Collecção chronologica da legislação portugueza/Ao leitor
AO LEITOR
Em conformidade do programma que publicámos em Maio do corrente anno, no qual promettemos dar á estampa uma Collecção da Legislação Portugueza desde as Ordenações Filippinas até á Carta Constitucional, isto é desde o anno de 1603 até o de 1826, apresentamos hoje ao Publico o primeiro Volume desta Collecção, comprehendendo a Legislação dos annos de 1603 a 1612.
Não podemos lisongear-nos de que seja completa esta Collecção, nem como tal a inculcamos, antes, pelo contrario, sentimos a impossibilidade de realizar nossos desejos a tal respeito.
Pelo aturado estudo que fizemos sobre a Legislação Patria, para a confecção do nosso Repertorio de Legislação em continuação ao de Fernandes Thomaz, reconhecemos praticamente a necessidade de uma Collecção das Leis extravagantes posteriores ao Codigo Filippino; por quanto, para haver conhecimento de algumas dellas, improbo trabalho nos foi mister empregar, e algumas vezes sem fructo. E concebendo desde logo o plano da publicação que ora incetamos, temos empregado, ha perto de seis annos, todos os esforços possiveis, para haver copias de milhares de Diplomas que se não encontram impressos, servindo-nos de directorio para estas investigações o índice Chronologico de João Pedro Ribeiro, o Mappa Chronologico de Borges Carneiro, e o Repertorio Alphabetico de Fernandes Thomaz.
É certo, e o Leitor facilmente poderá averiguar, que neste primeiro Volume (e assim acontecerá nos seguintes) se comprehendem, na sua integra, ou por extracto (pela impossibilidade de obter a integra) todos os Diplomas citados nos referidos Indice e Mappa Chronologico, e Repertorio Alphabetico, salvas raríssimas e pouco importantes excepções — é certo ainda, que nelle se comprehendem muitos Diplomas não mencionados nos ditos Indice, Mappa, e Repertorio — mas nem por isso podemos asseverar que neste Volume se acham compilados, e nos seguintes se compilarão, todos os Diplomas que formam o Corpo da Legislação Patria, durante a epocha supraindicada.
A necessidade de publicação das Leis não foi reconhecida pelos differentes Governos que se succederam desde 1603 até 1826, com pequenas excepções, assim como o não tinha sido pelos anteriores a esta epoca. — A publicação na Chancellaria-mór do Reino era frequentemente dispensada na maior parte dos Diplomas que por ella deviam passar. — O resultado de taes dispensas era haver apenas conhecimento d’aquelles Diplomas nas Repartições por onde e para onde eram expedidos, assim como acontecia a respeito de todos os outros, que não careciam mesmo de dispensa para deixarem de passar pela Chancellaria.
Desta especie de monopolio resultava em fim que a maior parte dos Artigos de Legislação ficavam sepultados nos Archivos publicos, em que se mandavam guardar, ou nos Livros de registo dos Tribunaes, a que compelia a sua applicação nos casos occorrentes, sem que ao Publico em geral fosse reconhecido o direito de saber se era bem ou mal governado, pela confrontação das Leis com os actos do Poder.
Não se tendo pois vulgarizado pela Imprensa a maior parte dos Artigos de Legislação, de que se mandavam apenas tirar duas ou tres copias, para se expedirem aos Tribunaes, servindo ainda muitas vezes o proprio original para se fazer o registo, é claro que, uma vez extraviados, ou consumidos pelo tempo, esses originaes e registos, nenhuma esperança nos póde restar de haver conhecimento das disposições que nelles se continham.
Da-se com effeito este caso a respeito de muitos Diplomas; e por isso julgamos impossivel que alguem podesse hoje organizar uma Collecção completa da Legislação Portugueza.
Mas entre uma Collecção completa e as que hoje temos, ha uma distancia considerável.
Da Legislação posterior ao Codigo Filippino até o anno de 1750, temos apenas a Collecção de Jeronimo da Silva, junta ás Ordenações da edição chamada Vicentina de 1747, e outra feita depois sobre esta, por ordem da Universidade de Coimbra, em 1819, que é preferível á de Jeronimo da Silva, por ser em ordem chronologica, e comprehender mais alguns Diplomas compilados por F. da C. França, em suas Addicções e Appendice. — Mas apezar desta melhoria, encontram-se apenas na Collecção da Universidade setenta e cinco Diplomas, desde o anno de 1603 até o de 1612 — em quanto que neste Volume, que ora publicamos, relativo aos mesmos annos, achará o Leitor setecentos e noventa e cinco, sem que possamos ainda dizer completa, pelas razões ponderadas, a Collecção respectiva a estes annos. Da Legislação de 1750 a 1820 temos a Collecção do Desembargador Delgado da Silva, imcomparavelmente mais abundante, que as referidas, na parte que comprehende, nas muito distante ainda de uma Collecção completa. — De mil e tantos Diplomas não comprehendidos na Collecção do Desembargador Delgado já nós temos obtido conhecimento, em resultado das diligencias até hoje empregadas — e não desesperamos de encontrar ainda outros tantos, antes de dal-as por concluídas.
Da Legislação, finalmente, de 1821 a 1826, temos a Collecção da Imprensa Regia, em que se comprehendem, pouco mais ou menos, metade dos Diplomas relativos áquelle periodo. Comquanto, pois, não tenhamos esperanças de organisar uma Collecção completa da Legislação Patria, podemos, todavia, lisongear-nos de ser esta, cujo primeiro Volume hoje publicamos, a mais copiosa entre as existentes.
As fontes desta Collecção são as seguintes:
Tomámos como baze as Collecções, já referidas, de Jeronimo da Silva, da Universidade, do Desembargador Delgado, e da Imprensa Regia — e os Diplomas que delias compilamos são conhecidos em a nossa Collecção pela falta de indicação do logar donde foram tirados.
Para complemento do muito que falta em qualquer das Collecções ditas, temos recorrido, Militares — Collecção de Assentos da Casa da Supplicação e do Cível — Resumo Chronologico de Leis por Borges Carneiro — Compilação Systematica das Leis Extravagantes por V. J. F. Cardoso — á copiosa Collecção de Legislação (a maior parte manuscripta) organizada pelo Conselheiro F. M. Trigoso de Aragão Morato, e por elle legada á Academia Real das Sciencias, na qual temos encontrado muitos Diplomas ineditos — a outra Collecção, não menos copiosa organizada por Monsenhor Gordo, que igualmente contem muitos Diplomas ineditos — e a diversos outros subsidios que se acham dispersos pelas obras dos differentes Jurisconsultos e Historiadores.
E por quanto, depois de esgotados todos estes recursos, muito faltava ainda para complemento do nosso plano, recorremos finalmente aos Archivos publicos, depois de obtida authorisação competente para alli nos serem franqueados os Livros de Registo, e mais documentos nelles existentes. E é esta a principal fonte da nossa Collecção, como o Leitor facilmente póde averiguar, pelas citações que encontra no fim de cada Diploma, indicando o logar donde foi tirado. Os Livros de Registo do Real Archivo da Torre do Tombo, os dos extinctos Tribunaes do Desembargo do Paço, Casa da Supplicação, Mesa da Consciencia e Ordens, e Conselho da Fazenda, os da Chancelleria-mór do Reino, e de outras Repartições extinctas, são fontes copiosas de Legislação: — e com quanto não appareçam hoje alguns destes Livros, porque foram victimas de incendios, de destruição, ou de rapina, e a alguns mesmo dos existentes faltem diversas folhas, e outras se não possam lêr, por terem sido consumidas pelo tempo, como tudo praticamente temos observado, ainda assim podemos asseverar que nestes Livros existentes, e mais papeis archivados na Torre do Tombo, pertencentes áquella Casa, e ás differentes Repartições extinctas, e ainda nos Cartorios de differentes Camaras do Reino, se encontram milhares de Diplomas ineditos, cujo conhecimento assaz interessa ao Jurisconsulto, pela respeitavel doutrina, e excellentes principios de Direito, que em muitos delles se encontram, embora revogada esteja, ou não seja actualmente applicavel, a sua parte dispositiva, e porque, finalmente, todos elles prestam importante subsidio, não só para a historia do Direito escripto, mas ainda para a geral do Reino.
Auxiliado, pois, com estes elementos, e animado pelo ardente desejo de prestar algum serviço ás Letras Patrias, esperamos apresentar ao Publico, no mais curto espaço de tempo que fôr compativel com as nossas forças, uma Collecção, não completa, mas o mais copiosa que ser possa, da Legislação Portugueza, desde o Codigo Filippino até á Carta Constitucional.
E concluida que seja esta tarefa, projectamos ainda, se nos não faltar tempo ou saude, organizar uma outra Collecção de toda a Legislação que podérmos descobrir, desde a fundação da Monarquia até a compilação do Codigo Filippino.
Lisboa 30 de Novembro de 1854.
Joze Justino de Andrade e Silva