Felicidade pelo casamento/VII

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Aproximava-se o dia da partida.

Eu estava decidido a pedir Ângela em casamento. Contava com a aquiescência do pai e o agrado do tio.

O meu projeto era ir buscar o consentimento de minha mãe e voltar depois.

Ângela, a quem comuniquei isso, disse-me que não me separasse dela; que era melhor escrever à minha mãe; que ela mesma escreveria, e bem assim o pai, diante do que minha mãe não recusaria.

Não pude recusar este conselho.

Mas era preciso aproveitar tempo. Tratei de falar na primeira ocasião ao amigo doutor.

Uma tarde estávamos conversando no gabinete em que ele lia, e tratávamos exatamente da minha futura (1).

— Não pretende voltar mais ao Rio de Janeiro?

— Pretendo.

— É promessa formal?

— Olhe lá!

— Com certeza.

— Sabe que sou seu amigo?

— Oh! sei, sim!

— Ora bem!

— Sei que é amigo e vou pedir-lhe mais uma prova de amizade e confiança.

— Qual é? Quer a lua? disse-me o velho sorrindo. Olhe, não desconfie; é pura brincadeira.

— O meu pedido...

E parei.

— Ah! disse o velho, creio que não é tão fácil assim...

— Doutor, continuei eu, amo sua filha...

— Ah!

Esta exclamação era fingida; percebi-o logo.

— E quer?

— E peço-lha para minha mulher.

— Ângela já me contou tudo.

— Ah! exclamei eu por minha vez.

— Tudo. Sei que se amam. E como negar aquilo que se lhes deve? Em meus braços, meu filho!

Abracei o velho na doce expansão da felicidade que ele me acabava de dar.

Saímos do gabinete.

Ao entrar na sala encontramos três pessoas: Ângela, o tio Bento e Azevedinho.

O doutor foi ao encontro do último, que se levantou.

— Não contava com a sua visita.

— Vinha falar-lhe em um negócio sério.

— Em particular?

— Devia ser, mas creio que não há aqui ninguém estranho à família...

— Decerto que não.

E dizendo isto o velho olhou sorrindo para mim.

— Penso, continuou o rapaz, que também o sr.... é da família... pela amizade.

— É, respondeu o doutor, com sinais visíveis de aborrecimento e desconfiança.

Que quereria Azevedinho? Viria expor-se à negativa? Não esperei muito tempo. O rapaz, erguendo a voz, para que todos o ouvissem, disse:

— Sr. doutor, amo D. Ângela, e desejo recebê-la por minha mulher. Consente?

O velho ficara calado alguns segundos.

Depois, dirigindo-se à filha, disse:

— Ângela, tens dois pedidos de casamento. Acabo de os ouvir com diferença de poucos minutos.

E referiu o que eu lhe tinha dito.

Ângela, consultada, não hesitou. Declarou que seria minha mulher.

Azevedinho ficou pálido de enfiado.

— Sinto... ia dizendo o doutor.

— Oh! não há nada a desculpar. É simples: o meu rival foi mais feliz do que eu...

Despediu-se e saiu.

Restava concluir-se o meu casamento.

Eu e Ângela rimos muito do logro de Azevedinho. Era um prazer cruel que eu tinha em rir da desgraça alheia naquele momento. Como não sentiria eu se o desenganado fosse eu? A diferença está que Azevedinho não sentia nada, e perdeu a conquista como perderia uma pequena aposta.

Soube-o positivamente pouco depois.

No fim de dois meses o meu rival vencido acedera aos velhos pedidos de uma tia que possuía, ao lado de uma fortuna avultada, a mania de acreditar-se capaz de apaixonar um homem.

Tinha ela quarenta e cinco anos e era feia. O rapaz achou-a de uma beleza deliciosa e concluiu o casamento.

A fortuna que a tia, sua esposa então, conservara acumulada, passou para as mãos de Azevedinho, e saiu das mãos dele como um feixe de foguetes incendiados. Em poucos meses Azevedinho viu-se obrigado a pôr termo aos seus caprichos, a fim de salvar alguma coisa e trabalhar para viver o resto da vida.

Consta-me que se tomou um bom homem.

Quanto a mim, resolvido o casamento, tratei de escrever a minha mãe, pedindo o seu consentimento. Ângela quis a todo custo acrescentar estas palavras:

Perdi minha mãe. Quer substituí-la? — Ângela

Veio a resposta daí a um mês. Minha mãe deu o consentimento, mas pedia instantemente que eu fosse, depois de unido, viver na província.

Daí a poucos dias unia-me eu em matrimônio a Ângela de Magalhães.