Fausto (traduzido por Agostinho de Ornelas)/XI
Como vai o negocio? Anda, é em breve?
Ora bravo, que em fogo vos encontro!
Em pouco tempo é vossa a Margarida.
Ind'hoje á noite em casa da visinha,
Da Martha, a encontrareis. É uma matrona,
Uma mulher.... nem feita de proposito
Para prestar serviços desta especie.
Bravo!
Mas um favor de vós se espera.
Um serviço vale outro.
Deporemos
Validamente, que de seu esposo
O corpo inteiriçado jaz em Padua,
Em terra consagrada.
Mui discreto!
É mister fazer antes a viagem.
Que candura de santo! De tal cousa
Nem se falla sequer. Dás juramento
Sem saber se é verdade.
Se outro meio
Não tiver, o seu plano mallogrou-se.
Santo homem! De certo o sois agora!
Será a vez primeira em vossa vida,
Que levantareis falsos testemunhos?
Não tendes dado já com grande força,
Com insolente fronte, altivo peito,
Definições de Deus e do Universo,
Do que nelle se move, e até do homem
E do que a mente e coração lhe agita?
Se metterdes a mão na consciencia,
Confessareis que disso não sabieis
Mais que da morte de senhor Schwerdtlein.
És e serás sophista e mentiroso.
Era bom se mais longe nós não vissemos.
E amanhã, co'as vistas mais honestas,
Não irás seduzir a Margarida
E amor lhe jurar do fundo d'alma?
E bem do coração.
Bello é bonito!
Depois eterna fé, paixão infinda,
Impulso omnipotente, irresistivel...
Do coração tambem será tudo isso?
Basta. Será! — Se fortemente sinto
E p'ra esse sentir, essa procella,
Nome procuro em vão que nenhum acho;
Se depois com o pensar percorro o mundo,
Das palavras mais altas me apodero
E o fogo em que ardo infindo chamo,
Eterno, eterno; é infernal mentira?
Mas eu tenho razão.
Ouve e repara,
Te peço e que os pulmões poupar me queiras;
Quem quer levar a sua ávante e lingua
Possue, sempre o consegue. Anda 'stou farto
Deste palrar; emfim sempre venceste,
Porque me é força consentir em tudo.