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Castelo Perigoso/XLVII

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A maior bondade e amor que Deus mostrou aos homens é que ele se deu e dá cada dia em vianda, quando nos dá o seu precioso corpo a comer e o seu gracioso sangue a beber no Sacramento do altar. Que, ainda que grande coisa seja ele se dar em companheiro e mestre, em preço de remimento e em exemplo, não é todo um o doador e recebedor antes há aí diferença. Mas quando se ele dá no Sacramento do altar, ele faz um de si e do que o recebe e o converte em si mesmo, assim como disse Santo Agostinho: "Eu sou Jesus Cristo, vianda dos grandes; mas por alteza de vida, tu serás grande, se me comeres; e não me mudarás em ti, mas tu serás mudado em mim".

A alma se muda em Jesus Cristo quando mais e mais ela o parece por boa vida, que faz em virtude do Sacramento que faz muitos proveitos àqueles que dignamente o recebem.

Primeiro guarece e limpa a alma dos pecados veniais, e os mortais esquecidos, apresenta à memória para se fazer deles emenda por confissão. Ele aliva em todo ou em parte a pena do purgatório à qual homem era teúdo pelos pecados feitos; e defende a alma contra as más tentações, e apura-a dos pensamentos e afeições desonestas e a faz mover acerca da vontade de Deus, e não segundo a carne e a sensualidade.

Ele guarda de consentir o pecado mortal e cria a alma em graça e a faz crescer em virtudes e em amor de Deus e sustenta, que não faleça em esta peregrinação, e confirma-a em todo bem. São João Boca de Ouro[1], diz que os diabos não ousam de chegar e fogem daquele que dignamente recebe o corpo de Jesus Cristo.

Santo Ambrósio diz que quem recebe Sacramento sem reverencial humildade e sem diligente aparelho peca mortalmente. E quem o não crê, por sua condenação o filha. Aquele Sacramento foi santificado na lei antiga pela maná que foi dada no deserto aos filhos de Israel, que se derretia ao sol e endurecia ao fogo.

Pelo sol se entende caridade, que faz valer e crescer outras virtudes. Pelo fogo entende cobiças carnais e de riquezas. E quando o filha a pessoa que está em caridade, ele a faz derreter por devoção e crescer em bons costumes. Mas quando é recebido de alguma pessoa avarenta ou luxuriosa, ela endurece, ca Santo Agostinho diz que nenhuns são tão endurecidos nem tão porfiosos no mal como aqueles que indignamente recebem este Sacramento.

Desde aí, o sol faz derreter os ungüentos aromáticos e seca e endurece o lodo. Assim faz o verdadeiro sol da justiça, Jesus Cristo, quando pessoa devota e de bons costumes o recebe. Ele a faz toda fundir em lágrimas de devoção. E quando doutra suja por pecado e enlodada é recebido, ela torna tão dura e assim seca de graça, que a todo bem é fria e preguiçosa.

Mas quem quer que este Sacramento lhe aproveite, ele se deve aparelhar com diligência e recebê-lo humildosamente e com reverência e fé; desde aí agradecê-lo devotamente e guardá-lo honestamente e sagemente, o que Deus nos outorgue. Amém.

Notas

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  1. I.e. São João Crisóstomo.