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As Caçadas de Pedrinho/Capítulo 2

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Capitulo II

A VOLTA PARA CASA



FOI um delirio de contentamento. Os caçadores rodearam a onça morta, comentando as peripecias da formidavel aventura. Emilia reclamou logo todas as glorias para si.

— Se não fosse a minha espetada com o espeto de assar frango, queria ver...

— O que decidiu de tudo foram as facadas que eu dei, alegou Narizinho.

— Qual nada! Juro que foi o meu tiro de canhão, disse Rabicó.

— Pichote! berrou Pedrinho. A bala de canhão nem arranhou a pele da onça, não está vendo?

Como daquela disputa pudesse saír briga, o visconde ponderou gravemente:

— Todos ajudaram a matar a onça e todos merecem louvores. Mas se não fosse a polvora de Pedrinho, estariamos perdidos, de maneira que a Pedrinho cabe a melhor parte da vitoria. Depois de céga a onça, tudo estava mais facil e cada qual fez o que pôde. Basta de discussões. Em vez disso, tratemos mas é de leva-la para casa.

Os herois concordaram com o sensatissimo visconde e Pedrinho afundou no mato para tirar cipós, visto não haverem trazido corda. Logo depois apareceu com um rolo de cipó ao hombro.

— Segure aqui! Puxe lá! Força! Vamos!...

Pedrinho conduziu o trabalho da amarração da onça ajudado por todos, menos a Emilia, que se afastara dali e estava numa prosa de cochichos com dois besouros que tinham vindo assistir á cena. Bem amarrada que foi a onça, restava conduzi-la até á casa. Foi o que mais custou. Em certo ponto do caminho Rabicó, que suava em bicas, parou para tomar folego e disse:

— Francamente, prefiro matar dez onças a puxar uma só! Estou que não posso mais...

Pararam todos para um bem merecido descanso, e sentaram-se em cima do pêlo macio da féra morta. Vendo que o sol já ia alto, Narizinho disse:

— Pobre vóvó! Passa bem maus momentos por nossa causa. A estas horas está por lá aflitissima, a procurar-nos por toda a parte...

— Mas vái ficar consolada vendo a bichona que matamos, disse Pedrinho.

— Que matamos, uma óva! pensou lá consigo Rabicó. Que eu matei com o meu tiro de canhão, isso sim.

Pensou apenas. Não teve coragem de o dizer em voz alta, de medo do pontapé que Pedrinho fatalmente lhe pregaria.

Descansados que foram, prosseguiram na caminhada. Duas horas depois avistavam a casa, e viram dona Benta e tia Nastacia, muito aflitas, procurando por eles no pomar. Pedrinho pôs na boca dois dedos e desferiu um celebre assobrio que só ele sabia dar. As velhas voltaram-se na direção do assobio e tia Nastacia, que tinha melhor vista, enxergou-os logo.

— Lá vêm vindo eles, sinhá! e vêm puxando uma coisa exquisita... Quer ver que caçaram alguma paca?

Aproximaram-se os herois. Penetraram no terreiro. Narizinho de longe gritou:

— Adivinhe, vóvó, o que matamos!

Dona Benta respondeu:

— Uns danadinhos como vocês são bem capazes de terem matado alguma paca...

A menina deu uma risada gostosa.

— Qual paca, nem pera paca! Suba, vóvó!

— Então algum veado, lembrou a velha começando a arregalar os olhos.

— Suba, vóvó!

— Porco do mato, será possivel?...

— Suba, suba!

Dona Benta principiou a abrir a boca.

— Então foi capivara, disse.

— Vá subindo, vóvó!

A boa senhora não sabia como subir alem duma capivara, que era o maior animal existente por ali. Narizinho, então, chegou-se para ela e disse, fazendo uma careta de apavorar:

— Uma onça, vóvó!

O susto de dona Benta foi o maior da sua vida — tão grande que caíu sentada, com sufocação, exclamando:

— Nossa Senhora da Aparecida! Esta criançada ainda me deixa louca...

Mais corajosa, a negra aproximou-se, viu que era onça mesmo e abriu uma boca deste tamanho.

— O mundo está perdido, sinhá, murmurou ela de mãos postas. E’ onça mesmo...

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.