Espumas Flutuantes (1913)/Sub Tegmine Fagi
Dieu parle dans le calme plus haut que dans la tempête.
(Mickiewicz).
Deus nobis hæc otia fecit.
(Virgilio).
Amigo! O campo é o ninho do poeta...
Deus falla, quando a turba está quieta,
As campinas em flor.
— Noivo — Elle espera que os convivas saiam.
E n′alcova onde as lampadas desmaiam
Então murmura. — Amor!
Vem commmigo scismar risonho e grave...
A poesia — é uma luz... e alma — uma ave...
Querem trevas e ar.
A andorinha, que é a alma — pede o campo,
A poesia quer sombra — é o pyrilampo...
P′ra voar... p′ra brilhar.
Meu Deus! Quanta belleza nessas trilhas...
Que perfume nas doces maravilhas,
Onde o vento gemeu!...
Que flores d′ouro pelas veigas bellas!
Foi um anjo co′a mão cheia de estrellas
Que na terra as perdeu.
Aqui o ether puro se adelgaça...
Não sobe esta blasphemia de fumaça
Das cidades p′ra o céo.
E a Terra é como o insecto friorento
Dentro da flor azul do firmamento,
Cujo calix pendeu!...
Qual no fluxo e refluxo, o mar em vagas
Leva a concha dourada... e traz das plagas
Coraes em turbilhão,
A mente leva a prece a Deus — por perolas,
E traz, volvendo após das praias cerulas,
— Um brilhante — o perdão!
A alma fica melhor no descampado...
O pensamonto indomito, arrojado
Galopa no sertão.
Qual nos steppes o corsel fogoso
Relincha e parte turbulento, estoso,
Sólta a crina ao tufão.
Vem! Nós iremos na floresta densa,
Onde na arcada gothica e suspensa
Reza o vento feral.
Enorme sombra cae da enorme rama...
É o Pagode fantastico de Brahma
Ou velha cathedral.
Irei comtigo pelos ermos — lento,
Scismando, ao pôr do sol, n′um pensamento
Do nosso velho Hugo.
— Mestre do mundo! Sol da eternidade!...
Para ter por planeta a humanidade,
Deus n′um cerro o fixou.
Ao longe, na quebrada da collina,
Enlaça a trepadeira purpurina
O negro mangueiral...
Como no Dante a pallida Francesca,
Mostra o sorriso rubro e a face fresca
Na estrophe sepulchral.
O povo das formosas Amaryllis
Embala-se nas balsas, como as Willis
Que o Norte imaginou.
O antro — falla... o ninho s′estremece...
A Dryade entre as folhas apparece...
Pan na flauta soprou!...
Mundo estranho e bizarro da chimera,
A fantasia desvairada gera
Um paganismo aqui.
Melhor eu comprehendo então Virgilio...
E vendo os Faunos lhe dansar no idylio
Murmuro crente: — eu vi! —
Quando penetro na floresta trisie,
Qual pela ogiva gothica o anthiste
Que procura o Senhor,
Como bebem as aves peregrinas
Nas amphoras de orvalho das boninas,
Eu bebo crença e amor!...
E á tarde, quando o sol — condor sangrento,
No occidente se aninha somnolento,
Como a abelha na flor...
E a luz da estrella tremula se irmana
Co′a fogueira nocturna da cabana,
Que ascendéra o pastor,
A lua — traz um raio para os mares...
A abelha — traz o mel... um threno aos lares
Traz a rola a carpir....
Tambem deixa o poeta a selva escura
E traz alguma estrophe, que fulgura,
P′ra legar ao porvir!...
Vem! Do mundo leremos o problema
Nas folhas da floresta ou do poema,
Nas trevas ou na luz...
Não vês?... Do céo a cupola azulada,
Como uma taça sobre nós voltada,
Lança a poesia á flux!...
Boa-Vista. — 1867.