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Dicionário de Cultura Básica/Lorca

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LORCA (dramaturgo e poeta espanhol, vítima da ditadura de Franco)

"A poesia que se levanta do livro e se faz humana,
e, ao fazer-se humana, fala e grita, chora e se desespera".

No verão de 1936, ano do início da Guerra Civil Espanhola, uma mancha indelével suja o solo de Granada: o poeta e dramaturgo García Lorca é covardemente assassinado por um pelotão do exército espanhol durante a ditadura de General Franco. Não havia motivo para o hediondo crime, pois Lorca sempre fora apolítico, de temperamento dócil, alegre, vivendo apenas em função da sua poesia e do seu teatro, sem nunca se ter envolvido em problemas partidários. Talvez a sua "culpa" fosse o fato de seu cunhado, prefeito de uma cidadezinha espanhola, pertencer ao partido socialista. A acusação oficial foi a denúncia caluniosa de ser espião da União Soviética. Mais vergonhoso ainda é o fato de o Generalíssimo Francisco Franco, além de ordenar a morte do corpo, tentar também destruir o espírito, a memória do grande poeta: manteve oculta a circunstância do vil assassínio, mandou dar sumiço a seus restos mortais, proibiu a publicação e a circulação de suas obras, de forma que a jovem geração espanhola não pudesse ler e estudar os poemas e os dramas de Lorca. Este pertenceu à chamada "geração de 27", o exuberante grupo de poetas do modernismo espanhol. Além de amigo de grandes literatos, Lorca freqüentou a privacidade de pintores (Salvador Dalí), músicos (Manuel de Faria), cineastas (Luis Buñuel). É muito difícil distinguir nele o poeta lírico do autor dramático, visto que, para Lorca, toda a produção literária é poesia, num sentido amplo, pois a fonte é uma só, a mesma para qualquer atividade artística: a fantasia e o sentimento. Citando suas próprias palavras, a representação dramática é "a poesia que se levanta do livro e se faz humana e, ao fazer-se humana, fala e grita, chora e se desespera". Mas a paixão pelo teatro estava no sangue de Lorca. Ele organizou um grupo de atores ambulantes, chamado "La Barraca", com o qual viajou por várias províncias, divulgando as peças mais importantes da dramaturgia espanhola no meio da massa popular. Escreveu quinze dramas, dos quais os melhores são: O malefício da borboleta, Mariana Piñeda, A sapateira prodigiosa, Yerma, A casa de Bernarda Alba. Sua obra mais conhecida é Bodas de sangue, tragédia em três atos e sete quadros ou cenas. O drama é a representação das fortes paixões, que estão enraizadas na raça espanhola, composta pelo cruzamento de vários povos de sangue quente: andaluzes, árabes, mouriscos. O amor leva à paixão desenfreada, à traição, à vingança e esta leva à morte. Os personagens principais são a Noiva, o Noivo, a Mãe e Leonardo, o único que tem nome, pois só ele tem coragem de lutar para satisfazer seu desejo. Leonardo, outrora, amara a jovem que agora é noiva de outro. No dia do casamento rapta a antiga namorada e foge para um bosque. O noivo traído consegue alcança-los e os dois amantes da bela jovem se matam mutuamente. O clima trágico percorre o drama de ponta a ponta. No início da trama, a Mãe revela que perdera o marido e um filho, cruelmente assassinados, e ainda clama pelo castigo dos culpados; logo em seguida, uma vizinha informa que o antigo namorado da Noiva é Leonardo, membro da família inimiga, atualmente casado com outra moça; o aparecimento de uma faca no início da peça funciona como indício do sangrento duelo; a dissimulação da moça e sua tristeza são sinais de que a Noiva não vai desejar o casamento se realizar. A presença de Leonardo na festa dos esponsais, sem ter sido convidado, é o indício da iminência da catástrofe. A fuga dos dois torna-se inevitável, pois a paixão é indomável. Esta força irresistível, quase telúrica ou cósmica, que obriga a Noiva a se entregar novamente ao primeiro namorado, lembra o fado inelutável da tragédia grega ou, ainda, o impulso da carga biopsíquica da teoria determinista, que tolhe ao indivíduo o livre-arbítrio. Isto parece transparecer da emocionante fala da Noiva, dirigida à Mãe, no último quadro da peça:

"Porque eu fugi com o outro; eu fui!
Você também teria ido.
Eu era uma mulher ferida pelo fogo,
cheia de chagas por dentro e por fora,
e seu filho era um pouquinho de água,
de quem esperava filhos, terra, saúde;
mas o outro era um rio escuro, cheio de ramagens,
de onde me chegava o sussurro dos juncos e um murmúrio abafado.
E eu corria com seu filho, que era como um fiozinho de água fria,
e o outro me mandava centenas de pássaros
que me impediam de andar e derramavam orvalho
nas minhas feridas de mulher fraca e abatida,
de moça acariciada pelo fogo.
Eu não queria, ouviu bem? Eu não queria!
Seu filho era o meu fim, e eu não o traí,
mas o braço do outro me arrastou como a correnteza do mar,
como um coice, e teria me arrastado sempre, sempre, sempre,
mesmo que eu fosse velha e todos os filhos do seu filho
me agarrassem pelos cabelos!"

Talvez a culpa dos dois amantes — Leonardo e a Noiva — esteja na falta de coragem de enfrentar tempestivamente a opinião pública pois, na sociedade espanhola da época de Lorca, o sentimento de honra gritava mais forte do que o direito à felicidade. Quando resolvem atender ao chamamento da natureza, das forças do instinto, já é tarde: o código social, pelo casamento de um e pelo noivado da outra, encontra-se irremediavelmente violado e a desonra tem que ser lavada com o sangue.