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Galeria dos Brasileiros Ilustres/Conde de Santa Cruz, Arcebispo da Bahia

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O Exmº e Revmº Sr. D. Romualdo Antônio de Seixas, atual arcebispo da Bahia, e metropolita do Império do Brasil, seu primaz, e uma de suas maiores glórias nas letras e virtudes, nasceu em Camutá, vila e hoje cidade da província do Grão-Pará, no dia 7 de fevereiro de 1787, de pais honrados ainda que pouco favorecidos da fortuna, o Sr. Francisco Justiniano de Seixas e a Srª D. Ângela de Sousa Bitencourt.

Sua família pertencia às mais antigas e principais da província. Como fosse ele o primeiro fruto do feliz consórcio de seus pais, era o ídolo e o objeto da ternura deles a tal ponto que, desejando seu pai enviá-lo à capital para aí receber a educação literária, sentia tão viva saudade, que declarava desistir dessa resolução, se no momento da partida seu filho chorasse. Mas tão grande vontade mostrava já o jovem Romualdo de se entregar às letras, de que havia de ser tão extremado cultor, que apesar da tenra idade de 7 anos, e do afeto filial tão natural na infância, não só não derramou uma só lágrima mas até manifestou satisfação e alegria, como pressentindo naquele primeiro passo de sua vida a glória que o esperava no mundo literário, e que compensaria a seus desvelados pais a pena daquela ausência.

Seu tio, o padre Romualdo de Sousa Coelho, a quem fora recomendado, e que era então secretário do Exmo bispo diocesano D. Manuel de Almeida de Carvalho, o fez entrar no Seminário Episcopal, onde esteve por espaço de um ano, passando logo depois para a companhia do mesmo seu tio, que residia no próprio palácio do prelado. Continuou porém o jovem Romualdo a freqüentar o seminário como aluno externo, sem que todavia lhe faltassem as condições do internato, tão necessário para inspirar nos candidatos ao sacerdócio os sentimentos de sólida piedade porque as proporcionavam em alto grau a casa de bispo tão virtuoso e os exemplos de tão digno mentor.

Estudou gramática latina no espaço de três anos, e com tanta distinção, que seu professor, um dos mais hábeis que há tido aquela província, não cessava de o elogiar publicamente à face de seus condiscípulos. A par de muito talento desenvolvia-se nele um tão vivo ardor pelos estudos, que, aproveitando as tréguas dadas aos trabalhos escolares, aprendeu a língua francesa, em que se aperfeiçoou, lendo todos os dias a vida dos santos escrita nesse idioma, adquirindo ao mesmo tempo com o conhecimento deste a importante lição das práticas virtudes dos heróis cristãos, como quem havia de ser chamado um dia para as inculcar com a palavra e com ações ao rebanho de Jesus Cristo. Passou depois a freqüentar a aula de Filosofia Racional e Moral no colégio, que então se abrira no Convento dos religiosos de Sto. Antônio, por faltar essa aula no seminário; seus progressos foram rápidos nessa sublime arte de pensamento, e lhe conciliaram particular estima, e consideração de seus mestres, que assim davam testemunhos de admiração ao precoce desenvolvimento com que seu espírito se exercitava nas dissertações sobre as mais importantes questões de Filosofia. Esse brilhante começo de vida literária em um jovem que apenas contava 13 para 14 anos de idade, não podia deixar de atrair a atenção de prelado tão douto como zeloso pelos interesses da Igreja a cujo ministério se dedicava esse notável estudante. Sob seus auspícios pois resolveu o padre Romualdo de Sousa Coelho enviar seu sobrinho a Portugal com o fim de concluir os estudos na célebre congregação de São Filipe Néri, que ainda então florescia em letras e virtudes pelos grandes varões que em seu grêmio possuía.

Foi ali recebido com singular agrado o jovem paraense, de modo que não sendo permitido no 1º ano, em que havia uma espécie de noviciado, freqüentar as aulas, fez-se em seu favor uma exceção de regra, dando-se-lhe licença de ouvir as lições de Física do insigne padre Teodoro de Almeida.

Depois de dois anos, em que muito aproveitou com tão grandes mestres, foi indispensável regressar a seu país; mas demorando-se ainda alguns meses em Lisboa, empregou-os com tino e gosto, em visitar as bibliotecas e outros estabelecimentos literários, e bem assim em aperfeiçoar-se no estudo da eloqüência e outros ramos de literatura na companhia do famoso Doutor José Joaquim Ferreira de Moura, que depois foi um dos principais ornamentos das Cortes de Portugal, e que muito o apreciava, convidando-o para diversos exercícios literários.

Voltando ao Pará na idade de 18 anos, desejava muito o prelado, seu benfeitor, achar uma oportunidade, em que pudesse fazer brilhar os talentos do seu protegido, e essa não se fez muito esperar à generosa benevolência do ilustre protetor, porquanto, abrindo-se então a Aula Pública de Filosofia com grande solenidade e assistência do capitão-general conde dos Arcos, de cujo governo receberam as letras entre nós a mais viva animação.

Foi o jovem Romualdo encarregado de recitar, depois da oração inaugural do respectivo professor, um discurso análogo ao ob-jeto, comissão que desempenhou com grande e geral aplauso. Desde então o conde dos Arcos o honrou com sua estima, e não cessou de tecer elogios ao seu talento, mesmo depois que se retirara para o Rio de Janeiro.

Sendo iniciado no estado eclesiástico pela recepção da prima tonsura, foi logo nomeado mestre de cerimônias do sólio; e depois chamado ao magistério no seminário eclesiástico, ocupou sucessivamente desde a idade de 19 anos as cadeiras de Gramática Latina, Retórica e Poética, Filosofia Racional e Moral, língua francesa, e ultimamente Teologia Dogmática, com notável aproveitamento de seus discípulos, alguns dos quais ainda hoje se distinguem por suas luzes e posição social, sendo essa uma das épocas em que mais floresceu em letras o mencionado seminário.

Chegando à competente idade de 21 anos recebeu a ordem subdiaconal; e como uma graça especial de seu prelado e por tantos títulos merecida, teve logo a permissão de anunciar a palavra divina, sendo os seus primeiros ensaios na oratória sagrada, cujo modelo veio a ser, o panegírico de São Tomás de Aquino, que ele havia escolhido para prote-tor de sua aula, e que o improvisou por haver adoecido na véspera da festividade o Exmo bispo diocesano, que o havia prometido pregar; e poucos dias depois o de Santana na então Vila de Camutá.

Exercia pela segunda vez o magistério de Filosofia, e havia já recebido a ordem de diácono, quando por ocasião da chegada do príncipe regente e sua corte ao Rio de Janeiro o elegeu o mesmo bispo D. Manuel de Almeida para ir em seu nome cumprimentar o soberano, e ao mesmo tempo tratar de graves e importantes negócios da diocese. Nem a pouca idade, nem a circunstância de não ter ainda as ordens todas foram dificuldade para essa preferência tão justificada pela circunspeção de seu caráter, pela soma de seus conhecimentos e gravidade de costume.

Acompanhado de outro jovem eclesiástico, vice-reitor do seminário, partiu a cumprir essa honrosa comissão com viagem laboriosa e longa porque em tal época mui poucas comunicações havia para o Rio de Janeiro.

Foi preciso começá-la dirigindo-se pelo interior da província até a cidade de São Luís do Maranhão, onde perto de um mês esperou que se concluísse o fabrico da embarcação que o conduziu a Pernambuco com escala pelo Ceará em cuja capital se demorou alguns dias, e dezoito naquela outra.

Nessas capitais recebeu muitas demonstrações de hospitalidade e benevolência, que suavizaram os penosos sofrimentos e até mesmo privações de viagem tão incômoda como incerta. De Pernambuco seguiu para o lugar do seu destino em uma excelente galera, onde encontrou toda a sorte de comodidades, e excelentes companheiros.

Chegando à nova corte do Brasil teve com o seu colega a honra de apresentar-se ao príncipe regente, que os acolheu com singular benignidade, mostrando grande prazer por esse testemunho de vassalagem enviado de uma das mais remotas províncias de seus estados.

Cumprida esta primeira parte de sua missão, passou a tratar dos negócios, de que ia encarregado, sendo o principal deles o conflito do seu prelado com a junta da Coroa, que por ocasião do recurso interposto por um padre criminoso, a quem ele suspendera do exercício de suas ordens, procedera até ocupar-lhe as temporalidades.

Nessa ocasião não só mereceram os dois jovens eclesiásticos o mais distinto acolhimento da parte de Sua Majestade, mas também este os agraciou com a mercê do hábito de Cristo, e promoveu-os às cadeiras de Cônego da Sé do Pará, então vagas.

Regressando ambos à sua província, recebeu o cônego Romualdo a sagrada Ordem de Presbítero, e celebrou a sua primeira missa na igreja paroquial de Camutá no dia 1º de novembro de 1810, algum tempo depois de tomar posse de seu canonicato.

Sempre afeiçoado à terra de seu nascimento, foi nela por algum tempo prestar os serviços de vigário encomendado, até que de novo chamado à capital exerceu os cargos de provisor e vigário geral durante a ausência de seu tio, o cônego Romualdo de Sousa Coelho, que fora pelo referido prelado enviado ao Rio de Janeiro para assistir à coroação do Rei. Vagou a Sé do Pará pela morte de seu bispo, e sendo o cônego Sousa Coelho nomeado vigário capitular, e alguns meses depois sucessor no bispado, partiu novamente para a corte a esperar as bulas de confirmação, ficando entretanto seu sobrinho o cônego Seixas eleito para o substituir no dito cargo de vigário capitular. Coube a esse jovem e já tão distinto eclesiástico a honra de pregar nas exéquias do dito seu prelado e benfeitor. Ninguém certamente estava mais habilitado para tecer o elogio do ilustre finado do que aquele que testemunhara tão de perto suas virtudes. Essa tocante e eloqüente oração fúnebre, em que as evangélicas ações do morto realçam nas pompas do estilo e na linguagem sentimental do orador, profundamente comovido por tão grande perda, foi impressa em Lisboa, merecendo que um dos mais insignes pregadores dessa capital, a cuja censura fora submetida, dissesse que o autor do discurso começava por onde os outros acabavam.

Por este tempo chegaram ao Pará os dois sábios naturalistas alemães Drs. Spix e Martius, com o fim de fazerem explorações científicas; distinguindo logo o subido mérito do vigário capitular dessa diocese, contraíram com ele íntimas relações de amizade, e quando voltaram à Europa, lhe enviaram de lá o diploma de sócio da Real Academia das Ciências de Munique.

Proclamando-se em Lisboa a Constituição, teve de se organizar no Pará a junta provisória, que deveria governar a província; e era tão proeminente o conceito do Sr. Romualdo Antônio de Seixas, que sobre sua pessoa recaiu a eleição de membro e presidente da referida junta; prestando nessa qualidade relevantes serviços ao país, como fosse, entre outros tão conhecidos dos paraenses, a abertura de um canal de maior urgência para o comércio por facilitar a comunicação com o interior da província; o projeto de uma estatística da mesma, nomeando-se para esse efeito comissões sob a direção do ilustrado tenente-coronel Baiena; a conclusão do fabrico da fragata Imperatriz individual, e as missões entre os índios do alto Amazonas.

Obrigado pela força armada a aceitar pela segunda vez a presidência da nova junta provisória em 1823, quando ainda o Brasil se achava unido a Portugal, fez o relevantíssimo serviço de salvar a vida de alguns jovens das principais famílias, que, havendo imprudente e prematuramente proclamado a Independência, tinham sido condenados à morte, conseguindo o Sr. Seixas, a despeito de furiosa resistência dos chefes militares, e com risco de sua própria existência, que eles fossem enviados a Lisboa com o aparente pretexto de solicitar-se a aprovação do Poder Moderador, mas com a oculta confiança de que só assim os poderia subtrair ao infame suplício, como de fato aconteceu, regressando eles imediatamente salvos aos seios da pátria por cuja liberdade se haviam sacrificado. Essa salvadora medida, proposta pelo humaníssimo e patriota presidente da junta por meio de uma enérgica indicação, em que demonstrava sua conveniência política, causou geral satisfação, ilu-minando-se nessa noite quase toda a cidade.

Esforçando-se a metrópole por conservar o Brasil ligado a seu jugo, e resolvendo-se nesse intuito organizar um conselho de Estado composto de portugueses, e ultramarinos, foi o Sr. Seixas um dos nomeados membros do referido conselho por proposta das Cortes, mas não chegou a tomar posse desse cargo, por haver caído a Constituição em Portugal. Por esta ocasião foi também eleito deputado suplente às Cortes.

Proclamada a Independência do Brasil, foi eleito deputado pela sua província à Assembléia Geral Legislativa, e bem assim membro do conselho geral da mesma província, e só deixou de entrar na lista tríplice para senador, porque, sendo eleito, apressou-se em declarar que ainda não tinha a competente idade, pois que contava 38 anos.

Partindo como deputado para o Rio de Janeiro, SM o Sr. D. Pedro I começou logo a distingui-lo com sua particular estima e benevolência. Na pomposa cerimônia de apresentação do recém-nascido príncipe imperial (hoje imperador o Sr. D. Pedro II) coube-lhe a honra de pregar um eloqüente discurso, que correu impresso por todo o Império. No fim da sessão legislativa, quando se preparava para regressar à sua província, foi nas vésperas da partida tão digna e providencialmente nomeado arcebispo da Bahia por decreto de 12 de outubro de 1826.

Nomeação verdadeiramente inspirada pelo céu, e cujo acerto, confirmado por uma série de fatos gloriosos, honra sobremaneira o príncipe que a fez.

Esse inesperado acontecimento, mudando todos os planos do distinto deputado pelo Pará, roubando-o talvez para sempre de suas visitas para o colocar na eminente dignidade de primaz de todo o Império, obrigou-o a ficar na corte, aguardando as bulas de sua confirmação.

Nesse ínterim falecendo a primeira imperatriz, foi o arcebispo eleito da Bahia encarregado de preparar a oração fúnebre, que corre também impressa na coleção de seus primorosos escritos.

Sendo expedidas as bulas de confirmação em 30 de maio de 1827 pelo Smo P. Leão XII, teve lugar a sagração do Exmo Sr. Romualdo de Seixas no dia 28 de outubro de 1827 na capela imperial, sendo seu sagrante o Exmo bispo capelão-mor D. José Caetano da Silva Coutinho, e recebeu o pálio das mãos do mesmo prelado na sua capela episcopal no dia 4 de novembro seguinte, assistindo a esta cerimônia os Exmos bispos do Maranhão e de São Paulo.

Em data de 18 de maio de 1828 dirigiu ele da corte sua primeira carta pastoral, saudando os seus diocesanos na efusão daquele zelo e caridade que caracterizam os escolhidos de Deus.

Não lhe sendo possível logo tomar pessoalmente posse do arcebispado, nomeou para esse fim na qualidade de governador o cônego deputado geral pela Bahia o Dr. José Cardoso Pereira de Melo, que em nome de S. Exa Revma a realizou no dia 31 de janeiro de 1828 com grande pompa e solenidade.

Na sessão legislativa de 1828 foi eleito presidente da Câmara, cargo que exerceu sucessivamente até o fim da mesma sessão, e depois do encerramento desta partiu para a Bahia, em cujo porto chegou no dia 26 de novembro pelas 4 horas da tarde, recebendo todas as honras e continências devidas à dignidade episcopal, e bem assim as maiores demonstrações de público regozijo.

Órfã de pastor há tantos anos, a diocese baiana saudava justamente jubilosa àquele que juntando a tão eminente poder o prestígio do saber e das virtudes trazia a bem fundada esperança de restaurá-la na disciplina e na fé.

A cerimônia da entrada solene fez-se dias depois (28) saindo da igreja do mosteiro de São Bento o préstito brilhante e numeroso, como pedia a grandeza desse ato.

Na legislatura de 1834, a Bahia, testemunhando o elevado mérito de seu digno prelado, espontaneamente o elegeu deputado geral à assembléia, porque então o voto era ainda a expressão da vontade popular. Nessa, assim como na anterior e subseqüentes legislaturas, em que continuou a ter assento na câmara temporária, prestou os mais assinalados serviços à religião e à prática, como fossem entre outros a sustentação do celibato clerical, dos impedimentos matrimoniais, dos direitos da Stª Sé sobre a confirmação dos bispos, e de outros pontos concernentes à disciplina da Igreja, que haviam sido atacados por alguns membros da mesma câmara.

Sua palavra, sempre eloqüente, pugnou com enérgica dedicação pela edificação ou melhoramentos dos seminários, como o meio mais eficaz da regeneração do clero; advogou com patriótico e evangélico zelo a causa da liberdade e civilização dos indígenas, bem como a utilidade das Missões, repelindo vitoriosamente, auxiliado de outros ilustres parlamentares, o projeto anticatólico apresentado pelo Governo, mandando vir irmãs moraves para catequizarem os ditos indígenas.

Vivamente empenhado em remover do clero tudo quanto o pudesse figurar odioso aos olhos do povo, e desviá-lo da brandura de seu ministério, propôs a lei que isentou os párocos do Império do cargo de juiz de paz, a que então se achavam anexas algumas atribuições criminais, isenção que ao depois conseguiu das assembléias provinciais da Bahia e de Sergipe estender a todos os eclesiásticos, não só relativamente a esse cargo, mas também aos de promotor jurídico, jurado e ao alistamento da Guarda Nacional.

Obteve mais a reforma da relação metropolitana, e o aumento de seus ordenados; finalmente não houve questão ou controvérsia alguma, que tocasse nos interesses da religião, e na liberdade e independência da Igreja, em que sua voz poderosa e ilustrada se não erguesse para os defender.

Igual zelo e incansável patriotismo demonstrou nos negócios civis ou políticos. Foi sua a indicação que, acolhida com aplauso, se converteu em lei decretando o pagamento das dívidas contraídas pela finada primeira imperatriz, cuja dotação prescrita pela Constituição ainda se não havia votado.

Foi ele que primeiro propôs a navegação a vapor nas águas do Amazonas, e a elevação do Rio Negro à categoria de província, projetos de incalculáveis vantagens, e que, não sendo então estas devidamente compreendidas, ficaram adiados, não podendo todavia deixar de ser um dia apreciados, como foram em épocas bem recentes reproduzidas por outros deputados, e passando em ambas as câmaras.

Na famosa sessão de 1836 pertenceu à ilustre oposição, que fez baquear o regente Feijó, sucedendo na Regência do Império o Senador Pedro de Araújo Lima, hoje marquês de Olinda.

Na desagradável questão sobre a remoção do tutor dos príncipes filhos de SM Pedro I, o benemérito José Bonifácio de Andrada, declarou-se altamente o Exmo Sr. Arcebispo contra semelhante medida, unindo-se aos defensores deste grande homem.

Na outra ainda mais desagradável do banimento do imortal príncipe, fundador do Império, colocou-se à frente dos 17 deputados que votaram e declararam seus votos contra esse triste projeto, que por honra do país caiu no Senado.

Ocupou de novo a cadeira da presidência da câmara temporária na 1ª sessão da legislatura de 1838 até o mês de agosto, em que pediu dispensa de continuar nesse cargo em razão de moléstia, e a obteve não sem dificuldade.

Nesse mesmo ano, a 18 de julho, presidiu, como metropolita e primaz do Brasil, a brilhante cerimônia da sagração de SM o Imperador o Sr. D. Pedro II.

Seu profundo saber, circunspeção, firmeza de caráter, posição social e afabilidade lhe granjearam sempre na câmara temporária o maior respeito e simpatias da parte de seus colegas, de modo que, para não citar outros fatos, pedindo o Sr. arcebispo a palavra para opor-se a um tópico da resposta à Fala do Trono, de que era relator o ilustre Antônio Carlos de Andrada, este apressou-se a entender-se com aquele prelado, não hesitando em modificar os termos em que era concebido o referido tópico, por não estar muito de acordo com as crenças religiosas.

Tendo votado pelo tratado entre o Brasil e Portugal com os Srs. Calmon (hoje marquês de Abrantes), Paim e Galvão, deputados pela Bahia, sofreu com estes viva guerra e injúrias de alguns jornais da mesma província, de forma que, procedendo-se à eleição para a dita legislatura de 1838, foi apenas eleito 1º suplente; mas como, em conseqüên-cia da revolução do Pará, ainda se não tinha ali feito a eleição dos seus deputados, apenas constou aquela exclusão pela Bahia, foi o digno Sr. arcebispo eleito 1º deputado por sua província natal, que assim vingou a gratidão do país; porquanto esse mesmo tratado era tão vantajoso aos interesses do Brasil, que os jornais de Lisboa por esse motivo fizeram graves censuras contra o agente português que o negociou; e em uma excelente memória que publicou na Bahia o sábio Padre Francisco Agostinho Gomes foram estas vantagens plenamente demonstradas.

Não podendo ir ao Rio de Janeiro para a 2ª sessão de 1838, recebeu com surpresa o decreto que o nomeava ministro do Império, com um convite sobremodo honroso do regente Marquês de Olinda; mas não julgando o Sr. Arcebispo na sua tão reconhecida modéstia, que pudesse prestar ao gabinete os serviços que reclamava a crítica posição do Império, escusou-se a todas as instâncias que se lhe fizeram para aceitar este eminente cargo.

A sessão de 1841 foi a última em que compareceu na Câmara, porque daí em diante não se ocupou mais do que do regime de sua diocese.

Na assembléia provincial da Bahia, a que pertenceu por muito tempo desde sua instalação, ofereceu as mesmas provas de solicitude e zelo pelos interesses do país e da Igreja, existindo muitos monumentos desses serviços nos seus sábios escritos.

Além da 1ª eleição para senador, malograda pela sua declaração de falta de idade, como mais acima dissemos, foi ainda votado e entrou na lista tríplice pelo Pará em duas ou três subseqüentes eleições; porém, apesar dos votos tão espontaneamente pronunciados e repetidos de seus patrícios, apesar da opinião pública, e da sua alta posição e serviços, nunca foi escolhido. A propósito dessas exclusões todas que nos abstemos de qualificar, dizia ele — que não tinha vocação para senador. Mais modesto que esse célebre varão na Antiguidade, cujo nome nos não lembra, que exclamou congratulando-se com sua pátria por haver esta achado outros mais dignos de ocupar o cargo por ele solicitado, o Sr. Arcebispo opôs-se aos seus amigos na Bahia quando por vezes pretenderam propô-lo candidato à senatoria, dizendo que esta província abundava em ilustrações, a que ele não podia ser preterido.

A maior parte dos gabinetes o hão tratado sempre com muita deferência e consideração. Rebentando no Pará a revolução de 1835, recebeu por aviso do ministro do Império insinuação da Regência para dirigir uma pastoral aos habitantes dessa província, persuadindo-lhes que depusessem as armas, e voltassem à ordem e à obediência das instituições. Sempre pronto a prestar-se ao serviço da pátria, onde quer que ele fosse reclamado, assim o praticou, sendo portador da pastoral o ilustre general Manuel Jorge Rodrigues, que nessa expedição contra os rebeldes teve, por um grande recurso da estratégia militar o poderoso prestígio dessa palavra doce e eficaz do eloqüente prelado.

Quando em 1837 o grito revolucionário da República lançou por terra na capital da Bahia as instituições juradas, retirando-se com as mais autoridades para o Recôncavo, aí publicou duas pastorais, que produziram feliz impressão, reanimando os sentimentos de lealdade e coragem dos habitantes.

Então quase todos os membros do gabinete lhe dirigiram por este motivo palavras de felicitação e agradecimento, exprimindo-se um, que essas pastorais tinham valido um exército. Expressão tanto mais verdadeira quanto é certo, que a força pode abafar as revoluções, mas que não as destrói se a convicção não acalma a agitação das idéias que se traduzem nas comoções populares.

Já em outra época, quando por ocasião da abdicação do Sr. D. Pedro I, a capital da Bahia viu-se ameaçada de uma desastrosa guerra civil, a ponto de se reunirem os dois partidos auxiliares pela força armada, um no forte de São Pedro, e outro no quartel da Palma, muito concorreu o Sr. arcebispo para os reconciliar, indo pessoalmente falar-lhes, e assim se restituiu a tranqüilidade pública.

Nas numerosas relações que tem entretido sempre com pessoas distintas, ou em dignidade, ou em saber, há recebido constantemente os mais lisonjeiros testemunhos de apreço e admiração. Os soberanos pontífices Gregório XVI e Pio IX o honraram com breves epistolares demonstrativos do mais alto conceito, e o mesmo mereceu sempre dos delegados da Santa Sé desde o arcebispo de Tarso até o de Edessa, ultimamente falecido.

Não só muitos dos nossos bispos, vigários capitulares, e párocos se gloriam de consultar suas luzes em matérias da administração pastoral, mas também muitos seculares ilustrados se não têm dedignado de recorrer nas duas dúvidas e controvérsias a essa subida inteligência, que o distinto literato e cronista-mor do Império o Sr. coronel Inácio Acioli de Cerqueira e Silva não duvidou classificar como primeira do país na sua breve, porém, luminosa História do Brasil.

Para corroborar essa verdade citaremos o distinto publicista Silvestre Pinheiro, que não só lhe enviava as suas obras, como também submeteu ao seu exame e juízo algumas antes de as dar aos prelos. O já referido naturalista alemão Dr. Martius, além da muito honrosa menção que faz de S. Exª na sua viagem ao Brasil, há entretido com ele uma interessante correspondência dando-lhe o epíteto de mestre. O célebre poeta o Sr. Antônio Feliciano de Castilho, cujo nome, como o de Camões, basta para imortalizar uma nação, tributa em suas cartas ao ilustre prelado brasileiro o maior testemunho de respeito aos seus conhecimentos científicos. O seu irmão o Sr. Conselheiro José Feliciano de Castilho, também distinto literato, lhe dedicou a sua interessante tradução da —Mulher Católica — com as mais lisonjeiras expressões.

O benemérito falecido cônego Luís Gonçalves dos Santos, em cujos escritos teve sempre a Igreja o mais estrênuo defensor, não tem para assim dizer uma página em suas obras que não seja uma homenagem ao saber do respeitável Metropolita. O sábio lente de Direito Eclesiástico da Academia de Olinda, o Sr. Dr. Vilela Tavares, não obstante a renhida discussão que teve com o Sr. Arcebispo acerca de alguns pontos dessa ciência, acaba de tecer-lhe os maiores elogios no belo discurso com que abriu a sua aula no corrente ano. Tanto é certo, que nas lutas da inteligência os espíritos elevados tendem a se aproximar pela força irresistível da verdade, ainda quando se combatem. O famoso orador sagrado do Monte Alverne, glória do púlpito brasileiro, e do monarca que o estima como Luís XV a Bossuet, não menos modesto que ilustrado, folga de humilhar-se nas suas cartas ante a sabedoria do arcebispo da Bahia. Ultrapassaríamos os curtos limites que nos temos traçado se fôramos mencionar todos os nomes daqueles literatos nacionais e estrangeiros que o honram com sua admiração.

O Instituto da África em Paris, que conta em seu grêmio um grande número de altos personagens de todos os países, o nomeou seu presidente honorário vitalício.

A Academia Real das Ciências de Munique, a Sociedade dos Antiquários do Norte na Dinamarca se honram de tê-lo por sócio correspondente, e da mesma sorte o Instituto Histórico e Geográfico e a Sociedade das Belas-Artes do Rio de Janeiro, o Instituto Histórico e Geográfico da Bahia, e outras associações a que pertence como sócio honorário.

Com um nome europeu na república das letras, nenhum título mais honroso para ele que o de sábio dado por autoridade de incontestável competência na matéria, era portanto de honra para o seu país, distingui-lo entre seus concidadãos com essas condecorações, somente valiosas quando concedidas ao mérito. SM o Sr. D. Pedro I, de saudosa memória, além de outras provas de particular apreço, com que sabia estimar o verdadeiro merecimento dos servidores do Estado, condecorou o Exmo Arcebispo da Bahia antes de sua elevação ao Episcopado nomeando-o pregador de sua Imperial Capela, e depois grande dignitário da Ordem da Rosa, e o Sr. D. Pedro II concedeu-lhe a graça de grã-cruz da Ordem de Cristo.

Alheio aos negócios políticos do país e descansando à sombra do santuário, dessas fadigas tão gloriosas e em prol da pátria, em uma vida mais conforme talvez a seus cômodos e gosto, o Sr. Romualdo An-tônio de Seixas entrega-se absolutamente ao cultivo das letras cujo amor nunca morre ao gênio, e ao regime de sua venturosa diocese, em que não menos importantes serviços continua a prestar à religião e ao país.

O seu primeiro cuidado no governo da diocese há sido a educação do clero, como a fonte da regeneração do povo nos sólidos princípios da fé e dos costumes. Com este intuito fundou o grande seminário eclesiástico que pouco a pouco se tem elevado ao estado lisonjeiro que hoje se observa, e onde o padre que antes dessa criação se ordenava com algumas noções apenas de Teologia Moral hoje é obrigado a freqüentar, em um curso de 4 anos, as aulas de História Sagrada e Eclesiástica, Exegética, Direito Natural, Teologia, Dogma e Moral, Direito Canônico, Eloqüência Sagrada, Canto Gregoriano e Liturgia; e a par dos estudos profissionais recebe esses hábitos de piedade e abnegação, que formam a parte mais essencial do sacerdócio.

Para conseguir esse duplo elemento, que constitui o verdadeiro padre católico, S. Exª, a exemplo de veneráveis bispos, confiou aos padres da congregação da missão, como especialmente habilitados por seu instituto, não só a direção do grande seminário, como também a de um outro pequeno seminário, que estabeleceu como preparatório para o outro, e que possui as cadeiras de Latim, Francês, Grego, Geografia, Filosofia e Retórica pagas pelos cofres públicos.

É inegável o benefício desse estabelecimento, donde tem saído eclesiástico que pouco a pouco se tem elevado ao estado lisonjeiro que hoje é grande proveito público, e edificação dos fiéis, até em outras dioceses do Império.

Em diversas e luminosas pastorais, e bem assim por todos os meios ao seu alcance, não tem cessado de exortar e providenciar acerca da residência dos párocos, administração dos sacramentos, explicação do evangelho, conferências eclesiásticas em todas as paróquias, e outros objetos concernentes à disciplina e à fé.

Acompanhando sempre o espírito público na sua firme adesão e amor ao sistema monárquico constitucional, tem sido sempre solícito em ordenar as preces ou ações de graças conforme as diversas ocorrências relativas aos membros da dinastia imperial, e aos fastos da nação.

Nada esquecendo de seus deveres pastorais, não obstante sua provecta idade e fadigas, em 1845 e 1846 visitou pessoalmente as freguesias do litoral do Recôncavo, onde foi recebido com todas as demonstrações de piedoso entusiasmo e amor filial. Nessas visitas tornou-se incansável em exortar de viva voz e por escrito ao clero e aos fiéis ao cumprimento dos respectivos deveres, em regular e reviver o culto divino, na administração do Sacramento da Crisma, e muitas vezes distribuiu ele mesmo a Sagrada Eucaristia a numerosos fiéis. E se pelo seu mau estado de saúde não estendeu, como desejava, essas visitas até o interior da província, supriu essa falta por meio de seus delegados, e de pastorais.

Considerando a educação religiosa da mocidade, especialmente das jovens que um dia constituirão as famílias, principal base da futura felicidade do país, que debaixo desse ponto de vista tem pouco merecido, forçoso é dizê-lo do zelo do nosso Governo, aliás louvavelmente solícito e empenhado em todos os demais melhoramentos materiais e científicos, o Exmo Sr. Arcebispo, a despeito de mil dificuldades, que sua dedicação sabe superar, promoveu a fundação de colégios para educação das órfãs e filhas-famílias abastadas sob a direção das virtuosas irmãs de caridade. Fundação que há merecido na experiência de seus visíveis benefícios as bênçãos de todos os verdadeiros amigos do país, malgrado essas paixões ruins e mesquinhas, que em toda a parte se revoltam contra as coisas mais santas, e mais úteis.

Sempre que sua saúde o permite faz a pregação do Evangelho, especialmente no tempo quaresmal na igreja catedral, com grande concorrência de fiéis, entre os quais pessoas notáveis por suas luzes e posição: sendo para sentir que suas tão interessantes e eloqüentes homilias não fossem escritas em razão de suas muitas ocupações no imenso expediente de tão vasta diocese.

Possuído de constante zelo da religião, nos mesmos discursos em que por vezes falou de objetos profanos, nunca deixou de os cristianizar ou dar-lhes um caráter religioso, como no belo e primoroso improviso, que foi obrigado a fazer no ato solene da inauguração da estrada de ferro depois da cerimônia da bênção, demonstrando que esses prodígios na ordem material, em que o gênio do homem como que reassume o cetro do poder, que o Criador lhe conferira sobre toda a natureza no momento da criação, tinham um fim providencial chamando os homens à fraternidade, ou à unidade religiosa e social, e facilitando por esses meios a rápida comunicação de suas idéias e interesses. Essa breve e sublime alocução excitou vivo entusiasmo entre seus numerosos ouvintes, e foi muito aplaudida pelos jornais.

Cercado do maior respeito público em qualquer parte onde comparece, recebe as mais vivas demonstrações de amor e veneração, que merecem suas luzes e virtudes. O homem ilustrado encontra em sua conversação o maior interesse, o jovem a maior animação, o pobre um socorro, o culpado um juiz benigno. Ninguém se chega para ele, que não fique encantado e satisfeito.

Suas obras impressas, além de alguns avulsos, constam de 5 volumes em 4º, e o 6º acha-se nos prelos.