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Antonica da Silva/III

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Quartel de Moura primitivo: ao fundo o quartel; à direita, do fundo, avança dois planos a sala do estado maior, deitando uma ou duas janelas para a CENA, e uma porta à entrada olhando para a esquerda; seguem-se, no fundo, portas da arrecadação, de casernas, de quartos etc., em toda a frente espaço livre e sem gradil; à direita e defronte do estado maior, um portão.

CENA PRIMEIRA

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Capitão Pina, Alferes Paula; um soldado sentinela à porta do estado maior; soldados às portas, entrando ou saindo. Pina e Paula passeiam na frente.


PAULA – Ouviu a leitura dos artigos do conde de Lipe, fazendo momos e ao jurar bandeira pôs-se a rir.

PINA – A ordem foi terminante: assentar praça logo e logo e ainda que jurasse ser mulher.

PAULA – Mas ao contrário jura que é homem, e confesso que no ato da prisão iludiu-me perfeitamente: só no caminho comecei a desconfiar.

PINA – E quando se fardou?

PAULA – Sem a menor cerimônia mandou sair o sargento Pestana da arrecadação, fechou-nos a porta na cara, e daí a dez minutos apareceu que era um brinco: o fardamento que serviu ao cadetinho Melindre ajustou-lhe ao pintar.

PINA – O velho Peres é negociante respeitado e rico e se este soldadinho não é homem.

PAULA – Não é; se me dessem licença, casava-me com ele fardado como está; é mulher, e linda!

PINA – Então anda nisto segredo de família, e por ora é indispensável todo o cuidado. (Toque de cornetas) Eis aí! instrução de recrutas; começam as dificuldades!...

PAULA – Descanse, capitão: passei ao sargento Pestana suas recomen­dações secretas. O soldadinho está separado dos outros recrutas.

PINA – E que os soldados não suspeitem...

PAULA – O Pestana responde por tudo...

PINA – Alferes... duas horas de folga... veja se encontra o Peres... assim como por acaso...

PAULA – Entendo (Faz continência e sai).

PINA – Não devo testemunhar falhas quase certas de disciplina (In­do-se) Logo hoje me caberia ficar de estado maior!... (Entra no estado maior).

Cena II

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Inês, vestida de soldado, e o sargento Pestana saem pelo portão. Pestana adiante.


PESTANA – Assim! um... dois... um... dois... agora direita vol­ver! (Inês para) eu lhe ensino. Dois tempos: à voz direita leva-se o côncavo do pé direito a tocar no do esquerdo; á voz volver levantam-se as pontas dos pés e...

INÊS —Já sei... já sei... já sei...

PESTANA – Pois lá vai!... direita... (Inês executa) volver!... (Inês levanta as pontas dos pés e assim fica) Não é isso; última forma.

INÊS – Pois o senhor não disse que à voz – volver eu levantasse as pontas dos pés?...

PESTANA – Mas não girou sobre os calcanhares...

INÊS – Ora! eu sei volver-me para a direita e para a esquerda sem essas lições de dança: olhe (Volta-se para um e outro lado).

PESTANA (À parte) – Pior vai o caso! (Alto) Recruta, à voz de sentido as mãos passam rapidamente ao lado das coxas e o calcanhar direito vai juntar-se ao esquerdo. Veja: é assim... (Executa: Inês ri) não ria; atenda à voz: – Sentido... (Inês põe as mãos na cintura, dobra um pouco o corpo e olha atenta) Mãos nas coxas! calcanhares juntos!

INÊS – Qual!... a ocupar-me em pôr as mãos nas coxas, e em conservar os calcanhares juntos eu não posso estar com o sentido em coisa nenhu­ma.

PESTANA (À parte) – Antes de três dias responde a conselho de guerra (Alto) Vejo que é preciso recomeçar a instrução das voltas a pé firme. Atenda...

INÊS – Senhor sargento: não perca o seu tempo, eu, conservando os pés firmes, nunca darei volta alguma...

PESTANA – Há de aprender. Atenda à voz: firme!...

INÊS (Afastando-se e à parte) – Estou quase arrependida!... tenho vergonha e medo!... não posso mais fingir...

PESTANA (À parte) – Não escapa ao conselho de guerra, e acaba sendo arcabusado. (A Inês.) Recruta!...

INÊS – Sargento, deixe de importunar-me; digo-lhe que por hoje está

acabada a instrução: não estou para isto.

PESTANA (À parte) – Ai, disciplina militar!... mas vou salvá-la, (Alto) Atenda à voz: – Descansar!... retira-se diretamente o pé direito, caindo o peso do corpo...

INÊS – Que asneira! isso em vez de dar descanso, aumenta a fadiga, Sargento, o verdadeiro é assim: (Arremedando) Descansar!... (Senta-se no chão) eis como se descansa.

PESTANA (À parte) – Depois de envelhecer sem nódea no serviço ver-me obrigado a fechar os olhos a tanta insubordinação.

INÊS (À parte) – Se eu tivesse a certeza de que Benjamim já estava salvo, declarava que sou mulher!... sofro muito... aqui tudo me aterra!...

PESTANA – Em pé!... ainda tenho que ensinar-lhe.

INÊS – Sargento, a sua instrução de recrutas contém uma multidão de tolices.

PESTANA – Não sabe o que diz: tem de preparar-se para entrar amanhã no manejo da arma, e depois de amanhã no exercício de fogo!...

INÊS – Pois vá esperando!... havia de ser engraçado eu no manejo da arma, e no exercício de fogo!... que proezas faria..

PESTANA (À parte) – E com que voz diz tanto desaforo!... parece uma flauta... ai! ai! ai!.. aqui há coisa!.

INÊS (À parte) – Ah, Benjamim... quanta loucura por ti (Alto) Sargento! é verdade: como se chama?

PESTANA – Pestana: nome já glorioso no regimento de Moura.

INÊS (Fingindo rir) – Pestana, que nome ridículo! crisme-se; mas não caia em ficar sobrancelha; tome pelo menos o nome de sargento bigode.

PESTANA (À parte) – Eu aturo esta insolência só em respeito ao capitão Pina; mas capitão, capitão! começo a desconfiar.

INÊS (Notando um rasgão na manga esquerda da farda) – Sargento, dê-me uma agulha com linha...

PESTANA (À parte) – Ordena que parece o coronel do regimento (Tira da patrona agulha e linha) E dou-lha: quero ver como costura (Custa a enfiar a agulha).

INÊS (Tomando-lhe a agulha e a linha) – Ah!... levaria uma hora a enfiar... (Enfia e conserta o rasgão da farda; canta costurando)


Remendeira, remendeira...

Ponto aqui, ponto acolá

Enquanto vais remendando

Pensa em ti, quam longe está...

Lá, lá.

Que ditosa te fará,

Lá, lá.


PESTANA (À parte) – Costura que é um gosto! aposto que o soldadinho nunca foi alfaiate... costureira, parece que é! capitão, capitão.

Cena III

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Inês, Pestana e Benjamim, com hábito de noviço franciscano, e logo o Capitão Pina.


BENJAMIM (Apressado) – Quero falar ao coman... (Reconhecendo Inês) Oh!...

INÊS (A Benjamim) – Silêncio...

BENJAMIM (A Inês) – Como está fascinadora com a farda de soldado!... mas eu não consinto... fugi do convento e venho entregar-me.

INÊS (A Benjamim) – De modo nenhum!... fuja eu preciso muito do senhor livre do recrutamento... preciso...

PESTANA – Reverendíssimo, conhece este soldadinho?

BENJAMIM – Não é da sua conta: quero falar ao comandante... ou ao general... ou não sei a quem.

PESTANA (À parte) – Que frade malcriado!...

INÊS (A Pestana) – Não chame o capitão...

BENJAMIM (Puxando Pestana) – Chame o capitão!

INÊS (Puxando Pestana) – Não chame!...

BENJAMIM (Puxando Pestana) – Chame!... Chame!...

PESTANA (A Inês) – Que tem o senhor com o frade?

INÊS – Também não é da sua conta.

PINA (Chegando) – Que é isto?...

PESTANA (A Inês) – Faça a continência...

INÊS – Deixe-me! agora não estou para continências.

PINA – Reverendíssimo, venha para o estado maior.

BENJAMIM – Aqui mesmo: eu venho...

INÊS – Senhor capitão, ele veio pedir o lugar de capelão do regimento...

PINA (A Inês) – Soldado! não te perguntei coisa alguma.

INÊS – Mas eu quando quero falar, não espero que me perguntem...

BENJAMIM – Venho declarar que sou o Benjamim que fugiu de Macacu vestido de mulher e com o falso nome de Antonica da Silva...

INÊS – É mentira dele, senhor capitão; o frade é meu primo e vem com esta...

PINA – Sargento, leva o soldado para o quartel...

PESTANA (A Inês) – Marcha!

INÊS – Não vou: agora não saio daqui.

PESTANA – Senhor capitão, recolho o insubordinado ao xadrez.

PINA – Deixa-o: talvez eu queira interrogá-lo.

PESTANA (À parte) – Foi-se a disciplina!... entrou no regimento uma saia por baixo da farda.

PINA – Reverendíssimo, como hei de acreditar no que diz?... esse hábito religioso...

BENJAMIM – Como eu era sacristão dos franciscanos em Macacu, entendeu o provincial que podia trancafiar-me no convento da cidade, e fazer de conta que sou noviço.

PINA – Então...

BENJAMIM – Fugi do convento... não quero ser frade... prefiro ser soldado...

INÊS – Oh... oh... oh!... quanta mentira!... o Benjamim sou eu.

PINA (A Inês) – Cala-te!... (Bate com o pé).

INÊS (Ressentida) – Perdão!... não se trata assim a uma...

PINA – A uma?

INÊS – Sim, senhor... a uma pessoa de educação.

PINA – Reverendíssimo, vou oficiar ao coronel, dando-lhe parte de tudo (Indo-se) E também ao provincial dos franciscanos... (Recolhe-se ao estado maior).

INÊS – Não sabe o que fez! destruiu a minha obra.

BENJAMIM – Não podia deixá-la aqui: serei soldado... mas não se esqueça de mim, oh! e se seus pais consentirem.

INÊS – Eu falarei a meu padrinho...

BENJAMIM – Que sombra de felicidade! (Toma a mão de Inês).

INÊS – Tenha fé! o sonho há de realizar-se!...

BENJAMIM – Nunca se amou como eu amo!...

PESTANA – Olhem o frade!...

Cena IV

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Inês, Pestana, Benjamim e Mendes.


INÊS (Alegre) – Oh!... é meu padrinho!

MENDES – Onde e como venho encontrar-te? (Severo) uma donzela ousa vir meter-se em um quartel de soldados!... (Inês abate-se).

BENJAMIM – Coitadinha!... poupe-a: está arrependida; acabo de ouvi-la em confissão... ficou contrita, e eu absolvi-a.

MENDES – Mas eu não a absolvo: manchou sua reputação, conde­nou-se às censuras e à zombaria de todos... sou eu padrinho, mas nego-lhe a minha bênção!...

INÊS – Ah!... ah!... (Desata a chorar).

BENJAMIM – Não chore! não chore... senão eu... não poderei conter-me... desato numa berraria...

MENDES – De que servem choros? lágrimas não lavam manchas da vida e do proceder da mulher; o pranto não me comove! (À partee brando) o pior é que eu não posso vê-la chorar!...

INÊS (De joelhos e a chorar) Per... dão... meu pa... drinho...

MENDES (Comovido e à parte) – É preciso ser severo (Alto) Não há perdão!... semelhante escândalo... não se perdoa!... (À parte) eu creio... que exagero a severidade... ela está aflitíssima... (Alto) Não se perdoa!...

INÊS (Caindo de bruços a soluçar) – Eu... morro!... ah!...

MENDES – Inês!... Inês! (Erguendo-a) Perdoa-se... não posso mais... perdoa-se!... eu te perdôo!... (Chorando).

INÊS – Oh!... oh!... sou feliz!... (Abraçando Mendes).

BENJAMIM (Enxugando os olhos) – Isto deve fazer mal... não, deve fazer bem aos nervos..

MENDES (Afastando brandamente Inês) – Deixa-me... tomar taba­co... (Tira a caixa e o lenço, enxuga os olhos, e toma tabaco).

BENJAMIM – Dê-me uma pitada... também preciso tomar tabaco (Toma).

PESTANA (Comovido) – Senhor... padrinho... eu... igualmente... se me faz a honra..

MENDES – Tomem... tomem tabaco (A Inês) que loucura foi essa, Inês?...

INÊS – Foi loucura, foi; mas a causa.. - é mesmo um negócio, de que eu tenho a falar a meu padrinho...

MENDES – Quando eu pensava em casar-te, em te arranjar noivo...

INÊS – Ah, o meu negócio com o padrinho era mesmo esse...

MENDES – Agora? já te perdoei; mas tem paciência: procedeste muito mal, e duvido que eu ache mancebo digno de ti, que deseje casar contigo...

BENJAMIM – Aqui estou eu, Sr. Mendes! eu desejo casar com ela...

MENDES – Reverendo!... que se atreve a dizer?...

BENJAMIM – Não sou frade, não senhor; eu sou o Benjamim que se chamava Antonica da Silva...

PESTANA (À parte) – O frade não é frade!

INÊS – E ele ama-me... e eu o amo, meu padrinho...

MENDES – Un!... agora entendo tudo!... foi a mecha que ficou ao pé do paiol da pólvora! Inês! como diabo vieste a saber que a Antonica da Silva era Benjamim?...

INÊS – Meu padrinho, foi um brinquedo de almas do outro mun­do... eu lhe contarei...

MENDES – Prefiro ouvir a lei da providência. (À parte) É o filho do Jerônimo!... Deus escreve certo por linhas tortas!... e o brejeiro do sacris­tão é bonito rapaz!...

INÊS (Tomando a mão de Mendes) – Meu padrinho!... meu padrinho!..

MENDES – Dou-te a pior das notícias... por ora nem pensar em casamento...

INÊS – Porque?...

MENDES – Teu pai está furioso contra ti: brigou comigo a tal ponto, que a nossa velha amizade quase ficou estremecida..

INÊS – Oh! é incrível...

MENDES – Faze idéia! o compadre foi falar ao vice-rei, e pouco tardará aqui, trazendo ordem para te darem baixa de soldado...

BENJAMIM (À parte) – Ai, ai! se eu pudesse dar-lhe alta...

INÊS – E que será então de mim?...

MENDES – Levada deste quartel em cadeirinha vais ser conduzida para o convento de Santa Tereza...

INÊS – Para o convento?... eu freira?... meu padrinho, sal­ve-me!... salve-me!

MENDES – Ah!... o compadre não me atende mais; brigou comigo deveras, e eu nada posso contra a autoridade de um pai.

INÊS – Freira! agora sim, arrependo-me do que fiz; freira!... meu padrinho!... senhor Benjamim...

BENJAMIM – Sr. Mendes!...

MENDES – Reverendo Antonica!...

BENJAMIM – Quer livrar sua linda afilhada do purgatório do con­vento? ...

MENDES – Quero; mas não sei como..

BENJAMIM – Em cinco minutos (A Pestana) O padrinho da menina me autoriza a levá-la comigo por breves momentos... o senhor deixa?...

MENDES – Eu autorizo.

PESTANA – Não saindo do quartel, fica salva a disciplina. Vá.

BENJAMIM (A Mendes) – Distraia este sargento (Leva Inês até a porta da sala da arrecadação e à porta dá-lhe o hábito de frade; Inês fecha a porta e Benjamim volta)

PESTANA – Vão à casa da arrecadação... que arrecadação ha­verá?

BENJAMIM – Sem dó nem piedade deixou-me em mangas de cami­sa!... Onde me esconderei (Olhando para uma porta) Tarimba!... Serve por enquanto... (Entra).

MENDES – Sr. sargento, desejava falar ao meu amigo Pantaleão da Braga, cirurgião do regimento.

PESTANA – O Despacha? ... está dormindo ali (Mostra) e agora que venha o mundo abaixo, não se acorda.

MENDES – Disso desconfiava eu; conheço-lhe o costume, e tanto que trazia-lhe uma carta para deixar em mão segura.

PESTANA – Quer que lha entregue?...

MENDES – Se me faz favor... (Entrega-lhe a carta).

Cena V

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Mendes, Pestana, mulheres e homens que vão chegando, Inês com o hábito de frade.


PESTANA (A Mendes) – Aí vem a súcia de parentes dos recrutas (Volta-se) Temos gritaria?

INÊS —Vamos, meu padrinho...

MENDES – Oh! esta é de frade!... (Alto) Reverendíssimo, eu desejo acompanhá-lo... Sr. sargento, até logo...

PESTANA – Sua bênção, reverendíssimo! (Inês deita-lhe a bênção e vai-se com Mendes) Foi pro formula: não creio em semelhante fradeco.

Cena VI

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Pestana, homens e mulheres, depois Benjamim de calções e em mangas de camisa.


UMA MULHER – Quero ver meu filho!

UM VELHO – Quero ver meu neto.

UMA VELHA – Quero ver meu sobrinho.

VOZES (Ao mesmo tempo) – Meu filho, meu neto, meu sobrinho!...

PESTANA – Hoje só depois do meio-dia poderão falar aos recrutas: retirem-se!...

TODOS (Cantam) – É um prender danado

Para soldado!

O povo está sem lei!

E um governo mau

Que leva tudo a pau

O do vice-rei,


PESTANA – Oh, cambada! e quem há de fazer a guerra? (Sussurro: Pestana gesticula no meio da gente).

BENJAMIM (Saindo da sala da tarimba) – A bela Inês foi-se com o padrinho... agora estou em talas... eu podia meter-me entre aquela gente; mas de calções e em mangas de camisa não fujo: (Abrindo portas e olhando) xadrez... safa... (Olhando para um quarto) Oh!... (Vai à sentinela) Cama­rada, quem dorme rocando ali?

SENTINELA – É o Despacha, o velho cirurgião do regimento.

BENJAMIM – E está ainda mais a fresca do que eu...

SENTINELA – E seu costume: mas quem é você?...

BENJAMIM – Vim ver meu irmão que foi recrutado; agora estava admirando como aquele homem ronca (Afasta-se e disfarça) ora... quem não se arrisca não ganha (Entra no quarto).


CORO

— Quem é moço, é recruta;

Sanha bruta
O vice-rei devora
Governo do diabo!
Que dele dêem cabo
Em boa hora!


(Antes de acabar o coro Benjamim sai do quarto com a farda, cabelei­ra branca, chapéu etc., do cirurgião e vai-se.)

Cena VII

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Pestana, homens e mulheres, Pina e logo depois Paula.


PINA – Que motim é este? ... soldados! ponham fora essa gentalha! prendam os que não quiserem sair (Movimento de soldados: a gente vai saindo a empurrões de coice de armas, etc.)


CORO DA GENTE QUE SAI

A’ el-rei! á el-rei!

A queixa do povo Paula

Contra o vice-rei

Não é caso novo (Vão-se. Os

soldados saem)


PINA (À parte) – O descontentamento do povo aumenta... o conde da Cunha devia tornar-se mais brando...

PAULA – Não encontrei o Peres nem na casa de negócio, nem no trapiche...

PINA – Pois ei-lo aí: tanto melhor...

Cena VIII

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Pestana, Pina, Paula, Peres; logo Fr. Simão, uma cadeirinha e carregadores que esperam.


PERES (Muito grave.) – Trago uma ordem do senhor vice-rei (Entrega a ordem).

PINA (Abre e lê) – Em poucos minutos farei dar baixa e lhe entrega­rei o recruta que com o nome de Benjamim... perdão! Sargento Pestana!

PESTANA – Pronto.

PINA – O recruta que te confiei: imediatamente...

PESTANA (À parte) – E esta?... não me esqueci!... que estará fazendo ainda na arrecadação?... (Vai-se).

PINA (Baixo a Peres) – O Sr. Peres esteja certo que, adivinhando um segredo... fiz observar aqui o mais profundo respeito... (Pestana sai da arrecadação e aflito corre o quartel).

PERES —Obrigado.

FR. SIMÃO (Cumprimenta) – Vim rogar que me seja entregue o noviço que nos fugiu do convento..

PESTANA (Trêmulo.) – O recruta... desertou...

PINA – Que!...

PERES – Fugiu?

FR. SIMÃO – E o noviço?

PESTANA – Esse foi-se logo...

PINA – Chamada geral!... (Pestana corre para o quartel) Sr. Peres, hoje mesmo será plenamente cumprida a ordem do senhor vice-rei (A Paula) Alferes, siga com soldados de escolha... quero preso o desertor!... (Toque de chamada geral, os soldados formam-se: movimento).

FR. SIMÃO – E o noviço?... (Continua o toque e o movimento).

PINA – Ora, reverendíssimo!... que tenho eu com o noviço? mande uma escolta de frades atrás dele!... (Fr. Simão benze-se).

PANTALEÃO (Pondo a cabeça muito calva fora da porta) – Capitão! não posso acudir à chamada, porque me furtaram todo o fardamento e a cabeleira!...

PINA – Sr. alferes Paula, escolha a escolta e siga (Paula obedece) Sargento Pestana!

PESTANA – Pronto!

PINA – Está preso: recolha-se ao xadrez (Pestana aterrado recolhe-se; Paula sai com a escolta) Sr. Peres, vou proceder a indagações...

PERES – E eu esperarei aqui até a noite pelo cumprimento do seu dever..

FR. SIMÃO – E por fim de contas o noviço?...

PINA – Que teima!... por fim de contas faça de conta que o noviço desnoviciou-se.

VOZES (Em coro dentro)

— Á el-rei!... á el-rei!.

A queixa do povo

Contra vice-rei

Não é caso novo!...

PINA – Ainda mais isto!... motim do povo!... (Aos soldados em forma) Firme!... sentido!... (Dá um sinal ou ordem; os tambores e cornetas dão sinal de reunião extraordinária, que se mistura com o coro repetido A el-rei, á el-rei).


FIM DO ATO TERCEIRO