As Minas de Prata/III/Epílogo
Há bem pouco tempo ainda, viam-se nas cercanias da linda Baía de Camamu, as ruínas de uma capela, que ali existira em eras remotas sob a invocação de São Gil.
Um ano havia decorrido desde o passamento de D. Inês de Aguilar. Eram sete horas de uma bela manhã de primavera; árvores em flor, céu em gala, pássaros em alegres descantes, nada faltava à festa da natureza. O sino da capelinha tangia alegremente, e o âmbito do pequeno templo cheio da luz do sol, que embranquecia o clarão dos círios, semelhava um céu estrelado em noite de esplêndido luar.
Estavam na igreja duas pessoas. Uma era Frei Fernando de Santa Violante, que depois de acender os círios e vestir o altar, subira ao coro para tanger a campa. A outra era a recolhida, Soror Joana, ocupada em varrer o chão de ladrilho.
A ermida era nova, de fresco concluída. Dizia-se na aldeia vizinha que a mandara construir de seu bolsinho a Soror Joana, em virtude de um voto que fizera.
Aos lados viam-se os dois eremitérios isolados, onde viviam em clausura, a devota, servente da casa de Deus, e seu irmão Frei Fernando, capelão da ermida.
Poucos instantes depois, pelo caminho que desembocava em frente, apareceu um grupo de seis pessoas, onde havia pompa de mocidade e formosura, mas simplicidade extrema de traje. Estácio conduzia Inesita e Cristóvão a sua bela esposa, D. Elvira de Ávila. Seguia-se Gil, carregando ao colo uma linda criança, filha deste último par. Ao mesmo tempo, da outra banda, chegava João Fogaça, que trazia pelo braço a sua Mariquinhas dos Cachos.
No mesmo navio, que levara Raquel, partira para Europa Fr. Fernando: ia a Roma cumprir a promessa que fizera a Estácio de obter do Santo Padre a anulação do casamento de Inesita. Chegara, havia apenas um mês, com o breve do Papa.
Cristóvão e Elvira, unidos desde muito, só então souberam da existência de Estácio e Inesita, que supunham mortos e sepultos na mesma campa. Viviam, noivos irmãos, esperando a santificação do seu amor.
O monge ratificou os sacramentos anteriormente celebrados, unindo desta vez em legítimo matrimônio os dois casais. Todo o tempo da cerimônia reinou na ermida profundo silêncio; terminada ela, a Irmã Joana derramou sobre a cabeça dos noivos um açafate de rosas.
Apenas saíram as pessoas, o monge e a recolhida se estreitaram ao peito. Foragidos do mundo, escorjados da desventura, esses dois infelizes se abrigavam no seio um do outro. Desde esse instante foram verdadeiramente irmãos.
Entanto o grupo de amigos se dirigia entre o arvoredo à modesta, mas graciosa habitação de Estácio situada à margem de um rio, que a abraçava carinhosamente formando uma quase ilha, do feitio de coração. Um poeta do tempo não deixaria escapar esta circunstância para dela tirar um conceito de madrigal. Se o amor reside no grande músculo humano, sem dúvida aquela mansão do amor devia ter essa forma.
Estácio e Inesita separaram-se um instante dos amigos e penetraram no interior da habitação; aí estavam D. Francisco de Aguilar e sua mulher D. Ismênia, que viera carregada em liteira. Tinham vindo incógnitos para abençoar a filha ressuscitada. Foi tudo quanto a ternura obteve do orgulhoso fidalgo castelhano; para o mundo sua filha estava realmente finada.
Depois da bênção paterna, partiu o fidalgo com sua mulher às ocultas, como tinham vindo. Os primeiros eflúvios do santo amor conjugal dissiparam a sombra melancólica na fronte de Inês.
Elvira também era feliz. Mas como a rosa, cujo seio pungiu a antena de um inseto, a flor de sua felicidade tinha uma nódoa que só o tempo devia apagar.
FIM DO TERCEIRO VOLUME E FIM DE “AS MINAS DE PRATA”