Através do Brasil/XII
XII. SÓS...
Ali ficaram longas horas, e ficariam todo o dia, se o porteiro do cemitério não tivesse ido procurá-los.
Ergueram-se ainda chorando, e saíram. Para onde iriam agora? Carlos tinha no bolso três mil réis: era essa toda a sua fortuna. Pensando nisso, mediu toda a miséria da sua situação. Eram três horas da tarde; e ainda não haviam almoçado... Carlos viu que o irmãozinho, abalado pela desgraça terrível, e debilitado pela viagem e pelo jejum, mal se podia ter em pé.
Compraram a uma quitandeira ambulante um pouco de peixe assado. Enquanto comiam, — o mais velho dos dois irmãos, com a energia moral que felizmente não o abandonava nunca, encarou de frente o futuro, e procurou o meio mais fácil de sair de tão crítica situação.
Lembrou-se logo de recorrer aos seus parentes do Rio Grande do Sul, comunicando-lhes pelo telégrafo a morte do pai, e pedindo-lhes algum auxílio. Eram as únicas pessoas que ainda podiam interessar-se pela sorte dos dois órfãos. Mas aquele minguado dinheiro, que lhes restava, mal bastaria para cobrir a despesa com o telegrama... Como viveriam, enquanto esperassem uma resposta? Que seria deles, naquela cidade desconhecida, no meio de gente estranha?
Não! O melhor seria guardar esse pouco dinheiro com que sempre poderiam alimentar-se, ainda que mal, durante alguns dias, e tratar de sair de Juazeiro quanto antes. Havia dois partidos a escolher: ou voltar para o Recife, ou descer para a capital da Baía; em qualquer dessas cidades encontrariam conhecidos e amigos do pai, que os socorreriam, facultando-lhes o meio melhor de se comunicarem com os parentes do Rio Grande do Sul, e dando-lhes — quem sabe? — algum dinheiro com que para lá pudessem imediatamente seguir, se não preferissem ficar à espera da resposta. Voltar ao Recife seria quase uma loucura: não poderiam fazer frente às despesas de tão longa e penosa viagem. Para a Baía, a viagem era mais fácil. Se tivessem dinheiro bastante, tomariam a estrada de ferro... Mas, sem dinheiro, era preciso vencer a pé vinte e cinco léguas até Vila Nova da Rainha, onde mais facilmente arranjariam passagem até a Baía...
Carlos não hesitou mais. Decidiu partir, e partir sem demora, sem querer perder tempo em pensar no imenso sacrifício dessa jornada a pé, por um sertão bravio, sem pouso certo, sem auxílio de qualquer espécie. E, às quatro horas, estavam a caminho. O mais velho carregava o embrulho das roupas, e o mais moço conduzia o pequeno farnel, adquirido com uma rigorosa economia, e constituído por bolachas, biscoutos e um pouco de carne seca.
— Tudo é preferível — disse Carlos a Alfredo — à indecisão. Não nos deixemos abater pela desgraça, e procuremos salvar-nos do apuro em que nos vemos.
Alfredo ganhou coragem; e os dois órfãos entraram a caminhar com resolução, confiando no acaso. Mas, ao cabo de dois quilômetros, o pequeno foi obrigado a parar, extenuado de fadiga e de sede.
O lugar era deserto e seco: nem sombra, nem água. Alfredo não se pôde conter, e desatou a chorar. Carlos sentou-o ao seu lado, tomado de uma aflição terrível: parecia-lhe que o irmãozinho ia morrer ali, ao desamparo...
Mas uma voz cantou ao longe:
Foram-se os tempos felizes,
Mas outros dias virão;
E eu cantarei mais alegre,
Ao lembrar o meu sertão...