Exaltação (1916)/1

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I CAPITULO

...Gorgoris dizia
Que vos venera sá por nome e fama
Que ouvindo amôr nos animos se cria,
Como por alhos, por cuvidos ee ama.
Ulysséa, Pereira de Castro.

— Eu sou a virgem pantheista, a sacerdotisa do sol — dizia Ladice à sua prima Dinah. — Todas as manhãs, recebo em a boca essa hostia de flammas...

De braços extendidos deixava cair sobre a tez branca e rosea essa luz gloriosa, que a enfeixava em linguas de ouro.

— Vês,— e mostrava-lhe a palma da mão — aqui tenho a vertigem do azul, das alturas, da immensidade. — E os seus olhos se detinham em o arvoredo incendiado, luzidio, impregnado de silencios lascivos.

— Ah! Dinah, ter dezoito annos, este cêo, esta natureza sempre verde, e um coraçãozinho que ora guarda as sombras, a melancolia dos cyprestes, ora é como um iris aberto, gritando ao sol: — mais, ainda mais! Que me será a vida? Que destino terei? — Depois de uma pausa — Com certeza, a minha vontade não prevalecerá, apesar da intelligencia, e das ousadias que trago... Oh! a revolta contra o rigor dos que me governam... Obedecer, obedecer eternamente...

Ladice acabava de libertar-se do jugo de uma professora allemã, mulher sonhadora e mystica, apaixonada de Flaubert e Maupassant, e que trazia em as pupillas esvendeadas as lendas transparentes e finas das margens do Rheno.

— Que t´importa, de resto, obedecer; se é esse o nosso destino — acerescentou a sua companheira.

— Como me irrita cessa tua passividade, aprendida em um convento. Aqui, em casa, esquecem-se de que sou uma mulher... (Querem-me sem inclinações, sem opinião, igual a todos. Meu Deus! é preciso que eu siga a trilha commum, que diga sim, após o sim de toda a geração, que tenha o pensamento que vinte mil cerebros já elaboraram...

— Bem se vê que foste educada por uma estrangeira protestante; se sonbesses mais de religião, não serias assim... Ha instantes em que me fazes medo — observou sua prima timidamente.

— E´ simplesmente effeito de uma natnreza tropical e de leituras classicas, fortes. Qu´importa, Dinah, que seja a primeira & rasgar os preconceitos e as hypocrisias! Querida, tudo evolúe. Mulher hoje é espirito até em os gestos; é breriario de deuses, entendes?

E ambas se riram.

A sra. de Santo Hilario temia as doutrinas audazes, a natureza independente, a intelligencia poderosa de sua filha e a sua avidez sempre crescente, e dominadora, para os altos estudos.

Senhora de costumes antigos, esforçava-se por cercear-lhe essas sementes bravias, esses principios tebeldes, que, com certeza, a deveriam levar por descaminhos perigosos. Anciava por transmittir-lhe, qual recebera de seus antepassados, intactos como um immovel, uma herança, um objecto, as regras estipuladas por uma moral secular; o seu zelo exaggerado então descia aos minimos pormenores, tornando a vida de Ladice quasi intoleravel. Sem o saber, abafava-lhe a exuberancia propria da idade, destruia-lhe o encanto maximo de toda creatura humana — a individualidade, essa victoria soberba do sêr subjectivo.

Ella seguia, de resto, os habitos de seu tempo, do nosso meio, da educação que tivera, e, como toda pessoa carregada em annos possuia a grande habilidade de transformar entes vivos em machinismos, em orgãos conduzidos por imperativos abstractos, em paridades submissas, amorphas...

A sua obsessão, agora, que Ladice surgira da adolescencia, era casal-a com um homem digno, de posição. A respeito do amor, a sra. de Santo Hilario conservava-se em um mutismo desolador: “com a convivencia a dois, elle virá depois” — ajuntava ella ás suas reflexões.

Ladice encarava o casamento como uma redempção, uma alforria; o despedaçamento festivo de seus entraves, o fim delicioso, a paz luminosa de suas angustias; tinha, ao menos, a certeza de agir livremente nesse assumpto, que pertencia á sua felicidade exclusiva.

“O amor, pensava ella, em seu conceito de moça, é a incarnação de Deus em nós, collocando-nos em harmonia com o universo inteiro. No murmurio das aguas, no sussurro da folhagem, na brisa, nas pontas agudas dos crescentes, no silencio, no voltear nervoso dos insectos, ella já divisava sensações estranhas, deleites, prazeres, que lhe pareciam ser variações do amor.

Durante algum tempo o seu coração permanecera como um symbolo inaccessivel; uma flôr mysteriosa, á espera de que mãos mysteriosas a colhessem; a parabola inviolavel...

No homem não era a belleza physica que a seduzia, mas a intelligencia, a erudição, o caracter.

Havia quatro mezes que Ladice lia de continuo certa revista, que lhe caira nas mãos por acaso.

Nas suas paginas, assignadas por literatos de nomeada, ella outorgava a preferencia ao estylo e imaginação bizarra do poeta Pheophilo Fernão de Almeida, residente em Paris.

Falando a respeito ao seu primo João Dalmada, que chegára da Europa, este lhe deu as informações precisas.

— E´ um grande intellectual, de ar meigo e maneiras distinctas; na sua garçonnière elegantissima reune, todos os sabbados, artistas e homens eminentes; mas O seu característico principal é um romantismo estravagante. Imagina tu uma natureza instavel, trabalhada por ancias multiplas... Não descansa, viaja sempre, e, até ás vezes, se perde em lugares exoticos... E´ irresistivel, de resto, e adorado pelas mulheres — concluiu elle.

— Oh! João, que descripção perigosa me fazes... Eu seria bem capaz de amal-o... Como adoro as pessoas singulares... Ah! que vontade de conhecel-o! —E os seus olhos se apertavam como si divisassem no espaço a figura do vate.

— E´ bem provavel que o vejas muito breve. Deverá regressar nestes tres ou quatro mezes, após uma ausencia de oito annos.

— Oito annos de cosmopolitismo, que delicia! — exclamou ella. Naturalmente, vem para fixar-se aqui?

— Não, vem para casar-se.

— Casar-se Meu Deus, que tristeza! Por que o não disseste antes? Ah! Jean, já o amo, vês? — e tomando-lhe a mão, collocou-a sobre o coração, que palpitava de manso. — Que susto! E ella fingia augmentar a sua decepção...

— Então, antecipavas uma conquista, oh! minha selvagemzinha encantadora; tens razão, é o unico homem digno de ti, da tua belleza, da tua carinha de relevo antigo.

— Dize-me, quem é a noiva?

— Creio que é uma prima, de quem elle apenas gosta...

— Será possivel?

— Sim, é verdade; pois são noivos ha longos annos, e ambos têm a mesma idade...

— E´ incomprehensivel... — disse Ladice, sentindo perpassar-lhe pela retina a angustia de um casamento contrariado.

— Theophilo ficou noivo, quando estudante; em se formando, foi viajar; depois passou a residir em Paris; ahi frequentou uma sociedade, onde a intelligencia e a graça da mulher scintillam igualmente. Theophilo, apesar de artista e poeta, não é um bohemio; pelo contrario, ás vezes, passava dias consecutivos em casa, a escrever e a estudar...

— Quanta qualidade num só mortal — ajuntou ella, toda ouvidos.

— O seu espirito se expandia nesse meio de intellectuaes e, insensivelmente, foi-se esquecendo da noiva, que deixára em uma provincia. Afinal, escreveu ao pai, rogando-lhe desfizesse esse contrato; mas o velho, que era tenaz e rijo, recusou-se formalmente e, em palavras violentas, appellou-lhe para os principios nobres, obrigando-o a casar-se dentro de muito pouco tempo.

— E ella? — inquiriu Ladice, triste.

— Ama-o loucamente, tem sido de uma constancia feroz, tem recusado muitos noivos...

— Se fosse eu, dar-lhe-ia a liberdade, embora morresse — respondeu ella, exaltada.

— Mas tu és differente, és uma mulherzinha de nervos sublimes...

— Dize-me mais desse poeta; João, conta-me de seus gestos, de seu geito... Os seus cabellos devem ser bronzeos.

— Não, são negros.

— Os seus olhos, languidos e parados...

— De um castanho febril.

— A boca rubra; baixo.

— Rosea; alto.

— Adora as flores, não é mesmo? com certeza, dorme sobre violetas, rosas despetaladas, fechado em perfumes, como eu...

— Fazes isso, Ladice? —interrompeu João, sobresaltado, — E a tua mãe, sabe? — Elle bem conhecia a severidade de sua tia.

— Não; afinal, que mal ha nisso?

— E', nenhum... — E sorriu.

— Deve reverenciar a lua, a treva...

— Como tu tambem ? — inquiriu João, malicioso, retendo-lhe as mãos...

— Sim, tambem como eu — proseguiu ella com enthusiasmo. — E, á noite, Jean, imagino vel-o com um joelho no chão, a arrancar das estrellas coisas extraordinarias...

— Como tu tambem — disse João, baixinho, sorvendo com 08 olhos essa innocencia ardoga, promissora de exotismos raros.

— Por que tanto interesse por um estranho? — indagou elle.

— Não me é totalmente um estranho. Conheço-lhe as poesias, e, depois, não te posso explicar; creio que já o conheci...

— Mas, como, se nunca o viste?

— Talvez em vidas precedentes — respondeu ella, rindo muito: — Quem sabe? póde ser até que já houvesse sido...

— O teu irmão? — ajuntou elle, de proposito, piscando-lhe os olhos.

— Não, meu marido — coneluiu Ladice, escondendo a cara no hombro de João.

— Ah! imaginação desassisada...! Bem razão tem minha tia em te prender de todos os lados...

Emquanto a olhava, João esboçava em mente o futuro desse corpo estreito, dirigido por uma alma tão cheia de seducções congenitas. Depois de uma pausa :

— De maneira alguma, Ladice, acharás o meio termo na vida. Ou gosarás muito, ou serás muito infeliz. .

— E´ um vaticinio pouco tentador... Ah! Jean! a minha maior ambição é casar-me por amor, entendes? Dahi depende todo o meu bem e o meu mal...

Durante horas, Ladice ficou silenciosa, perdida no perfil de sonho e do legenda do Vate.

A conversa que tivera com o primo e a noticia do proximo casamento de Theophilo perturbavam-n'a a seu pesar, forçavam-lho os pensamentos, formulavam-se, tomavam apparencia. À sua imaginação corria veloz, errava, travessa, estonteada em um torvelinho de idéas, cada qual mais ousada, mais firme, mais deleitosa, embora já marcadas com o impossivel. A´ medida que os dias se passavam, essas divagações avolumavam-se, transformando-se em verdadeiras torturas, em uma quasi allncinação. À falta de divertimentos e de amigas, o isolamento em que vivia, impelliam-n'a, atiravam-n'a para essa loucura sem razão de ser, que a subjugava por completo.

Ladice não cessava de indagar de João sobre a vida do poeta. As vezes, fazia-o directamente, outras vezes com a habilidade e astucia peculiar no sexo.

Sózinha, no quarto, lia os trabalhos de Theophilo; relia-os, tentando subtrahir-lhe segredos, paixões, ancias; adivinhar-lhe o passado; saber-lhe das sensações, dos nervos, das coisas vindouras... Mas a sua innocencia não lhe podia aclarar gritos, reticencias de uma natureza inflammada e insatisfeita. Diariamente, beijava-lho o retrato, uma linda pointe sèche, homenagem de uma revista.

O que, porém, a impressionava nesse perfil suave, era a cabeça magnifica, feita de um só traço largo, amplo, majestoso, de um classicismo admiravel.

Seis mezes mais tarde essa moça romantica annotava no seu diario, intitulado “Livro Prohibido”, e que trazia como divisa sobre a primeira pagina: “Despe o teu eu; deixa á parte a mentira, a hypocrisia, o exterior fallacioso”, o seguinte:

“Julho:

Fazia um tempo detestavel,,. A chuva caia em torrentes, enviez, açoitadora, bravia, uma verdadeira chuva do Rio, após quinze dias de sol.

O vento sibilava, torcia o arvoredo, desmenbrava-o, arremessava ao longe ramos, galhos, folhas, numa confusão brutal.

Às nuvens, assustadas, medrosas, se esgueiravam pelas montanhas, quaes numes bondosos. Na rua, a agua corria impetuosa, barrenta, em golfadas, tal qual se houvessem rasgado as velas da terra... Coisa singular, em vendo da janella essas. contorsões de troncos, esss esgares de frondes, eu sentia paz, alegria, uma sensação de allivio... Como desejei naquelle instante ser assim; sacudida, maltratada...

De repente, a minha attenção foi desperta pelo rodar de um carro, que parou justamente em frente do gradil. De dentro saltou um homem alto, de espaduas largas, vestido de comprido sobretudo; nada mais vi.

Annunciaram Theophilo Fernão de Almeida, em visita ao meu primo João, que está em casa, convalescendo de grave molestia.

Tomei o cartão e levei-o rapidamente aos labios. Senti o alvoroço de uma Ascenção gloriosa; eclosões de consciencias, firmando-se, surgindo em tropel, explodindo nesse beijo interminavel...

Debalde tentei, como Tasso, reter a desordem de meu coração...

Entrou e curvou-se deante de mim. Tive a impressão de ter aos pés a homenagem do Sol. Quando lhe apertei a mão, todo o meu sêr me rozeava “amo-te ha muito”... Nada lhe disse. As palavras me morriam na garganta, e o rubor do embaraço me cobria a face. Dir-se-ia que minha vida fugira para os meus olhos, que se immobilizaram nos seus traços com a curiosidade pertinaz, incommoda, das coisas que se não movem...

A sua voz era cantante; elle falava com calor, vivacidade; embora mostrasse na retina sombras, fórmas apagadas. Com certeza, as maguas de seu casamento contrariado.

A minha alma se transformava em lirios, que se estiravam para o Poeta, como bôcas orando.

Senti uma necessidade incoercivel de ser planta rasteira, chão, flôr atirada, areia, para sentir sobre mim os seus pés, a sua superioridade.

Os meus pulsos queriam extender-se para elle e dizer-lhe: “põe aqui o signal de teu jugo, serei a tua escravazinha apaixonada e fiel”...

De repente, os nossos olhos se encontraram, e eu, apesar de mim, vi-o, á noite, estirado ao meu lado... Empallideci horrivelmente, dos pés á cabeça estremeci...

João pediu-me que mandasse cognac. No fim de certo tempo, trouxe-o eu mesma. Em servindo, enchi demasiado o calice; os seus dedos se molharam; elle riu, e vi-lhe, então, em o lado esquerdo da bôca entre as preses, uma falhazinha...

Sentei-me e puz-me a velar aquelle calice, que havia no seu bojo qualquer coisa delle...

Ao ouvir o meu nome, disse: “E' realmente estranho, é uma palavra aguda, serpentina, elastica... E mediu-me de ponta a ponta.

Que revelação a sua conversa, o seu modo de dizer. E o escutava avida.

Falando de seu casamento, volveu-se para mim:

— Senhorinha, queira acceitar um conselho de quem muito observa:

Seja sempre virgem, inviolavel, fechada em purezas. O caminho do céo ser-lhe-á mais proximo.

Respondi-lhe sem pensar, solemne, abrupta:

— Serei intangível, qual Serva do Senhor.

Tornou a olhar-me, porém, com lentidão, como quem investiga.

Tomei a bandeja e saí da sala; aquelles olhos me faziam mal, tolhiam-me os movimentos.

Bebi, de um só trago, as gotas de cognac que deixára no calice. Meu Deus! é a sua saliva que veio para mim, é o sou halito, a sua aspiração, o seu perfume, que recebi em a bôca...

Poeta, tens o meu coração, a minha alma!

Dou-me ao teu eu, como me hei dado ao Sol e á Treva.

Estrellas, que me vêdes, Silencio das Horas, que dormitam, sois testemunhas da minha offerta a Elle...

LADICE.

11 h. p.m.

P. S. — Fiquei-me em a bôca do Poeta...

Esgueirei-me, passei através da fendazinha de seus dentes.”

* * *

Os nimbos de ouro que a envolviam quebravam-se. Ladice amava Theophilo. A sua presença animara os seus sonhos, dera vigor, palpitação, sopro, verdade, desdobramento ás suas conjecturas indefinidas, vagas, aereas.

Ela o vira; segurára-lhe a mão; ouvira-lhe a linguagem divina; retivera, embora fugazmente, nos seus, os olhos delle; e, emquanto elle não se casasse, tilintava-lhe em o senso, a esperança.

Ladice tornára-se supersticiosa, agarrava-se aos bons angurios com anciedade; si, porventura, ao desfolhar a margarida, a ultima petala lhe dizia um sim, si ao passear nos jardins, as moscas verdes se cruzavam á vista, enroladas em raios de sol, uma alegria febril invadia-lhe, contrahia-lhe o sêr, ebrio de si mesmo.

Mas esses instantes ditosos eram raros, perdiam-se em o espaço, volatizavam-se; quasi sempre, a sua alma, dividida em innumeros fragmentos, sem consistencia, sem unidade, vagava da certeza do irrealizavel á confiança no acaso.

Clamou, rezou, rogou a Deus com fervor de hysterica; fez promessas estravagantes; chegou a offerecer à sua vida por um anno de felicidade, a dois.

Era, porém, na tranquilidade da noite, accordada, fitando a escuridão, meio recostada nas almofadas, que ella vivia a sua vontade dominadora, a sua emoção exclusiva: transportava-se, então, ao seu lado, acompanhava-lhe os passos, balbuciava-lhe palavras de amor, acariciava-lhe a fronte magnifica, repousava a cabeça sobre o seu hombro masculo e forte, detinha a bôca junto de sua bôca, como a eternidade amorosa, demente, tenaz, deante da immortalidade... E assim continuava, voltava, saboreava, repisava os mesmos pensamentos até que extenuada, adormecia.

Nos livros, nos cadernos, na folhagem verde, nas corollas, na rugosidade dos troncos, nas asas das libellulas, entrelaçava os seus nomes, confundia as suas iniciaes.

“Thêo meu!” — saia-lhe dos labios constantemente. Ora, era uma súplica, um gemido, uma explosão, ora, a finalidade radiosa, a interjeição festiva, o corollario de uma affirmação.

Ao ler a noticia de seu casamento, Ladice accrescentou as seguintes linhas em seu “Diario”:

“Agosto,

Todas as lagrimas da separação, todas as flôres dos mortos me cobrem a alma... Atravessa-me os olhos a côr sombria, funerea, das vagas tormentosas...

Thêo, o meu coração irá em pós de ti, sempre, como uma palavra bemdita, uma sombra esperta, uma protecção, um riso do céo...

Tiram-te de mim, mas a minha paixão não quer pausa: serás o meu mysticismo, a minha reverencia pagã, o loto muravilhoso, que me cobrirá integral.

O mais alto obstaculo se levantou entre nós; tu me deves ser, de hoje em deante, uma pessoa sagrada, assim diz a religião, assim me diz a razão... Mas, apesar de mim, amo-te, e tenho todos os mãos pensamentos...

— Deus Providencia, bons Santos, protegei-me, saneai-me a consciencia, dai-me purezas de lirios, de sudarios novos; dôr de remorsos, intenções immaculadas...

Oh! amor infeliz, cercêas-me a felicidade maxima, ennovelas-me a alma de tristezas, que nem o tempo, nem cutros amores, conseguirão jamais apagal-as.

Serei a Nymphéa, a viver á tona d'agua, sem raizes, sem filamentos...

Chorarei o pranto amarga de Isis.

Sobre o meu sorriso traçarei o signal negro da morte.

A minha alma é um areal ardente, é uma fraga violacea, encharenda de sol: Nenhum ruido de gesto alheio, nenhuma vibração de vida estranha...

Nunca mais serei tua... Oh! que horror!

Às minhas mãos te beijam.

LADICE.

P. S. — Theophilo, ainda tenho em os olhos os teus olhares lentos.”

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.