Fabulas (9ª edição)/8

O Pastor e o Leão
Um pastorzinho, notando certa manhã a falta de
varias ovelhas, enfureceu-se, tomou da espingarda e saiu
para a floresta.
— Raios me partam se eu não trouxer, vivo ou morto, o miseravel ladrão das minhas ovelhas! Hei de campear dia e noite, hei de encontra-lo, hei de arrancar-lhe os figados...
E assim, furioso, a resmungar as maiores pragas, consumiu longas horas em inuteis investigações.
Cansado já, lembrou-se de pedir socorro aos ceus.
— Valei-me, Santo Antonio! Prometo-vos vinte rezes se me fizerdes dar de cara com o infame salteador.
Por estranha coincidencia, assim que o pastorzinho disse aquilo apareceu diante dele um enorme leão, de dentes arreganhados.
O pastorzinho tremeu dos pés á cabeça; a espingarda caiu-lhe das mãos; e tudo quanto pôde fazer foi invocar de novo o santo.
— Valei-me, Santo Antonio! Prometi vinte rezes se me fizesseis aparecer o ladrão; prometo agora o rebanho inteiro para que o façais desaparecer.
No momento do perigo é que se conhecem os herois.
— Pois eu escorava o leão! disse Pedrinho. Se estivesse com uma boa espingarda, escorava — ah, isso escorava! Levava a espingarda á cara, fazia pontaria e pum!...
— E se errasse? interpelou a menina.
— Se errasse, peor para mim. Correr é que não corria, porque adianta correr de leão? Ele pega mesmo...
Dona Benta riu-se da valentia e falou.
— Por essa razão é que a "moralidade da fabula diz que é no momento do perigo que se conhecem os herois. Se você não fugia, então é que é mesmo um heroi. Mas o tal pastorzinho não era...
— E foi bom que não fosse, disse a menina.
— Por que?
— Porque se ele fosse um heroi como Pedrinho, não podia haver essa fabula.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.

