Dicionário de Cultura Básica/Vinicius
VINICIUS de Morais (Poesia e Música)
Os bares estão repletos de homens vazios,
porque hoje é sábado.
O carioca Marcus Vinicius Cruz de Morais (1913–1980) exprimiu seu sublime lirismo em música, em canto e em versos. Com 25 anos, recebeu a primeira bolsa de estudos pelo Conselho Britânico para estudar na Universidade de Oxford. Retornando ao Brasil, ingressou na carreira diplomática, servindo nas Embaixadas de Los Angeles, Paris, Montevidéu; mas nunca deixando de publicar, ano após ano, coletâneas de poemas. Gênio multiforme, o poeta colaborou com o cinema, escrevendo o roteiro do filme do diretor francês Antoine d’Ormesson, Arrastão: os amantes do mar, cujo tema é uma adaptação da lenda medieval de Tristão e Isolda (→ Abelardo) ao folclore carioca. Para o Teatro, em parceria do músico Antônio Carlos Jobim, escreve a peça Orfeu da Conceição, encenada com sucesso no Rio de janeiro, em 1956, e filmada em 1958, com o título Orfeu negro, sob a direção do escritor e cineasta francês Marcel Camus. Ainda junto com Jobim, compôs o samba Garota de Ipanema, canção que ultrapassou os umbrais do tempo e do espaço, tornando-se um sucesso internacional, sendo sua letra traduzida em vários idiomas. Em parceria com outros músicos famosos (Carlos Lira, Baden Pawell, Edu Lobo, Francis Hime), Vinicius gravou vários discos de sucesso continuado. Na companhia de Toquinho difundiu a Música popular do Brasil (MPB), dando shows em várias cidades, inclusive no interior do país, e participando ativamente do movimento da Bossa Nova. Vinicius foi o poeta moderno que melhor soube retomar o espírito epicurista da cultura greco-romana, cantando os prazeres da vida e, especialmente, exaltando a beleza da mulher. Dele é a famosa expressão, "as feias que me desculpem, mas na mulher a beleza é fundamental". Como exemplo da liricidade de sua poesia, apresentamos uma breve leitura do seu poema mais famoso, o Soneto da Fidelidade:
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive,
Quem sabe a solidão, fim de quem ama,
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama,
Mas que seja infinito enquanto dure.
De acordo com a forma poemática do soneto, o texto transcrito acima apresenta um esquematismo de estrofes, versos, metro, rimas e sentidos O poema é composto de dois quartetos e dois tercetos. O título é bem explicativo, pois indica a forma poemática ("soneto") e o tema ("fidelidade"). Pelo título, já sabemos de antemão que o poeta irá expor artisticamente seu conceito de fidelidade. Passando à análise do nível fônico, o poema, como qualquer soneto tradicional, apresenta 14 versos decassílabos, fonicamente ligados entre si pelo esquema rímico abba/abba/cdf/dfc. Por essa disposição das rimas, notamos a presença de dois campos sonoros: o dos versos das duas quadras, formado pela homofonia das rimas a b, e o dos versos dos dois tercetos, ligados entre si fonicamente pelas rimas c d f. De modo que o abraço fônico das duas quadras é estranho à sonoridade dos dois tercetos. Efetivamente, a terceira e a quarta estrofes se distinguem nitidamente das duas primeiras: graficamente, por serem tercetos; sintaticamente, por formarem um único período; fonicamente, por terem um bloco sonoro diferente das duas quadras; semanticamente, por constituírem a síntese do pensamento exposto nas duas primeiras estrofes, em forma de tese e antítese. Note-se o quiasma semântico, formado pelo cruzamento dos sintagmas que indicam o prazer e a dor: riso // pranto; pesar // contentamento. Essa mistura de semas expressa poeticamente a verdade humana de que não existe dor nem prazer absoluto: a vida nos oferece uma mescla de felicidade e sofrimento. Belíssimo é o oxímoro formado pelo último verso do poema: o amor, embora seja "chama", algo cálido, fulgurante, que pode até queimar, ele é passageiro, como é a condição humana, tem que ser "infinito enquanto dure", quer dizer, o amor, apesar de sua fugacidade, deve ser vivido com tamanha intensidade que nos dê a sensação de nunca acabar. A figura do oxímoro é formada pela aproximação de dois semas opostos: o sema da eternidade, presente na palavra "infinito", pois implica a ausência do tempo, e o sema da efemeridade, implícito no sintagma "enquanto dure", que denota a transitoriedade própria das coisas temporais. É neste desejo de anular a oposição entre o efêmero e o eterno, no tocante ao amor, que reside toda a beleza do poema.