Cartas Chilenas/VII
Há tempo, Doroteu, que não prossigo
Do nosso Fanfarrão a longa história.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Que não busque cobrí-los com tal capa,
Que inda se persuada que os maís homens
Lh'os ficam respeitando, como acertos .
Enquanto ao conhecer destes despejos,
Pespega à lei a boa inteligência,
Que extensiva se chama. Sim, entende
Que aonde o rei ordena que só haja
Recurso a ele mesmo, nos faculta
Recurso aos generais, pois que estes fazem,
Em tudo, e mais que em tudo, as suas vezes.
Ah! dize, meu amigo, se podia
Dar-lhe outra inteligência o mesmo Acúrsio .
Esse grande doutor, que já nos finge,
Nos princípios de Roma, conhecida
A Divina Trindade, e que pondera
Que do cão, que na palha está deitado,
A velha fúria, lei se diz canina.
Maldito, Doroteu, maldito seja
O pai de Fanfarrão, que deu ao mundo,
Ao mundo literário tanta perda,
Criando ao hábil filho numa corte,
Qual morgado, que habita em pobre aldeia!
Ah ! se ele, doce amigo, assim discorre,
Sabendo apenas ler redonda letra,
Que abismo não seria, se soubesse
Verter o breviário em tosca prosa.
Se entrasse em Salamanca, e ali ouvisse
Explicar a questão daquela escrava
Que foi manumetida em testamento,
Se três filhos parisse, e outras muitas
Que os lentes nos ensinam, desta casta !
Enquanto, Doroteu, ao outro ponto
De julgar aos expulsos inocentes,
Também razão lhe dou, porque, primeiro
Se informa com aqueles, que os réus dizem
Que sabem, mais que todos, do seu caso.
Nem é de presumir que estes lhe faltem
A verdade, jurando, pois têm alma.
Sê boa testemunha, meu paizinho
A quem o vulgo chama Pé-de-Pato.
Confessa se não foste o que juraste
Que deste uma denúncia e fora falsa.
Indigno e bruto chefe, em que direito
Entendes que se firmam tais processos ?
Um réu, a quem condena um magistrado,
Pode mostrar o injusto da sentença
Dando umas testemunhas que juraram
Sem haver citação da sua parte ?
Dando umas testemunhas inquiridas
Por juiz que não pode perguntá-las ?
E como, louco chefe, e como sabes
Que a defesa convence, se nem viste
Os autos, em que a culpa está formada ?
Suponho que juraram novamente
Aqueles mesmos que as denúncias deram:
O segundo e contrário juramento
Não é que se reputa, sempre, o falso ?
E quem chega a comprar um grande chefe
Não pode inda melhor comprar um negro ?
Amigo Doroteu, estes pretextos
São como as bigodeiras, que não podem
Fazer se não conheçam as pessoas,
Que dançam nos teatros por dinheiro.
Não lucra, doce amigo, o nosso chefe
Somente em revogar os extermínios
Que fazem os ministros: ele mesmo
Ordena se despejem os ricaços,
Ainda que estes vivam sem suspeita
Do infame contrabando. Desta sorte
Os obriga, também, a vir à tenda
Comprar, por grossas barras, seus despachos.
Todos largam, enfim, e todos entram
No vedado distrito, sem que importe
Haver ou não haver de crime indicio.
Só tu, meu Josefino, sô tu ficas
No mandado desterro, por teimares
Em não querer largar, ao vil Matúsio,
Uns tantos mil cruzados, que pedia.
Só tu... porem, amigo, é tempo, é tempo
De fechar esta carta, pois, ainda
Que a matéria, por nova, te deleite,
A muita difusão também enfada.
Eu a pena deponho, e só te peço
Que tomes a lição, que te apresenta
O nosso Fanfarrão, no seu mulato.
Não desfaças, amigo, as ruças becas.
Vai-as distribuindo aos teus lacaios,
Bem como faz o chefe às suas fardas,
Que, enquanto estes as rompem, poupam
As librés amarelas asseadas.