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Dicionário de Cultura Básica/Genet

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GENET (dramaturgo francês)

"Que o mal venha a explodir sobre o palco"

Homossexual assumido e marginal consciente, Jean Genet (1910–1986) transforma sua vida em obra de arte. Abandonado por sua mãe e entregue a um orfanato, aos dez anos, acusado de furto, é recolhido a um reformatório, onde fica até os 21 anos. Vivendo de mendicância, de roubo e de prostituição, ele assume o papel de marginal, sentindo a necessidade de ser aquilo que os outros o julgavam ser. É na prisão, em contacto com intelectuais, que desenvolve seus dotes literários, encontrando na palavra artística o meio de lutar contra o mundo. Pela intercessão de escritores famosos (Sartre, Cocteau, Camus) ele consegue a liberdade e viaja por vários países, engajando-se na luta em favor das minorias, especialmente negra e homossexual. Sua obra literária é composta de poemas (O condenado à morte, Um canto de amor, A galera, A parada), de narrativas ficcionais (Nossa Senhora das flores, Diário de um ladrão), de ensaios e de obras teatrais. Entre estas, destacamos: As criadas, Os biombos e O balcão, sua obra-prima, que lhe proporcionou fama internacional, sendo encenada em vários países, inclusive no Brasil. A representação da peça O balcão é um desafio para qualquer Diretor de Teatro, por ser extremamente complexa quanto à forma e quanto ao sentido. Tanto é verdade que não existem duas encenações iguais. Num cenário labiríntico, que representa um requintado bordel, há seres que exteriorizam seus desejos inconfessáveis, transformando-se nos mitos em que a sociedade acredita. A dona desta casa de ilusões, Madame Irma, ajuda os franceses a satisfazerem suas vontades: um se veste de Bispo e recebe a confissão de uma prostituta que, por sua vez, quer ser uma Madalena arrependida; outro se transforma em Juiz e interroga uma ladra; outro quer ser um General e ter relações sexuais com uma moça do bordel que se deve transformar no seu cavalo preferido. Entretanto, lá fora está acontecendo uma Revolução que quer derrubar o poder constituído. O Chefe de Polícia, amante de Madame Irma, se serve das prostitutas do Grande Balcão para obter informações sobre os planos dos revoltosos. A leviana Chantal apaixona-se por Roger, o líder da Revolução, e age como contra-espiã, sendo escolhida como símbolo revolucionário. Enfim, a revolta é dominada. Há um desfile das principais figuras que povoam o bordel: Bispo, General, Juiz, Chefe de Polícia e Madame Irma, por sua vez escolhida como Rainha da Contra-Revolução. O símbolo da ordem restaurada é um pênis gigantesco. Entre os que permanecem revolucionários, Chantal é assassinada e Roger se entrega às fantasias do Grande Balcão, castrando-se no recém-inaugurado Salão Funerário. A peça encerra-se com Irma apagando as luzes e dizendo que daqui a pouco tudo vai recomeçar:

"Cármen... Tranque as portas, meu bem, e cubra os móveis...
Daqui a pouco, será preciso recomeçar... acender tudo de novo...
Vestir-se... ah, as fantasias! Redistribuir os papéis...
assumir o meu.., preparar o de vocês.., juizes, generais, bispos,
camareiros, revoltosos que deixam a revolta congelar,
vou preparar meus trajes e os salões para amanhã...
é preciso voltar para casa onde tudo, não duvidem,
será ainda mais falso que aqui... Agora, saiam...
Passem à direita, pelo beco... Já é de manhã."

Obra completamente aberta, as interpretações de O balcão se renovam e se multiplicam a cada montagem ou leitura. Um dos sentidos possíveis é a inutilidade das revoluções, pois os homens podem mudar mas as instituições corruptas ficam. O povo não pode viver sem seus ídolos: o cetro, a mitra, a balança, exercem um fascínio poderoso sobre a multidão, não importa quem vista esses símbolos. Segundo as palavras do próprio Genet, "é a realidade que vocês têm diante de si que é uma ilusão e o que vocês captam em minha ficção teatral é a análise lúcida da sociedade apodrecida... Que o mal venha a explodir sobre o palco... Reajam e encontrem as soluções". Enfim, a dramaturgia de Genet pode ser definida como um teatro de "duplos": o espectador tem que ver, como numa imagem refletida num espelho, na personagem interpretada pelo ator o seu próprio ser, como ele próprio não sabe ou não quer se ver. A ação dramática tem a finalidade de evidenciar a grande verdade existencial da máscara social: o homem, escravo do papel que é obrigado a representar no meio em que vive, está condenado a usar uma imagem que não é a da sua verdadeira essência. Esse fantasma reflete os outros fantasmas do convívio social como um jogo de máscaras, enquanto a personalidade autêntica de cada um de nós fica escondida, amargurando uma triste solidão espiritual.