Contos Populares Portuguezes/O Conde de Paris

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XLIII


O CONDE DE PARIS


Havia um rei que tinha uma filha em edade de casar, e tractou-lhe o casamento com o conde de Paris. Convidou o rei o conde um dia para jantar, e quando estavam á mesa, o rei, a princeza, o conde, e a corte toda, começou o jantar que foi muito animado, fallando-se muito do proximo casamento da princeza. Á sobremesa deixou o conde cair um grão de romã na barba, e depois apanhou-o com o garfo e comeu-o.

Então a princeza disse que já não queria ser sua esposa, pois que elle, em vez de deixar cair o grão de romã na toalha, o comia. O conde levantou-se da mesa, e jurou vingar-se, dizendo á princeza que ella o desprezava por tão pouco, mas que ainda havia de comer pão de romeiro, beber agua de um charqueiro, e comer papas em palheiro. Passados dias foi offerecer-se ao rei um preto para jardineiro, e logo foi acceite. Mas o preto tinha umas maneiras tão delicadas, e fazia raminhos tão bonitos, que offerecia á princeza, e taes artes buscou, que ella se enamorou d'elle, e fugiram ambos. Pelo caminho disse a princeza que tinha fome, e como alli não houvesse de comer, disse-lhe o preto, que se ella queria elle iria pedir um bocado de pão áquelle romeiro que viram no caminho; ella então comeu o pão e disse:

Ai, conde de Paris! conde de Paris!

Responde o preto:

«Porque o não quiz?»

Foram mais adeante, e a princeza disse que tinha sêde, e o preto respondeu que ali só havia agua de um lameiro. A princeza bebeu, e tornou a repetir:

«Ai, conde de Paris!»

E o preto respondeu:

«Porque o não quiz?»

Mais adeante disse o preto á princeza, que tencionava ir vêr se o conde de Paris os queria admittir ao seu serviço, quando mais não fosse ao menos na cavalhariça. Chegaram ao palacio do conde, e mandaram-nos recolher em um palheiro, e o preto deixou a princeza só, e voltou muito tarde trazendo uma tassa grossa cheia de papas, e disse á princeza que com muito custo as arranjára. Então a princeza perguntou com que as havia de comer, e elle disse-lhe que com a mão, e como não podia esperar pela tassa, que as deitava na palha, e que as comesse ella de lá. A princeza como tinha muita fome comeu como poude. Ao outro dia, foi o preto dizer-lhe que como era preciso que ella se empregasse em alguma coisa, que fosse ajudar amassar o pão; mas que visse em todo o caso se roubava alguma farinha pois aquella gente não lhe davam comer que lhe apagasse a fome. A princeza, com muito custo, roubou a farinha, mas não tinha remedio senão obedecer ao preto. Depois d'isto appareceu o conde de Paris muito bem vestido, e disse que era preciso revistar as mulheres para que não roubassem ellas alguma farinha. Como encontrasse a farinha á princesa, pozeram-n'a na rua com grande vergonha d'ella e mandaram-n'a outra vez para o palheiro. Foi o preto ao palheiro e ella contou-lhe o succedido, e elle respondeu-lhe que ella não tinha geito para nada. No dia seguinte disse o preto á princeza, que estava para se bordar um vestido para uma princeza que ia ser mulher do conde, e como ella sabia bordar que se podia encarregar d'isso, mas que visse sempre se roubava algum bocadinho de ouro. Succedeu-lhe porém o mesmo, que lhe succedera com a farinha. N'outro dia estando ella toda chorosa appareceu-lhe o preto acompanhado de muitos criados e trazendo ricas toalhas, e bacias de prata e disse-lhe: que era preciso que ella se deixasse preparar, porque a mãe do conde desejava vêr o vestido antes da mulher do conde o vestir, e como ella era da estatura da dona do vestido, que era preciso que o vestisse para se vêr se estava bom. Emquanto a princeza se vestiu desappareceu o preto; e depois, appareceu o conde, e disse á princeza, que o preto era elle, e que tudo quanto tinha feito era pelo grande amor que lhe tinha. Casaram, e viveram sempre muito felizes.

(Coimbra.)