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Contos Tradicionaes do Povo Portuguez/A morte dos Avarentos

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134. A MORTE DOS AVARENTOS

Hum avarento jazia muy mal enfermo pera morte.

Este homem avia muytas riquezas e nunca se aproveitava dellas nem tanto a deus, nem quanto ao mundo, nem pera seu corpo. E jazendo assy chegado aa morte, sua molher entendendo que nom avia em elle vida, chamou huma sua servente e disselhe:

— Vay tostemente e compra tres varas de burel pera envolvermos meu marido em que o soterrem.

E disselhe a servente:

— Senhora, vos avedes huma grande tea de pano de linho, dadelhe quatro ou cinquo varas ou aquello que lhe avondar em que o soterrem.

E a senhora disselhe queyxosamente:

— Vay faze o que te mando, ca bem lhe avondarom tres varas de burel, segundo eu sey a sua condiçom e a sua vontade.

E estando en esto fallando a dona e a servente, ouviu esto aquel homem avarento, e esforçousse quanto pode pera fallar e disse:

— Nom comprade mais que tres varas de burel, e fazedeme o saco curto e grosso que se nom leixe en o lodo.

E depois que elle morreu assi lhe fezerom. E a molher casou com outro e lograram os beens que tesourou o avarento.


Mas per outra guisa fez outro homem que avia muytas riquezas. E quando se vio enfermo de morte, mandou trazer seu aver ante sy. E começoulhe a rrogar que o ajudasse en tal guisa que nom morresse. E quando viu que nom avia dellas ajuda nem conforto disse:

— Oo riquezas enganosas, eu vos amey de todo coraçom e vos prezey e honrrey. E agora que soõ posto en necessidade nom posso aver de vós nenhum conselho nem ajuda, e queredesme desemparar e nom vos queredes hir comigo. Pois assy he, eu vos leixarey de todo. E tanto que esto disse, deu-as todas em esmolas a pobres.

(Ib., Fl. 48.)




Notas

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134. A morte dos avarentos. — Nas facecias populares, o avarento apparece em uma grande variedade de episodios; é natural que os pregadores catholicos se apropriassem de um fundo tradicional conhecido. (Vid. n.º 99.)