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Contos Populares do Brazil/O homem pequeno

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XI


O homem pequeno


(Sergipe)


Uma vez um principe sahiu a caçar com outros companheiros, e enterraram-se n'uma matta. O principe, que se chamava D. João, adiantou-se muito dos companheiros e se perdeu. Ao depois de muito andar, avistou um muro muito alto, que parecia uma montanha, e para lá se dirigiu. Quando lá chegou conheceu que estava n'uma terra estranha, pertencente a uma familia de gigantes. O dono da casa era um gigante enorme, que quasi dava com a cabeça nas nuvens; tinha mulher tambem gigante, e uma filha gigante de nome Guimara. Quando o dono da casa viu a D. João gritou logo: «Oh! homem pequeno, o que anda fazendo?» O principe contou-lhe a sua historia, e então o gigante disse: «Pois bem; fique aqui como um criado.» O principe lá ficou, e, passados tempos, Guimara se apaixonou por elle. O gigante, que desconfiou da cousa, chamou um dia o principe, e lhe disse : «Oh! homem pequeno, tu disseste que te astrevias a derrubar n'uma só noite o muro das minhas terras e a levantar um palacio?» Não senhor, meu amo; mas, como vossemecê manda, eu obedeço.» O moço sahiu por alli vexado de sua vida, e foi ter occultaraente com Guimara, que lhe disse: «Não é nada; eu vou e faço tudo.» Assim foi: Guimara, que era encantada, deitou abaixo o muro, e alevantou um palacio que dar-se podia. No outro dia o gigante foi vêr bem cedo a obra e ficou admirado. «Oh! homem pequeno?» —«Inhô!» — «Foste tu que fizeste esta obra ou foi Guimara?» — «Senhor, fui eu, não foi Guimara; se meus olhos viram Guimara, e Guimara viu a mim, mau fim tenha eu a Guimara, e Guimara mau fim tenha a mim.» Passou-se. Depois de alguns dias, o gigante que andava com vontade de matar o homem pequeno, lhe alevantou outro aleive: «Oh! homem pequeno, tu disseste que te atrevias a fazer da Ilha dos bichos bravos um jardim cheio de flôres de todas as qualidades, e com um cano a deitar, a despejar agua, tudo n'uma noite?» — «Senhor, eu não disse isto, mas como vossemecê ordena eu irei fazer.» Sahiu d'alli mais morto do que vivo, e foi ter com Guimara, que lhe disse: «Não tem nada; eu hoje hei de fazer tudo de noite.» Assim foi. De noite ella fugiu de seu quarto, e, com o homem pequeno, trabalhou toda a noite, de maneira que no outro dia lá estava o jardim cheio de flôres, e com um cano a jorrar agua; era uma obra que dar-se podia. O gigante, dono da casa, foi vêr a obra e ficou muito espantado, e, então, formou o plano de ir á noite ao quarto de Guimara e ao do homem pequeno para os matar. A moça, que era adivinha, communicou isto a D. João, e convidou-o para fugir, deixando nas camas em seu logar duas bananeiras cobertas com os lençoes para enganar ao pai.

Alta noite fugiram montados no melhor cavallo da estrebaria, o qual caminhava cem leguas de cada passada. O pai quando os foi matar, os não encontrou, e disse o caso á mulher que lhe aconselhou que partisse atraz montado no outro cavallo que caminhava cem leguas de cada passada, e seguisse a toda a brida. O gigante partiu, e, quando ia chegando perto dos fugitivos, Guimara se virou riacho e D. João um negro velho, o cavallo n'um pé de arvore, a sella n'uma leira de cebolas, e a espingarda, que levavam, n'um beija-flôr. O gigante, quando chegou ao riacho, se dirigiu ao negro velho, que estava tomando banho: Oh! meu negro velho, você viu passar aqui um moço com uma moça?» O negro não prestava attenção, mergulhava n'agua, e quando alevantava a cabeça, dizia: — «Plantei estas cebolas, não sei se me darão boas!…» Assim muitas vezes, até que o gigante se massou e se dirigiu ao beija-flôr, que voou-lhe em cima, querendo furar-lhe os olhos. O gigante desesperou e voltou para casa. Chegando lá contou a historia á velha sua mulher, que lhe disse: «Como você é tolo, marido! O riacho é Guimara, o negro velho o homem pequeno, a leira de cebola a sella, o pé de arvore o cavallo, e o beija-flôr a espingarda. Corra para traz e vá pegal-os.»

O gigante tornou a partir como um damnado até chegar perto d'elles, que se haviam desencantado e seguido a toda a pressa. Quando elles avistaram o gigante, a moça se transformou n'uma igreja, D. João n'um padre, a sella n'um altar, a espingarda no missal, e o cavallo n'um sino. O gigante entrou pela igreja a dentro, dizendo: «Oh seu padre, o senhor viu passar por aqui um moço com uma moça?» O padre, que fingia estar dizendo missa, respondeu:


«Sou um padre ermitão,
Devoto da Conceição,
Não ouço o que me diz, não…
Dominus vobiscum


Assim muitas vezes, até que o gigante se aborreceu e volta para traz desesperado. Chegando em casa contou a historia á mulher, que lhe disse: «Oh! marido, você é muito tolo! Corra já, volte, que a igreja é Guimara, o padre é o homem pequeno, o missal a espingarda, o altar a sella, o sino o cavallo.» Elles lá se desencantaram e seguiram a toda a pressa; mas o gigante de cá partiu como um feroz; ia botando serras abaixo, e, quando estava, de novo, quasi a pegal-os, Guimara largou no ar um punhado de cinza e gerou-se no mundo uma neblina tal que o gigante não pôde seguir e voltou. Depois d'isto os fugitivos chegaram ao reino de D. João. Guimara, então, lhe pediu que, quando entrasse em casa, para não se esquecer d'ella por uma vez, não beijasse a mão de sua tia. 0 principe prometteu; mas quando entrou em palacio a primeira pessoa que lhe appareceu foi sua tia, a quem elle beijou a mão, e se esqueceu, por uma vez, de Guimara, que o tinha salvado da morte. A moça lá perdeu na terra estranha o encanto, e ficou pequena como as outras, mas sempre triste.