Contos Tradicionaes do Povo Portuguez/Os quatro ladrões
Contam as historias antigas que em Roma eram quatro ladrões. E andando huuma nocte a furtar sintirom a Justiça e fugirom e esconderomse em huuma cova. E quando a luz veeo, acharomse em huuma casa de abovada muy fremosa. E acharom em ella huum moymento de marmor muy fremoso. E disserom antre ssy:
— Este moymento foy de algum homem nobre e ryco. Abramollo e vejamos se acharemos hy algum bem. Ca em outros tempos acostumavam soterrar os grandes homens com doas e cousas de grande preço.
Entom abrirom o moymento e acharom o moymento cheo douro e de prata e de pedras preciosas e de vasos e de copas douro muy fremosas. E antre elles era huuma copa muy fremosa e mayor que todallas outras. Quando esto acharom, disserom antre ssy:
— Ora somos nós ricos e de boa ventura, e seremos ricos pera sempre nós e nossos filhos, mas será bem que alguum de nós fosse aa villa per vianda.
E cada huum se escusava, dizendo que era conhecido en a cidade e se temia de o enforcarem. Em cabo disse huum delles:
— Se me vós derdes aquella maior e milhor copa, eu hirey pollo mantimento.
E os outros outorgarom, e elle foy e trouxe de comer. E hindo pello caminho levando a vyanda, cuydou como meteria em ella peçonha em guisa que comendoa seus companheyros morreriam e ficaria delle todo o que acharom en o moymento. E os trez ladrões que ficarom emquanto elle foy fallaromse antre sy e disserom:
— Aquelle era nosso companheiro nom quis hir pollo mantimento senom que lhe dessemos a copa milhor, matemollo e ficará a nós todo o aver.
E disse hum delles:
— Como o mataremos sem perigo, cá elle he mais esforçado ca nós.
Respondeo o outro e disse:
— Quando elle veer digamoslhe que entre dentro e tome a copa e quando se antre dentro tiremos o madeyro que sostem as pedras e cayrom as pedras sobre elle e morrera.
E quando veeo o outro fezeromno assy e ficou logo morto. E elles disseram:
— Comamos e bevamos e depois partiremos o aver antre nós.
E começarom a comer a vyanda que o outro trouxera e morrerom com a peçonha que em ella andava.
(Fl. 105, v.)