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Da França ao Japão/X

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CAPITULO X

 
Partida de S. Francisco Xavier do Japão. — Conversão do joven Rei de Boungo ao ohristianismo. — Uma embaixada Japoneza enviada ao Papa pelos ohristãos do Japão. — Como forão os embaixadores recebidos em Portugal, na Hespanha e em Roma. — Os Hespanhoes malquistão os portuguezes com o Imperador. — Execução dos martyres do Japão.


São Francisco Xavier deixou o Japão em 1551 para voltar á Gòa, onde antigos compromissos o chamavão, fazendo-se acompanhar por dous proselytos ambos Japonezes; um, de nome Bernardo, foi o primeiro neophyto que elle teve ao chegar á Satsouma; o outro, era um fidalgo da côrte do rei de Boungo, por este enviado ao vice-rei das índias como portador de suas credenciaes e de presentes, que consistião em ricos trabalhos de arte japoneza.

Com a partida do padre Xavier, ficava chefe do christianismo no Japão, o padre Cosme; e foi debaixo de sua direcção, que se viu os fruetos produzidos das sementes lançadas no solo Japonez pelo apostolo das Indias.

A catechese das tribus selvagens das Américas, se desenvolve geralmente pelos cuidados paternaes e pelos exemplos de abnegação dos missionários, que tornão-se, muitas vezes, verdadeiros chefes, e dispõem do corpo e da alma dos convertidos. No Japão, porém, a propaganda se fazia pelo proprio merito das doutrinas do Christianismo, muitas vezes assumpto de longas discussões, ás quaes, como vimos, assistia grande numero de pessoas que só depois de julgarem a superioridado do christianismo sobre as outras seitas de seu paiz, fazião-se catechumenos antes de receberem o baptismo. E para mostrar o criterio com que procedião, será interessante narrarmos como e porque o rei de Boungo se fez christão.

Ainda joven, nasceu-lhe o primeiro sentimento de amor pela nossa religião, quando elle viu alguns portuguezes, desembarcados em Funay, e hospedados pelo rei sou pae, fazerem diariamente suas orações de joelhos e os olhos voltados para o céu.

Um dia, o joven príncipe disse á um delles: — «É em honra dos nossos Kamis e dos nossos Fotocas que oraes com tanta devoção?» Ao que o negociante respondeu, animado de sincera piedade. « Senhor, não é aos deuses de madeira, de pedra ou metal que eu dirijo as minhas orações: porém a um Soberano creador do céo e da terra; — vossos douses não tem ouvidos para me ouvir nem mãos para fazer o bem; porém Aquelle que adoro enche este grande universo com a sua presença e seus beneficios. Elle vê todas as nossas acções, ouve todas as nossas palavras; é rico e poderoso, e acolhe a todos que o invocão com confiança.»

Estas palavras ditas com simplicidade e enthusiasmo, incutirão no coração do Principe, grande estima para o Deos dos Christãos; e apenas subio ao throno, pela morte de seu pai, começou a estudar as crenças religiosas de seu paiz, abraçando a vida dos Bonzos da seita jenpou, e mandando construir um grande templo pagão em Ousuqui.

Esta seita, é ainda, seguida no Japão pela mór parte dos nobres, e entre os deveres que ella prescreve aos adeptos, o mais penoso é a obrigação de meditar cada dia sobre uma das mil e setecentas considerações que constituem os seus fastos religiosos.

Entretanto, a philosophia destas doutrinas não satisfizerão ao Rei, que comparando com a do christianismo, resolveo receber o baptismo; exemplo que foi seguido por grando numero do fidalgos da sua corte.

A conversão do Rei de Boungo, parecia firmar o estabelecimento da Egreja do Japão, porém, numerosos inimigos querião a sua ruina, e, sem escrupulo, lançavão mão de todos os meios para indispor os missionários com os Reis de Amangouchi, de Boungo e de Arima; em cujas capitaes, se levantárão em poucos mezes, grandes e ricas Egrejas.

Seria longo acompanharmos todas as phases por que passou o christianismo no Japão, o que não comporta os limites deste livro; apenas diremos, que accusados os missionarios como revolucionarios e incendiarios pelos Bonzos, começãrão a ser mal vistos e desconsiderados pelos principaes japonezes, mesmo porque, alguns destes sacerdotes não sujeitavão-se a vida austera e santa como os primeiros missionários.

A primeira victima dos pagãos, foi uma joven escrava japoneza, a quem seu senhor decepara a cabeça, por tel-a encontrado de joelhos a orar no templo catholico.

Feito o primeiro martyr no Japão, a ordem publica alterou-se com a noticia deste facto, e, como o assassino era nobre, o Governo entendeu dever proscrever a religião catholica, o que era pedido com insistencia pela nobreza; e assim, garantir a paz interior e impedir que taes factos se reproduzissem.

Os missionarios forão expulsos de todos os pontos do Japão, menos de Funay, no reino de Boungo, onde encontrarão apoio e protecção; mais tarde, por um edito do Imperador, foi concedido aos missionários habitarem Miako, e ahi prégarem a sua Lei; porém, depois de muitas alternativas de fortunas e de revezes, que durárão mais de cincoenta annos, seguio-se uma das mais sanguinolentas perseguições que registrão os annaes da Egreja.

Durante este tempo, é digno de menção, o facto da embaixada dos Príncipes christãos japoneses, junto do Papa Gregorio XIII.

Os fidalgos, que forão encarregados desta missão, erão: Mancio, neto do Rei de Fiounga, representando D. Francisco Rei de Boungo; Miguel Cingiva, em nome de Protais, Rei de Arima, e Bartholomeu, Rei d’Omoura.

Estes principes, que no baptismo receberão nomes christãos, flzerão-se acompanhar de dons jovens japonezes do distincção, também chamados Julião de Nacaura e Martin do Faria.

Depois de mil difficuldades e de experimentarem terriveis tempestades nos mares do Japão e da China, os embaixadores o seu sequito chegárão à Gôa, no fim de alguns mezes de viagem, onde o Vice-Rei das Indias, D. Francisco de Mascarenhas, lhes fez magnifica recepção e lhes deu um navio, melhor equipado, para seguirem viagem para á Europa.

Ainda novos perigos e naufragios não desalentarão os japonezes de seu empenho; e tendo elles partido de Nangasaki, em 20 de Fevereiro de 1582, só chegárão á Lisboa em 10 de Agosto de 1584; onde o Cardeal Alberto d'Austria os recebeu com grandes honras.

A duqueza de Bragança, mãi do Rei Philippe II, fez-lhes honrosas demonstrações de apreço, e entre todas a que mais agradecerão os japonezes foi ter ella vestido o seu filho Eduardo, a moda do Japão, por occasião de recebel-os em sua mesa no castello de Villa-Viçosa.

O itinerario que elles devião seguir até Roma, foi combinado pelo Cardeal d’Austria, de modo que visitassem os principaes lugares do Reino que ficavão n’aquella direcção; e na sua passagem, todas as cidades os festejavão fazendo-se-lhes em tudo, as mesmas honras a que tem direito os principes da Europa.

A embaixada embarcou-se em Valença e depois de furiosa tempestade que acommetteu os navios em que ião os seus membros, chegou finalmente á Livourne em 1° de Março de 1585.

Apenas os navios ancorarão n’este porto, as salvas de artilheria saudarão os embaixadores Japonezes, e quando desembarcarão forão recebidos pelos dois irmãos do Duque de Pisa, que, em pessoa, os esperou no primeiro degráo da grande escada de Seu Palacio.

D'ahi partirão para Roma, passando por Sienda e Viterbo; e ao entrar na cidade dos Cesares, o Papa lhes enviou ao encontro duas companhias de cavallaria, que reunidas a numerosa guarda de honra mandada pelo Duque Boncompagno davão caracter triumphal a entrada dos representantes da Christandade do Japão na capital do mundo Catholico.

Entretanto o Papa reunia o consistorio para deliberar sobre o modo por que devia receber os embaixadores Japonezes.

Nada faltava a embaixada para ser qualificada Real, e por consequencia, o Soberano Pontifice de accordo com os seus Cardeaes, resolveu que ella fosse recebida com as pompas e esplendores com que naquella epocha os Papas recebião pessoas Reaes.

Assim, no dia seguinte, forão os Principes Japonezes conduzidos a Vinha de Julio III, situada fóra da Porta do Povo, d’onde sahio o cortejo, e que, depois de percorrer as principaes ruas de Roma, foi recebido pelo chefe da Egreja na Sala Real do Vaticano.

Eis, segundo um chronista da epocha, a ordem do cortejo:

« Rompião a marcha, os guardas do Papa a cavallo, todos vestidos com riqueza. Em seguida, vinhão as companhias dos Suissos, e os officiaes e criados dos Cardeaes, os quaes vistião côr violeta, porque estavão na quaresma. Os embaixadores e os Ministros das Potencias estrangeiras, sustentavão magnificência em seus trens de luxo, que erão precedidos por tambores e trombetas; os Camaristas do Papa, os Escudeiros e outros officiaes de Palacio, todos vestidos de vermelho, rodeavão os embaixadores Japonezes que montavão lindos cavallos, cujo pello de um velludo negro fazião sobresahir os bordados de ouro dos arreios.

«Elles estavão vestidos a moda de seu paiz, com largas vestes do seda, cujas mangas mui largas só descião até o cotovello. Seus sabres, cingidos no lado esquerdo, brilhavão aos raios do sol e offuscavão a vista pelos brilhantes que os ornavão. No lado direito, via-se um rico punhal em cujo cabo também brilhavão pedras finas de muitas cores.»

Na Salla Real, o Papa os recebeu cercado de seus Cardeaes; e quando os Japonezes inclinarão-se por terra para beijarem os joelhos do Soberano Pontifice, este, enternecido, os levantou precipitadamente para os abraçar, e, n’este instante, a alegria d’este grupo foi tão grande que todos derramarão lagrimas; e principalmente Gregorio, que então occupava a cadeira de S. Pedro, não podia deixar de se enternecer vendo que do extremo Oriente, do paiz sem contestação o mais civilisado da Asia, vinhão reconhecer á autoridade da Santa Sé na sua pessoa.

Depois de exporem ao Santo Padre a necessidade de um Bispo para o Japão, os embaixadores Japonezes, contentes com a promessa que obtiverão, cuidarão nos preparativos para voltarem á seus lares.

Com effeito, em 8 de Agosto de 1585, elles embarcarão em Gênova, e depois de visitarem de novo o Rei de Hespanha, nos seus Estados, seguirão viagem, acompanhados de desasete missionarios; tocando o navio em que ião, nos principaes portos da Asia, onde também forão festejados, chegando ao Japão cinco annos depois; em 1590.

Convencidos os principaes homens do Japão e principalmente o Imperador Taiko Fideyosi que o christianismo era um meio para os portuguezes adquerirem secretamente uma influencia politica, e suspeitando mesmo, o designio de quererem estes, o dominio de sua Nação, intimarão aos missionarios a ordem de sahir do Japão sob pena de morte, dentro de um certo praso; e começando pela sua còrte, o Imperador exilou alguns nobres quo tinhão abraçado o christianismo, e entre outros a Oucondono, que fiel As suas crenças, rejeitou todo e qualquer auxilio dos seus amigos, com receio de enfraquecer o brilho da fé que nutria em seu coração.

Oucondono reuniu os officiaes do exercito de que elle era chefe, e declarou que banido das honras que lhe competião, obedecia humildemente as ordens do seu Imperador, porém, esperava que seus companheiros, christãos como elle, persistissem em suas crenças para não manchar a honra do exercito nem perjurar ás santas verdades do christianismo.

O Imperador, irritado pela dedicação de grande numero de militares pela nova religião, mandou de novo publicar um edito, assim concebido, e ordenava ás autoridades do Japão que dessem-lhe completa execução.

«Sendo-nos presente por fieis servidores, membros do nosso conselho, que os religiosos estrangeiros, vierão aos nossos Estados, pregar uma religião contraria as leis do Japão, se atrevendo mesmo a arruinar os templos dedicados aos nossos Kamis e aos nossos Fotocas, ordenamos-lhes que, dentro de 20 dias, deixem o Japão, e se findo este praso, se os encontrar nos nossos Estados, sejão elles punidos como criminosos. Quanto aos negociantes portuguezes, lhes permittimos de aportar aos nossos Estados e ahi permanecerem todo o tempo que os negocios assim exigirem; porém lhes é vedado conduzir qualquer religioso, sob pena de confiscação de seus navios e mercadorias.»

A execução deste edito era impossivel, visto não haver nos portos do Japão nenhum navio com destino ás Indias, o que sendo reclamado pelo padre provincial ao Imperador, foi ordenado por este, que os cento e vinte missionarios, que então existião no Japão, esperarião em Firato, a partida de um navio que devia deixar esse paiz com destino ás índias no fim de seis mezes.

Um outro decreto, que foi publicado em editaes nas ruas e praças do Imperio, prohibia a todos os subditos trazerem cruzes, rosarios ou outros quaesquer signaes do culto christão, e concluia dizendo, que todos perecerião ou mudarião de religião.

Comtudo, apenas chegados os membros da embaixada japoneza , carregados de presentes para o Imperador, este mandou suspender a execução de seus decretos, e então, por algum tempo, poderão os missionarios continuar em sua santa empreza.

Justo Oucondono, que fôra chamado de novo ao serviço militar, acabava de fazer prodigios de coragem na guerra da Coréa, e os feitos de seus soldados desarmarão a cólera do Imperador, que deixou por algum tempo em paz os adeptos do christianismo.

Uma embaixada hespanhola chegou, entretanto, alguns annos depois ao Japão, e, emquanto o Imperador distinguia o Castelhano, que lhe trazia presentes da parte do Governador das Philippinas, este aproveitou a occasião para intrigar os Portuguezes, dizendo que, senhores de Nangasaki, elles commettião grandes violências e só protegião os Padres, instrumentos de suas ambições e projectos de conquistas.

O Imperador encolerisado, substituio o Governador de Nangasaki, e receiando que os Christãos se revoltassem contra o seu poder, ordenou que elles não podessem usar da espada e punhal a que tinha direito todo japonez maior de doze annos de idade.

Despojados do direito, que mais encareciam, não tiverão os Christãos do Nangasaki outro recurso, para não chamar contra si males maiores, senão resignarem-se á sorte que se lhes mostrava adversa, esperando que em pouco tempo seria a sua religião, a da maior parte dos seus compatriotas.

Em 1596, entrou arribado ao porto de Ourando um navio hespanhol «El San Felipo» que ia das Philipinas para nova Hespanha, carregado de grandes riquezas; e este simples facto muito influio para a expulsão e perseguição dos Christãos.

Tendo o Imperador noticia de que este navio conduzia verdadeiros thesouros, concebeo logo o projecto de apoderar-se delle, e para este fim, mandou Maxito Yémondono, um dos seus servidores, ao porto de Ourando proceder a um inquerito sobre a nacionalidade, e com que fim aportava, sem sua permissão, um navio nos seus Estados.

Maxito, chegando a Ourando, convidou o commandante hespanhol a vir á sua presença, o qual lho mostrou cartas-patentes, assignadas pelo ultimo Imperador, pelas quaes era permittido aos hespanhóes negociarem no Japão.

O funccionario Japonez quando certificou-se do que o com- mandante lhe dizia, perguntou: «Os Hespanhóes e os Portuguezes constituem a mesma Nação? É o mesmo Rei que possue o Perú, as Philippinas, a Nova Hespanha e a India Oriental?»

D. Mathias, como assim chamava-se o commandante hespanhol, respondeo que quanto a primeira questão; os Hespanhóes e os Portuguezes erão Nações bem differentes, quanto a segunda que um só Rei dominava as Indias-Orientaes e Occidentaes.

E assim fallando, desenrolou um immenso mappa geographico, no qual indicava, ao Japonez admirado, a vasta extensão de terras que então pertencião a corôa de Hespanha. Este perguntou-lhe como foi possível aos Hespanhóes conquistarem tantos paizes; ao que D. Mathias ou por maldade para aflligir aos Portuguezes, ou sem reflêctir, respondeo que o Rei seo senhor, enviava a todos os paizes um grande numero de religiosos para pregar o Evangelho; e que depois de converterem seus habitantes expedia forças, que auxiliadas pelos christãos, subjugavão os reis e se assenhoreavão do paiz.

Apenas Maxito ouvio estas palavras foi ter com o Imperador e relatou o que se passara com D. Mathias; e no mesmo dia, em 9 de Dezembro de 1596, forão presos os missionarios que se achavão nos conventos de Oosaka, e dois dias depois o Imperador ordenou ao Governador Gibonoscio de mandar executar os missionarios ultimamente chegados ao Japão como culpados de alta traição.

Seis religiosos Franciscanos, tres Jesuitas e desesete christãos, que habitavão com os padres de S. Francisco forão condemnados a morte. Cortarão-lhes o nariz, as orelhas, e em seguida, depois de amarrados em grupos do tres, forão conduzidos polas principaes ruas do Miako. Na frente, vinha um official que levava uma grande bandeira na qual so achava escripto em grossos caracteres o seguinte:

«TAIKO SAMA.

«Condemnei estes homens a morte, porque elles vierão das Philippinas ao Japão, se annunciarão Embaixadores sem o serem, porque permanecerão sobre minhas terras sem meo consentimento, o pregarão a lei dos christãos contraria a minha prohibição. Eu quero que sejão todos crucificados em Nangasaki».

Chegados a Nangasaki, levantarão-se as cruzes na praça das execuções, porém, por pedido dos negociantes Portuguezes, transferio-se este instrumento do supplicio, santificado, depois que Christo nello morreo pelos homens, para uma collina que domina Nangasaki, e onde, ainda vimos os marcos de pedra que substituirão as cruzes em que morrerão estes primeiros martyres.

Exceptuados os tres Franciscanos, os demais erão indigenas, mesmo os tres padres Jesuitas, o que elevava a vinte, o numero dos martyres Japonezes.

Os Franciscanos, occupavão o centro da longa fila de cruzes, e segundo os usos n’este genero de execuções, os carrascos ferirão a todos com suas lanças.

Ao longe, numerosos christãos de Nangasaki assistirão ao martyrio do seus irmãos, e apenas elles expirárão, apressãrão-se em molhar suas vestes no sangue quo corria das feridas feitas pelas lanças dos carrascos.

Os martyres expiravão cantando louvores ao Altissimo, entrecortando seus canticos com profundos gemidos causados pelas dores que soffrião. Os Padres reunião todas as forças que lhes restavão e repetiam em côro: «In manus tuas. Domine, commendo spiritum metim. »

Estes acontecimentos dolorosos, que tiverão lugar em 5 de Fevereiro do 1597, longe de enfraquecer a fé dos christãos, os prepararão para novas perseguições; e fanatisados, ostentavão publicamente suas crenças para obterem a palma do martyrio.

A crença da immortalidade era a que mais enthusiasmava o christão japonez, e este povo já bravo, e pouco apreço dando á vida, pela sua educação, considerava como infamia occultarem as opiniões que nutrião sobre qualquer assumpto com receio da força.

Vendo que os christãos persistião, e que indignados protestavão contra esses actos violentos, o Imperador receiou a guerra civil e entendeu que devia empregar todos os meios para combater o christianismo. Assim é que dous fidalgos japonezes, suas mulheres, a mãi de um d'elles, e seus filhos forão executados. Os homens perderão a cabeça e as mulheres e crianças morrerão na cruz.

Uma d'estas heroinas, momentos antes de expirar, animava um seu filho ainda menino que, crucificado em um pequeno madeiro, não desviava os olhos d'aquella que lhe dera á luz e respondia: « Nada receieis, minha boa mãi; eu quero morrer comvosco,» ao que esta banhada em lagrimas exclamava. « Nós vamos para o Céo, lende coragem! Invocaio nome de Jesus e Maria» — e ambos de concerto repetião — «Jesus, Maria!»

Os fastos do Christianismo não apresentão martyres de maior coragem; e hoje, neste tempo em que a descrença corroe muitos corações fracos e pouco preparados, que ostentão principios philosophicos que não comprehendem e exagerão, e que os lanção mesmo, no verdadeiro atheismo; é para admirar que apenas ha tres seculos, o fanatismo desse coragem e firmeza de convicções aquelles que preferião morrer no meio de torturas, do que serem considerados renegados de uma religião que apenas se impunha pela simplicidade de suas verdades, pelos principios liberaes e pela igualdade que estabelecia entre os homens.

É, cheios de consternação, que hoje observamos a corrupção dos costumes, crenças e opiniões; sentimentos que vemos sacrificados sem difficuldade á interesses puramente materiaes e transitorios, porém, que não são a consequencia do progresso realisado nos ultimos seculos, mas o resultado da perigosa propaganda do materialismo, feita sem a necessaria precaução, nas sociedades pouco illustradas e que digerem mal os principios de uma phylosophia, cuja importancia é puramente scientifica e excede aos limites da intelligencia humana.

Não combatemos os principios e os factos isolados, que são confirmados pela observação, porém, por sua natureza, toda moral, todo o homem deve reconhecer a existencia de um Principio creador, diante do qual elle deve parar em sua analyse, e possuido de respeito e gratidão se aproximar pelas suas virtudes, correspondendo assim à excellencia da origem donde elle deriva.

Em 1614, um novo edito Imperial bania todos os christãos japonezes, que não quizessem apostatar, para Tsougará, provincia situada no Norte do Japão.

Inaugurava assim o Imperador, um novo systema de perseguição cansado de derramar o sangue de seus subditos.

Publicado o edito nas ruas e praças de Miako, os christãos em numero de dez mil, todos com suas vestes de gala, se reunirão diante do palacio do Governador da cidade: — vinhão expontaneamente se apresentarem para ser conduzidos ao exilio.

Ainda assim condemnárão á morte os mais influentes e tanto a Egreja de Miako como as de Boungo, Tocate, Fingo e de Arima encherão o seu martyrologio com os nomes de milhares de vidas sacrificadas pela Fé.

Em 18 de Julho de 1625, sob o reinado do cruel Imperador Iyémito, trinta pessoas das mais altas posições, forão por sua ordem, tanto os homens, como mulheres e crianças, queimadas por fogo lento, e em seguida, quando inanimados não poderão mais evocar a piedade do Altissimo deceparão-lhes as cabeças.

Foi então que a perseguição chegou ao seo auge; os religiosos forão tambem executados, escapando apenas alguns que se esconderão, não com receio da morte, mas para animarem os fieis a permanecer na Fé.

Ainda assim alguns outros missionários desembarcarão no Japão favorecidos pelos disfarces que empregarão, para illudir a vigilancia dos agentes do novo Nero, e entre outros aportou em 1632, o provincial Sebastião Vieira que fôra banido e embarcado por ordem do fallecido Imperador para as Indias em 1614.

Vieira, vestido como marinheiro chim desceo do navio e pisando o solo de Nangasaki beijou a terra e exclamou: — «Hæc requies mea in sæculum sæculi; hic habitabo, quonian elegi eam. Hæc est domus Dei et porta Cœli.» Aqui é o lugar de meo descanso no seculo dos seculos. Eis a minha habitação; por que eu a escolhi: a casa de Deus e a porta do Céo.

Espalhou-se logo em Nangasaki a noticia da chegada de um padre romano, e Unemondo, Governador da cidade, receiando ser accusado de connivencia, mandou pintar sobre telas o retrato do missionario e declarou que receberia quinhentos escudos quem o descobrisse ou conduzisse á sua presença prisioneiro.

O padre Vieira viajava incognito, a pé, e atravez de mil perigos para levar consolação ás pobres cabanas dos christãos japonezes, porém, foi preso em Oosaka o levado por ordem do Imperador Iyémito á sua presença. Ora, segundo uso no Japão, todo culpado que fosse chamado a presença do Imperador era posto immediatamente em liberdade, e como um dos seos ministros lhe lembrasse esta autiga usança, Iyémito ordenou que conduzissem o padre Vieira a prisão, quando este já se achava em uma das salas do Palacio. Dias depois Vieira e mais cinco religiosos forão condemnados a morrer no supplicio do fosso, o que consistia em ligar o condemnado a uma cruz com a cabeça para baixo, plantal-a no centro de um fosso e em seguida cobrir a abertura de modo a impedir que a luz ahi penotrasso. Durante quatro dias, os santos missionarios soffrerão torturas dolorosas; seu sangue se lhes escapava pelos olhos, boca, nariz e ouvidos. Vieira foi no fim deste praso encontrado pelos guardas ainda vivo e balbuciando as palavras de Deus; então, elles encherão o vasio de palha, e atearão o fogo, e este santo varão morreo como tinha predito, em 6 de Junho de 1634.

Em 1638, um facto deploravel veio dar o ultimo golpe no christianismo do Japão, e levar ao supplicio os ultimos missionarios. Ottona d'Armina, um dos perseguidores dos christãos, acabava de crear impostos vexatorios que devião ser satisfeitos somente pelos christãos, e estes, indignados se revoltarão, contra esta tyrannia, apoderarão-se de Simabarra, a fortificarão e esperarão o assalto do exercito do Imperador. Porem, faltos de munições e alimentos, completamente sitiados, elles succumbirão; uns pela fome outros com as armas nas mãos.

Este facto, exasperou o Imperador que convencido do que os portuguezes tentavão apoderar-so do imperio, mandou prender a Embaixada portugueza que acabava de chegar a Nangasaki, e reunindo o seo conselho propoz que fossem os embaixadores e todas as pessoas de sua comitiva decapitadas, com excepção de alguns que voltarião á Macáo com esta noticia, bem como de que se trataria do mesmo modo todo o estrangeiro que pisasse o solo japonez.

Esta embaixada compunha-se de quatro pessoas de distincção e de setenta servidores.

A execução teve lugar em Nangasaki; o depois de deliberarem reservar trese pessoas para voltarem com a noticia a Macáo, dividirão os portuguezes em tres grupos assim dispostos:

O primeiro compunha-se dos quatros Embaixadores e seos servidores, o segundo, dos marinheiros chins e domesticos do navio, o terceiro, deveria unicamente assistir a execução dos seos companheiros afim de poderem relatar de volta a seo paiz esta triste scena de verdadeira barbaridade.

Os bravos portuguezes morrerão valorosamente, e todos estes desgraçados repetião cada vez que a cabeça de um dos seus companheiros cahia sob o golpe da espada, os nomes de Jesus e Maria.

Os treze espectadores, aterrorisados, assistirão a morrer com coragem os seus infelizes amigos e compatriotas; e no dia seguinte, depois de verem queimar o navio portuguez, fôrão embarcados em um navio indigena, com destino a Macáo, onde a noticia desta cruel execução consternou toda a cidade.

Os corpos dos portuguezes fôrão enterrados proximo a uma pequena casa que existia no lugar da execução, e em um poste de madeira ahi levantado, lia-se a seguinte declaração do Imperador:

«Que no futuro ninguém, emquanto o sol llluminar o globo, tento penetrar no Japão, nem mesmo sob o titulo de Embaixador. E esta declaração não poderá ser revogada em tempo algum, sob pena de morte.»

Assim, no fim de um seculo de contacto com os estrangeiros, que, para fallarmos a verdade, abusarão da hospitalidade deste povo; os portos do Japão fôrão fechados aos navios de todas as Nações, exceptuados os hollandezes, aos quaes foi permittido estabelecer uma feitoria em Nangasaki, onde seus navios poderião aportar todos os quatro annos, não lhes sendo, porém, permittido, communicarem durante a noite com os indigenas.

Accusa-se aos hollandezes de terem auxiliado aos governadores de Nangasaki, nas perseguições contra os christãos, e que assim fazião para se insinuarem nas boas graças do Imperador.

O viajante Kæmpfer, que escreveu um interessante livro sobre o Japão, conta que os hollandezes interceptarão uma correspondência entre os portuguezes e os christãos japonezes, que revelava uma conspiração tramada contra a vida e o throno do Imperador, o segundo o padre Charlevoix, os hollandezes tinhão fabricado cartas com o fim de causar a perda dos seus rivaes.

O que não apresenta duvida alguma, é que estes interesseiros mercadores, soffrendo pela concurrencia dos portuguezes em seus negocios, lançarão mão de meios ignobeis e pouco dignos, o que deu em resultado a perda de milhares de vidas, e de ser ainda hoje odiado pela classe nobro do Japão, o nome de Christo.

Os hollandezes corresponderão a confiança dos Imperadores japonezes, e durante dois seculos prestavão-se ás maiores humilhações.

Nada de mais servil do que as ceremonias das audiencias, que o Imperador concedia em Yedo ao residente hollandez que dirigia o commercio da companhia das Indias.

Kæmpfer, que não póde ser suspeito, conta assim o que se passava nestas audiencias : — Desde que o residente entrava na sala da audiência, gritava-se Hollanda Capitan, o que significava ordem para elle approximar-se e apresentar seus respeitos. Entretanto o residente arrastava-se sobre os joelhos, até um lugar que lhe era indicado que ficava entre a fila de assistentes e o Imperador; então, sempre de joelhos curvava-se até tocar com a fronte ao chão, e depois retirava-se sempre recuando ou antes difficilmente arrastando-se como uma lagarta, sem dizer uma só palavra. Nisto consistia a audiência que nos concede este poderoso monarcha.»

«Quando o Imperador consentia em receber os hollandezes em particular, diz Kæmpfer, os membros da missão entravão arrastando-se na salla da audiência, em seguida o Imperador assentava-se a nossa direita, e nos ordenava de tirar o nosso manto de cerimonia, dizendo que era para nos vêr mais a vontade, ora ordenava-nos de andar, de parar ou de fazer cumprimentos a nossa moda, ora obrigava-nos a dansar, pular, imitar os embriagados, fallar o japonez que sabiamos, lêr o hollandez, e sobretudo de cantar. Faziamos o que estava no nosso alcance para agradal-o, e eu me lembro, accrescenta Kæmpfer, que uma vez dansando em sua presença acompanhei os pulos que dava com uma canção de amor allemã, o que divertio muito o Imperador e sua Côrte.»

Deste servilismo resultou que, ainda hoje, os japonezes que nunca sahirão de seu paiz, tratão com o maior desprezo os estrangeiros, e só pelos esforços dos diplomatas que nestes ultimos dez annos tem representado os seus paizes no Japão, é que se tem obtido fazer desapparecer esta má impressão, e manter sobre o mesmo pé de igualdade as relações com este paiz, de modo a evitar-se os inconvenientes de uma falsa situação.

 
JAPÃO
 

Lith, Imperial A. Speltz

PRINCIPE JAPONEZ

As primeiras expedições que no nosso século aportarão ao Japão forão consideradas pelos naturaes, mais como uma demonstração hostil de que como alliadas que vinhão tratar de interesses reciprocos. E quando em 1342 os japonezes conhecerão os motivos da guerra feita aos chins pelos inglezes, o que deo em resultado o tratado de Nankin, elles dispozerão-se a impedir com as armas nas mãos que o seo solo fosse pisado pelo estrangeiro.

A noticia da humilhação da China chegou depois de muito commentada e adulterada aos mais afastados logares do Japão; o terror se apoderou da maior parte dos membros que compunhão o conselho do Taikúno, emquanto que este e alguns japonezes illustrados comprehenderão a impossibilidade do Japão viver isolado, com os seos portos fechados e sem nenhuma relação com os estrangeiros.

D'esta divergência originou-se dois partidos: um chamado dos estrangeiros e o outro nacional.

O primeiro tinha á sua frente o Taikúno e o outro o Mikado e a maior parte dos Daimios.

Para comprehendermos os resultados d'esta guerra civil que durou longos annos e consumio parte da seiva de que este povo dispunha, quando isolado, vivia feliz e prospero, é necessario narrarmos quaes os acontecimentos que empossarão uma familia japoneza, de uma especie de poder regio na pessoa do Taikúno.

Nos antigos tempos, o Mikado reinava com omnipotencia sobre o Japão; apenas havião dezoito daimios aos quaes muitos historiadores dão o titulo de reis, que dirigião as diversas provincias, porúm prestavão todos os annos em Yedo hommenagem ao suzerano e lhe pagavão tributo.

No século XVI porem, o Mikado que então reinara tendo encarregado a um dos seos generaes de nome Faxiba de submetter metter alguns daimios rebeldes, este, longe de cumprir o seu dever, aproveitou-se do poder para se collocar a frente do governo. Tal é a origem dos Taikúnos.

Faxiba depois de assim, usurpar o throno julgou necessario aos seos projectos conservar o Mikado com uma potencia espiritual fazendo-o passar como Deos e rodeando-o do maior esplendor e magnificencia; ao mesmo tempo elle instituia o feudalismo que satisfazendo as ambições dos nobres japonezes consolidava o poder do Taikúno, que não perdeu occasião para mostrar publicamente seo respeito e veneração para o Mikado tambem chamado o Imperador Espiritual.

Erão estas as principaes instituições politicas do Japão, quando em 1853 o commodore Perry apresentou-se em Yedo com numerosa esquadra e com instrucções do presidente dos Estados Unidos não só para reclamar a equipagem de um navio mercante que mezes antes tinha naufragado nas costas do Japão, como para fazer sentir ao Governo Japonez a necessidade de uma alliança que impedisse alguma tentativa da parte da Inglaterra sobre o Japão.

O Taikúno Mina-Moto-Yeoski, que recebeu com toda attenção o commodore americano, falleceu repentinamente alguns dias depois de ter assentado as bases de um tratado de commercio, e este facto deu lugar a recriminações dos partidarios do Taikúno, que accusarão ao principe Mito, chefe dos patriotas, de ser causador desta morte.

O commodore Perry esperou, durante um anno, resposta do novo Taikúno, e vendo que nada obteria por meios suasorios, elle declarou que os Estados-Unidos não consentião que no seculo XIX um paiz viva isolado, sem mesmo poder garantir a vida e a propriedade dos estrangeiros que navegão por perto de suas costas. Finalmente chegarão a um accordo, sendo então nomeado consul americano o Sr. Harris, que durante os annos de 1854 a 1858, viveu na pequena ilha de Simoda, sempre animando o partido Taikúnal, para contrahir alliança com o governo de seu paiz com o fim de assignar-se um tratado mais ampliado, que melhor garantisse o Japão dos projectos ambiciosos da Inglaterra.

De feito, o Taikúno assignou um segundo tratado, porém, um mez depois, foi assassinado. Começarão então os assassinatos dos europeus por alguns nobres fanaticos. Em menos de seis mezes, contou-se seis victimas destes samurahis que percorrião provincias inteiras para vingar, dizião elles, as leis sagradas, que prohibião a entrada dos barbaros no Imperio.

Em 1858, dado o exemplo pelos Estados Unidos; a França, a Inglaterra, a Russia e algumas outras nações enviarão á corte de Yedo os seus plenipotenciarios encarregados de assignarem tratados de commercio.

Entre outros attentados contra os europeus, praticados pelo partido nacional ou dos patriotas, conta-se o que teve lugar em 1862, nos arrebaldes de Yokohama, e de que forão victimas dous officiaes inglezes, os majores Boldwin e Berd; posteriormente, em 1865, deu-se um outro facto deste genero, porém, acompanhado por circumstancias agravantes.

O principe de Satzouma, um dos mais ferozes daïmios do partido nacional, veio á Yedo prestar homenagem ao seu suzerano. De volta as suas terras, o principe fez-se acompanhar pelos seus soldados em numero superior a setecentos. Reprehendido em Yedo pelo Taikúno, elle não poude conter sua colera e communicou aos officiaes, as severas ordens que lhe forão dadas em nome do Imperador, afim de que se não molestasse os estrangeiros, que por qualquer eventualidade se achassem na sua provincia. Apenas o cortejo sahio da capital, encontrou sobre a estrada o infeliz Lennax Richardson e um de seus amigos tambem subdito inglez e duas damas europeas que andavão a passeio. Possuidos pela colera alguns officiaes atacarão os europeus, ferirão mortalmente á Richardson, e deixarão feridas gravemente sobre a estrada as duas senhoras e o outro cavalleiro.

Este lamentavel acontecimento deu lugar a explicações pouco amistosas entre o ministro inglez e o governo do Taikúno , que, afinal, mandou julgar e executar os principaes culpados deste crime.

Transcrevemos em seguida a traducção, de um manifesto publicado e mandado espalhar em quasi todas as cidades do Japão, pelos chefes do partido nacional, algum tempo antes da revolução de 1868.

«Tenta o Governo do Taikúno por todos os meios anniquillar o partido dos patriotas, que vêm sua patria invadida pelos barbaros, e secundar nos seus traiçoeiros projectos a funccionarios orgulhosos, á mercadores interessados e rapaces, á marinheiros grosseiros, estupidos e devassos.

«As sabias leis que recebemos de To-chio-gou deixárão de ser executadas; nossos portos são constantemente invadidos por uma multidão de inimigos, que corromperão o Governo do principe chefe, e empenhárão o Imperio na via ruinosa em que marcha a largos passos; assignando miseraveis tratados que lesão nossos interesses, e pelos quaes se autorisou a exportação das producções raras, unica riqueza do nosso paiz.

«Se o Governo é impotente, não sabe empregar a força para banir das nossas plagas os barbaros estrangeiros, cumpre a nós, que não dispomos da decima millesima parte destes meios de defeza, o encargo de exterminal-os.

«Ha apenas um anno que mandamos matar Ykam-Mono-kami, porque elle se fez tributario das potencias estrangeiras, porque se conduzio como inimigo audacioso de nossa patria e tinha jurado a sua ruina.

«Apezar deste energico protesto dos patriotas, apezar da revolução que elles sustentão, vimos sem podermos impedir os desenvolvimentos de uma emigração espantosa, e nenhum daïmio da sua côrte protestou contra este facto. Todos estes degenerados japonezes tomárão sobre seus hombros grande responsabilidade, derrubando as sabias leis de To-chio-gou; e, esta temeridade, elles pagárão com o seu sangue.

«Accusa-se-nos de estupidez, porém a custo de nossas vidas e da nossa liberdade, resolvemos manter as instituições de To-chio-gou.

«Ao principio, dizião-nos que os tratados de commercio serião apenas um grande favor, concedido depois de pedidos reiterados, e feitos com a devida humildade pelos estrangeiros; entretanto, tolera-se em Yokohama estes Yakoninos insolentes, que ousão dizer que estes tratados constituem para elles um direito legal, e annuncião-se representantes das potencias estrangeiras, como se para os barbaros poderem traficar não fosse bastante suas lojas e balcões.

«É, mergulhados em profunda tristeza, que os patriotas ouvem fallar nos systemas de governo das nações estrangeiras, e na concentração do poder na administração do governo.

«Vós, os amigos dos barbaros, vos espuzestes á amargas recriminações; excitastes as desconfianças dos vossos compatriotas.

«As nações estrangeiras terão um Mikado como o nosso e que descende directamente dos deoses?

«Decidistes, dos destinos da patria sem ouvir ao nosso soberano, o Mikado, unico chefe supremo que reconhecemos.

«Não queremos relações com os estrangeiros, a sua presença no Japão não tem razão de ser, e se hoje elles possuem navios movidos pelo vapor em lugar dos morosos barcos de vela, tanto melhor, partirão mais depressa.»

Estes e outros manifestos de linguagem vehemente e resoluta forão o preludio da revolução de 1868, que depois de muitas alternativas, deu ganho de causa ao Mikado apesar do auxilio que os estrangeiros derão ao Taikúno.

Derrubado do governo, os successores de usurpadores que mais de uma vez mancharão-se no sangue para galgarem o poder; as relações estrangeiras se restabelecerão em condições mais cordatas com o direito das gentes; e hoje, o Japão possue estradas de ferro, um extraordinario numero de escolas publicas, academias e escolas especiaes; e o Mikado reina como Imperador, a sua autoridade é moderada pelos differentes poderes publicos a semelhança do que existe nas monarchias constitucionaes.

Assim, este mesmo partido que autorisava o assassinato, apenas galgou ao poder, rasgou seu programma e aceitou, de boa vontade, as imposições da civilisação do seculo desanove.

Um grande numero de portos forão abertos aos estrangeiros, e entre outros citaremos: Yokohama, Yedo, Hiogo ou Kobé, Oosaka, Negata, Hakodadé e Nangasaki.