De Magistro/Capítulo 2

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II

1.Augustini - Constat ergo inter nos verba signa esse.

2.Adeodatus - Constat.

3.Augustini - Quid? Signum nisi aliquid significet, potest esse signum?

4.Adeodatus - Non potest.

II - Teoria agostiniana dos Signos[1]

1.Agostinho — Logo acordamos, serem signos as palavras.

2.Adeodato — Acordamos.

3.Agostinho — Em que? Signo que não signifique algo poderia ser signo?

4.Adeodato - Não poderia.

5.Augustini - Quot verba sunt in hoc versu: «Si nihil ex tanta superis placet urbe relinqui»?

6.Adeodatus - Octo.

7.Augustini - Octo ergo signa sunt.

8.Adeodatus - Ita est.

9.Augustini - Credo te hunc versum intellegere

10.Adeodatus - Satis arbitror.

11.Augustini - Dic mihi, quid singula verba significent.

12.Adeodatus - Video quidem, quid significet «si», sed nullum aliud verbum, quo id exponi possit, invenio.

13.Augustini - Saltem illud invenis, quicquid significatur

hoc verbo, ubinam sit?

5.Agostinho - Quantas palavras existem neste verso: Si nibil ex tanta superis placet urbe relinqui?[2]

6.Adeodato - Oito.

7.Agostinho - Existem, pois, oito signos.

8.Adeodato - Assim seria.

9.Agostinho - Creio que este verso compreendas?

10.Adeodato - Julgo o suficiente.

11.Agostinho - Dize-me, pois de cada palavra o significado.

12.Adeodato - Compreendo o significado de si, mas não encontro palavra outra que expressá- la possa.

13.Agostinho: Encontrarias ao menos, aonde se situa aquilo que por esta palavra

seria significado?

14.Adeodatus - Videtur mihi, quod dubitationem significet; iam dubitatio ubi nisi in animo est?

15.Augustini - Áccipio interim; persequere ceteral

16.Adeodatus - «Nihil» quid aliud significat nisi id, quod non est?

17.Augustini - Verum fortasse dicis, sed revocat me ab assentiendo, quod superius concessisti non esse signum, nisi aliquid significet; quod autem non est, nullo modo esse aliquid potest. Quare secundum verbum in hoc versu non est signum, quia non significat aliquid, et falso inter nos constitit, quod omnia verba signa sint aut omne signum aliquid significet.

18.Adeodatus - Nimis

quidem urges, sed quando

14.Adeodato — No meu entendimento o si significa dúvida e, esta senão na alma estaria?

15.Agostinho - Por ora aceito, quanto ao mais continuemos!

16.Adeodato - Nihil, qual outro significado senão o que não existe?

17.Agostinho — O que concedes uma possibilidade seria, mas dela me impede concordar, que o não existente não possa de nenhum modo ser algo, e não seria signo aquilo que algo não significasse, no que resulta a segunda palavra do verso não ser signo, posto nada signifique. Assim, erramos ao concordar que todas as palavras seriam signos ou que todo signo algo significasse.

18.Adeodato — Acuas-me

demasiadamente[3]. Mas

non habemus quid significemus, omnino stulte verbum aliquod promimus; tu autem nunc mecum loquendo credo quod nullum sonum frustra emittis, sed omnibus, quae ore tuo erumpunt, signum mihi das, ut aliquid intellegam. Quapropter non te oportet istas duas syllabas enuntiare dum loqueris, si per eas non significas quicquam. Si autem vides necessaram per eas enuntiationem fieri nosque doceri vel commoneri, cum auribus insonant, vides etiam profecto, quid velim dicere, sed explicare non possim.

19.Augustini - Quid igitur facimus? An affectionem animi quandam, cum rem non videt et tamen non esse invenit aut invenisse se putat, hoc verbo significari dicimus potius quam rem ipsam, quae

nulla est?

entenderás o que eu quero dizer e não consigo explicar porque ao não encontrar o significado, proferir qualquer interpretação insensato seria. Tu agora, comigo falando, creio, não emitir nenhum som em vão, todavia, como todos os que expressa oferece-me como signo para que algo eu entenda. Não mencionaria essas duas síbalas se não quisesses algo significar; compreendes, portanto que com elas existiria uma informação e que ao soar em meu ouvido produziria um ensino ou algo me faria rememorar.

19.Agostinho - Então, o que faremos? Se da palavra (nihil), se descobre ou se supõem que nada permaneça, mas que poderíamos afirmar ser significada em face de certa disposição da alma[4], mesmo

quando a coisa não exista?

20.Adeodatus - istuc ipsum est fortasse, quod expedire moliebar.

21.Augustini - Transeamus ergo hinc, quoquo modo se habet, ne res absurdissima. nobis accidat.

22.Adeodatus - Quae tandem?

23.Augustini - Si «nihib» nos teneat et moras patiamur.

24.Adeodatus - Ridiculum hoc quidem est, et nescio, quo tamen modo video posse contingere, immo plane video contigisse.

25.Augustini - Suo loco

genus hoc repugnantiae, si

20.Adeodato - Acaso era isso que me esforçava[5] para explicar.

21.Agostinho — Retornemos, pois, donde estávamos para que algo incongruente[6] não nos suceda.

22.Adeodato — O que por fim?

23.Agostinho — Que aceitemos o aprazo em o nada, nele nos retendo.

24.Adeodato - Burlesco[7] certamente isto seria; desconheço de que modo ocorrer pudesse, muito embora claramente prefigure já tenha ocorrido.

25.Agostinho — Se Deus

consentir, no momento certo

deus siverit, planius intellegemus; nunc ad illum versum te refer et conare, ut potes, cetera eius verba, quid significent, panderel

26.Adeodatus - Tertia praepositio est «ex» pro qua «de» possumus, ut arbitror, dicere.

27.Augustini: Non id quaero, ut pro una voce notissima aliam vocem aeque notissimam, quae idem significet, dicas, si tamen idem significat; sed interim concedamus ita esse. Certe si poeta iste non «ex tanta urbe», sed «de tanta» dixisset, quaereremque abs te, quid «de» significaret, diceres «ex», cum haec duo verba essent, id estsigna unum aliquid, ut tu putas, significantia. Ego autem id ipsum nescio quid unum, quod his duobus signis significatur, inquiro.

28.Adeodatus - Mihi videtur secretionem quandam significare ab ea re, in qua fuerat aliquid, quod ex illa

esse dicitur, sive illa non

claramente essas contradições compreenderemos; agora, retorna a aquele verso e te empenha o possível em descobrir das demais palavras o significado!

26.Adeodato - A terceira ex seria uma preposição, em lugar da qual julgo possamos dizer de.

27.Agostinho - Não pretendo que aludas a uma palavra conhecida por outra igualmente versadíssima, de igual significado. Mas concedamos, por ora, que assim seja e, certamente, se este poeta, em vez de dizer: ex tanta urbe, tivesse dito: de tanta e, eu te indagasse o que significa de, dirias ex como se destas duas palavras por significância um único signo tivessem. Eu busco a mesma coisa comum, por estes dois signos significada.

28.Adeodato — A mim representa um apartamento daquilo que significa ou da qual proceda, como neste

verso ocorre, em que não

maneat, utin noc versu non manente urbe poterant aliqui ex illa esse Troiani, sive maneat, sicut ex utbe Roma dicimus esse negotiatores in Africa.

29.Augustini - Ut concedam tibi haec ita esse nec enumerem, quam multa fortasse praeter hanc tuam regulam reperiantur, illud certe tibi adtendere facile est exposuisse te verbis verba, id est signis signa eisdemque notissimis notissima. Ego autem illa ipsa, quorum haec signa sunt, mihi, si posses,

vellem ut ostenderes.

existindo mais a cidade, troianos dela poderiam proceder, ou como dizemos existir na África negociantes que lá residem, mas da cidade de Roma procedentes.

29.Agostinho — Assentindo que assim fosse, objeções outras não enumerarei, que esta tua regra possa se acrescentar. Por certo reconheces que expôs palavras com palavras, signos por signos, coisas conhecidas por outras igualmente conhecidíssimas. Quereria se possível que mostrasses quais

signos representam.


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  1. Agostinho, no capitulo II, prepara a introdução de sua teoria dos signos, a partir de uma leitura dos diferentes signos e não apenas dos verbais.
  2. Palavras de Virgílio na Eneida-II, 659:...se nada agrada tanto aos deuses desta cidade?
  3. Cabe notar a tônica da dialética socrática levada a cabo entre pai e filho, a qual aparece sobrenadante ao longo de todo o discurso, e, pela qual, Agostinho frequentemente faz, provocações ao filho, muitas vezes concluindo pelo reverso do desejado, com o propósito único de confundir o filho e provocá-lo a uma reação. No texto anterior, Agostinho admite não concordar com o filho e assume estar impedido de fazê-lo, e que ambos erraram ao acordarem que todas as palavras fossem signos. Este contexto me levou a traduzir Nimis quidem urges por Acuas-me demasiadamente, porque denota a clara intenção do pai, de que Adeodato não encontrasse uma alternativa fácil.
  4. Traduzi affectionem animi por certa disposição da alma, porque Agostinho está apresentando a Deodato a diferença entre os significados visíveis (extramentais) e os internos disponibilizados na mente (espirituais), e em face do que descrevi no capítulo 2.9, na qual a alma se apresenta como a conexão entre o mundo visível e invisível.
  5. Traduzi moliebar por esforço, porque em latim, moliebar subtende um forte movimento de deslocamento de algo.
  6. Optei por evitar a literalidade e traduzir absurdíssima por incongruente, por julgar a literalidade (absurda) inadequada ao contexto do diálogo.
  7. A palavra latina ridiculum significa coisa jocosa, assim não optei por traduzi-la por burlesco, que tem a conotação de rir de forma espirituosa. A tradução literal para o português implicaria um riso grotesco ou de escárnio, o que não seria o caso neste diálogo entre pai e filho.