poderia collocar na esphera da Bandeira e do Sello, depois de lêr attentamente o decreto e a Apreciação Philosophica, seriam as cinco seguintes:

σ do Oitante (estrella insignificante);

α do Pequeno Cão (Procyon);

α da Virgem (Espiga);

α do Navio Argo (Canopo);

α do Grande Cão (Sirius).

As 16 estrellas que faltam para completar as 21, deixou-as todas no vago a Apreciação Philosophica, pois as tres outras constellações indicadas constam, como todas as constellações, de muitas estrellas. O modelo n. 1, annexo ao decreto, — modelo que reproduzimos em fac-simile [4] — veiu esclarecer um pouco este ponto obscuro. Pela estampa lithographada, ficamos sabendo que foram escolhidas as seguintes estrellas:

Do Cruzeiro: α, β, γ, δ, e ε — cinco estrellas.

Do Triangulo Austral: α, β e γ — tres estrellas.

Do Escorpião, não é possivel, pela estampa, verificar quaes sejam as estrellas escolhidas, tão erradas estão as posições, confórme demonstraremos. Suppomos que devem ser estas, começando do norte: β, δ, α (Antares) τ, ε, μ, λ e χ. Em todo caso, o Escorpião é a constellação dominante, pois ella só forneceu mais da terça parte do numero total das estrellas.

O astronomo official fez brilhar na esphera até o misero σ do Oitante, invisivel a olho nú, — e se esqueceu de duas estrellas de primeira grandeza, que fulguram no céo do Brasil ao lado do Cruzeiro — α e β do Centauro. A precipitação dos que não trepidam em acceitar incumbencias para as quaes não estão preparados é a unica explicação deste esquecimento. A estrella α do Centauro é um sol duplo e a mais proxima do nosso systema. Das estrellas escolhidas, só duas — Sirius e Canopo — têm mais brilho do que ella. A outra, β do Centauro, é mais brilhante que as do Cruzeiro. Não obstante, foi supprimida a formosa constellação, que tanto brilha nas noites do Brasil, para dar logar ao Escorpião, o Formidolosus, como o chamavam os antigos, que firmemente julgavam votados a um fim tragico os que nasciam sob a sua influencia. E em bôa companhia fica o Escorpião, porque, no momento escolhido pelo decreto, para a representação do céo do Rio de Janeiro, muito acima do Cruzeiro e bem sobre as cabeças dos habitantes pairam outras duas constellações sinistras — o Corvo e a Hydra.

Dito isto, devemos examinar successivamente as proposições astronomicas da Apreciação Philosophica, como já fizemos com as suas proposições historicas.

 
Proposição I — «A bandeira representa o aspecto do céo do Rio de Janeiro».
 

Embora o decreto tenha força de lei e a opinião do auctor da Apreciação Philosophica seja muito valiosa, podemos affirmar e demonstrar que a bandeira não representa o aspecto do céo da capital do Brasil, nem quando a constellação do Cruzeiro do Sul está no meridiano, nem em momento algum.

O aspecto do céo é graphicamente reproduzivel por meio de cartas celestes que representem esse aspecto.

Ora, o astronomo inventor da bandeira traçou um céo que é o avêsso do céo do Rio de Janeiro. E isso, porque? Porque o astronomo se serviu, para o desenho, não de uma carta celeste, que esta, sim, reproduziria o aspecto do céo visto da terra, mas de um globo celeste, sem attender a que quem tem deante dos olhos uma dessas espheras se suppõe, não na terra, que é imaginada no centro, ou no amago desse globo, mas fóra e muito fóra, não só do nosso systema solar, mas até muito longe das mais afastadas estrellas e nebulosas.

Que se entende por aspecto do céo? É o céo como nós o vemos da terra. Ora, quem olha para uma esphera celeste, não vê o céo como elle é visto da terra. A bola estrellada da bandeira e do sello da Republica foi reproduzida de um globo celeste e, por isso, não representa o céo do Rio de Janeiro como os fluminenses o vêem, isto é, no seu aspecto visivel. A bola representa o céo do Rio de Janeiro como ninguem ainda o viu: mostra-o invertido, estando a oéste as estrellas que no horizonte daquella cidade estão a éste, ficando á esquerda o que no céo se vê á direita. É positivamente o avêsso do céo.

A posição verdadeira das estrellas escolhidas para a bandeira e de algumas outras de maior importancia, quando a constellação do Cruzeiro está no meridiano do Rio de Janeiro, será pelo leitor encontrada na estampa n. 5. As ascensões rectas e os circulos de latitudes estão indicados, de sorte que não só as 21 estrellas escolhidas, como as outras, estão representadas com a maior exactidão.

Quando se diz — o aspecto do céo — entende-se o céo segundo a carta celeste de um ponto e num momento dados.
 

Estampa V

Projecção stereographica
sobre o plano do horizonte do Rio de Janeiro
estando o Cruzeiro do Sul sobre o meridiano
 
 

Estampa VI.

 
Esboço da Carta do Brasil
Projecção stereographica sobre o horizonte do Rio de Janeiro

 

Augusto Comte queria limitar o estudo da astronomia ao nosso systema planetario, abandonando a astronomia estellar. Os inventores comtistas da nova bandeira, para reproduzirem o aspecto do céo, ultrapassaram os mais remotos dominios da astronomia estellar e, penetrando pelo espaço infinito, de lá pintaram o céo do Rio de Janeiro ás avéssas.

A estampa n. 7 mostra as posições exactas das 21 estrellas escolhidas para a bandeira, estando o Cruzeiro do Sul sobre o meridiano do Rio de Janeiro e como os fluminenses as vêem nesse momento. Essa carta é a mesma que a n. 5, sem os meridianos e sem os parallelos, sendo supprimidas das constellações todas as estrellas que não figuram na bandeira e no sello das armas do Governo Provisorio. A estampa n. 8, impressa em papel transparente, é a reproducção do modelo adoptado para a bandeira. Compare o leitor esta estampa com a n. 7 e vêrá que as estrellas do modelo official não estão collocadas como todo o mundo as vê do Rio de Janeiro; não estão confórme o aspecto do céo. Admittindo-se, mesmo, a inversão, não estão certas nem as suas posições, nem as suas grandezas, e está tambem errada a projecção da faixa com que se pretendeu representar a Ecliptica. Volte o leitor a estampa n. 8 e applique-a sobre a

n. 7, e vêrá que nem as estrellas, nem a Ecliptica coincidem. Si estivessem certas, deveriam coincidir perfeitamente com a carta anterior[5].
 

Estampa VII

 
Carta mostrando as posições exactas das 21 estrellas
escolhidas para a bandeira, estando o Cruzeiro do Sul
sobre o meridiano do Rio de Janeiro.
 
 

Estampa VIII.

 
Reprodução do modelo adoptado para a bandeira

 
O aspecto do céo do Rio de Janeiro continúa, pois, a não ser o que tanto o decreto n. 4, como o sr. Teixeira Mendes quizeram fazer, e, si a bandeira quiz representar este aspecto, a bandeira está errada. Está errada na direcção da Ecliptica, nas grandezas, nas posições das estrellas, de todas as estrellas, sem exceptuar uma só. Teriam estas de realisar viagens de centenares de milhares de seculos, para, obedecendo ao decreto e ao sr. Teixeira Mendes, irem tomar na bola azul as posições que lhes foram designadas dictatorialmente. Ha no Rio de Janeiro um observatorio astronomico, que poderia ter sido consultado, desde que se pretendia pôr em contribuição os astros. O Governo Provisorio preferiu, porém, desfraldar aquelle documento de ignorancia, que, correndo mundo e fluctuando no extrangeiro, dará uma idéa tão ridicula, quão injusta, do nosso adeantamento.
 
Proposição II — «Assignalou-se o polo Sul pelo σ do Oitante, que se tornou o symbolo natural do Municipio Neutro.»

Porque o insignificante σ do Oitante é o symbolo natural do Municipio Neutro? O Rio de Janeiro não está no polo Sul. Mais perto do polo, acham-se os Estados de São Paulo, do Paraná, de Santa Catharina e do Rio Grande do Sul. Será por ser o σ do Oitante a estrella menor de todas as que figuram na bandeira?

Proposição III — «Escolheram-se constellações austraes, com excepção do Pequeno Cão, que forneceu Procyon, para significar que a União Brasileira tem um Estado que se extende ao hemispherio norte.»

O auctor da bandeira devia apprender um pouco de Geographia do Brasil.

Não ha menino de escola naquelle paiz que ignore que o Brasil tem dous Estados cujos territorios se extendem ao norte do Equador. Olhe o auctor da Apreciação Philosophica para qualquer mappa do seu paiz e vêrá que o Pará e o Amazonas têm territorios ao norte da linha equinoxial.

Seria, portanto, preciso escolher, do hemispherio norte, não uma estrella, mas duas, representando o Estado do Pará e o Estado do Amazonas. Podiam ser Regulus, Arcturus, Castor, Pollux, outras estrellas do hemispherio norte.

O auctor da bandeira, evidentemente, teve aqui a confusa e vaga idéa de querer representar tão sómente as estrellas comprehendidas dentro dos meridianos e parallelos celestes correspondentes aos meridianos e parallelos terrestres que passam pelos pontos extremos das fronteiras e da costa do Brasil.

Mas, então, seria preciso excluir todas as 21 estrellas escolhidas, como vêrá claramente o leitor applicando o mappa n. 6 com a projecção do territorio brasileiro sobre o mappa n. 5, que é o do aspecto do céo do Rio de Janeiro no momento e com as estrellas escolhidas pelo decreto e pelo auctor da bandeira. Graças á transparencia do papel, vêrá o leitor, das 21 estrellas escolhidas, uma sómente, a Espiga, da Virgem, que está comprehendida no espaço do céo correspondente ao plano do territorio. Seria preciso, então, excluir as 20 outras estrellas, e seria logico: si as do norte do Equador celeste foram excluidas, porque o Brasil apenas se extende alguns graus ao norte do Equador terrestre, então se eliminem da bola azul da bandeira todas as estrellas circumpolares e, com mais razão, o minusculo σ do Oitante, tão arbitrariamente feito «symbolo natural do Municipio Neutro», pois o Brasil não chega ao polo Sul; eliminem-se tambem as estrellas de Léste e de Oéste, inclusivé as do multistellifero Scorpião, pois, no momento escolhido, ellas não estão dentro dos limites que o auctor da bandeira se impoz, ao Norte, e que deveria tambem adoptar para o Sul, para o Oéste e para o Léste.

O decreto e a Apreciação falam em aspecto do céo. Si quizeram dar esse aspecto, todas as estrellas comprehendidas no horizonte do Rio de Janeiro podiam ter sido escolhidas.

Proposição IV — « A sua estrella mais bella, a Espiga, da Virgem, pertence ao nosso hemispherio, e a essa estrella está ligada a memoria da descoberta da precessão dos equinoxios pelo fundador da astronomia, o immortal Hyparco[6]. Ella não podia, pois, deixar de ser escolhida.»

Si a razão que obrigou o auctor da bandeira a escolher a Espiga é o ter aquella estrella servido para a descoberta da precessão dos equinoxios por Hipparcho, egual razão havia para a escolha de Regulus, α da constellação do Leão, brilhantissima estrella, que aquelle astronomo observou para fazer a sua descoberta.

E, si o auctor da bandeira queria uma constellação septentrional para indicar que o Brasil tem um Estado (aliás, dous) extendendo-se ao norte do Equador, tinha á mão (si assim se póde dizer, tratando-se de estrellas) Regulus, do Leão, que, para ser contemplado, reunia dous titulos: o de estar ligado á memoria de uma grande descoberta e o de estar ao norte do Equador.

Proposição V — a) «Na bandeira, ella (a Espiga, da Virgem) está figurada acima da Ecliptica, para quebrar a monotonia do hemispherio boreal.»
b) «Procyon, que é a unica estrella das escolhidas que está no hemispherio norte, não podia ser collocada acima da Ecliptica, porque a constellação está ao sul dessa linha.»

Quando chegou nesse ponto, o auctor da bandeira olhou para a parte superior da sua bola azul e viu aquelle campo deserto, achou-o monotono e teve muita razão. E quando a gente acha monotono o hemispherio boreal, que deve fazer? Pega delicadamente de una estrella e deita o dito astro no referido hemispherio; e, para isso, pede-se uma estrella emprestada ao vizinho hemispherio austral. O auctor da bandeira, tendo feito este emprestimo estellar, olhou de novo para a bola e achou que estava bem.

Infelizmente, não descançou, porque continuou depois, a dedo, a desarranjar os astros.

c) «A liberdade esthetica, pelo contrario, permittia collocar a Espiga acima da faixa representativa do Zodiaco, por se tratar de uma constellação que tem parte acima e parte abaixo do plano da orbita terrestre, e de uma estrella que bastaria uma pequena variação na inclinação desse plano, para transportal-a ao norte delle. Mas ella foi representada junto á faixa.»

O auctor da bandeira teve a idéa de fazer uma bandeira scientifica, um estandarte astronomico. Deante dessa obra desgraciosa, pesada, inesthetica por todos os titulos, o seu auctor resolveu introduzir a liberdade esthetica entre os astros, que, a principio, começara a querer dispôr com todo o rigor astronomico e de accôrdo com a ordem do Governo Provisorio, que era positiva, pois o decreto mandava que as estrellas apparecessem todas nas suas posições astronomicas. A bola estrellada, que já não era astronomia, porque, como demonstrámos, estava errada, e que nunca será arte, porque é tudo quanto ha de mais desgracioso e anti-artistico — a bola, com o emprestimo da Espiga, removida, por ordem superior, de um hemispherio para outro, perdeu até as apparencias de ser cousa attinente á astronomia. O seu logar é na industria do papel barato.

A Apreciação Philosophica, si queria por força e á ultima hora povoar o deserto hemispherio com uma estrella isolada, não precisava mudar do seu caminho a innocente α da Virgem. Si o auctor da bandeira tivesse obedecido ao decreto, collocando as estrellas nas suas posições astronomicas, e não as tivesse desarranjado, β do Escorpião ficaria, naturalmente, e sem esforço, nem liberdade esthetica, por cima do plano da Ecliptica. Veja-se a carta n. 5. Tomasse α de Bootes (Arcturus), bellissima estrella, que, estando ao norte do Equador e da Ecliptica, realisaria a dupla intenção de que fala a Apreciação: — de indicar que o Brasil tem territorio ao norte do Equador e de quebrar a monotonia do hemispherio boreal, que a Apreciação julgou ficar mais interessante com a emigração da Virgem deslocada.

A Apreciação procura desculpar a liberdade, dizendo que foi apenas uma pequena variação. No globo celeste de que se serviu o auctor da bandeira para inscrever no losango amarello a sua bola, ou, antes, rodella azul salpicada de estrellas, essa variação pareceu pequena. Nem chegava, talvez, a meia pollegada, acreditamos. Mas, no espaço celeste, são outras as proporções: o movimento proprio secular da estrella Espiga, ou α da Virgem, que todos os dias se afasta de nós, produz-se na direcção da constellação do Corvo[7]. O auctor da bandeira não só deslocou a estrella, como fêl-a mudar de direcção, levando-a para perto de Arcturus, 7º ao sul desta estrella[8], e, depois de ter assim desencaminhado, em pleno céo, a Virgem, fêl-a fazer, fóra do rumo, uma viagem, na qual, levando-se em conta o movimento proprio da Espiga e o espaço a percorrer, teria a pobre estrella de levar 35.000 seculos, ou 3.500.000 annos[9].

E a Apreciação insiste na insignificancia da alteração feita no céo, dizendo, por fim, que, apesar da mudança, a Espiga ficou perto da faixa!

Para representar exctamente o aspecto do céo do Rio de Janeiro, com as estrellas escolhidas, na sua verdadeira posição astronomica no momento em que está sobre o meridiano o Cruzeiro, fizemos gravar a carta n. 5, que bem mostra o erro da bandeira.

Admittida a idéa de uma bandeira astronomica, o auctor dessa bandeira deveria escolher outro momento. Seria esse momento aquelle em que a
 

Estampa IX

 
Projecção stereographica
sobre o plano do horizonte do Rio de Janeiro
estando o do Navio sobre o meridiano

 
estrella η do Navio Argo[10] passa pelo meridiano do Rio de Janeiro.

Esse momento seria, sem duvida, preferivel, pois estaria então acima do horizonte a bellissima constellação de Orion, o Gigante do Céo, cantado por Pindaro, os Tres Reis Magos, ou Tres Marias da poesia e das lendas populares e que os proprios indios do Brasil conheciam e a que chamavam... Ararapary[11]

O astronomo official teria, então, de escolher 21 estrellas, todas do maior brilho e todas visiveis, o que, além de mais bello, seria, como já observámos, um symbolo de egualdade entre os differentes Estados.

Veja o leitor a estampa n. 9, representando essas estrellas no céo, no momento em que η do Navio está sobre o meridiano do Rio de Janeiro.

Haveria, nesse momento, a escolher as seguintes estrellas, todas da maior belleza:

6 em Orion: α, ou Betelgueze; γ,

ou Bellatrix; β, ou Riegel; e as tres do Talabarte — δ, ε e ζ.

1 no Maior Cão: α, ou Sirius;
1 no Menor Cão: α, ou Procyon;
1 no Leão: α, ou Regulus;
1 na Virgem: α, ou Espiga;
1 no Navio Argo: α, ou Canopo;
4 no Cruzeiro: α, β, γ e δ;
2 no Centauro: α e β;
3 no Triangulo Austral: α, β, e γ;
1 no Escorpião: α, ou Antares.
21

O céo do Rio de Janeiro, quando η do Navio está sobre o meridiano, é tão rico, que haveria até para escolher essas 21 estrellas necessidade de deixar de lado outras, não menos brilhantes, como Arcturus, Castor e Pollux, e não se precisaria recorrer a estrella alguma.

Mas nenhuma combinação, nem mesmo essa, uma vez adoptada a infeliz idéa da roda, ou bola azul na bandeira, tornaria menos feia a pretendida idealisação do céo fluminense e a representação inexacta e inesthetica dos Estados do Brasil por meio de estrellas dispersas caprichosamente, mas com pretenções de estarem nas suas posições astronomicas.

Julgámos ter, no emtanto, demonstrado que, como astronomia, a bandeira é um conjunto de erros: 1.º) É o reverso do céo, cujo aspecto se quiz representar; 2.º) As estrellas não estão nas suas verdadeiras posições e a faixa representativa da Ecliptica está erradamente traçada.



  1. Aliás, a Nau Argo — ἠ Aργώ e não, Argus, ὀ Aργος que é cousa muito differente do celebre Navio.
  2. Aliás, Sirius.
  3. Aliás, Hipparcho — ὀ Ἵππαρχος.
  4. Estampa VIII. O modelo distribuído pela Legação do Brasil em Paris, não sabemos por que razão, tem 22 estrellas, em vez de 21.
  5. Aos leitores não familiarisados com as cartas celestes causará extranheza que, nas cartas ns. 5, 7 e 9, o horizonte Oéste fique á direita e o horizonte Léste, á esquerda, estando o espectador voltado para o Norte — isto é, que nessas cartas se dê o contrario do que se observa nas cartas terrestres, como, por exemplo, na n. 6.
    A razão é simples: as cartas celestes representam o aspecto do céo, isto é, a visão que delle temos, suspenso sobre nossas cabeças. Si, pois, inclinarmos, ou suspendermos uma dessas cartas, orientando-a convenientemente, teremos á nossa direita, quando voltados para o Norte, o horizonte Éste e á nossa esquerda, o horizonte Oéste, como succede nas cartas terrestres collocadas horizontalmente sobre a nossa mesa. Si, porém, collocarmos uma carta do céo sobre a nossa mesa, isto é, si collocarmos em plano inferior a nossos olhos a reproducção do que está em plano superior, é claro que a posição do horizonte ficará invertida. É por essa razão que as duas cartas n. 5 (celeste) e n. 6 (terrestre) podem ser applicadas uma sobre a outra, e se ajustam perfeitamente, coincidindo os seus horizontes. Si nos collocassemos no verso da carta n. 6, estariamos no centro da terra e, por isso, vêriamos a sua superficie projectada sobre o céo, si a superficie fosse transparente; si nos collocassemos no verso da carta n. 5, estariamos fóra de todo o systema estellar conhecido, vendo o céo, não como é visto do nosso planeta, mas como é representado em um globo celeste. Os mappas ns. 5 e 9 representam com exactidão o aspecto do céo do Rio de Janeiro, ou, antes, a posição de certas estrellas naquelle céo; o n. 5, no momento escolhido pelo decreto, isto é, quando o Cruzeiro está no meridiano; o n. 9, certas constellações num momento dado, que julgamos mais propicio para a feitura de uma bandeira astronomica. Todas as estrellas comprehendidas nesses mappas são visiveis na latitude do Rio de Janeiro. O ponto negro que marca o centro do circulo é o que, no céo, fica sobre a cabeça do habitante do Rio de Janeiro. A circumferencia forma o horizonte daquella capital, declarado nos tres mappas com as designações: Horizonte NorteHorizonte SulHorizonte Éste e — Horizonte Oéste. O Rio de Janeiro está a 22°, 54', 24" de latitude ao sul do Equador; o polo Sul da aboboda celeste, alli, fica elevado 22°, 54' 24" acima do horizonte Sul e a abobada parece gyrar em torno desse ponto, por effeito do movimento diurno da rotação da terra. Si a cidade estivesse sobre o Equador, os dous polos ficariam justamente sobre os dous horizontes Norte e Sul; como, porém, está ao sul do Equador, o polo Sul está acima do horizonte, e ir-se-ia elevando gradualmente para quem viajasse em direcção do Sul, ao passo que baixariam no horizonte Norte as estrellas mais proximas desse polo. Quanto ás bellezas do nosso céo austral, é muito util para o distincto conhecimento dellas a obra de Proctor: The Southern Skies, a plain and easy guide to the constellations of the Southern Hemisphere etc, etc. London, 1889.
  6. Aliás, Hipparcho
  7. Vid, as posições na estampa n. 5.
  8. Vid. estampa n. 5 e a bandeira do Governo Provisorio, n. 4.
  9. Calculo rigoroso.
  10. E não Argus, como escreve a Apreciação
  11. Vocabulario indigena de Barbosa Rodrigues.

ANNEXOS


 

ANNEXO N. 1

 
Decreto n. 4, de 19 de novembro de 1889
 
Estabelece os distinctivos da bandeira e das armas nacionaes e dos sellos e sinetes da Republica.
 

«O Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brasil: Considerando que as côres da nossa antiga bandeira recordam as luctas e as victorias gloriosas do exercito e da armada na defesa da Patria; Considerando, pois, que essas côres, independentemente da fórma de governo, symbolisam a perpetuidade e integridade da Patria entre as outras nações;

Decreta:

Art. 1.º — A bandeira adoptada pela Republica mantém a tradição das antigas côres nacionaes — verde e amarello — do seguinte modo: um losango amarello em campo verde, tendo no meio a esphera celeste azul, atravessada por uma zona branca, em sentido obliquo e descendente da direita para a esquerda, com a legenda — Ordem e Progresso — e pontuada por vinte e uma estrellas, entre as quaes as da constellação do Cruzeiro, dispostas na sua situação astronomica, quanto á distancia e ao tamanho relativos, representando os vinte Estados da Republica e o Municipio Neutro, tudo segundo o modelo debuxado no Annexo n. 1.

 

Estampa X.

 
As armas do Governo Provisorio,
com as côres e os metaes indicados correctamente.

Art. 2.º — As armas nacionaes serão as que se figuram na estampa annexa, n. 2.

Art. 3.° — Para os sellos e sinetes da Republica, servirá de symbolo a esphera celeste, qual se debuxa no centro da bandeira, tendo em volta as palavras — Republica dos Estados Unidos do Brasil.

Art. 4.º — Ficam revogadas as disposições em contrario. – Sala das sessões do Governo Provisorio, 19 de novembro de 1889, 1.º da Republica.

Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, chefe do Governo Provisorio — Q. BocayuvaAristides da Silveira LoboRuy BarbosaM. Ferraz de Campos SallesBenjamin Constant Botelho de MagalhãesEduardo Wandenkolk


Annexo N. 2


A BANDEIRA NACIONAL[1]

«Por decreto n. 4, de 19 de novembro corrente, foi instituida a bandeira que symbolisa a Republica dos Estados Unidos do Brasil. Tal symbolo coincide essencialmente com uma patriotica inspiração do denodado chefe do governo actual e corresponde ás tocantes emoções dos nossos soldados e marinheiros, ao mesmo tempo que traduz o conjunto das aspirações nacionaes. Unica parte da nação em quem o culto fetichico da bandeira foi systematicamente mantido, a força publica de terra e mar, melhor do que qualquer outra classe, devia, naturalmente, sentir as condições a que tinha de satisfazer o novo emblema dos feitos e das esperanças da Patria Brasileira. Uma descripção singella bastará para patentear as eminentes qualidades moraes do pavilhão republicano do Brasil. Destinada a lembrar a fraternidade, base de todo o civismo, a bandeira deve ser symbolo de amor, antes de tudo.

 

Estampa X a

 
As armas do Governo Provisorio
fac simile do annexo N. 2 do Diario Official.

 

Contemplando-a, cumpre que o cidadão sinta com energia todas as convergencias sociaes, através das discordias individuaes. Ella nos deve recordar o Passado, donde proviemos, a Posteridade, por quem trabalhamos, e o Presente, que fórma o élo movediço dessas massas indefinidas das gerações humanas. Continuidade e solidariedade, isto é, a unidade na sua mais lata accepção, tal deve ser o seu primeiro caracteristico. Reconhece-se, á vista destes motivos, que o symbolo nacional devia manter do antigo tudo o que pudesse ser conservado, de modo a despertar em nossa alma o mais ardente culto pela memoria de nossos avós. Mas, por outro lado, elle devia tambem eliminar tudo quanto pudesse perturbar o sentimento da solidariedade civica, por traduzir crenças que não são mais partilhadas por todos os cidadãos. Devia, finalmente, incitar á mais fervorosa dedicação pelas gerações vindouras. Era, pois, evidente a necessidade, não só de manter as côres e a disposição da primitiva bandeira, mas tambem de substituir por novos symbolos os emblemas da Monarchia. Foi justamente o que se fez.

Para comprehender similhante substituição, recordamos o historico do antigo pavilhão brasileiro.

Por carta de lei de 13 de maio de 1816, D. João VI deu por armas ao reino do Brasil uma esphera armillar de ouro em campo azul, e por decreto de 18 de setembro de 1822 foram instituidos o escudo de armas e a bandeira, que nos serviram até o glorioso 15 de novembro. Tal instituição é devida essencialmente a José Bonifacio, o patriarcha da nossa independencia. Eis os termos desse decreto:

 

«Havendo o Reino do Brasil, de quem sou regente e perpetuo defensor, declarado a sua emancipação politica, entrando a occupar, na grande familia das nações, o logar que justamente lhe compete como nação grande, livre e independente; sendo, por isso, indispensavel que ella tenha um escudo real de armas, que não só a distinga das de Portugal e Algarves, até agora caracteristicos deste rico e vasto continente; e desejando eu que se conservem as armas que a este Reino foram dadas pelo Sr. Rei D. João VI, meu augusto Pae, na carta de lei de 13 de maio de 1816, e, ao mesmo tempo, rememorar o primeiro nome que lhe fôra imposto no seu feliz descobrimento e honrar as 19 provincias comprehendidas entre os grandes rios, que são os seus limites naturaes e que formam a sua integridade, que eu jurei sustentar — hei por bem, e com o parecer do meu Conselho de Estado, determinar o seguinte: — Será, de ora em deante, o escudo de armas deste Reino do Brasil, em campo verde, uma esphera armillar de ouro, atravessada por uma cruz da ordem de Christo, sendo circulada a mesma esphera de 19 estrellas de prata em uma orla azul, e firmada a corôa real diamantina sobre o escudo, cujos lados serão abraçados por dous ramos das plantas de café e tabaco, como emblemas de sua riqueza commercial representados na sua propria côr e ligados na parte inferior pelo laço da nação. A bandeira nacional será composta de um parallelogrammo verde, e nelle, inscripto um quadrilatero rhomboidal, côr de ouro, ficando no centro deste o escudo das armas do Brasil.

José Bonifacio de Andrada e Silva, do meu Conselho de Estado e do Conselho de Sua Majestade Fidelissima, o Sr. Rei D. João VI, e meu ministro e secretario de Estado dos Negocios do Reino e de Extrangeiros, o tenha assim entendido e faça executar com os despachos necessarios. — Paço, em 18 de setembro de 1822.»

Como se vê, a continuidade historica foi respeitada na creação do emblema imperial, que manteve a esphera armillar de ouro e apenas mudou o campo de azul para verde. Ao mesmo tempo, nota-se que José Bonifacio se propoz recordar a filiação historica do povo brasileiro, lembrando pelo primeiro nome dado ao Brasil os seus antecedentes coloniaes. Teve, outrosim, cuidado de symbolisar a independencia e o concurso de todos os elementos americanos de origem portugueza, por meio de uma orla azul com 19 estrellas de prata, combinando, dest’arte, as côres da antiga metropole.

A corôa era o caracteristico peculiar da Monarchia. Pois bem, o novo emblema devia significar os mesmos sentimentos, mas tinha tambem de traduzir as novas aspirações nacionaes.

Para satisfazer a essa dupla necessidade, foi que se adoptou a representação idealisada do aspecto do céo na capital dos Estados Unidos do Brasil, no momento em que a constellação do Cruzeiro se acha no meridiano, estampando-se na direcção da orbita terrestre a legenda — Ordem e Progresso. Este symbolo corresponde a tudo quanto o outro tinha de essencial. Elle lembra, naturalmente, a phase do Brasil-Colonia nas côres azul e branca que matizam a esphera, ao mesmo tempo que esta recorda o periodo do Brasil-Reino, por trazer á memoria a esphera armillar. Desperta a lembrança da fé gloriosa dos nossos antepassados e o descobrimento desta parte da America, não já por meio de um signal, que é actualmente um symbolo de divergencia, mas por meio de uma constellação, cuja imagem só póde fomentar a mais vasta fraternidade; porque nella o mais fervoroso catholico contemplará os mysterios insondaveis da crença medieva e o pensador mais livre recordará o caracter subjectivo dessa mesma crença e a poetica imaginação dos nossos avós. Finalmente, foi mantida a idéa de representar a independencia e concurso civicos por um conjunto de estrellas.

Supprimiram-se os ramos de tabaco e de café, porque sobrecarregariam o pavilhão com uma especificação que não mais corresponde á realidade, visto como não são os unicos objectos agricolas do commercio do Brasil, além de occuparem um logar secundario no mesmo commercio, no ponto de vista geral. O verde e o amarello da bandeira já representam sufficientemente o aspecto industrial do Brasil, por isso que caracterisam o conjunto das producções da natureza viva e da natureza morta.

Vejamos, agora, como o novo emblema traduz as aspirações do presente.

O povo brasileiro, como todos os povos occidentaes, acha-se vivamente solicitado por duas necessidades, ambas imperiosas, que se reunem nas palavras — Ordem e Progresso. Todos sentem, por um lado, que é imprescindivel manter as bases da sociedade; mas todos percebem tambem que as instituições humanas são susceptiveis de aperfeiçoamentos. Ora, acontecendo que o typo da ordem só foi até hoje fornecido pelo regimen theologico e guerreiro passado, e que o progresso tem exigido a eliminação, por vezes violenta, de certas instituições, o espirito publico foi levado empiricamente a suppôr que as duas necessidades eram irreconciliaveis. Dahi, a formação de dous partidos oppostos, um invocando para lemma a ordem e outro tomando para divisa o progresso, partidos que se combatem com encarniçamento e que transformam as patrias occidentaes em campos permanentes de batalha. No emtanto, a dynamica social, fundada por Augusto Comte, para completar e desenvolver a statica social, fundada por Aristoteles, demonstra que as duas necessidades de ordem e progresso, longe de serem irreconciliaveis, por toda a parte se harmonisam.

E, ainda mais, o mesmo egregio pensador demonstrou que essa harmonia se dá na politica e na moral, em consequencia da preponderancia do amor. Na phrase do fundador da Religião da Humanidade —— «o progresso é o desenvolvimento da ordem, como a ordem é a consolidação do progresso».

Pois bem, é essa conciliação da ordem com o progresso que todo o povo brasileiro sente e sem a qual não poderia existir a verdadeira fraternidade; é essa conciliação que o novo symbolo proclama.

Progressistas e ordeiros podem hoje confraternisar; e essa confraternisação é tanto mais solida, quanto a divisa foi hasteada após uma revolução progressista e triumphante. A nova divisa significa que essa revolução não aboliu simplesmente a Monarchia; que ella aspira fundar uma patria de verdadeiros irmãos, dando á ordem e ao progresso todas as garantias que a historia nos demonstra serem necessarias á sua permanente harmonia.

Inscripta nas zonas dos planetas, a formula politica nos recorda que essa conciliação da ordem com o progresso se patenteia desde os phenomenos mathematicos, como nos attesta o espectaculo astronomico, e, ao mesmo tempo, tem a vantagem de indicar que, assim como foi só a sciencia que poude descobrir essa conciliação na mechanica e no céo, assim tambem, pelo estudo scientifico da sociedade, é que se consegue descobrir as condições da harmonia politica e moral.

Para terminar estas rapidas indicações, resta-nos fundamentar a maneira por que foi representada a esphera celeste. Para isso, cumpre conhecer, em primeiro logar, que não se tratava de construir propriamente uma carta do céo.

Era preciso figurar um céo idealisado, isto é, compôr uma imagem que em nossa mente evocasse o aspecto do nosso céo, bem como os sentimentos que a nossa evolução poetica tem ligado a similhante imagem.

O relativismo esthetico e, mesmo, scientifico traça as regras a seguir em tal idealisação.

Figurou-se a esphera inclinada sobre o horizonte, segundo a latitude do Rio de Janeiro, e assignalou-se o polo Sul pelo σ do Oitante, que se tornou o symbolo natural do Municipio Neutro. Escolheram-se constellações austraes, com excepção do Pequeno Cão, que forneceu Procyon, para significar que a União Brasileira tem um Estado que se extende ao hemispherio norte. Esta constellação fica ao norte do Equador e ao sul da Ecliptica. As outras constellações escolhidas foram, além do Cruzeiro, convenientemente destacado, o Triangulo Austral, o Scorpião, a Virgem (Espiga), Argus (Canopo) e o Grande Cão (Syrius). A Virgem tem parte no hemispherio norte e parte no hemispherio sul, extendendo-se aquella acima da Ecliptica. A sua estrella mais bella, a Espiga, pertence ao nosso hemispherio, e a essa estrella está ligada a memoria da descoberta da precessão dos equinoxios pelo fundador da astronomia, o immortal Hyparco. Ella não podia, pois, deixar de ser escolhida. Na bandeira ella está figurada acima da Ecliptica, para quebrar a monotonia do hemispherio boreal. Procyon, que é a unica estrella das escolhidas que está no hemispherio norte, não podia ser collocada acima da Ecliptica, porque a constellação está ao sul dessa linha.

A liberdade esthetica, pelo contrario, permittia collocar a Espiga acima da faixa representativa do Zodiaco, por se tratar de uma constellação que tem parte acima e parte abaixo do plano da orbita terrestre, e de uma estrella que bastaria uma pequena variação na inclinação desse plano, para transportal-a ao norte delle. Mas ella foi representada junto da faixa.

Em resumo, o estandarte da Republica Brasileira symbolisa o nosso passado, o nosso porvir e o nosso presente; a nossa terra e o nosso céo; os feitos de nossos paes e as nossas aspirações. Mas não é tudo. Elle recorda tambem a nossa filiação com a França, o centro do Occidente, e por esse lado nos prende a toda evolução humana passada e ao mais remoto futuro. Com effeito, o campo verde, que tudo domina, não recorda só a nossa terra, Como diz Augusto Comte: «Esta nuança convém aos homens do Porvir, por isso que caracterisa a Esperança, como o annuncia habitualmente por toda a parte a vegetação, ao mesmo tempo que indica a Paz, duplo titulo para symbolisar a actividade pacifica. Historicamente, ella inaugurou a Revolução Franceza, pois que os sitiantes da Bastilha não tiveram, quasi todos, outros emblemas além das folhas subitamente arrancadas ás arvores do Palais Royal, segundo a feliz exhortação de Camillo Desmoulins».

Esta recordação universal nos transporta á contemplação do proto-martyr da nossa liberdade nacional, o generoso Tiradentes, cujo fervoroso patriotismo foi denunciado no mesmo anno em que Paris inaugurava a regeneração humana.

R. Teixeira Mendes, nascido em Caxias, Maranhão, a 5 de janeiro de 1855. Rua Santa Izabel, n. 10 (Gloria).»

Annexo N. 3


A BANDEIRA NACIONAL[2]

Ao sr. director do Diario Official foi enviada a seguinte carta:

«Rio de Janeiro, 21 de Frederico de 101 (25 de novembro de 1889).

Cidadão — Quando, a convite do cidadão ministro da Fazenda, escrevi a apreciação philosophica da bandeira nacional, hontem publicada no Diario Official, longe estava de imaginar que alguem se lembrasse de combater a divisa — Ordem e Progresso.

Não havendo nenhum cidadão brasileiro capaz de renegar estas duas aspirações, é claro que não se podia cogitar da minima objecção a similhante legenda. No emtanto, um unico diario desta capital, assás caracterisado pelos seus antecedentes monarchistas e clericaes, acaba de levantar-se contra essa fórmula de concordia, que é o resumo da politica republicana, como, aliás, se tem pronunciado contra outros actos decisivos do governo nacional. E, para fazer calar no animo de alguns ingenuos a sua futil opposição, dá, como pretexto da sua critica, o facto de tal divisa ter sido formulada pela primeira vez por Augusto Comte e prestar-se ella ao ridiculo.

Antes de tudo, convém notar que o ridiculo não depende dos objectos contemplados e, sim, dos sentimentos de que se acha animado o contemplador, não sendo de admirar que um monarchista e clerical ache ridiculos os symbolos de uma Republica. Outrosim, não existe imagem, por mais bella e séria que seja, que não se preste á exploração do instincto destruidor, como o demonstra a caricatura, sendo de observar que a tentativa de ridicularisar os homens e as cousas provoca o riso, ou a indignação, segundo as disposições affectivas dos assistentes.

Quanto ao primeiro argumento, a sua puerilidade só se compara á do segundo. Não ha verdade que não tenha sido dita por um certo homem, pela primeira vez. Só se póde combater razoavelmente uma maxima, demonstrando que ella é falsa e não corresponde á situação. Assim, para rejeitar a fórmula — Ordem e Progresso, para accusal-a de ser uma imposição do governo republicano, o jornalista, aliás anonymo, devia demonstrar que o povo brasileiro não quer ordem, nem progresso, ou quer mais alguma cousa além do que resumem estas duas palavras, ou quer justamente o contrario do que ellas exprimem. Basta pôr a questão nestes termos, para fazer realçar a verdadeira origem moral das objecções apresentadas.

A acceitação da fórmula — Ordem e Progresso — implica tanto a conversão á Religião da Humanidade, como a acceitação da lei da gravitação descoberta por Newton implica a adopção das theorias metaphysicas do eminente pensador inglez, ou o reconhecimento da supremacia do amor proclamada por S. Paulo implica a acceitação do Catholicismo. Para ser coherente, o jornalista devia tambem promover a rejeição do chão verde de nossa bandeira nacional, porque esse é tambem o fundo da bandeira religiosa do Positivismo.

O ter sido formulada por Augusto Comte a divisa republicana dos tempos modernos a ninguem deve causar surpresa. São só os Aristoteles, os S. Paulo, os Confucio, os Mahomet, os S. Bernardo, os Descartes, os Leibnitz, os Augusto Comte, etc., que podem systematisar as aspirações de sua época. Augusto Comte é um pensador, cujo merito não é mais materia de minima duvida. Póde rejeitar-se o conjunto de sua doutrina, e bem pequeno é o numero dos que a seguem hoje. Mas muitos aspectos isolados della já fazem parte integrante da civilisação de nosso tempo.

Um dos fundadores da Republica Brasileira, o cidadão Benjamin Constant, sempre apregoou a superioridade mental e moral do eminente philosopho republicano. Egual conducta tiveram o actual ministro da Agricultura, o cidadão Demetrio Ribeiro, e tantos e tantos que trabalharam pela Republica, quando o jornal de que se trata fazia salamaleques á dynastia decahida. Porque tambem não propôr que a Republica rejeite de seu seio e de seu governo esses benemeritos da Patria que, sem serem adeptos orthodoxos da Religião da Humanidade, se esforçaram, no emtanto, por propagar as vistas politicas de nosso Mestre?...

Os nossos concidadãos sabem que nós, os positivistas orthodoxos, nós, os sectarios estreitos da Religião da Humanidade, daquillo a que o jornalista chamou seita, nada pretendemos da Republica em proveito especial nosso, ou de nossa fé. Confórme as prescripções de Augusto Comte, todos os positivistas, quer theoricos, quer praticos, durante a primeira phase da transição organica em que entramos, não devemos, siquer, occupar os minimos cargos politicos, justamente para tornar insuspeita e pura a nossa intervenção. E, entretanto, ha largos annos, podemos dizer, desde a nossa meninice, que combatemos pela Republica. Quanto á nossa fé, ella, como todas as instituições scientificas da Humanidade, ha de triumphar pela livre propaganda de que até hoje se ufana, sem precisar do mais insignificante apoio do poder civil.

Nesta primeira phase, nós só aspiramos o estabelecimento de um regimen que garanta a ordem e o progresso, isto é, nós só queremos a consolidação da dictadura republicana, em vez do parlamentarismo burguezo-cratico, conciliada com a plena liberdade espiritual, resultante da abolição de todos os privilegios theologicos, metaphysicos e scientificos, em vez da tyrannia clerical e academica, sob cujo jugo vivemos durante sessenta e oito annos.

Quanto ao facto de ter a nossa bandeira nacional uma legenda, e não, simples côres e emblemas, ser-me-ia facil mostrar que a logica scientifica assim o exige; porque, para evocar com a maxima intensidade os sentimentos e pensamentos, é preciso o concurso das imagens e dos signaes. Ora, nenhum signal é mais efficaz do que os termos da linguagem humana, que são ao mesmo tempo visuaes e phonicos.

Mas limitar-me-ei a recordar que o emprego das fórmulas nas bandeiras é tão espontaneo, que os primeiros cidadãos que sonharam a independencia de nossa nacionalidade projectaram uma bandeira com a divisa — Libertas, quæ sera tamen. Si o Brasil se houvesse separado de Portugal em 1789, em vez de fazel-o em 1822, o pavilhão nacional teria contido essa legenda.

A unica razão para não a adoptar agora é que ella não define o conjunto da politica republicana moderna. A liberdade é uma condição e não, um fim; a liberdade é a condição fundamental justamente da Ordem e do Progresso. A divisa actual absorve, portanto, espontaneamente, a legenda dos gloriosos inconfidentes.

Devemos, finalmente, ponderar, como razão synthetica, que o symbolo que obteve a approvação dos fundadores da Republica Brasileira, os quaes, aliás, não são adeptos systematicos da Religião da Humanidade, por maiores sympathias que lhes mereçam o nome e a obra de Augusto Comte, não póde de modo algum ser acoimado de sectarismo. E os cidadãos brasileiros que hoje os cercam de justo reconhecimento não podem olhar sinão com profundo respeito para o emblema que elles julgaram digno de offerecer á veneração nacional.

Peço-vos a publicação destas linhas, em additamento á Apreciação Philosophica, a que acima alludi.

Saúde e fraternidade. — R. Teixeira Mendes. — 10, rua de Santa Izabel.

N. no Maranhão (Caxias), em 5 de janeiro de 1855.»

 



  1. Publicado no Diario Official, da União, de 24 de novembro de 1889.
  2. Do Diario Official, de 26 de novembro de 1889.