As Vítimas-Algozes (1869)/III/LIII
Para onde corria Cândida em fúria e aflição desesperada?... Ela não poderia dizê-lo; mas arrebatada, já com os cabelos soltos e caídos, esbarrando aqui e ali nas pessoas que encontrava, arrojou-se além do portão, sem ver ou sem lhe importar alguns soldados que ali se tinham postado, e impetuosa avançou pela rua...
– É uma mulher doida – diziam uns.
– É alguma mulher dissoluta que o amante espancou e pôs fora de casa – diziam outros.
– É talvez uma pobre mãe que vai buscar o médico para ver-lhe o filhinho que lhe morre – diziam os mais compassivos.
Mas para onde corria Cândida?
A mucama escrava a arrancara do branco céu da inocência e a fizera em menina sábia precoce da ciência pudenda da mulher.
A mucama escrava amesquinhara-lhe o pudor, distanciara-a do recato, impelira-a para vãos e aviltantes namoros.
A mucama escrava a atraiçoara duas vezes com Dermany, protegendo perversa um amor fingido e funestíssimo, e tornando-se amante infame do suposto noivo de sua senhora.
A mucama escrava depois de tentar debalde arrastá-la para as garras de Dermany, abrira a este a porta do quarto de sua senhora, e a abandonara quase desmaiada ao algoz.
A mucama escrava dera-lhe doses repetidas de uma substância vomitiva, para aluciná-la com a convicção de um estado, que patentearia o seu opróbrio.
A mucama escrava finalmente, inventando ainda aterradoras notícias, conseguira arrancá-la da nobre e respeitada casa de seus pais, para levá-la de rastos pelo braço de um miserável para o escuro recanto de um cortiço.
O mais, a infidelidade, a ingratidão, a torpeza, a fria perversidade da mucama escrava e de Dermany eram o castigo da Providência imposto à moça que se rebaixara, e tanto ofendera a seus pais, ao dever e à sociedade.
Mas para onde corria Cândida?
Fugida da casa paterna, não ousando nem sabendo lá tornar, escapando a Lucinda, a Dermany, ao cortiço, nodoada, desonrada, perdida, para onde poderia ela correr, senão para os braços do primeiro libertino que reparasse em sua beleza?
E depois do primeiro, o segundo senhor e dono, e, depois vencidos, desfeitos os últimos vexames, a extrema degradação...
Era portanto ainda a mucama escrava que fatal empurrava implacavelmente sua senhora para a prostituição e o alcouce...
Oh! Como a escravidão é veneno e peste!
E Cândida corria sempre sem saber para onde, com os cabelos e os vestidos em desordem, corria insensata, delirante, e levando no turbilhão desconcertado, e horrível de mil idéias obscuras, negras, uma só idéia distinta, mas lúgubre... era encontrar o mar...
E corria sempre surda e cega, quando de súbito duas mãos a agarraram, e uma voz amiga exclamou:
– Minha irmã!
Cândida reconheceu Frederico, exalou um gemido de agonia, e seu corpo sem vida dobrou-se inerte nos braços do mancebo.
– Que seja um desmaio, meu Deus! – disse Frederico, sustendo Cândida.
Seja antes a morte – disse Liberato, afastando-se apressado.
– Ajuda-me a socorrer nossa irmã!...
Liberato em vez de responder ou voltar, seguiu, rugindo de raiva, para o cortiço.