Castelo Perigoso/I
Quem quer fazer um castelo deve-o edificar em terra de paz, porque quanto homem fizesse em comarca de guerra em um dia, em outro seria derrubado. E por em antes que comecemos de edificar nosso castelo, cumpre resguardar e aprender com quem devemos de haver paz e como devemos a viver para nossa saúde.
Eu digo que homem deve de haver paz primeiro com Deus; desde aí com seus maiores. Terceira com seus próximos. Quarta consigo mesmo. E se alguma destas pazes falece, mal se pode edificar castelo que dure.
Digo primeiro que homem deve fazer paz com Deus em três maneiras: primeira que homem deixe e renuncie os pecados de feito e de vontade. Desde aí, que se meta esforçadamente à pendência e a fazer boas obras. A terceira que persevere em bem até o fim. E destas três coisas uma sem outra não vale nada.
A esta paz não pode algum vir se não há verdadeira contrição e dor no coração, com repreendimento dos pecados com que anojou o seu senhor Deus. E muito há grande razão de profundamente gemer e de se fundir toda em lágrimas a pessoa que assanha seu criador, pecando mortalmente, onde perde Deus e o paraíso e ganha os tormentos do inferno, e perde os bens que dantes havia feitos, se o Deus não chama por sua graça, e é tornado servo do diabo; e a alma, que era filha e esposa do rei da glória, é feita serva e barreguã do inimigo. E depois do repreendimento deve vir à confissão. Esta é a boa camareira que limpa a casa e lança fora toda a sujidade com a vassoura da língua, assim como diz Davi.