Caiu o Ministério!/III
Sala de espera em casa do conselheiro Brito
CENA I
[editar]BRITO e FILOMENA
FILOMENA — Podias ter decidido o negócio perfeitamente sem levá-lo às câmaras.
BRITO — Como?
FILOMENA — Como? Colocassem-me na presidência do Conselho, que eu te mostraria.
BRITO — Mas, Filomena, tu não sabes que se tratava de uma espécie completamente nova, que o governo...
FILOMENA — Tanto melhor! Se a espécie era completamente nova, o governo devia resolver por si e não abrir o mal precedente de consultar a Câmara.
BRITO — Olha, queres saber de uma coisa? Eu merecia que me vestissem uma camisola de força, por me haver metido em semelhante entrosga.
FILOMENA — Ora, qual entrosga! O negócio era muito simples. Tratava-se de uma estrada para o Corcovado.
BRITO — Mas de uma estrada especial, com carros movidos por cachorros...
FILOMENA — E o que tem os cachorros?
BRITO — É que levantou-se a dúvida se o cachorro podia ser considerado motor, se a estrada estava nas condições da lei.
FILOMENA — Pois eu presidente do Conselho cortava a dúvida, dizendo: — o cachorro é motor, e concedia o privilégio.
BRITO — Tu não entendes destas coisas.
FILOMENA — E o que se lucrou em consultar a Câmara? Em assanhar a oposição, e formar no seio do parlamento dois partidos, o dos cachorros e o dos que se batem, como leões, contra os cachorros.
BRITO — E que partidos!
FILOMENA — E lá se vai o privilégio, falto à palavra que dei ao inglês, e o casamento da menina, víspora!
BRITO — Mas o que queres que faça?
FILOMENA — Que envides todos os esforços para que o projeto passe! Hoje é a última discussão.
BRITO — E o último dia talvez do ministério.
FILOMENA — Quais são os deputados que votam contra?
BRITO — Uma infinidade.
FILOMENA — O Elói é cachorro?
BRITO — Sim, senhora.
FILOMENA — O Azambuja?
BRITO — Cachorro.
FILOMENA — O Pereira da Rocha?
BRITO — Este é de fila.
FILOMENA — O Vicente Coelho?
BRITO — Era cachorro; mas passou anteontem para o outro lado.
FILOMENA — E o Barbosa?
BRITO — Está assim, assim. Talvez passe hoje para cachorro.
FILOMENA — Ah! Que se as mulheres tivessem direitos políticos e pudessem representar o país...
BRITO — O que fazias?
FILOMENA — O privilégio havia de passar, custasse o que custasse. Eu é que devia estar no teu lugar, e tu no meu. És um mingau, não nasceste para a luta.
BRITO — Mas com a breca! Queres que faça questão de gabinete?
FILOMENA — Quero que faças tudo, contanto que o privilégio seja concedido.
BRITO (Resoluto.) — Pois bem; farei questão de gabinete, e assim fico livre mais depressa desta maldita túnica de Nessus.
CENA II
[editar]OS MESMOS e o DOUTOR MONTEIRINHO
DR. MONTEIRINHO (Cumprimentando Filomena.) — Minha senhora. (Para Brito.) Vamos para a Câmara, conselheiro. É hoje a grande batalha.
BRITO — Estou às suas ordens.
DR. MONTEIRINHO — Havemos de vencer, custe o que custar.
FILOMENA — Doutor Monteirinho, empregue todo o fogo de sua palavra.
DR. MONTEIRINHO — Fique descansada, minha senhora. Levo o meu discurso na ponta da língua. Hei de tratar a parte técnica, sobretudo, com o maior cuidado. Na discussão deste projeto ou conquisto os foros de estadista, ou caio para nunca mais erguer a fronte.
FILOMENA — Bravo! Bravo!
BRITO — Vamos, conselheiro, são horas.
FILOMENA (Para Brito.) — Vai. Que Deus te inspire. (Saem Monteiro e Brito.)
CENA III
[editar]FILOMENA e BEATRIZ
FILOMENA — Que boa madrugada! Onze horas!
BEATRIZ (Beijando Filomena.) — Não posso acordar-me cedo, por mais esforços que faça. Vosmecê não sai hoje?
FILOMENA — Não. Estou muito nervosa.
BEATRIZ — É mais uma razão para sair.
FILOMENA — Se cai o projeto e com ele o ministério...
BEATRIZ — Estamos arranjadas.
FILOMENA — Lá se vai o inglês.
BEATRIZ — E o Sr. Raul também. (À parte.) Se ao menos aquele pobre doido que ofereceu-me o coração... (Alto.) Ora, será o que Deus quiser. (Mirando-se ao espelho, canta.)
La donna é mobile
Qual piuma al vento.
Muta d’accento
E di pensiero.
O paquete francês deve chegar hoje?
FILOMENA — Creio que sim.
BEATRIZ — Estou ansiosa por ver os vestidos de verão que encomendamos.
CENA IV
[editar]BEATRIZ, FILOMENA e CRIADO
CRIADO (Com uma gaiola com papagaio.) — Veio da parte do senhor Tinoco, com esta carta. (Entrega a carta a Filomena.)
FILOMENA (Depois de ler a carta.) — Estes pretendentes entendem que devem encher-me a casa de bichos. Leva para dentro. (O criado sai.)
BEATRIZ — E coisa célebre, pelos presentes pode-se conhecer a que província ou a que lugar pertencem os pretendentes. Os do Ceará mandam corrupiões; os do Pará redes, paus de guaraná e macacos de cheiro; os de Pernambuco, cajus secos e abacaxis; os de São Paulo, formigas vestidas, figos em calda...
FILOMENA — E arapongas. Se o pretendente é do Maranhão, a mulher do ministro não passa sem lenço de labirinto.
BEATRIZ — E se é da Bahia, lá vêm as quartinhas, o azeite de cheiro e os sagüis.
FILOMENA — Os do Rio Grande do Sul exprimem a gratidão com línguas salgadas e origones.
BEATRIZ — E os de Minas com queijos e rolos de fumo. Mas, coitados! Muito sofrem! Só a lida em que eles vivem — Venha hoje, venha amanhã, espere um pouco, agora não é possível!
FILOMENA — É para admirar que a esta hora já não esteja a sala cheia deles.
BEATRIZ — É verdade.
CENA V
[editar]FILOMENA, BEATRIZ e DONA BÁRBARA
DONA BÁRBARA — Desculpe-me se fui entrando sem anúncio prévio.
FILOMENA — A senhora dona Bárbara é sempre recebida com prazer a qualquer hora.
DONA BÁRBARA — E é por saber disto que vim vê-la, apesar do que se tem passado.
FILOMENA — Creio que entre nós nada se tem passado que possa porventura interromper, sequer de leve, as nossas relações amistosas.
DONA BÁRBARA — Quero dizer do que se tem passado entre os nossos maridos.
FILOMENA — Também não sei o que possa ter havido entre eles. Pertencem ao mesmo credo político, ainda ontem para bem dizer, eram amigos...
DONA BÁRBARA (À parte.) — Se não digo na bochecha desta emproada tudo quanto sinto, estouro. (Alto.) Eram amigos, é verdade, porém... meu marido tem razões especiais... Ele está na Câmara cumprindo o seu dever.
FILOMENA — Faz muito bem.
DONA BÁRBARA — Não é hoje que se discute um célebre privilégio de uma estrada para o Corcovado?
FILOMENA — Creio que sim.
DONA BÁRBARA — Não sabia; passando por acaso pela Rua do Ouvidor...
BEATRIZ — Como é fingida esta vecchia strega!
DONA BÁRBARA — Ouvi os garotos apregoarem a Gazeta da Tarde, traz a notícia da grande patota dos cachorros! E por entre os grupos dos indivíduos que conversavam no ponto dos bondes, pude distinguir estas frases, cujo sentido não compreendi bem: arranjos de família, ministro patoteiro, casamento da filha com inglês.
FILOMENA — É verdade, minha senhora; mas o que não sabe é que por entre aqueles grupos estava a mulher despeitada de um ministro gorado e que era esta a que mais gritava.
DONA BÁRBARA — Um ministro gorado?!
BEATRIZ — Sim. Un ministre manqué.
DONA BÁRBARA (Para Beatriz.) — Minha senhora, tenha a bondade de falar em português, se quer que a entenda.
FILOMENA — Eu falarei português claro. O ministro gorado é...
BEATRIZ — Seu marido... voila tout.
FILOMENA — E a mulher despeitada...
DONA BÁRBARA — Sou eu?!
BEATRIZ — Sans doute.
DONA BÁRBARA (À parte.) Eu arrebento. (Alto.) Pois já que as senhoras são tão positivas dir-lhes-ei que meu marido nunca teve a idéia de fazer parte de semelhante ministério. Ele é um homem de muito bom senso e sobretudo de muita probidade.
FILOMENA — Observo à senhora que estou em minha casa.
BEATRIZ (À parte.) — C’est incroyable! Dreadful.
DONA BÁRBARA — Foi a senhora a primeira que esqueceu esta circunstância.
FILOMENA — Não me obrigue...
DONA BÁRBARA — Eu retiro-me para nunca mais pôr os pés aqui.
FILOMENA — Estimo muito.
DONA BÁRBARA — E fique sabendo que o Chico...
FILOMENA (Com dignidade.) — Minha senhora. (Cumprimenta e sai.)
BEATRIZ — Au revoir. (Sai.)
DONA BÁRBARA — Emproada, sirigaita, patoteira! Hei de tomar uma desforra. (Sai zangada.)
CENA VI
[editar]PEREIRA, INÁCIO, ARRUDA, RIBEIRO, AZAMBUJA, mais pessoas e o CRIADO
CRIADO — Sua Excelência não está. Os senhores que quiserem esperar podem ficar nesta sala.
PEREIRA — O homem está em casa.
INÁCIO — Eu cá hei de falar-lhe hoje, por força, haja o que houver.
ARRUDA — E eu também. Só se ele não passar por aqui.
RIBEIRO — O que é bem possível, porque a casa tem saída para outra rua.
AZAMBUJA — Há quatro meses que ando neste inferno.
RIBEIRO — Console-se comigo, que ando pretendendo um lugar há cinco anos, e ainda não mo deram.
ARRUDA — Há cinco anos?!
RIBEIRO — Sim, senhor.
AZAMBUJA — E tem esperanças de obtê-lo?
RIBEIRO — Olé! Já atravessei seis ministérios. Venho aqui duas vezes por dia.
INÁCIO — E eu que vim dos confins do Amazonas; e aqui estou há seis meses a fazer despesas, hospedado na casa do Eiras, com uma numerosa família, composta de mulher, seis filhos, duas cunhadas, três escravas, quatorze canastras, um papagaio e um corrupião!
CENA VII
[editar]OS MESMOS e ERNESTO
ERNESTO — Meus senhores.
PEREIRA — Oh! Senhor Ernesto.
ERNESTO — Como está, senhor Pereira?
PEREIRA — O seu negócio? Ainda nada?
ERNESTO — Qual! Trago agora aqui uma carta... Vamos ver se com esta arranjo o que quero. É de um deputado mineiro governista.
PEREIRA — É bom empenho?
ERNESTO — Quem me arranjou foi um negociante da Rua dos Beneditinos, em cuja casa acha-se hospedado o tal deputado.
RIBEIRO — Meu amigo, vá à fonte limpa, procure um deputado da oposição e digo-lhe desde já que está servido.
ERNESTO — Muito se sofre!
AZAMBUJA — É verdade.
CENA VIII
[editar]OS MESMOS e FILIPE
FILIPE — Adeus, senhor Ernesto.
ERNESTO — Adeus, Filipe.
FILIPE — Ainda perde seu tempo em vir por aqui?
ERNESTO — Por quê?
FILIPE — Porque o ministério está morto!
PEREIRA — Caiu?!
FILIPE — A esta hora já deve ter caído. A Rua do Ouvidor está assim. (Fechando a mão.) Não se pode entrar na Câmara. Há gente nas galerias como terra.
ERNESTO — O partido dos cachorros está bravo?
FILIPE — Os cachorros?! Estão danados! A tal estrada não passa, não, mas é o mesmo. O doutor Monteirinho levantou-se para falar...
ERNESTO — Ah! Ele falou hoje?
FILIPE — Qual! Não pôde dizer uma palavra. Rompeu uma vaia das galerias, mas uma vaia de tal ordem, que foi preciso entrar a força armada na Câmara.
PEREIRA — Lá se vai o meu lugar da Alfândega.
AZAMBUJA — E o meu.
RIBEIRO — E o meu.
FILIPE (Levando Ernesto para um lado.) — Ainda não a vi hoje.
ERNESTO — Mas é verdade tudo isto?
FILIPE — Como é bela!
ERNESTO — Com os diabos! que transtorno!
FILIPE — Quando a vi pela primeira vez foi no Castelões...
ERNESTO — Comia uma empada, comia uma empada...
FILIPE — É isso mesmo.
ERNESTO — Irra! Não me amoles.
PEREIRA (Para Ernesto.) — O senhor quer saber onde está a minha esperança?
ERNESTO — Onde?
PEREIRA (Tirando um bilhete de loteria do bolso.) — Aqui neste bilhete do Ipiranga.
FILIPE — Eu também tenho um. (Vendo na carteira.) Querem ver que o perdi! Não, cá está. A esta hora já deve ter andado a roda. Com a breca, nem me lembrava! (Olhando para dentro.) Se pudesse ao menos ver-lhe a pontinha do nariz.
PEREIRA — Vou ver o que tirei. (Sai.)
FILIPE — E eu também. Mas qual! Sou de um caiporismo horrendo. Adeus, senhor Ernesto. (Olhando para todos os lados.) Onde estará ela?! (Sai.)
CENA IX
[editar]OS MESMOS, menos PEREIRA e FILIPE e DOUTOR RAUL
ERNESTO — Esta notícia veio transtornar-me os planos.
AZAMBUJA — Talvez seja mentira.
ERNESTO — As más novas são sempre verdadeiras.
RAUL — Ora, vivam, meus senhores!
ERNESTO — Doutor Raul, o que há acerca do ministério?
RAUL — Dizem que está em crise.
ERNESTO — Mas há esperanças?
RAUL — Hum!... Não sei. Vejo as coisas muito embrulhadas.
CENA X
[editar]OS MESMOS e MISTER JAMES
RAUL — Oh! Mr. James! Fazia-o pela Câmara.
MR. JAMES — Mim só sai de casa hoje pra vem aqui...
RAUL — Os negócios estão feios.
MR. JAMES — Oh! Yes, muito feias.
RIBEIRO (A Ernesto.) — Este é o tal inglês da patota de que os jornais falam hoje?
ERNESTO — É o bicho.
MR. JAMES — Você quer sabe de uma cousa. Mim estar muito stupide.
RAUL — Por quê?
MR. JAMES — Eu já deve saber que este ministéria não pode dura muite tempo, e mim cai na asneira de faz negócia com ele.
RAUL — Mas em que se fundava para saber disto?
MR. JAMES — Ora escuta vosmincê, presidenta de Conselho onde estar nascida?
RAUL — No Pará.
MR. JAMES — Ministra de Império?
RAUL — Em São Paulo.
MR. JAMES — Ministra de Justiça?
RAUL — Creio que é de Piauí.
MR. JAMES — No senhor; de Paraíba.
RAUL — Ou isso.
MR. JAMES — Ministra de Marinha estar de Alagoas, ministra de Estrangeiros..
RAUL — Este é do Paraná.
MR. JAMES — Yes. Ministra de Guerra estar de Maranhão, de Fazenda, Rio de Janeiro.
RAUL — Mas o que tem isto?
MR. JAMES — Não tem uma só ministra de Bahia. E ministéria sem baiana — estar defunta logo, senhor.
RAUL — Tem razão.
MR. JAMES — Baiana estar gente muito poderosa. Não se pode esquece dela.
RAUL — O ministério estava fraco, lá isso é verdade.
MR. JAMES — E tem inda mais; ministra da Marinha...
RAUL — O doutor Monteirinho?
MR. JAMES — Yes. Ministra da Marinha estar muito pequenina.
RAUL — Muito moço é que o senhor quer dizer?
MR. JAMES — All right. No pode ser estadista e governa país logo que sai de escola. É preciso aprende primeiro, aprende muito, senhor. Todo mundo estar caçoanda, e chama ministra de Cazuzinhe. O senhor sabe dizer o que é Cazuzinhe?
RAUL — É um nome de família.
MR. JAMES — How? Mas família fica em casa, e no tem nada com ministéria. Vosmecês aqui têm costume de chama homem de estado de Juquinha, Lulu, Fernandinha. Governa estar muito sem-cerimônia.
CENA XI
[editar]OS MESMOS, BEATRIZ e FILOMENA
MR. JAMES — Como está, senhorra?
RAUL — Minhas senhoras.
FILOMENA — Veio da Câmara?
MR. JAMES — No senhorra.
FILOMENA — Pois não foi lá? No dia em que se deve decidir o seu negócio...
BEATRIZ (A Raul.) — Mamãe ainda não teve tempo de falar com papai acerca da sua pretensão.
MR. JAMES — Meu negócia estar perdida.
FILOMENA — Tenho fé que não.
MR. JAMES — Oh! Yes.
CENA XII
[editar]OS MESMOS e FELIZARDO
FELIZARDO (Entrando apressado.) — Caiu o ministério!
FILOMENA — Caiu! Ai! Falta-me a luz! (Cai desmaiada em uma cadeira.)
BEATRIZ (Correndo.) — Mamãe.
RAUL — Dona Filomena!
MR. JAMES (Para todos.) — Ó no incomoda! Vai passa já.
ERNESTO — Ora sebo! (Sai.)
INÁCIO — Ora bolas. (Sai.)
ARRUDA — Ora pílulas. (Sai.)
RIBEIRO — Ora, com os diabos. (Sai.)
AZAMBUJA — Ora... (Sai.)
MR. JAMES (Vendo Filomena levantar-se.) — Estar pronta, já passou.
FELIZARDO — E o pobre do Cazuzinha que tinha tanta coisa que fazer! Também lhes digo, que se ele consegue falar, a despeito das vaias da galeria, o ministério tinha vida por cinco anos, pelo menos.
RAUL — Deveras?
FELIZARDO — É um rapaz muito hábil. O senhor não imagina que discurso tinha ele preparado. Ontem recitou-mo todo. Sabia-o na ponta da língua.
RAUL — Foi uma pena! (À parte.) E lá se foi o meu emprego, que é o que mais sinto.
FELIZARDO — Como não vai ficar a Maria José quando souber da notícia!
RAUL (A Beatriz.) — Minha senhora; creio estar desligado dos compromissos que contraí para com Vossa Excelência.
BEATRIZ — Eu já o sabia; não era preciso mo dizer. O que o senhor doutor queria era uma posição social e não a minha mão!
RAUL (À parte.) — Façamos cara de não ter compreendido.
CENA XIII
[editar]FELIZARDO, RAUL, BEATRIZ, FILOMENA, MISTER JAMES, BRITO e DOUTOR MONTEIRINHO
BRITO (Abraçando Filomena.) — Minha Filomena, tenho necessidade de abraçar-te. Vem cá, Beatriz, abraça-me também. (Beatriz abraça.) Foram vocês que me perderam; mas como isto é bom.
MR. JAMES — Mim sente muito derrota de Vossa Excelência; agradece tudo que faz pela minha privilégia e pede desde já a Vossa Excelência um apresentação para nova ministéria que tem de subir.
FELIZARDO (Que deve estar abraçado com Monteirinho.) —Ah! Cazuza! Não há gosto perfeito neste mundo!
DR. MONTEIRINHO — E mamãe, que não teve a ventura de me ver de fardão!
FELIZARDO — Mas há de tê-la muito breve; eu te prometo.
CENA XIV
[editar]OS MESMOS e CRIADO
CRIADO — Trouxeram estes jornais e esta carta. (Sai.)
BRITO — O que será? (Vendo o sobrescrito da carta, para Filomena.) É para ti.
FILOMENA (Abrindo a carta e lendo.) — “Minha senhora, tenho a honra de enviar a Vossa Excelência o último número da Espada de Dâmocles, que acaba de sair agora mesmo e de chamar a atenção de Vossa Excelência para a notícia, publicada sob o título À última hora. Sua veneradora e criada, Bárbara Coelho.” (Fecha a carta.) Que infame!
BRITO — Lê. (Filomena quer rasgar o jornal.) Lê, eu terei a coragem de ouvir.
FILOMENA (Lendo.) — “Caiu finalmente o ministério das patotas. Parabéns aos nossos concidadãos, estamos livres do homem que mais tem sugado os cofres públicos em proveito dos seus afilhados.”
BRITO — Saio do ministério mais pobre do que entrei, porque estou crivado de dívidas, e com a pecha de ladrão!
FILOMENA — E o que pretendes fazer?
BRITO — Nada: neste país, infelizmente, esta é a sorte de quase todos que descem do poder.
CENA XV
[editar]FILOMENA, RAUL, DOUTOR MONTEIRINHO, BEATRIZ, MISTER JAMES, FELIZARDO, BRITO e FILIPE
MR. JAMES (A Filipe que entra às carreiras, ofegante, e cai-lhe desmaiado nos braços.) — How! Tudo estar desmaia nesta casa!
FILOMENA — Vão ver depressa vinagre. (Raul corre para dentro.)
BEATRIZ — Como ele está pálido! Vou buscar água de Colônia. (Corre para dentro.)
MR. JAMES — Oh! nó, nó, é melhor traz cognac.
DR. MONTEIRINHO — Vou buscá-lo. (Sai correndo.)
BRITO (Batendo-lhe nas mãos.) — Senhor, senhor! É o pobre do repórter!
BEATRIZ — Aqui está. (Põe água de Colônia no lenço e chega-lhe ao nariz. Filipe abre os olhos.) Ça y est! Il est gueri!
FILIPE — Onde estou? Ah! (Sai dos braços de Mister James.)
DR. MONTEIRINHO — Cá está o conhaque. Já não é preciso?
BRITO — O que tem?
FILIPE (Não podendo falar.) — Comprei este bilhete. (Mostra-o, tirando-o do bolso.) Vou ver a lista...
MR. JAMES — Branca.
FILIPE — E tirei duzentos contos!
FILOMENA — Duzentos contos!
BEATRIZ — Ah! Bah!
FILIPE (Ajoelhando-se aos pés de Beatriz.) — Minha senhora, eu adoro-a, idolatro-a. Quando a vi pela primeira vez foi no Castelões, a senhora comia uma empada. Quer aceitar a minha mão?
BEATRIZ — De tout mon coeur.
MR. JAMES — All right! Boa negócia.
(Cai o pano)