Dicionário de Cultura Básica/Milton

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MILTON (poeta épico do Renascimento inglês: O Paraíso Perdido)

A mente é sua própria área.
E, em si mesma, ela pode fazer do Paraíso um Inferno
E do Inferno um Paraíso.

John Milton (1608–1674), o maior poeta clássico da literatura inglesa, depois de Shakespeare, deixou-nos dois grandes poemas que, como A Divina Comédia, de Dante, estão centrados sobre a tradição mítica e bíblica do Cristianismo (→ Cristo: O Paraíso Perdido (1667) e O Paraíso Reconquistado (1671). A primeira obra, a mais conhecida, tem como referente extratextual a narração bíblica sobre a criação do mundo e do homem. Lúcifer (→ Satã), depois da sua rebelião contra Deus, é expulso do céu, junto com os anjos revoltosos. No Caos, Satanás organiza os exercitos de demônios, prometendo vingar-se de Deus quando Este criar o novo mundo habitado pelo homem. Deus-Pai prediz a Deus-Filho que o Demônio irá perverter o gênero humano e Ele nada poderá fazer para impedir tal desgraça, visto que a essência da condição humana será o livre-arbítrio. O Filho, então, promete oferecer-se para salvar a humanidade, após o pecado original. A predição se realiza: Satanás, metamorfoseado, vai ao Éden (→ Paraíso) e se aposta sobre a árvore da vida. Ciente da proibição divina, o Demônio se aproxima de Eva, no sono, para induzi-la a comer dos frutos da árvore do conhecimento do bem e do mal. Mas o arcanjo Gabriel evita que Eva seja induzida em tentação. Deus, então, envia o arcanjo Rafael para advertir Adão e Eva sobre a presença de Lúcifer no paraíso terrestre. Rafael conta-lhes, em seguida, a história da criação do mundo material e do gênero humano. Adão quer outras informações sobre as leis do Universo, mas o arcanjo lhe diz que ele deve fazer uso do dom divino da razão. Após renovar o conselho de resistir à tentação do Demônio, o arcanjo Rafael retorna ao céu. Satanás volta ao Éden e, encontrando Eva sozinha, se transforma em serpente e a induz a comer do fruto proibido. Eva oferece o fruto pecaminoso a Adão que não consegue recusar a oferta da companheira, devido à atração irresistível que sente por ela. Os guardas do paraíso informam Deus da transgressão da proibição e os dois pecadores são condenados: a culpa e a morte passam a habitar o mundo do homem. Expulsos do paraíso, Adão e Eva encontram consolo na predição do arcanjo Miguel, que lhes revela que futuramente Deus-Filho descerá à terra e salvará a humanidade do seu pecado original.

Quatro anos mais tarde, Milton publica a outra obra, que é a continuação da primeira. Se a fábula de O paraíso perdido está baseada no Velho Testamento, O paraíso reconquistado tem por assunto material do Novo Testamento, especialmente o Evangelho de São Lucas, referente à tentação de Cristo. O poema se abre com a descrição do batismo de Jesus nas águas do Jordão. O Espírito Santo proclama Cristo como Filho de Deus e Salvador da humanidade. Satanás, informado da vinda de Jesus, temendo perder o seu poder sobre os homens, reúne o concílio dos diabos, que decreta a volta de Lúcifer à terra para lutar contra Cristo. Jesus é submetido a várias tentações, mas triunfa sobre todas, derrotando definitivamente o Demônio. Assim, pela ação redentora do Filho de Deus, o homem poderá outra vez conquistar o paraíso. Na formação cultural do poeta inglês podemos ressaltar três linhas principais de influências: a literatura greco-romana, especialmente a leitura de Homero e de Horácio; a literatura italiana da Idade Média (especialmente a Divina Comédia de Dante) e do Renascimento; a formação religiosa fundamentada no Anglicanismo (→ Lutero). Vivendo na época do Barroco, sua arte acusa o conflito entre o sensualismo renascentista e o puritanismo protestante. A luta entre o bem e o mal aflora como tema principal da sua obra poética, em que o indivíduo é colocado perante sua responsabilidade moral. John Milton, pouco preocupado com a ortodoxia da religião anglicana, retrata Satanás com tintas suaves, não escondendo uma certa simpatia para com o anjo decaído. Enfim, os dogmas fundamentais da sua teologia são a infinita misericórdia de Deus e o poder extraordinário do livre-arbítrio.