Dicionário de Cultura Básica/Renascimento
RENASCIMENTO (carolíngio, das Cruzadas, italiano)
Do verbo latino re+nascere, que significa "renascer", nascer de novo, o substantivo renascença ou renascimento indica um movimento de renovação cultural e artística. Ao longo da civilização ocidental, temos vários períodos de renascença, podendo distinguir:
1) O Renascimento carolíngio: Carlos Magno (→ Roland), eleito rei da França em 771, até sua morte (814), sonhou com a reconstituição do Império Romano do Ocidente sob a égide da religião católica, chegando a decretar a pena de morte para quem não confessasse a fé cristã. O papa Leão III, em agradecimento ao apoio material e espiritual recebido, coroou Carlos Imperador de Roma, no Natal do ano 800. O grande império, conquistado por Carlos Magno mediante lutas contra muçulmanos e bárbaros, se estendeu do norte da Espanha até a Iugoslávia, abrangendo quase toda a Europa central. Foi mantida a divisão feudal em condados, cada região sendo administrada por um conde ou um bispo, mas Carlos Magno, com a instituição dos missi dominici (enviados do Senhor), conseguiu maior centralização do poder. Mesmo sendo analfabeto, o imperador estimulou o culto das letras e das artes, reunindo na sua corte filósofos, poetas, arquitetos e escultores. Mas a produção artístico-literária da Renascença carolíngia não apresenta nenhuma novidade em termos de criação. A cultura do Humanismo medieval é, formalmente, a imitação de alguns autores da latinidade e, ideologicamente, dependente da cosmovisão do Cristianismo (→ Cristo). Quanto às artes plásticas, o estilo predominante dos poucos monumentos levantados nesta época e dos trabalhos de miniatura é oriental, especialmente bizantino. Com a morte de Carlos Magno essa tentativa de renascença gorou completamente. A autoridade centralizadora começou a se enfraquecer sob o reinado do filho Luís, o Piedoso, a quem sucederam quatro filhos que brigaram entre si pela divisão do vasto império. Aproveitaram-se das lutas fraternas os senhores feudais e os bispos da Igreja Católica, que aumentaram cada vez mais os territórios e o poder político. A dinastia carolíngia foi se extinguindo aos poucos, determinando o apogeu do sistema feudal, em que o poder foi dividido entre as duas classes privilegiadas porque possuidoras de terras: o clero e os nobres, com sua escala de vassalagem.
2) O Renascimento na época das Cruzadas: segundo uma crença medieval, o mundo acabaria chegando ao ano 1000. Depois da passagem do milênio, verificando-se que o planeta Terra continuara a existir, um sopro de uma nova vitalidade invadiu a Europa, que pareceu renascer do pesadelo da catástrofe cósmica. Superstição à parte, o que renovou a vida das cortes européias do século XI foi o fenômeno das Cruzadas que reataram as relações comerciais e culturais com o Oriente, resultando no afrouxamento do sistema feudal, no enriquecimento das cidades marítimas e no início de um período de intensa atividade econômica e artística. Vários dialetos regionais adquiriram o estatuto de línguas, que começaram a produzir os primeiros documentos literários nos idiomas vernáculos.
3) O Renascimento italiano: no século XV, este longo processo de evolução política, econômica e cultural chegou ao seu apogeu, encontrando na península da Itália seu centro de irradiação. E porque é nesta época que se deu a conscientização da importância dos valores humanos, em oposição ao complexo cultural da Idade Média, o Renascimento italiano passou a ser considerado o início da Era Moderna (→ Idade). A península itálica se tornou o centro de irradiação do movimento renascentista, devido a privilegiadas condições sociais, econômicas e culturais. A Itália foi a primeira região da Europa a desvincular-se do sistema feudal, graças ao surgimento das "repúblicas marítimas" (Veneza, Amalfi, Pisa e Gênova), que adquiriram independência administrativa e econômica, tornando-se cidades-Estado, semelhantes às antigas póleis da Grécia. O poder político era exercido pelos cidadãos que, reunidos em corporações ou guildas, escolhiam seus governantes por eleições de classes. Mais tarde, outras póleis foram surgindo no interior da península (Milão, Lucca, Florença, Ferrara), enriquecidas pelas atividades comerciais, cada qual rivalizando pelo embelezamento de suas igrejas e de seus palácios. Assim, a Arquitetura, a Escultura e a Pintura se desenvolveram de uma forma espetacular, despertando, até hoje, a admiração dos apreciadores das artes plásticas. Basta citar os nomes de alguns gênios: Leonardo, Michelangelo, Rafael, Masaccio, Brunelleschi, Alberti, que deixaram as marcas indeléveis de sua arte nos cinco grandes Estados em que se dividia a Itália da época renascentista: o reino de Nápoles, o ducado de Milão, as repúblicas de Veneza e de Florença e o Estado pontifício de Roma. Os estudiosos distinguem dois períodos no Renascimento italiano: o Quattrocento (século XV) e o Cinquecento (século XVI). A primeira fase teve como centro a cidade de Florença, governada por príncipes da família dos Médici. É o período mais espontâneo e mais eufórico da Renascença, quando predomina o espírito do Sensualismo, do Naturalismo, do Hedonismo. A segunda fase teve como centro a cidade de Roma, que se desenvolveu culturalmente quando o Estado pontifical esteve sob o domínio da família dos Borges. O Renascimento quinhentista é mais maduro, mais reflexivo, já atormentado pela ideologia da Contra-Reforma (→ Lutero). A atividade cultural da Renascença italiana se manifesta em todos os campos do saber humano: filosofia e teologia, literatura e artes plásticas, sociologia e política, matemática e ciências naturais, influenciando a produção poética e artística de outros países europeus. Vejam-se alguns verbetes específicos da época renascentista na Europa: Leonardo da Vinci, Michelangelo, Maquiavel, Camões, Milton, Shakespeare, Descartes, Bacon, Galileu.
O aspecto social do Renascimento: Capitalismo mercantil e Burguesia ilustrada.
A passagem do século XV para o XVI apresenta uma nova efervescência na Europa provocada pela paixão das descobertas marítimas. O ciclo das Grandes Navegações, iniciado por italianos, espanhóis e portugueses e continuado por franceses, ingleses e holandeses, amplia o mapa do mundo até então conhecido. O genovês Cristóvão Colombo e o florentino Américo Vespúcio, subvencionados pela Coroa espanhola, descobriram um novo continente, que se chamou de "América" em homenagem ao nome de Vespúcio, o primeiro navegador a perceber que as terras descobertas não ficavam perto da Índia, mas constituíam um Novo Continente. Com efeito, todas as grandes navegações daquela época tinham o intuito comum de descobrir um caminho marítimo para a Índia, fazendo o périplo da África, porque, especialmente após a tomada de Constantinopla pelos turcos, ficara muito difícil chegar ao Oriente por via terrestre. De fundamental importância foram também as viagens dos portugueses Bartolomeu Dias, que descobriu a passagem do sul da África; Vasco da Gama, que ultrapassou o cabo da Boa Esperança e chegou às praias indianas; Pedro Álvares Cabral, que descobriu o Brasil; dos espanhóis Fernão Cortez, que chegou ao México; Francisco Pizarro, que atingiu o litoral do Peru e do Equador; Sebastião Caboto, que chegou ao Paraguai por via fluvial; dos ingleses John Cabot, que descobriu a península do Lavrador; Francis Drake e outros corsários, que descobriram as Bermudas; dos franceses, que ocuparam o Canadá; dos holandeses, que se apossaram das Antilhas e das Guianas. O descobrimento e a colonização das novas terras provocou a chamada "Revolução Comercial": a troca de mercadorias entre Europa, América e Oriente foi intensa. A América do Norte produzia tabaco, milho e batatas; as Antilhas, o rum e o melaço; os Andes, o cacau; o Brasil, o açúcar; as Índias, especiarias inúmeras. Mas a enorme expansão do comércio mundial foi provocada especialmente pela descoberta do ouro e da prata na América espanhola. O sistema bancário e as bolsas de mercadoria se desenvolveram rapidamente, tornando-se o fulcro da economia européia, com centro na cidade de Antuérpia. Novas terras, novos povos, novas religiões e costumes alargam o horizonte da cultura ocidental. Além da conquista do espaço, é importante assinalar a conquista do tempo: eruditos descobrem e divulgam as obras literárias e artísticas da antiga civilização greco-romana que, devido à sua visão pagã da existência, tivera seus valores postergados durante a Era Medieval.
Essa profunda transformação da visão do mundo, que se chamou de Humanismo e Renascimento, foi possível graças ao enorme progresso das ciências exatas, físicas e biológicas. O pensador científico inglês Francis Bacon teve o grande mérito de propor um novo Método de pesquisa fundamentado na observação e na experimentação dos fenômenos da natureza. Além de Bacon, contribuíram para o desenvolvimento da nova ciência: Descartes, Galileu, Kepler, Copérnico, Newton, Leibniz, Leonardo da Vinci. Entre as descobertas científicas mais importantes, assinalamos: a bússola e outros instrumentos de navegação; novos processos de composição e amoldamento de metais, que revolucionaram a indústria bélica; a utilização de tipos móveis que, substituindo a antiga xilografia, permitiram a Gutenberg inventar a imprensa; o aperfeiçoamento de métodos da tecelagem e do artesanato do vidro; o tratamento científico do sistema hidráulico, inventado por Leonardo da Vinci. A este grande cientista e artista italiano, figura poliédrica, o maior gênio da Renascença, a humanidade deve outras descobertas importantes: pontes móveis, bombardas e catapultas (máquinas para o arremesso de pedras); estudos de cartografia e de arquitetura (para a construção de uma cidade mais racional e mais humana); projetos de aeronáutica e a invenção de aparelhos voadores, considerados os precursores do aeroplano e do helicóptero; estudos sobre o peso dos corpos, que auxiliaram Newton na descoberta da lei da gravidade; trabalhos científicos sobre a anatomia humana. Mas ele ficou mundialmente conhecido mais pela sua atividade artística. Junto com Michelangelo e Rafael, Leonardo da Vinci foi o maior artista plástico da Renascença, deixando marcas profundas da sua genialidade na arquitetura, na escultura e na pintura. Basta lembrar o quadro de Mona Lisa, a famosa Gioconda, cujo sorriso enigmático até hoje intriga os apreciadores da arte pictórica. Para Leonardo, o ideal artístico pressupunha o conhecimento científico, pois a arte é impossível sem a ciência, visto que o belo é algo que se aproxima do perfeito. Por conjugar os conhecimentos científicos com a sensibilidade artística, Leonardo se tornou o modelo da concepção renascentista do homem, o vir universalís.
O gradativo progresso das atividades industriais, comerciais e artísticas permitiu o surgimento de uma burguesia ilustrada, uma classe média, que se inseriu entre a classe alta (nobreza e clero) e a classe baixa (a massa popular), composta de comerciantes, pequenos industriais, artesãos, funcionários, homens de lei que administravam a justiça e as repartições públicas, com uma formação racionalista proveniente do estudo da lógica, da matemática, da gramática e do direito civil e criminal. Nascia, enfim, o ideal renascentista do homem: o indivíduo que tinha a coragem para enfrentar os riscos da aventura com o fim de acumular experiências e riquezas, que tinha a inteligência para adquirir uma profissão e exercê-la eficientemente, que tinha amor pelas instituições políticas e gosto pelas obras de arte e pela literatura. O cardeal Richelieu, que de 1624 a 1642 assumiu a direção dos negócios públicos da França, durante o regime absolutista de Henrique IV, foi o maior sustentáculo da burguesia, conferindo privilégios e monopólios a industriais e comerciantes. Ao fortalecer a burguesia, sem, de outro lado, lhe conferir o poder, enfraquecia a nobreza, estabelecendo assim um equilíbrio de forças que lhe permitia reinar com uma certa tranqüilidade. O aspecto eterno do Renascimento, que tem como substrato ideológico o Humanismo, encontra-se neste equilíbrio de forças.