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Discurso de Tomada de Posse do Presidente Sidónio Pais

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O Povo Português, chamado a manifestar, em sufrágio universal e eleições livres, a sua vontade, acaba de consagrar a Revolução de 5 de Dezembro pela forma mais retumbante, juntando a maior votação que há memória em Portugal à volta de um homem que, tendo a honra de ser o Chefe da Revolução, para ele encarna certamente os seus levantados ideais. Inútil é dizer-se, da parte dos detratores da Revolução, que uma tal votação excedendo 500.000 votos não representa a vontade soberana do Povo Português. Nunca a abstenção foi menor, apesar de três agrupamentos partidários a terem resolvido e dela terem feito em larga escala a propaganda, bem mais fácil e suscetível de ser coroada de sucesso do que a de chamar os eleitores às urnas. Nunca a abstenção foi mais insignificante, apesar de faltar o estímulo da luta; ninguém se propôs a Presidente da Republica e, por parte dos defensores da atual situação, um nome estava em todas as bocas; por parte dos que a atacavam nenhum nome foi indicado como representando as suas aspirações comuns. Nunca a abstenção foi mais reduzida, apesar dos boatos alarmantes de perturbações da ordem pública, de atentados pessoais, de movimentos revolucionários, para o que se pretendeu criar uma atmosfera de terror. Nunca a ordem foi mais completa em um ato eleitoral, decorrendo sem incidentes em todo o país, apesar da propaganda revolucionária que se fez e do convite à Revolução que implicitamente se continha na campanha do abstencionismo. Nunca a liberdade foi mais ampla em eleições, que se efetuaram sem a menor pressão por parte das autoridades ou de influências locais. Nunca a legalidade foi maior em operações eleitorais, fiscalizadas de resto pela oposição. Nunca a honestidade foi mais perfeita por parte do Governo, que deu ordens terminantes para que se não exercessem quaisquer subornos ou corrupções, por mais disfarçados que fossem, nem se fizessem desdobráveis, processo imoral, tantas vezes usado. Propositadamente, e por dois motivos principais, não apresentei ao país a minha candidatura. Primeiro, porque nenhum desejo pessoal ou ambição ilegítima tinha de me manter num cargo que só pelo dever de assegurar o êxito da Revolução assumi e que por experiência sei ser um permanente tormento físico e moral, na ânsia sempre insatisfeita de buscar a felicidade do Povo, único grande ideal que se alberga no meu coração e que absorve a minha existência. Segundo, porque no momento atual e conhecendo o país bem o meu nome, necessário era deixá-lo em completa serenidade escolher independentemente de quaisquer sugestões, o homem que reputa digno da suprema honra de presidir aos destinos da Nação. Nunca, por isso, foram mais espontâneos os votos que concorreram às urnas eleitorais, na ausência de solicitações de toda a ordem. Debalde se fez durante os últimos cinco meses uma campanha antipatriótica e antirrepublicana, tendo por base a dupla calúnia de apresentar aos olhos dos aliados e aos olhos da Nação o governo saído da Revolução como hostil aos aliados e contrário às atuais instituições. Essa campanha insidiosa, que começou pela tentativa de enganar, intrigar, indispor a marinha portuguesa, sempre briosa na defesa da Pátria e da República, chegou ao cúmulo de insinuar a intervenção estrangeira, última das ignomínias a que só a absoluta falta de patriotismo pode levar. A calúnia, a intriga, a conspiração caíram diante da força invencível da verdade. Todos os atos do Governo da República, sem uma única exceção, depois de 5 de dezembro, demonstram o seu cargo de cooperar com os aliados e todos foram realizados no mais perfeito acordo com eles. Todos os atos do Governo da República, saído da Revolução de 5 de dezembro, foram inspirados na mais pura fé republicana e se encaminham para a consolidação da República, pela integração de todos os portugueses num grande movimento nacional; e essa política quaisquer que fossem os obstáculos encontrados teve o seu mais formidável sucesso na eleição que acaba de realizar-se, onde o Presidente da República reuniu à sua volta meio milhão de eleitores conscientes da necessidade de se entrar num período de calma, de ordem e de sossego, que permita o desenvolvimento de todas as forças úteis ao país. O povo, na sua extraordinária clarividência, no seu infalível espírito de justiça e na sua nunca desmentida sinceridade, repudiou todas essas calúnias, julgou, sentenciou e coroou assim, com o seu espiritoso aplauso, a obra da Revolução. Povo Português! Sinto-me orgulhoso de ser o teu Presidente eleito e procurarei, quanto em minhas forças caiba, corresponder à confiança que em mim depositaste, sendo o teu amigo de todas as horas e interpretando o teu sentir e a tua vontade soberana, única a que me curvarei, e a quem ninguém poderá desobedecer sem passar por cima de mim. Nenhum ódio, nenhuma animosidade pessoal, nenhum sentimento rancoroso encontra eco no meu coração, só tenho a aspiração veemente de conciliar todos os nossos interesses legítimos. Poderei errar, mas apenas me demonstrem o erro estou pronto a emendá-lo sem ressentimentos nem vaidades, sem teimosias ininteligentes, sem intransigências tiranizantes. Todo o povo português pode contar em mim um amigo, pronto a defender a sua justiça, ainda que seja o meu maior inimigo. Nenhumas perseguições fiz, tomei somente as medidas indispensáveis para assegurar a ordem pública que a minha guarda estava confiada. Povo Português! Ao assumir o exercício da Suprema Magistratura da Nação, as minhas primeiras saudações vão para as forças de terra e mar que heroicamente se bateram ao lado dos nossos aliados contra o inimigo comum pela causa da Liberdade, do Direito e da Independência dos Povos. Essas forças são a tua emanação, são o teu sangue. Saudando-as abraço-te a ti, a todo o Povo Português, no teu grande desejo de justiça tão ardentemente manifestado na espontaneidade com que abraçaste a causa dos aliados. Uma nova era de Liberdade, de Tolerância, de Respeito pelas crenças religiosas e pelas convicções políticas, surgiu. E só numa tal atmosfera que a nação poderá prosperar. Ela precisa duma base estável que não poderia encontrar-se senão na união espiritual de muitas almas. Essa união é hoje um facto e a força de atrações dela emanada alargará o seu âmbito e intensificará a sua potência. Um grande ideal nacional populariza este movimento. A Revolução de 5 de Dezembro triunfou! O ressurgimento da nossa Pátria é mais do que uma esperança, é uma consoladora certeza. Portugueses! Conservai-vos unidos. Aqui vos afirmo solenemente pela minha honra que defenderei até à última gota de sangue a sagrada causa da Pátria e da República que é também a causa do Povo Português. Viva a Pátria! Viva a República Nova!