Felicidade pelo casamento/VI
Dois dias depois estavam ultimados os negócios que me tinham trazido à corte, e eu devia voltar no próximo vapor.
Durante esse tempo Azevedinho foi uma só vez a Andaraí; apesar do espírito brincalhão e alegre, Ângela não pôde recebê-lo com a afabilidade do costume. Isto deu que pensar ao rapaz. Olhou para mim um tanto desconfiado e saiu com a cabeça baixa.
Como estivessem ultimados os negócios fui à cidade para as últimas ordens. Estiveram em minha casa o caboclo e mais dois sujeitos. Despachei as visitas e fui escrever algumas cartas que mandei ao seu destino por João.
Esperava o criado e a resposta de algumas cartas, quando ouvi bater palmas. Era Azevedinho. Fi-lo entrar e perguntei ao que vinha.
O rapaz estava sério.
— Venho para uma explicação.
— Sobre...
— Sobre as suas pretensões acerca da filha do Magalhães.
Sorri-me.
— É intimação?
— Não, de modo nenhum; sou incapaz de fazer uma intimação que seria grosseira e mal cabida. Desejo uma explicação cordial e franca...
— Não sei que lhe hei de dizer.
— Diga que gosta dela.
— Perdão; mas por que dever lhe hei de dizer isso? ou antes, diga-me com que direito mo pergunta?
— Eu digo: amo-a.
— Ah!
— Muito...
Fixei o olhar no rapaz para ver se a expressão do rosto indicava o que dizia. Ou fosse prevenção, ou realidade, achei que aquele amor era dos dentes para fora.
— Mas ela? perguntei eu.
— Ela não sei se ama. Devo acreditar que sim; posto que nunca tivéssemos explicações a respeito. Mas a sua resposta?
— A minha resposta é pouca coisa: dar-me-ia por feliz se fosse amado por ela.
— Mas é?
— Dar-me-ia por feliz se fosse amado por ela...
— Não quer ser franco, já vejo.
— Não posso dizer mais. Para que nos ocuparemos a respeito de uma pessoa a cuja família devo obséquios, e que é, portanto, já parte de minha família?
— Tem razão.
E, despedindo-se de mim, saiu.
Acompanhei-o à porta e voltei para a sala pensando na franqueza com que aquele rapaz viera saber de mim se podia contar com o coração da moça. E por que viria? Teria arras para isso? Nova dúvida assaltou o meu espírito, e eu voltei para Andaraí mais triste do que saíra.
Ângela notou isso; perguntou-me o que tinha. Então falei-lhe francamente. Perguntei-lhe, na plena confiança do amor, se nunca tivera para Azevedinho um sintoma de afeto, um penhor que o autorizasse a deitar para ela olhos amorosos.
Respondeu-me que nunca o amara nem lhe dera lugar a fazer-lhe nascer esperanças de amor.
Pareceu-me que Ângela era sincera; acreditei.
Depois conversamos de nós. Perguntei-lhe se estava certa do sentimento que eu lhe inspirava; se aquilo não era uma simples fantasia, em que o coração não tomava parte.
A pergunta indicava a dúvida, e a dúvida não se desfazia só com a simples resposta, uma vez que Ângela quisesse mentir.
Mas eu não contava com as palavras simplesmente. Contava com o resto, com o tom das palavras, com a luz dos olhos. Olhei para ela fixamente e esperei a resposta.
— Oh! disse ela, acredito que este amor é verdadeiro. Sinto que é isto, porque nunca felicidade tamanha me abriu ao coração as comoções do presente e as esperanças do futuro.
E dizendo isto, os olhos úmidos de lágrimas de ventura, como chuva de primavera, abriram-se para fazer penetrar o meu olhar até o mais fundo do coração.
Era sincera.
Ângela continuou:
— E acredita que foi simplesmente daquele primeiro dia, o do bordado, que eu comecei a amá-lo? Não, foi desde que cheguei à casa. Foi um sentimento que nasceu em mim repentinamente: é verdadeiro, não?
Esta pergunta era feita com uma graça adorável.
Minha resposta foi um beijo, o primeiro, mas um beijo respeitoso, casto, onde resumi todas as aspirações e todos os sentimentos do meu coração.