De Magistro/Capítulo 3
III 1.Adeodatus - Miror te nescire vel potius simulare nescientem responsione mea fieri, quod vis omnino non posse, siquidem sermocinamur, ubi non possumus respondere nisi
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1.Adeodato - Espanta-me ignorares, ou que possas simular desconhecer que de mim respostas não obterás, já que estamos a discorrer, do que resulta senão por palavras responder. Tu, por
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verbis. Tu autem res quaeris eas, quae, quodlibet sint, verba certe non sunt, quas tamen ex me tu quoque verbis quaeris. Prior itaque tu sine verbis quaere, ut ego deinde ista condicione respondeam! 2.Augustini - Ture agis fateor, sed si quaererem, tres istae syllabae quid significent, cum dicitur «paries», nonne posses digito ostendere, ut ego prorsus rem ipsam viderem, cuius signum est hoc trisyllabum verbum demonstrante te nulla tamen verba referente? 3.Adeodatus - Hoc in solis nominibus, quibus corpora significantur, si eadem corpora praesentia sint, fieri posse concedo.
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outro lado, desejas seja o que for e não seriam palavras certamente, todavia com estas solicitas. Primeiro sem palavras interpeles, e ante esta condição responderei. 2.Agostinho - Confesso teres razão, mas se sobre o que constituímos interpelasse sobre uma pa-re-de[2], não poderias com o dedo mostrar-me, indigitando-a tal que eu a visse pela coisa mesma, cujos signos são estas três sílabas, sem que nenhuma palavra pronunciasses? 3.Adeodato - Admito que fazê-lo possa, mas apenas no caso de palavras que signifiquem materiais e, quando estes estiverem presentes.
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4.Augustini - Num colorem corpus dicimus an non potius quandam corporis qualitatem?
6.Augustini - Cur ergo et hic digito demonstrari potest? An addis corporibus etiam corporum qualitates, ut nihilo minus etiam istae, cum praesentes sunt, doceri sine verbis possint? 7.Adeodatus - Ego cum corpora dicerem, omnia corporalia intellegi volebam, id est omnia, quae in corporibus sentiuntur 8.Augustini - Considera tamen, utrum etiam hinc aliqua tibi excipienda sint!
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4.Agostinho — Acaso dizemos que a cor seria algum material[3], ou que poderia ser certa qualidade deste? 5.Adeodato — Sim, poderia. 6.Agostinho - Por quais razões a cor com o dedo poder-se-ia mostrar? Ao adicionar os predicados aos materiais e, estando eles presentes sem alterar suas características, sem palavras ainda poder-se-ia ensinar? 7.Adeodato — A mim, ao ouvir materiais, entendo tudo o que seria consentido materialmente, ou seja tudo aquilo pelo corpo sensoriado. 8.Agostinho - Todavia, consideres se aqui não existe alguma exceção[4]!
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9.Adeodatus - Bene admones; non enim omnia corporalia, sed omnia visibilia dicere debui. Fateor enim sonum, odorem, saporem, gravitatem, calorem et alia, quae ad ceteros sensus pertinent, quamquam sentiri sine corporibus nequeant et propterea sint corporalia, non tamen digito posse monstrari. 10.Augustini - Numquamne vidisti, ut homines cum surdis gestu quasi sermocinentur ipsique surdi non minus gestu vel quaerant vel respondeant vel doceant vel indicent aut omnia, quae volunt, aut certe plurima? Quod cum fit, non utique sola visibilia sine verbis ostenduntur, sed et soni et sapores et cetera huiusmodi; nam et histriones totas in theatris fabulas sine verbis saltando plerumque aperiunt et exponunt.
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9.Adeodato - Bem notado! Não deveria dizer tudo que seria material, mas aquilo que seria visível. Efeitos como som, odor, sabor, peso, calor e outros predicados conexos a outros sentidos, mesmo que matéria não constitua, absolutamente poderiamos sensoriar, tanto quanto com o dedo mostrar não fosse possível. 10.Agostinho - Nunca observastes como os homens se comunicam com os surdos? Do mesmo modo que os próprios surdos, também respondem, ensinam ou indicam muito do que desejam por meio de gestos. Assim, não se mostram sem palavras só as coisas visíveis, mas também sons, sabores, e outros análogos. De fato, todos os histriões nos teatros contam histórias geralmente dançando sem palavras[5].
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11.Adeodatus - Nihil habeo, quod contradicam, nisi quod illud «ex» non modo ego, sed ne ipse quidem saltator histrio tibi sine verbis, quid significet, posset ostendere. 12.Augustini - Verum fortasse dicis; sed fingamus eum posse, non ut arbitror dubitas, quisquis ille motus corporis fuerit, quo mihi rem, quae hoc verbo significatur, demonstrare conabitur, non ipsam rem futuram esse, sed signum. Quare hic quoque non quidem verbo verbum, sed tamen signo signum nihilo minus indicabit, ut et hoc monosyllabum «ex» et ille gestus unam rem quandam significent, quam mihi ego vellem non significando monstrari.
14.Augustini - Quomodo paries potuit.
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11.Adeodato - Nada a objetar contenho, a não ser aquele ex que não somente eu, mas sem palavras mesmo um histrião coreógrafo, o que significa não demonstraria. 12.Agostinho - Poderia ser verdade o que dizes; mas suponhas que ele possa, dúvidas não terias que no esforço em demonstrar o significado do que tenta comunicar, qualquer fosse o movimento que o corpo execute, este não seria a coisa em si, mas um sinal. Assim, também ele não indicaria uma palavra com palavra, mas um signo com outro signo, tal como o monossílabo ex e o gesto significariam a coisa mesma desejada. 13.Adeodato - Ao que asseveras rogo-te, como seria possível? 14.Agostinho - Do mesmo modo como foi possível à parede,
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15.Adeodatus - Ne ipse quidem, quantum ratio progrediens docuit, ostendi sine signo potest. Nam et intentio digiti non est utique paries, sed signum datur, per quod paries possit videri. Nihil itaque video, quod sine signis ostendi queat. 16.Augustini - Quid? si ex te quaererem, quid sit ambulare, surgeresque et id ageres, nonne re ipsa potius quam verbis ad me docendum aut ullis aliis signis utereris?
17.Adeodatus - Fateor ita esse et pudet me rem tam in promptu positam non vidisse; ex qua etiam mihi milia rerum iam occurrunt, quae ipsae per se valeant non per signa monstrari, ut edere, bibere, sedere, stare, clamare et innumerabilia cetera. 18.Augustini - Age nunc dic mihi, si omnino nesciens huius verbi vim abs te ambulante quaererem, quid sit ambulare, quomodo me doceres?
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15.Adeodato - Nem mesmo isto, conforme propusemos em nosso raciocínio seria possível sem signo mostrar. O ato intencionado do dedo não seria a parede, mas um signo dado pelo qual a parede se veria. Nada aqui vejo que possa sem signo mostrar-se. 16.Agostinho — Se eu te perguntasse o que seria andar e, tu levantasses e a ação improvisasses, da coisa mesma não estarias a servir para me ensinar,mas o faria sem palavras através de um sinal? 17.Adeodato - Confesso assim ser e me envergonho não ter algo tão evidente compreendido; me ocorre milhares de coisas que seus signos mostram por si, como: comer, beber, sentar, erguer- se, gritar e inúmeras outras.
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19.Adeodatus - Id ipsum agerem adluanto celerius, ut post interrogationem tuam aliqua novitate admonereris et tamen nihil aliud fieret quam id, quod deberet ostendi. 20.Augustini - Scisne aliud esse ambulare, aliud festinare? Nam et qui ambulat, non continuo festinat, et qui festinat, non continuo ambulat; dicimus enim etin scribendo et in legendo aliisque innumerabilibus rebus festinationem. Quare cum illud, quod agebas, celerius ageres post interrogationem meam, putarem ambulare nihil esse aliud quam festinare - 1d etiam novi addideras -, et ob hoc fallerer.
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19.Adeodato - Mais acelerado caminharia, tal que notasses algo novo após o questionamento e, não teria coisa outra feito que não mostrar aquilo que deveria. 20.Agostinho - Sabes que uma coisa seria caminhar, outra acelerar? Assim seria que aquele que caminha, apressado não estaria, e aqueloutro que acelera não significaria estar a caminhar; dizemos de fato isso, para escrever, ler e coisas outras muitas. Destarte, se o que fazias acelerastes, após meu questionamento, poderia eu julgar, após a inovação acrescida, que andar seria caminhar apressadamente, no que enganado eu estaria. 21.Adeodato - Reconheço não ser possível sem signo algo mostrar; de fato se nada acrescentarmos, aquele que interpela, pensará que ao continuarmos em nossa ação, responder não quereríamos. Mas, caso interpele sobre o que podemos fazer e na hora não a estivermos fazendo, após o quesrtionamento, pela coisa mesma poderemos
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interrogationem id agendo re ipsa potius quam signo demonstrare, quod rogat, nisi forte loquentem me interroget, quid sit loqui; quicquid enim dixero ut eum doceam, loquar necesse est. Ex quo securus docebo, donec ei planum faciam, quod vult, non recedens a re ipsa, quam sibi voluit demonstrari, nec signa quaerens, quibus eam ostendam praeter ipsam.
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mostrar sem signo que o denote, exeto fosse eu interrogado enquanto discorro sobre o que seria falar. Do que quer que fale, necessitaria da locução para ensinar, após o que com segurança ensinarei, conquanto claro lhe fique, sem me afastar da própria coisa a demonstrar, tampouco buscar signos com os quais lhe mostrar.
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- ↑ O capítulo III apresenta a primeira proposição, na qual estende à concepção de linguagem todo o, incluindo aqueles que se dão através dos signos, os quais são responsáveis pelos procedimentos de comunicação das ideias e juízos que fazemos em nosso mundo, exceto aos que se referem a fenômenos naturais.
- ↑ Agostinho, ao atribuir à linguagem as funções de ensinar e advertir; indica o como se aprende e o como se ensina, a partir de quatro elementos constituintes da comunicação: a palavra (verbum), o discurso (eloquium), O dizível ou aquilo que se pode dizer (dicilibis) e a coisa em si (res). No entanto, vai além ao creditar que não apenas os signos da linguagem ensinam, já que podemos aprender sem a linguagem, através da coisa mesma.
- ↑ A palavra latina corpus surge em oposição à alma, mas, neste caso, carrega a ideia de ser algo ligado apenas aos cinco sentidos naturais e orgânicos, isto é, se refere a corpos físicos, o que me levou a traduzi-la por materiais.
- ↑ Agostinho está a referir uma passagem bíblica: “Assim se cumpre para eles o que foi dito pelo profeta Isaías: Ouvireis com vossos ouvidos e não entendereis, olhareis com vossos olhos e não vereis (MATEUS 13:14).
- ↑ A esta linguagem silenciosa, Agostinho definiu: “Através do movimento das mãos, alguns exprimem a maior parte das coisas. Os cômicos com o movimento de todos os seus membros mostram certos signos aos expectadores, como que falando aos seus olhos. Os estandartes e insígnias militares manifestam aos olhos a decisão dos chefes. De modo que todos esses signos funcionam como palavras visíveis” (in De Doctrina Christiana LIBRI IV - III.4). Agostinho utiliza uma paráfrase, indicando que os signos também possuem um sistema de linguagem não audível, mas que funciona como palavras visíveis. O signo impressiona o sentido visual com uma imagem, mostrando que a linguagem excede as palavras oralizadas ou escritas.