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Fabulas (9ª edição)/7

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O Velho, o Menino e a Mulinha

O velho chamou o filho e disse:

— Vá ao pasto, pegue a bestinha ruana e apronte-se para irmos á cidade, que quero vende-la.

O menino foi e trouxe a mula. Passou-lhe a raspadeira, escovou-a e partiram os dois a pé, puxando-a pelo cabresto. Queriam que ela chegasse descansada para melhor impressionar os compradores.

De repente,

— Esta é boa! exclamou um viajante ao avista-los. O animal vazio e o pobre velho a pé! Que desproposito! Será promessa, penitencia ou caduquice?...

E lá se foi, a rir.

O velho achou que o viajante tinha razão e ordenou ao menino:

— Puxa a mula, meu filho. Eu vou montado e assim tapo a boca do mundo.

Tapar a boca do mundo, que bobagem! O velho compreendeu isso logo adiante, aò passar por um bando de lavadeiras ocupadas em bater roupa num corrego.

— Que graça! exclamaram elas. O marmanjão montado com todo o sossego e o pobre do menino a pé... Ha cada pai malvado por este mundo de Cristo... Crédo!...

O velho danou e, sem dizer palavra, fez sinal ao filho para que subisse á garupa.

Quero só ver o que dizem agora...

Viu logo. O Izé Biriba, estafeta do correio, cruzou com eles e exclamou:

— Que idiotas! Querem vender o animal e montam os dois de uma vez... Assim, meu velho, o que chega á cidade não é mais a mulinha; é a sombra da mulinha...

— Ele tem razão, meu filho, precisamos não judiar do animal. Eu apeio e você, que é levezinho, vai montado.

Assim fizeram, e caminharam em paz um quilometro, até o encontro dum sujeito que tirou o chapeu e saudou o pequeno respeitosamente.

— Bom dia, principe!

— Por que, principe? indagou o menino.

— E’ boa! Porque só principes andam assim de lacaio á redea...

— Lacaio, eu? esbravejou o velho. Que desaforo! Desce, desce, meu filho e carreguemos o burro ás costas. Talvez isto contente o mundo...

Nem assim. Um grupo de rapazes, vendo a estranha cavalgada, acudiu em tumulto, com vaias:

— Hu! Hu! Olha a trempe de tres burros, dois de dois pés e um de quatro! Resta saber qual dos tres é o mais burro...

— Sou eu! replicou o velho, arriando a carga. Sou eu, porque venho ha uma hora fazendo não o que quero mas o que quer o mundo. Daqui em diante, porém, farei o que me manda a conciencia, pouco me importando que o mundo concorde ou não. Já vi que morre doido quem procura contentar toda gente...



— Isto é bem certo, disse dona Benta. Quem quer contentar todo mundo, não contenta a ninguem. Sobre todas as coisas ha sempre opiniões contrarias. Um acha que é assim, outro acha que é assado.

— E como então a gente deve fazer? perguntou a menina.

— Devemos fazer o que nos parece mais certo, mais justo, mais conveniente. E para nos guiar temos a nossa razão e a nossa conciencia. Aquela fita que vimos no cinema da cidade tem um titulo muito sabio.

— Qual, vóvó?

— E ISTO ACIMA DE TUDO...

— Não estou entendendo...

— Esse titulo é a primeira parte dum verso de Shakespeare: “E isto acima de tudo: sê fiel a ti mesmo”. Bonito, não?

— Lindo, vóvó! exclamou Pedrinho entusiasmado. E vou adotar esse verso como lema da minha vida. Quero ser fiel a mim mesmo — e o mundo que se fomente...



Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.