Calvario de Mulher/A inconsciencia maternal
Fôra mãe tal como fôra noiva. Ignorava todas as responsabilidades da sua nova condição. O filhinho, tão rosado e lindo, era nos seus braços de mãe um regosijo infantil, um brinquedo de graça, como o casamento fôra um amargo ludibrio, uma realidade brutal.
¿Que sabia ela d'esse delicado encargo maternal? ¿Quem lhe apontára a luz que devia eselarecer o seu espirito de todas as noções higienicas, pedagogicas e psicologicas, para educar aquele tenro fruto, que carecia de especiais cuidados desenvolvidos na atmosfera sadia que prepara organismos fortes, caracteres doces e resistentes, para serem na familia e na sociedade elementos de harmonia? ¿Quem lhe inentíra o suave dever de fazer d'aquela tenra vergontea, brotando de atavismos desfavoraveis, um vigoroso tronco de robustez que constitue a semente de todos os germens da vida futura? Ela ignorava que é um dever humanitario e civico criar sêres aptos para realizar as funções da familia e da sociedade, e capazes de gerarem a sua prosperidade. Ela desconhecia a impressão grata que deve reanimar o coração de uma mãe consciente e educada, que sabe criar na religião da maternidade, o culto da bondade, da beleza, da saude, na qual deve fazer consistir as suas mais puras alegrias e as suas mais completas felicidades e aspirações.
E como n'esta maternidade precoce não existia a compenetração de tão grave mister, ela consistia apenas n'um exercicio maquinal, moldado na rotina. Não existia uma profunda concepção da vida que dá ao desempenho da nossa acção e da nossa consciencia, a satisfação proveniente do dever educado em nobres principios cultivados, que comportam alegrias supremas. Claro que tiradas as manifestações da vida exterior, ficava afinal um vacuo na alma da jovem mãe. Permanecia aquele desconsolo que provêm do desconhecimento total da vida profunda, da superior educação moral dos sentimentos e das ideias que tendem a generalizar a felicidade e o aperfeiçoamento. Em tais casos a alegria da sua maternidade reduzia-se a possuir um gracioso bloco de carne, rosada e fresca, que se veste e enfeita, que se alimenta irregularmente, que a vontade do pae entregára á amamentação de uma ama grosseira, e aos seus mercenarios cuidados condutores de maus agentes que recáem no caracter da criança e no seu organismo fisico.
¿De que servia que a mãe inexperiente sentisse, por instinto, o erro em todo aquele sistema, e chorasse rios de lagrimas quando o pequenino foi arrancado ao seu peito tumido de leite maternal in- dicado para alimento do filhinho? Acima de toda a verdade e de todo o direito, existia um dominio petreficado na rigida vontade do soberano conjugal que por excessos de intransigencia vê acima de tudo os seus interesses materiais, a sua obstinada vontade. Desabrochando n'uma atmosfera de higiene impropria, de irascibilidade e perturbação, a criança saturou-se a seu turno de azedume e nervosidade. Em vez de robustecer-se, definhou.
Era uma haste fragil, um caracter caprichoso . ¡E' tão grave educar uma criança! Aos sete anos, ainda a vontade independente do Pae a internou num colegio. A missão da mãe foi na vida d'esta criança uma influencia negativa. O preconceito desligára aquelas duas vidas que deviam realizar uma fusão de amor. Claro que o filho crescido em meio de tal influencia, sente-se desunido ao ser que lhe deu o ser. A mãe aparece-lhe como uma criatura inferiorizada, uma força debil e apagada. Não vê n'ela a previdencia, o amor que lhe devia dar o seu sangue destinado para alimenta-lo na taça de seu seio amoravel. Não vê n'ela a vigia solicita dos seus passos, a simbolica protecção da sua vida. Vê n'ela um iustrumento de procriação, um objecto de que o homem dispõe, que desdenha, humilha, condena e desrespeita de continuo na mais inconsciente e depressiva irreflexão.
Foi n'estas condições que as alegrias inerentes á maternidade, foram substituidas para a pobre e desolada mãe, em motivo de desconsolo e descontentamento. A lamina cortante da inconsciencia decepára os rebentos de uma futura compensação, que veio a diluir-se em penas fatais e em lagrimas de funda amargura. Estava destinado que na vida d'esta mulher se concentrassem todas as contingencias da falsa moral e da ignorancia que estabelece, n'um cruzamento apavorante, uma barreira de desequilibrios morbidos e ingratos, na floresta inculta dos costumes convencionais.
¡E apregoa-se em irreflectidas opiniões que aspiram retroceder á remota e irresuscitavel preponderancia do Patriarcado «A mulher é para o lar, e para os filhos»! ¿Onde está a força que se lhe dá para exercer condignamente essa missão? E' da mais flagrante evidencia que ela não existe. E que apenas serve de pretexto para sustentar um meio de humilhação para a mulher e uma fonte de tormentos e inutilidade.