Dicionário de Cultura Básica/Virgílio
VIRGÍLIO (poeta épico e lírico) → Roma → Eneida
"Cecini pasqua, rura, duces"
(Cantei a vida dos campos, dos pastores e dos heróis)
O poeta latino Virgílio é a grande ponte entre a cultura greco-alexandrina (Homero, Píndaro, Safo, Calímaco) e a cultura medieval, renascentista e neoclássica, influenciando de uma forma marcante a poesia lírica e épica de Dante, Petrarca, Ariosto, Camões, Milton, Garcilaso, Góngora. Ele colaborou nos dois pontos principais da reforma social promovida pelo príncipe Augusto: incentivo ao cultivo da terra e exaltação do povo itálico, ensinando liricamente a técnica da agricultura e ilustrando poeticamente o mito da origem divina da raça romana, predestinada a ser a dominadora e a civilizadora do mundo. A importância da sua poesia, especialmente na Idade Média (→ Medievalismo), foi imensa, tanto que Dante Alighieri o considera seu guia artístico na longa viagem pelo Inferno e pelo Purgatório, no poema didático-alegórico A Divina Comédia. Públio Virgílio Marão (70–19 a.C.) nasceu de abastados camponeses num vilarejo perto de Mântua, no norte da Itália. Estudou Retórica em Roma e Filosofia epicurista (→ Epicuro) em Nápoles. Suas primeiras composições poéticas acusam a influência dos chamados "neóteros" (poetas novos), uma espécie de movimento "modernista" da época de Júlio César: um grupo de poetas, entre os quais se destacava Catulo, opondo-se às formas estéticas tradicionais, propunha expressar seu subjetivismo lírico através de poemas curtos, de assuntos leves, especialmente amorosos.
Mas a consciência da grave crise política e social da Itália, que afetou particularmente o nosso poeta, pois as terras de seus pais foram confiscadas para serem distribuídas aos ex-integrantes do exército romano, afastou Virgilio deste tipo de literatura amena. Seu primeiro grande p9ema é constituído pelos Carmina bucolica, também chamados de Éclogas, compostos entre 42 e 39 a.C. Seguindo o modelo de Teócrito, poeta helenista da Magna Grécia (Siracusa, século III a.C.), Virgílio, em dez cantos, alternando diálogos e monólogos, canta o amor, a alegria e a dor dos que vivem no campo. Esta poesia pastoril salienta o desejo de paz, em contraste com a turbulência da vida nas grandes cidades e os horrores das guerras civis. A publicação dos Carmina bucolica revela a grandeza artística de Virgílio. Por intermédio de Mecenas, ele se torna íntimo de Augusto, que encontra nele o intérprete poético do seu sonho de restaurar os costumes romanos. O príncipe de Roma recompensa a perda das terras de Mântua, doando ao poeta um sítio perto de Nápoles, e o estimula a compor um poema sobre a agricultura. Entre 37 e 30 a.C., Virgilio realiza sua segunda grande obra: os quatro livros das Geórgicas, poema didático que ensina o cultivo das terras, a plantação das árvores, a criação do gado e o cuidado das abelhas. Junto com a finalidade didascálica de estimular o povo romano a dedicar-se ao trabalho dos campos, as Ceórgicas expressam o amor à terra, liricamente sentido pelo poeta mantuano. Em 29 a.C., César Otávio recebe do senado romano o título de "Príncipe" e, em 27 a.C., o de "Augusto": a República chega ao fim e começa uma nova era política, a Imperial. Virgílio sente a necessidade patriótica de exaltar poeticamente esta nova época, que dera a Roma paz interna e externa, ordem social, prosperidade econômica e progresso cultural e artístico. Nada mais conveniente do que o gênero épico para enaltecer a grandiosidade do Império Romano, que agora se apresentava como centro irradiador de civilização para o mundo inteiro. Seguindo o modelo dos poemas homéricos e retomando os antigos mitos itálicos, já cantados por Névio e Ênio, Virgílio, entre 29 e 19 a.C., compõe a obra maior da literatura latina, a Eneida. Para dar os retoques finais ao poema épico, no ano 19 a.C. viaja para a Grécia e o Oriente, com o fim de visitar as regiões percorridas pelo protagonista de sua obra, o mítico Enéias. Durante a viagem de regresso, adoece e morre na Calábria. Augusto manda transladar seu corpo para a vila do poeta em Nápoles e cuidar da publicação da Eneida, contrariando a vontade do poeta que pedira que sua obra fosse queimada por não ter tido tempo de fazer a revisão. O epitáfio colocado no túmulo de Virgílio, inverossimilmente atribuído ao próprio poeta, sintetiza sua vida:
Mantua me genuit,
Calabri rapuere,
tenet nunc Parthenope:
cecini pasqua, rura, duces.
("Nasci em Mântua, morri na Calábria, agora estou em Nápoles: cantei pastores, campos e heróis").