Antonica da Silva/IV

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Sala na casa de Mendes: À esquerda, três janelas com engradamento de madeira e nele postigos à altura dos parapeitos e outros rentes com o assoalho; porta de entrada, ao fundo; portas à direita, mobília do tempo.

Cena primeira[editar]

Mendes e Inês com vestido de seu sexo e logo Benjamim.


MENDES – Estou reduzido a ama-seca!

INÊS – Sou-lhe pesada, meu padrinho, bem o vejo.

MENDES – Tu não pesas nada, a começar pela cabeça, que é de vento; mas quebraste-me as pernas: não posso sair, deixando-te só...

INÊS – Mas meu padrinho podia ao menos escrever a alguns amigos seus...

MENDES – Escrever o que?...

INÊS – Bem sabe... a favor... dele... (Vergonhosa)

MENDES (À parte) – Não faz mais cerimônias!... e eu que ralhe!... ora... seria ralhar com a natureza!...

INÊS – Que diz, meu padrinho?... escreve? ...

MENDES – Preciso antes de tudo livrar-te da fúria do compadre...

INÊS – Sim... por certo: entretanto... Benjamim deve estar em torturas naquele quartel...

MENDES – Hei de ocupar-me dele... mas ainda não jantaste...

INÊS – Não tenho fome... pobre Benjamim!

MENDES – Benjamim!... Benjamim! come alguma coisa, menina...

INÊS – Não posso... é impossível, meu padrinho (Sussurro, movi­mento na rua).

MENDES – Que será isto?... (A um postigo algo).

INÊS – Também quero ver... (Indo).

MENDES – Sim... mostra-te ao postigo... teu pai...

INÊS(Recuando) – Ah! tem razão.

VOZES (Dentro) – Viva o vice-rei! viva o Conde da Cunha!...

MENDES – Que berraria! homens e mulheres a valer!


CORO (Que vai passando )
— Já temos amparo,
Providência e lei...
Viva o pai do povo!...
Viva o vice-rei!...


VOZES – Viva o Conde da Cunha!... viva!...

INÊS – Maldito seja esse vice-rei!... (O povo segue cantando.)

MENDES – Eis aí o que é o povo! hoje de manhã bradava contra... depois do meio-dia canta a favor!...

INÊS – E o infeliz Benjamim nas garras do vice-rei!...

Cena II[editar]

Mendes, Inês, e Benjamim ainda fardado.


BENJAMIM (Precipitado) – Quem foge, não pede licença...

INÊS – Oh!...

BENJAMIM – Oh!

MENDES – Homem, você tem faro de cachorro!... mas que impru­dência... esta porta aberta?... (Vai trancá-la).

INÊS (Alegre) – Como pode escapar, Sr. Benjamim?...

BENJAMIM – Descobri num quarto um oficial velho a dormir... furtei-lhe o fardamento, que despira, e também a cabeleira e o chapéu... e saí do quartel a marche-marche...

MENDES – E descobriu também logo a minha casa pela regra de que o diabo ajuda os seus!...

BENJAMIM – Oh! o diabo, não! desta vez quem me ajudou foi... mesmo o Sr. Mendes...

MENDES – Eu?... como é que eu fui o diabo?...

BENJAMIM (Canta.) – ::Andava em corrida

Por onde não sei,
Sem pedir guarida,
Sem saber de mim;
Mas longe avistei
Pior que um malsim,
Uma grande escolta
Lá do regimento;
Faço meia volta,
Logo em seguimento
Entro em cadeirinha’
Caminha!... caminha!...
Vou sempre dizendo
Talvez meia hora...
Escuto fervendo
O povo a gritar..
Exponho-me a olhar...
Que belo!... é agora
Patuleia grossa,
Viva o vice-rei!
Cadeirinha fora.
Meto-me na troça
Viva o vice-rei!
E na troça a andar
Aqui ao passar
Descubro ao postigo
Daquela janela
Cabeça de amigo;
É o Mendes! digo,
Escapo à seqüela
E zás... corredor;
A escada subi...
E enfim eis-me aqui
Entregue ao senhor.


INÊS – Meu padrinho foi a providência!...

MENDES (À parte) – Logo vi que ela descobria a providência nesta nova embrechada! (Alto) E agora?...

BENJAMIM – É nítido: ou me asila, ou me despede; se me despede, torno para o quartel, para os franciscanos não volto.

INÊS – Asila, meu padrinho, asila, e sabe melhor do que nós o que há de fazer. Já jantou?...

BENJAMIM – Qual! e confesso... estou morrendo de fome!...

MENDES – Ela resolve todas as questões, e decide da minha vontade, como se talhasse um vestido.

INÊS – Eu também tenho muita fome. Meu padrinho, vamos jan­tar?...

MENDES (À parte) – Então?... chegou-lhe de repente o apetite!... o rapaz curou-a do fastio! (A Inês) Eu jantei, enquanto estavas tomando os vestidos do teu sexo. Comam alguma coisa... isso não é jantar... é um petisco (Os dois sentam-se)

INÊS (Enquanto Benjamim serve) – Isto aqui é céu aberto!... meu padrinho tem tudo, e até uma menina sua vizinha, que é por força do meu corpo, e que lhe emprestou vestido completo para mim... (Comem).

BENJAMIM – A senhora não repare no meu assanhamento devora­dor... no convento puseram-me de penitência!...

INÊS – Coma... não se vexe... (Come).

BENJAMIM – Como... como... (Comendo) O vestido da vizinha assenta-lhe muito bem... (Comendo).

MENDES (À parte) – Que dois pombinhos!... é natural! o compadre que vá plantar couves; ele fez a mesma coisa com a comadre.

INÊS – Viva meu padrinho! (Toca no copo).

BENJAMIM – Viva o nosso anjo protetor! (Bebe).

MENDES – Obrigado. (À parte) Fazem-me pau de cabeleira; mas eu deito-lhes água. na fervura. (A Inês) E se chegar teu pai com a cadeirinha?...

INÊS (Levanta-se) – Meu padrinho me defenderá.

MENDES – Teu pai tem a lei por si.

INÊS – Sou capaz de atirar-me da janela abaixo.

BENJAMIM – E eu logo atrás: juro-o! dora avante o que ela fizer, eu idem!...

VOZES (Dentro) – Viva o vice-rei! viva o Conde da Cunha.

BENJAMIM – E a troça que volta (A Inês) vamos acabar de jantar.

INÊS – E maldito seja o vice-rei! (Vão para a mesa).


CORO (Dentro.)
— Viva o vice-rei
Nosso protetor!
Viva o pai do povo
Viva o benfeitor (O coro passa)


BENJAMIM— Oh, pois não!... o Conde da Cunha é boa jóia (Come). MENDES (À parte) – Só o amor honesto e puro merece proteção: Inês está deveras apaixonada; mas... quero fazer uma experiência...

BENJAMIM – Dá licença que eu faça uma saúde à sua linda afilhada?

MENDES – Homem, faça quantas saúdes quiser com a condição de não me pedir licença (À parte) Que diabo de papel querem eles que eu represente!

BENJAMIM – Senhora Inês... não digo mais nada! (Bebe).

INÊS – Sr. Benjamim... (Bebe: levantam-se).

MENDES – Vamos agora ao positivo: eu só vejo um recurso para vocês dois.

INÊS – Proposto por meu padrinho, aceito-o de olhos fechados.

MENDES – Vou alugar já um barco: vocês fogem nele para Macacu, e, lá chegados, tratam logo de casar-se...

BENJAMIM (Olhando Inês) – Espero... que ela fale... já o disse, eu atrás... sempre idem! (À parte) Se ela quisesse!...

INÊS – Perdão, meu padrinho!... (Triste) Não fugirei com um ho­mem que ainda não é meu marido.

BENJAMIM (À parte) – E então?... olhem, se eu me adianto!... nada: agora é sempre depois! o que ela fizer eu idem!.

MENDES (Abraçando Inês) – Reconheço-te! (Aperta a mão de Benjamim) Respondeste, como devias, rapaz! muito bem!...

BENJAMIM – Ora!... pode crer que sou homem muito sério! (À parte) Olhem, se eu me adianto...

MENDES – Podem contar comigo: Inês, hei de casar-te com o... filho do Jerônimo...

INÊS – Mas quem é o filho do Jerônimo?

BENJAMIM – Não é ninguém... sou eu mesmo

INÊS – Oh, padrinho!... (Beija-lhe a mão e abraça-o) Sr. Benjamim, cantemos, saudando a nossa felicidade!. . .

BENJAMIM – Pronto!... cantemos...

MENDES – Vocês já me encantaram bastante; mas cantem! can­tem!...


INÊS (Canta) – Amor é flama ardente: mas cuidado

tenho no fogo ativo;


Amo; mas meu amor é sem pecado;


Sou moça de juízo

E assim gozo o encanto

Do amor que é puro e santo.


BENJAMIM – Amor é flama ardente, e me devora

Como fogo em palheiro;


Sou porém rapaz sério, que ama, adora


E nunca foi gaiteiro,
Eu amo apaixonado;
Mas puro... sem pecado.


MENDES – Assim é que é... honestidade sempre...

INÊS – Certa é nossa dita

BENJAMIM – Do céu é favor!...

BENJAMIM e INÊS – Padrinho, padrinho

Nós temos juízo!...

Abençoe o siso

Deste nosso amor!...

Padrinho, padrinho,

Abençoe amor!...


MENDES (À parte) – E o brejeiro do Antonica da Silva também já me chama padrinho!... (Alto) Pois lá vai... isto é sério: (Deita a bênção aos dois) E agora quer sim, quer sopas, senhor compadre Peres! (Batem na escada) Oh! diabo! se fosse ele!... (Indo à porta) Quem me honra?...

PANTALEÃO (Dentro) – Pantaleão de Braga.

MENDES – Oh! meu velho Pantaleão!... entra!... (Abre a porta).

Cena III[editar]

Mendes, Inês, Benjamim e Pantaleão, de capote de escocês, calções, em manga de camisa, sem cabeleira, e de alto chapéu de Braga.


PANTALEÃO (À porta) – Se não fosse à urgência da tua carta, eu não vinha cá tão cedo (Abre o capote) Vê a miséria em que me deixaram.

MENDES – Como foi isso?...

PANTALEÃO – Apanharam-me dormindo no quartel e furtaram-me todo o uniforme e a cabeleira!..

BENJAMIM (A Inês) – É a minha vítima! eis-me em nova entalação.

MENDES – Entra (Trancando a porta) Fase de conta que o rapaz é meu filho... quanto à menina...

PANTALEÃO (Tirando o chapéu) – Oh!... a menina Inês!... a travessa!... (Inês cumprimenta de olhos baixos) Senhor... senhor... (Fica embasbacado, olhando para Benjamim).

MENDES – Que é? ... ficaste de boca aberta. Pantaleão?...

BENJAMIM (Depois de alguns momentos despe a farda, tira a cabelei­ra, e as entrega com a espada e o chapéu a Pantaleão) – O senhor pode emprestar-me o seu capote?

MENDES (Rindo) – Ah! ah! ah!... entendo agora o caso!... empresta-lhe o capote, Pantaleão!... o que o rapaz fez não foi por mal... eu te contarei tudo...

PANTALEÃO – Então empresto o capote (Farda-se, toma a cabelei­ra, etc.; Benjamim veste o capote) A tua carta me foi entregue, quando (Pondo a mão no ombro de Inês) já estava lavrada a baixa do soldadinho, a pesar de desertor...

MENDES – E o verdadeiro Benjamim?

BENJAMIM – É verdade, o Benjamim verdadeiro?... estou curioso de saber o que é feito desse bargante...

PANTALEÂO – Frades por um lado, e soldados por outro dão-lhe caça; mas agora... a cidade está em festa...

MENDES – Sim... grande vozeria e cantos: que novidade há? (Os três chegam-se a Pantaleão).

PANTALEÂO – Pois não sabem? ... O vice-rei acaba de publicar pelas esquinas das ruas ordem para se casarem todos os homens solteiros em idade de tomar esse estado sob pena de recrutamento...

INÊS – É uma lei multo sábia!

BENJAMIM – Eu idem. É muito sábia!...

PANTALEÃO – E isentando do serviço militar os já designados para recrutas, e os próprios recrutas que ainda não assentaram praça e que tive­rem noivas que com eles queiram casar...

INÊS – Viva o vice-rei Conde da Cunha!...

BENJAMIM – Viva o conde da Cunha vice-rei!...

MENDES (Muito alegre) – Benjamim, estás livre!...

PANTALEÃO – É o Benjamim!... fizeste muito bem em me furtar o fardamento!...

MENDES – Agora o único embaraço é o compadre...

PANTALEÃO – Está desatinado; brigou comigo no quartel; porque procurei consolá-lo... brigou com o capitão Pina... brigou...

MENDES – Hei de ensiná-lo. Pantaleão, podes ir já falar ao bispo em meu nome, e voltar aqui em meia hora?

PANTALEÃO – Estás maluco? ... não sabes que o bispo anda em visita de paróquias e foi para Minas?...

MENDES – Ora... é verdade... saiu há dois dias... que fazer?...

PANTALEÂO – Homem, cai-te a sopa no mel! o vigário geral ficou com o expediente do bispado...

MENDES – Oh! o cônego Benedito!... o nosso parceiro da manilha!... Pantaleão dá um pulo á casa do Benedito... conta-lhe toda a histó­ria de Inês e de Benjamim... e diz-lhe que vá esperar-me já... em vinte minutos... na igreja... na igreja...

PANTALEÃO – Do Rosário, que lhe fica a dois passos, e que é a do Cabido...

MENDES – Sim... na igreja do Rosário...

INÊS – Para que, meu padrinho?

MENDES – Para conceder todas as dispensas, e casar-te ele mesmo com o Benjamim...

INÊS – Ah!

BENJAMIM – Pronto! (À parte) Agora adiantei-me.

MENDES (A Pantaleão) – Ainda aqui!... vai!

PANTALEÂO – O Peres é capaz de estrangular-me!

MENDES (Empurrando-o) – Vai depressa, ou não prestas para na­da... anda!

PANTALEÂO – Pois não era melhor irmos já todos à casa do cône­go?

MENDES – Sim!... muito bem lembrado... vamos todos. Vá chamar uma cadeirinha para levar Inês...

PANTALEÂO (Ao postigo) – Ali estão duas...

MENDES (A Inês e a Benjamim) – Vamos... não há tempo a per­der...

INÊS – Meu padrinho... hei de ir casar-me sem levar ao menos véu de noiva?...

BENJAMIM – Sr. Mendes, quer que eu vá casar-me de capote e sem cabeleira? ...

MENDES – E se chegar o compadre com a cadeirinha?

INÊS – Já, padrinho!... (Batem na escada) Oh!...

MENDES (A porta) – Quem é?...

JOANA (Dentro) – Sou eu, compadre!..

MENDES – Ah, comadre!... num instante (A Inês) Entra aqui, meni­na! (Inês entra num quarto à direita; Mendes tranca a porta e tira a chave) O senhor aqui... (A Benjamim).

BENJAMIM – Quanto luxo de salas e de acomodações! o noivo e a noiva cabiam muito bem num quarto só.

MENDES – Ande (BENJAMIM entra; Mendes tranca a porta) Eu sei lá, se a comadre está de acordo com o marido! (A Pantaleão) Ela entra, e tu sais; agora é força mudar o plano. Traze-me já contigo o nosso Benedito (Vai abrir a porta).

Cena IV[editar]

Mendes, Pantaleão que sai, Joana e Brites.


MENDES – Desculpe a demora, eu despedia o Pantaleão... Comadre! menina Brites... (Saudando).

PANTALEÂO – Minha senhora!... menina!... (Cumprimentam-se) Eu ia sair... (Saúda e vai-se; Mendes fecha a porta).

JOANA – Compadre! e minha filha?... sua afilhada?...

MENDES – Quando cheguei ao quartel de Moura, já Inês tinha dali fugido! é uma doida de pedras!...

JOANA – E; mas agora... eu contava tanto com o compadre!...

BRITES – Sr. Mendes... a nossa esperança era a sua proteção...

MENDES – Comadre, seu marido quer por força levar Inês para o convento de Santa Tereza...

JOANA – Já sei... e é sem remissão!... oh! coitada de minha fi­lha!...

MENDES (Á parte) – Bom! bom! (Alto) ela merece todos os casti­gos!... mas sendo freira, não fica por isso menos desacreditada!...

BRITES – E meu pai ameaçou-me com igual destino.

MENDES – Não é só ameaça; é resolução formada.

BRITES – Defenda-nos Sr. Mendes; pelo amor de Deus defenda-nos! eu então que não fiz nada!...

JOANA – Mas onde estará a desgraçada!

MENDES – Criminosa! muito criminosa!...

JOANA – Oh!... também o senhor contra ela?... que é do seu amor de padrinho?... oh, minha filha!

MENDES – E que a comadre não sabe que Inês cometeu outro crime...

JOANA – Qual?... qual?...

MENDES – Fugiu do quartel em companhia de Benjamim!...

JOANA – Ah, maldito sedutor!...

MENDES – Já vê que não há perdão para essa menina... desmiola­da... não há... eu voto contra o convento; mas... cinco anos pelo menos no recolhimento do Parto...

JOANA – Oh!... algozes de minha filha!...

MENDES – Isso é fraqueza maternal! olhe: hoje ou amanhã apanham e prendem o casal desmoralizado... o casal não casado!... não pode haver perdão... não pode... não pode...

JOANA – Pode! no coração da mãe há sempre perdão e amor para a filha infeliz!... oh! só encontro algozes... mas... (A Mendes) saiba... esta mulher fraca humilde... submissa... agora é leoa enfurecida... eu vou correr pelas ruas... (Inês bate na porta do quarto) hei de achar Inês!... hei de achar minha filha! (Querendo sair).

INÊS (Dentro) – Mamãe!... mamãe!... estou aqui...

JOANA – Minha filha!... (Ao mesmo tempo e tido sabendo donde vem a voz).

BRITES – Inês!...

MENDES (Dando a chave) – É ali... é ali... (Mostrando, e querendo chorar) Tabaco... tabaco... (Toma tabaco).

JOANA (Abre aporta) – Minha filha!.. . (Abrindo os braços).

Cena V[editar]

Mendes, Joana, Brites, Inês e logo Benjamim.


INÊS —Mamãe!... (Abraçam-se chorando).

BRITES – Inês! Inês!...

INÊS – Brites!... (Abraçam-se).

JOANA (Ajoelhando diante de Mendes) – Anjo do céu!

MENDES (Muito comovido levanta-a) – Comadre...não faça isso... ah!... eu acabo com as ternuras!!... olhem que falta o epílogo da novela (Abre a porta do outro quarto) Sai, epílogo!

BENJAMIM (Saindo: diz à parte) – Vou apreciar o efeito da minha inocente aparição (Fingindo vexame) Ai! duas caretas!... (De olhos baixos).

JOANA – Oh!... o senhor... (Com ressentimento e dureza).

BRITES (Com desagrado) – O senhor!...

BENJAMIM (À parte) – A resposta lógica era-as senhoras!... mas não respondo, não; o calado é o melhor.

MENDES – Comadre, sem ele o casal ficava incompleto...

JOANA – Que é isto de casal, compadre? ...

MENDES – Não é ainda: mas vai ser casal; se pode arranjar de outro modo as coisas dignamente para Inês, diga o meio, e eu faço voltar para Macacu o Antonica da Silva.

JOANA – Compradre, não me ponha em funduras com o Peres!

MENDES (Batem com força) – Há de ser o Pantaleão com o cônego. (À porta) Quem bate?...

PERES (Dentro) – Sou eu, Mendes. ( Voz grave; movimento geral).

INÊS – Meu padrinho... meu padrinho...

MENDES (A Inês e Benjamim) – Escondam-se onde estavam. Tranque as portas, comadre (Vai ao postigo; os dois escondem-se; Joana tranca as portas; mas deixa as chaves) O selvagem trouxe a cadeirinha, mas não me dou por vencido. (Abre a porta) Entra, Peres.

Cena VI[editar]

Mendes, Joana, Brites e Peres.


PERES (Entra olhando para todos os lados) – Que vieram fazer aqui?... (A Joana e Brites com dureza)...

JOANA – Peres, sou mãe, vim pedir ao compadre notícias de minha filha.

BRITES (A tremer) – Meu pai, eu acompanhei mamãe.

MENDES (À parte)— Quero só ouvir o que lhes diz o bruto.

PERES – Eu tinha ordenado que não saíssem de casa: quiseram dar-se em espetáculo!... (Áspero).

MENDES – (Saudando) – Muito boa tarde, compadre.

PERES – Não vim fazer cumprimentos; vim dizer-te que me hás de entregar Inês... e já!..

MENDES (Tirando a caixa) – Compadre, toma tabaco.

PERES – Soube enfim o que se passou: a perversa fugiu do quartel com um velho, a quem chamava padrinho; é claro. Trouxeste-a contigo. Quero que me entregues Inês!

MENDES – Peres, vai dormir, e volta amanhã.

PERES – Não me provoques... vê bem!... eu estou fora de mim...

MENDES – E queres que eu entregue minha afilhada a um homem que está fora de si?... compadre, toma tabaco..

PERES – Velho imoral e petulante!...

JOANA – Peres!... é o nosso compadre.. o padrinho de minha filha...

PERES (Violento) – Inês não é tua filha!... a per... ver... sa!... farei dela o que eu quiser... filha?!!! pois bem: é... filha de mim só!...

MENDES – Compadre, isso é asneira! como poderias ter essa filha, tu só e sem concurso da comadre?

PERES (Furioso) – Desgraçado!... quero levar Inês... hei de descobri-la aqui.

MENDES – Pois eu seria tão tolo que trouxesse Inês para a minha casa?... procura-a... anda... (Inês espirra.)

PERES (Voltando-se.) – Alguém espirrou... foi ela! (Comoção de Mendes, Joana e Brites.) Onde? ...

MENDES – Ora, que ilusão!... compadre, ninguém espirrou! Não tens a quem dar dom inus tecum! (Inês espirra).

MENDES – Que espirro fatal! antes Inês não tivesse nariz- mas eu vou recorrer a uma moratória. (Vai-se).

Cena VII[editar]

Joana, Brites, Peres e Inês quase arrastada.


PERES – Estás em meu poder, filha indigna! vem... vem!...

INÊS (Quase sufocada) Mamãe!...

JOANA – Peres! é minha filha!... perdão!...

BRITES – Meu pai!...

PERES (Perto da porta da escada) – Arredem-se desonrou-se... desonrou-me... seja-lhe sepultura o convento!

Cena VIII[editar]

Joana, Brites, Peres, Inês e Mendes.


MENDES – Podes levá-la, compadre; mas olha, que arrastando-a pe­las ruas que estão cheias de povo, vais expor-te e expô-la às zombarias e às risadas de todos...

PERES – Se ela pusera cabeça fora da cadeirinha, mato-a!...

MENDES (Rindo) – E que, abusando do teu nome, mandei embora a cadeirinha... teus escravos me obedeceram... e foram-se.

PERES – Padrinho corrompido e corruptor!... não faltam cadei­rinhas de aluguel a passar, e vê o que faço a teu despeito e em tua própria casa (A Inês) Filha amaldiçoada, espera aqui! (Abre a porta do quarto onde está Benjamim: empurra Inês para dentro tranca a porta e tira a chave).

JOANA – Peres, aí não, Peres!... (Mendes puxa Joana).

BRITES – Meu pai! nesse quarto, não! (Mendes puxa Brites).

PERES (Ao postigo) – Há de passar alguma cadeirinha...

JOANA – Peres! não sabe o que fez!... (Mendes puxa-a).

MENDES (As duas) – Calem-se!... estão entornando o caldo...

JOANA – Minha filha não pode estar trancada... ali...

BRITES – Não pode, meu pai; atenda!...

PERES (Ao postigo) – Pode e quero!... está muito bem... está perfeitamente naquele quarto! é minha vontade que ali fique... uma. duas horas até que passe uma cadeirinha! (Joana e Brites agitadas).

MENDES – Aprovo, compadre, aprovo, e tomo tabaco. (Toma).

Cena IX[editar]

Joana, Brites, Peres, Mendes, Pantaleão, Cônego Benedito e logo, Inês e Benjamim.


PANTALEÃO – Eu e o nosso amigo cônego Benedito (Entram).

MENDES (A Benedito) – Chegou a propósito, meu vigário geral!

BENEDITO (Aperta a mão de Mendes) – Sra. Joana! menina Brites! (Cumprimenta).

PERES – Cônego! (Vem apertar-lhe a mão).

BENEDITO – Peres!... sei que aflição te consome; há, porém, na igreja remédio para todos os sofrimentos. Que é da menina Inês, contava com ela aqui... e vim...

PERES – Inês está trancada por mim naquele quarto; mas quem dispõe do seu destino, sou eu só,

MENDES – Tal e qual, meu amigo, e tanto que ele trancou-a no quarto, deixando-a fechada e só com o seu namorado!...

PERES – Oh!... calúnia infame!... (Abre a porta do quarto e saem dele Inês e Benjamim) Miserável! (A Benjamim, Benedito sustem Peres).

BENJAMIM – Oh, e esta? tenho eu a culpa de que o senhor trancasse a menina no quarto, onde eu estava tão sossegado!...

BENEDITO – Vem cá, Peres!... (A um lado) Não estás vendo, que a providência o quer?...

PERES – Juro que não sabia... que ele estava lá...

BENEDITO – Mas à vista de nós todos... tua filha trancada por ti nesse quarto... saiu dele com um mancebo que a ama, que é amado por ela, Peres!...

MENDES – E que mancebo!... o filho do teu amigo Jerônimo, que te salvou a vida!... (Aos dois).

PANTALEÃO – E que idéia! estamos juntos os quatro parceiros do costume... depois do casamento jogaríamos a nossa manilha!...

PERES – Compadre, dá cá tabaco!

MENDES (Dando-lhe) – Toma! toma! eu tenho plena confiança no teu nariz...

BENJAMIM – Bela Inês!... a nossa felicidade vai sair daquela pita­da... estou quase indo também pedir...

INÊS (A Benjamim) – Não quero... é muito feio... não desejo que o senhor se acostume.

BENEDITO – E então?... Peres!...

PERES – Inês... minha filha, perdôo-te!... abençôo-te!... (Choran­do) Nem pensas, como isto é doce!... Benjamim!... manda dizer a Jerônimo que és meu filho!... Joana!... minha santa velha!... (Abraçam-se Inês, Joana, Benjamim e Peres.)

BRITES (Radiosa) – E eu também livre do convento!...

MENDES – E agora eu, senhor malcriado e insolente compadre Peres!... (Muito comovido).

PERES (Abraçando Mendes) – Mendes!... Mendes!... (Chorando) dá-me mais tabaco!... (Enquanto Joana Brites, Inês, Benjamim, Pantaleão e Benedito se abraçam).


Canto final


FIM DO QUARTO E ÚLTIMO ATO