Calvario de Mulher/Os prejuizos da Educação
Existiam no entanto na natureza d'esta mulher, latentes e desconhecidos, os germens proinetedores de faculdades de excepção. Manteve-os em embrião o sistema de educação esterilizante que prevalece, e a iniquidade dos direitos conjugais que destroe, esmaga e retrae. Era iminente o conflito que prepararia a desarmonia e a derrota de duas existencias. Em breve ela se acentuou. Aquela alma de criança, mimosa como uma sensitiva, impregnada de sentimentalismo, carecendo de um ambiente de carinho, de delicadeza e ternura para desabrochar n'uma plenitude de manifestações superiores, começou de sentir-se amarfanhada, fenecida, ferida nas asperezas de um caracter oposto, na rudeza da hostilidade intransigente e absoluta que é norma preceitual da maioria dos lares.
Era dura, era convencionalmente aspera a mão a quem competia guiar uma criança, bruscamente arrancada ao regaço materno, educando-a com o carinho e a delicadeza compativeis com um temperamento emotivo disposto a todas as susceptibilidades.
Um vago e incontido desconsolo começou de abalar a sensibilidade d'aquela natureza requintada. Esmorecia-lhe a alegria de viver. Na penumbra dos vagos e imprecisos raciocinios, ela tinha a consciencia de ser afrontada de continuo na sua dignidade, rebaixada por censuras injustamente dirigidas á sua inculpada inexperiencia de criança. Veja-se n'este caso a desumana injustiça da inconsciencia que prevalece na sociedade.
A incuria votada á educação, rigorosamente fisica, moral e pedagogica, que devia dar-se á mulher, produz efeitos como o que prevalecia n'este caso. Em seguida constitue outra derivante de desarmonia, a irreflexão de um homem que cubiça uma mulher sem indagar nem se preocupar com o seu sêr moral nem com a sua preparação. E a pobre vitima de todas essas deploraveis eircunstancias, fica, a seguir, sendo o joguete das exigencias rudes do homem a quem nenhum direito assiste de condenar as consequencias da sua irreflexão, originadas nos im- pulsos materiais que cegam o raciocinio.
Ainda n'este caso, uma agravante excepcional o torna mais anormal. E' que esta criança inexperiente a quem faltavam predicados praticos, dispunha de um grande instinto e de una grande ambição de se aperfeiçoar. Era facilimo realizar a mulher exemplar, bem orientada, dentro de um lar sereno e feliz.
Mas ainda de permeio se levantava o eterno simbolo de injustiça. Era o sistematico espirito de contradição nascido do amor proprio, do instinto de dominio preponderante do homem, e que investe cegamente contra o direito, a razão, a justiça e todas as manifestações de alma e espirito, ainda as mais superiores. A culpa, afinal, não é do homem. Porque ele vem igualmente a ser vitima das situações que inconscientemente prepara. A culpa é dos costumes, é do meio, é das convenções. A culpa é de ambos, é de todos, é da colectividade que não reflete sobre a gravidade da situação, parcial e comum, e não aviva em si e em todos, a aspiração de a remediar.
Foi n'um tal presidio de escravidão, que esta alma inutilisára as suas melhores vibrações. E o espirito animado das mais nobres ideias, sistematicamente com- batidas; o animo agitado dos mais generosos intuitos, sempre contrariado, foi pouco a pouco mergulhando no desalento , depois na tortura, e a seguir no dessespero que acabou na revolta dos seres oprimidos no seu direito de viver e produzir, compativel com os elementos que a natureza lhes dera para realizarem a felicidade.