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Galeria dos Brasileiros Ilustres/Ângelo Moniz da Silva Ferraz

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A vida deste cidadão é uma eloqüente demonstração do poder, e direitos da inteligência no governo monárquico representativo; é a história parlamentar e a administrativa da mais bela parte do Segundo Reinado.

Desde que se matriculou na Faculdade de Direito na cidade de Olinda, até que se sentou como presidente do Gabinete (1 2 de agosto de 1859) nos Conselhos da Coroa, ministro das Finanças, a sua vida política tem sido de esforços não interrompidos, de lutas ardentes, e de conquistas gloriosas.

Sem apoio de família, contando somente com seus recursos intelectuais, o jovem se distinguiu, se engrandeceu, sem que alguém se possa queixar, com o direito de preterido. Sua posição e o seu renome, ele conquistou por si só. Espírito investigador, alargou os horizontes de seus conhecimentos até onde podia alcançar o seu amor da ciência.

Homem de luta, nunca foi acometido de desânimo, e nem deu costas aos mais terríveis combates, nas mais críticas circunstâncias. Amigo do trabalho, nem as vigílias o enfraquecem, nem as dificuldades o esmorecem.

A coragem, a tenacidade e a energia que desenvolveu no começo de sua vida, como que denunciavam qual deveria ser o seu futuro. O que ele é no país vem a ser a conseqüência necessária do que foi.

Na mocidade desenvolveu uma atividade, grandeza d'alma, e coragem, que fizeram a admiração de seus companheiros, superiores, e até do governo.

Alinhados os soldados voluntários da ordem pública na cidade do Recife, ele foi abraçado pelo presidente da província o Exmo. Sr. Pinheiro de Vasconcelos, como uma prova de reconhecimento ao valoroso batalhador, que arriscou, só por patriotismo, a sua vida na defesa da sociedade.

Já na infância, ele merece a confiança que se deposita em um homem provecto. Comunica-se com o governo, e dispõe de armas e soldados. A coragem o fez chefe, e o desinteresse lhe deu prosélitos. Marchou com um reforço da província das Alagoas para a de Pernambuco por terra, passando mil privações, que só o entusiasmo, e o amor da pátria, e da glória, poderiam compensar.

Na defesa da ordem pública na cidade do Recife, arriscou muitas vezes a sua vida nos combates, em que tivera parte ativa, e proeminente. Os seus colegas, hoje no Senado, Cansanção de Sinimbu, Nabuco de Araújo, foram testemunhas de seus atos de valor.

Alistado no Partido Moderado, era o primeiro, e mais decidido a reprovar os excessos dos vencedores, e a proteger a sorte dos vencidos.

Com a mesma atividade, e possuído de convicções, sagradas pelo desinteresse da mocidade; entrega-se às lutas da imprensa. Falou ao povo sem levantar ódios, sem enraivecer ciúmes; falou às idéias, aos c orações, e ao patriotismo.

As provas destes brilhantes combates literários, e pacíficos, devem existir nos arquivos, ou bibliotecas da cidade do Recife, que conservarem os periódicos políticos dessa época. A infelicidade do escritor de folhas políticas, consiste no esquecimento do serviço, logo que se consegue o benefício, pelo qual se esforçou.

Soldado valente nas ruas e praças de uma cidade em revolta, e debaixo das ameaças da tropa anarquizada, mostrou igual valor nas pelejas da imprensa.

Advogado, juiz, administrador, ministro e presidente do Conselho, percorreu todas estas posições, deixando em cada uma delas, belas recordações, e indeléveis traços de longos trabalhos e de uma atividade incansável.

No cumprimento do seu dever, não teme a responsabilidade, nem acaricia interesses ilegítimos. Afronta todos os obstáculos, com que a má vontade de uns e o egoísmo de outros, lhe opõem. Reconhecida a utilidade pública, a promove, não obstante o alarido dos adversários. Possui a firmeza das grandes convicções. Parece que a adversidade e as lutas o reanimam.

Juiz de Direito, distribuiu justiça com imparcialidade e sabedoria. Severo, sem ódios, benevolente, sem fraqueza, e justo, sem contemplação. O crime, o encontrou sempre vigilante para o convencer, e inexorável para puni-lo. Cioso de suas prerrogativas, e dos direitos da magistratura, nunca admitiu influência política do governo no julgamento dos criminosos. Se o impedimento no exercício de suas funções, e de seus direitos, resistia. Se ousavam insinuar-lhe um procedimento irregular, ou uma atividade exorbitante, ou uma inércia negligente, desobedecia.

Em suas mãos a vara de juiz foi um poder, como a Constituição organizou, e não um ridículo simulacro, como o abuso o tornou.

Esta altivez no juiz, assim como a independência nos altos empregos, que tem exercido, levantaram-lhe desafetos, e inimigos, que lhe fizeram a mais desabrida guerra. Mas, cumpriu com seu dever, é esta a sua consolação. Se apaixonados contemporâneos o doestam, a posteridade lhe fará a justiça, que merece.

Ele o disse solenemente na Câmara dos Deputados, no caráter de presidente do Conselho: não quero conquistar efêmera popularidade, mas sim fazer benefícios reais a meu país .

Se como inspetor da Alfândega da corte, tivesse condescendido com a malversação, que diminuía as rendas do estado, se como ministro das Finanças deixasse impune a agiotagem fraudulente, e sem entranhas, teria tido, sem dúvida alguma, uma vida pacífica, porém inglória, e em pura perda para o país.

Homem de vontade forte, não sabe aceitar posições equívocas, e estéreis. Ele caminha sempre, e se o querem fazer parar, luta até decidir-se a vitória em favor de alguém. Não adia dificuldades nascentes, porque se arreceia que elas tomem raízes profundas, e cresçam tanto, que depois seja impossível vencê-las.

Na Inspetoria da Alfândega, na administração da província de São Pedro do Sul, na presidência do Conselho de Ministros, e no ministério das Finanças, lutou francamente, e com todas as suas forças. Venceu.

A sua estatura, o porte, a bela cabeça, a larga fronte, os olhos vivazes, os modos generosos e amáveis, convencem a quem o vir, ainda que o não conheça, a sua superioridade de espírito.

Em política é conservador-progressista. Devotado às suas idéias, a seus amigos, e prudente para com seus adversários.

Nos anais da administração pública, seu nome não desaparecerá, e seus benefícios serão duradouros.

Passemos aos fatos, e às épocas mais memoráveis de sua vida.

Nasceu o conselheiro Ângelo Moniz da Silva Ferraz na cidade de Valença, província da Bahia, no ano de 1812.

Sua família o destinava para a vida eclesiástica. Aprendeu em cidade da Bahia as humanidades com os mais distintos mestres, entre os quais avultava Fr. João Quirino Gomes, que lia filosofia no colégio da Palma, edifício antigo dos padres jesuítas.

A elevação do Brasil à categoria de Reino, e a mudança da sede da monarquia portuguesa para a América, tinha despertado ambições, e fortalecido esperanças, de modo que a mocidade principiou a aspirar a um futuro mais lisonjeiro, e próspero. Muitos jovens votados ao serviço dos altares, desfizeram os planos de suas famílias. As novas idéias, e a abertura de cursos jurídicos no país (1828) libertaram as inclinações forçadas.

Em 1830, com 18 anos de idade, seguiu para Olinda, onde se matriculou estudante do 1º ano jurídico, sendo-lhe em 1834 colado o grau de bacharel em Direito.

Desde 1830 até 1834, trabalhou na imprensa, propagando idéias moderadas, para cuja defesa empenhou a vida, e os mais aturados esforços intelecutais. Foram seus companheiros, os conselheiros José Tomás Nabuco de Araújo, e Cansanção de Sinimbu.

Apenas formado em Direito, com o conselheiro Sinimbu, acompanhou as forças militares das Alagoas, que combinadas com as de Pernambuco, retomaram a povoação de Jucuípe ocupada pelos cabanos.

Em 1835, tomou posse do lugar de promotor público da capital da Bahia, em que se distinguiu por sua coragem, probidade, e dedicação ao serviço público.

Nomeado juiz de Direito da Comarca da Jacobina em 1837, exerceu as árduas funções deste cargo até 1843, sem levantar uma queixa de falta de administração severa, e imparcial de justiça. Foi um magistrado modelo, porquanto além de seus atributos morais, mostrou uma inteligência forte e ilustrada.

Cercou-se de tal prestígio em toda a sua comarca, que conseguiu com sua única autoridade moral, abafar um movimento arrebentado na Vila Nova da Rainha, repercussão da revolta da capital, intitulada de Sabino.

Eleito deputado provincial de sua província natal, foi seu primeiro ato interessar-se por uma petição ao Poder Moderador, solicitando a anistia dos revoltosos vencidos. Os sofrimentos excessivos de seus patrícios, alguns dos quais eram amigos particulares, irritaram-no tanto, que no justo desabafo da indignação, ressentiram-se algumas autoridades policiais, que pretendiam abusar da vitória, esquecidos de que eram todos filhos da mesma pátria, e que, se haviam iludidos, não eram perversos.

Com toda a energia censurou as inúteis perseguições feitas aos vencidos; do que lhe veio desgostos, devidamente compensados pela satisfação de ver perdoados, e anistiados os vencidos, de quem se tinha constituído generoso patrono.

O povo baiano tem-lhe sido sempre reconhecido. Reeleito deputado provincial até 1843, trabalhou constantemente em bem da província, e se ocupou dos mais sérios trabalhos nas diferentes, e difíceis comissões para que foi nomeado.

Em 1842, foi eleito deputado à Assembléia Geral, e dissolvida previamente a Câmara dos Deputados, voltou de sua província releito, e continuou a sê-lo até a dissolução de 1848.

Este período é um dos mais gloriosos de sua vida. Por sua ilustração, energia, e trabalho infatigável, constituiu-se o líder da famosa oposição daqueles tempos. Sempre na tribuna, velava as noites consultando os livros. Seu s discursos revalam uma copiosa leitura, e uma proficiência de estudos políticos e administrativos, que faziam a admiração e orgulho de seu partido, e o receio de seus adversários. Orador veemente, tem os segredos da eloqüência, arrastando e convencendo. Teve dias de verdadeiro triunfo. Seus amigos o abraçavam depois do combate, e seus adversários lhe faziam todas as honras devidas aos homens superiores.

No futuro, os historiadores do nosso parlamento hão de dar a esses discursos seu preço real. A inveja dos contemporâneos não chega até à posteridade, para lhe turvar o espírito, e viciar a consciência.

Em 1843, foi removido de juiz de direito da comarca da Jacobina para o lugar de juiz dos feitos da fazenda da Bahia, que exerceu apenas até junho de 1844. A magistratura nessa época estava sujeita à vontade discricionária do Poder Executivo, que o removeu de juiz dos feitos da Fazenda da Bahia, para a 1ª vara do crime da corte, por ter o juiz deputado se recusado a prestar apoio político à administração.

O juiz recebeu sem queixa a punição infligida ao deputado. Tomou posse de seu novo cargo, e logo deu provas de sua atividade e zelo, abrindo a primeira correição no foro da corte. Seus acertados provimentos corrigiram velhos abusos e perniciosas práticas, que dificultavam a administração da justiça. Destes penosos trabalhos nunca houve remuneração alguma, senão a satisfação interna de ter cumprido seus deveres.

Por ocasião de instruir-se o famoso processo Lírio (empregado do Tesouro) julgou necessários exames na escrituração do Tesouro Nacional, para bem avariguar do delito e reconhecer quais fossem seus autores e cúmplices.

Não convindo devassar o estado viciado dessa escrituração, que acarretaria para o processo novos culpados, e denunciaria a negligência e desídia com que corria aquela repartição, foi interdito ao juiz de Direito Criminal proceder aos exames exigidos, devendo-se contentar para o julgamento do infeliz Lírio, com as provas que pudesse aduzir a acusação, restrita em seus recursos. E assim deixava-se o juiz da terrível perplexidade de uma absolvição em fato tão grave, ou de um castigo sem todo o fundamento. Impunidade, ou tirania.

O ministério cortou todas estas dificuldades, removendo como pena, da corte para a comarca de Campo Maior, na província do Piauí, o magistrado escrupuloso, que não quis arriscar a sua consciência, os direitos da acusação e defesa, às pretendidas imunidades do Tesouro Nacional, que se arrogou os privilégios das igrejas nos tempos de devoção clássica, onde se homiziavam os facínoras impunes.

Para julgar do processo Lírio nomeou-se um outro juiz. O removido não pôde obedecer; e nem seguiu para sua nova e longínqua comarca, que lhe pareceu uma pena de degredo. Interrompeu forçadamente a sua carreira de magistrado, que levava tão brilhante e gloriosa.

O ilustre ministro da Fazenda em 1848, Francisco de Paula Sousa e Melo, o nomeou inspetor da Alfândega da corte em 29 de julho do ano citado. Não deliberado a aceitar esta comissão tão espinhosa naquela época, pelos rumores e acusações que se propagavam contra a má fiscalização da Alfândega por improbidade de alguns empregados de todas as hierarquias; foi reduzido a isso, por instâncias do ministro Rodrigues Torres, hoje visconde de Itaboraí. Cinco anos serviu este emprego no meio das mais violentas lutas da malversação, dos ressentimentos e dos interesses ilegítimos.

O conselheiro Ferraz sustentou com coragem a sua posição, e levou ao cabo o seu projeto de reforma. Demitiu os incorrigíveis, elevou os probos, e repreendeu os negligentes. Inspecionava tudo, e todos. Surpreendia os empregados, cuidava nas obras, e fiscalizava a arrecadação, com tal proveito para o país, que sem mudança na legislação fiscal, e sem agravação dos direitos, conseguiu que a Alfândega dobrasse de renda.

Saindo da Alfândega, foi nomeado procurador fiscal do Tesouro Nacional, de cujo emprego pediu e obteve demissão em 1855, por se ter declarado em oposição ao gabinete Paraná.

Como presidente da comissão encarregada de confeccionar uma nova Tarifa da Alfândega, apesentou, depois de longos estudos, um trabalho importantíssimo, que tem servido como o primeiro e o mais regular para base e doutrina de outros posteriores, que o seguiram em geral, e que na parte em que dele se apartaram, não foram felizes.

Por carta de 28 de outubro de 1853 foi agraciado com o título do conselho.

Por carta de 1º de maio de 1856, foi escolhido por S. M., o Imperador, em lista sêxtupla da província da Bahia, senador do Império.

Em 28 de agosto de 1857 foi nomeado no Ministério Olinda, presidente da província de São Pedro do Sul. Com poucos meios fez na

província importantes obras de suma utilidade, e que hão de perpetuar aí o seu nome.

Em 10 de agosto de 1859 foi nomeado presidente do Conselho de Ministros da Fazenda e interinamente do Império.

Os trabalhos que fez no sentido de melhorar a arrecadação dos impostos, e de afrontar um déficit de perto de dez mil contos, fazem por si sós a vida e a glória de um homem de estado. Seria preciso um volume para oferecê-lo em relevo, e mostrar toda a sua importância.

Até hoje no Brasil nenhum ministro trabalhou mais.

O gabinete Ferraz praticou uma política moderada. Não proscreveu a ninguém, nem exerceu o favoritismo.

Respeitou a vontade nacional, deixando correr livres as eleições gerais, não ofendeu os direitos do cidadão, não vexou e nem oprimiu.

Para servir a seu país, não acariciou injustas pretensões, eis a razão do alarido dos turbulentos, que sentem na paz a estagnação de seus ilegítimos interesses.

A posteridade há de fazer a justiça, que os contemporâneos sensatos nunca recusaram ao ministério Ferraz.

Eis a vida resumida do jovem acadêmico, do magistrado, do orador, do administrador e do ministro. Esta ilustre vida começada em 1812 até hoje tem deixado em sua passagem rastros de luz. O futuro dar-lhe-á a última e a mais brilhante auréola.