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Contos Tradicionaes do Povo Portuguez/A casa dos mortos

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182. A CASA DOS MORTOS

Indo o pagem de um fidalgo que tinha fama de rico, comprar uma moeda de rábãos para a cêa de todos, encontrou uma grande procissão de religiosos e clerigos, que levavam a enterrar um defunto, e de traz da tumba se ia carpindo a mulher, e lamentando a sua desgraça; e ouviu que dizia entre lagrimas e suspiros:

— Aonde vos levam, meu mal logrado? Á casa onde se não come, nem bebe; nem tereis cama mais que a terra fria.

Em ouvindo isto o rapaz, voltou para casa como um raio fugindo, trancou as portas e disse espavorido a seu amo:

— Senhor, ponhamo-nos em armas, que nos trazem cá um homem morto.

— Tu deves vir doudo, disse o amo, pois cuidas que a nossa casa é egreja?

— Entrei em suspeitas se viriam cá enterrar aquelle finado; e confirmei-me de todo, porque a gente que o traz vem dizendo que o levam á casa onde se não come, nem bebe, nem ha cama mais que a terra fria; fiz bem em fechar as portas, pois assás bastam os defuntos, que cá jazemos mortos de fome, que he peor que maleitas.

(Idem, ib., p. 328.)