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Galeria dos Brasileiros Ilustres/Francisco Gomes de Campos

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Numquam ab eo quod justum videbatur discedens, et nullam fraudem, nullumque mendacium admittens... Ubi ad rempublicam accessit non potentium amicorum praesidio niti voluit sed consiliis factisque utilibus et ustis ... Id se patriae debe re existimabat ut ei prodesset..."

Select. e Prof. Scrip. Hist. L. III C. I.

As palavras do trecho acima citado de uma das obras mais úteis destinadas à instrução da mocidade estudiosa, e aí aplicadas ao homem mais justo da Grécia, podem, ainda que escritas com referência ao passado, constituir o elogio de um contemporâneo ainda vivente, cuja carreira vital já percorrida com elas se acha de acordo. E o que se dá a respeito do varão sábio e prestante cuja fiel e expressiva efígie acompanham estas linhas confiadas ao papel com a complacência e convicção de falarmos a linguagem do coração e da verdade.

O homem de quem falamos é uma dessas notabilidades cujo merecimento e préstimos substanciais mais se pantenteiam, recomendam e elevam as posições conspícuas que ocupam sucessivamente na sociedade, e mais são reconhecidos e conceituados pela sua realidade e pelo seu peso, do que pelo estrondo dos pregões da fama e pelas agências e

ardores oficiosos dos partidos: ele é um desses caracteres que ao mesmo tempo honram ao país em que nasceram e a época em que vivem, e protestam com a sua existência contra a generalidade absoluta dessa corrupção que à época e ao país em que vivem costumam imputar os perversos que os poluem, sempre com pretenções de únicos homens de bem com detrimento ou menosprezo dos verdadeiramente honestos e úteis à sociedade, da qual estes pela sua real importância são mais do que uma simples parte.

Francisco Gomes de Campos, filho legítimo de João Gomes de Campos, e de D. Luísa Galves Palensa, ambos naturais da cidade do Rio de Janeiro, nasceu na mesma cidade a 19 de fevereiro de 1788, e foi batizado na freguesia de Nossa Senhora da Candelária. Seus maiores foram oriundos de Portugal e Espanha.

Seu pai, bacharel formado pela Universidade de Coimba na faculdade de cânones, exerceu a profissão de advogado da relação do Rio de Janeiro, e ocupou cargos da governança, como o de juiz almo-tacel, e vereador da câmara na época em que essa administração municipal tinha a denominação de senado.

Foi por seu pai destinado às letras, assim como foram seus dois únicos irmãos varões, João Gomes de Campos, falecido em 1855 no lugar de ministro do Supremo Tribunal de Justiça, sendo o decano dos magistrados, com 45 anos de serviço, e Joaquim Gomes de Campos, falecido em 1821 na cidade do Havre de Grace, depois de ter por anos feito com distinção e aplausos seus estudos médicos na escola de Paris, e obtido nela o grau de doutor; pelo que fora recomendado pelo marquês de Marialva, então embaixador de Portugal ante o rei Luís XVIII, a el-Rei D. João VI, que à face de tal documento lhe mandou dar uma pensão para viajar pela Europa antes de regressar ao seu país natal: pensão de que se não pôde utilizar pela prematura morte, que lhe cortou a carreira, e roubou à pátria um digno filho na flor dos anos.

Desde a instrução primária inclusive fez F. G. de Campos os seus estudos nas aulas públicas desta cidade, intituladas então aulas régias, como fossem a de primeiras letras, a de gramática latina, a de retórica e poética, e a de filosofia racional e moral, com os acessórios ligados a cada uma delas, tudo pelo método jesuítico, em parte reformado pela junta dos estudos da Universidade de Coimbra, e pelos padres da congregação do oratório de Lisboa, que não poucos serviços fizeram às letras em Portugal e no Brasil.

Aos 17 anos de idade achava-se a juízo de seus mestres, e com espontâneos atestados por eles conferidos, habilitado para os estudos maiores, tendo concluídos os literários com grande aproveitamento. Da veracidade destas asserções ainda hoje fazem fé os escritos desse discípulo tão elogiado, e alguns versos que poderiam fazer honra a qualquer dos melhores poetas clássicos, mas de que só dá às vezes conhecimento aos seus mais íntimos amigos, que como nós reconhecem nessas ocasiões que, como o de Anacreonte, o seu espírito, ainda na idade das cãs, não fica esquecido das musas com as quais na juventude tinha mais largos e deleitosos folguedos.

Dispondo-se em fins do ano de 1807 para na monção de 1808 partir para Lisboa, a fim de fazer os seus estudos na Universidade de Coimbra, foi-lhe cortada a carreira, e perdida toda a esperança de a recuperar, com a inesperada invasão francesa em Portugal, e pela guerra que por seis anos devastou a Península Ibérica; pelo que foi obrigado a mudar de destino, aceitando aos 21 anos de idade o pequeno emprego de oficial da secretaria do Registro Geral das Mercês, então criada nesta cidade, com o tênue ordenado de 200$ por ano.

Mudara-se porém a face da Europa em 1813 com a derrota de Napoleão I nos gelos da Rússia, ao passo que a península livrava-se da invasão, expulsos os exércitos franceses para o interior da França; tendo-se como certo, ou muito provável o restabelecimento da paz em toda Europa. Abrira-se enfim a Universidade de Coimbra, que por seis anos jazera deserta, e esta notícia despertou em F. G. de Campos a idéia de seu antigo propósito.

Pediu, e obteve de el-rei D. João VI, então príncipe regente, mediante consulta do conselho da fazenda, licença para prosseguir nos seus estudos na Universidade de Coimbra, vencendo os seus ordenados; e partiu para Lisboa a 14 de março de 1814, tendo a fortuna de voltar ao porto do Rio de Janeiro a 13 de setembro de 1819, com as suas cartas de bacharel, e de formatura na faculdade de leis, havendo sido plenamente aprovado em todos os exames, e atos acadêmicos, e obtido as melhores informações dirigidas ao Tribunal do Desembargo do Paço, por todos os lentes da faculdade, sem outra recomendação mais, que a da sua aplicação e conduta.

No mesmo dia da entrada e desembarque teve a honra de apresentar-se na quinta da Boavista a el-rei D. João VI, que o recebeu com a costumada afabilidade, e até se dignou interrogá-lo, para saber como passara em Portugal, se gostara do país, e qual era o seu projeto, voltando ao seu país natal.

Por motivos que não valem narrar-se, abandonou a idéia de dar-se à advocacia, ou seguir a magistratura, e contentou-se com o lugar que lhe foi conferido, de oficial da secretaria de estado dos Negócios do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, de que era ministro o varão distinto Tomás Antônio de Vila Nova Portugal, de recomendável memória para o Império do Brasil, pelos seviços por ele prestados: sendo oficial-maior José Joaquim Carneiro de Campos, depois marquês de Caravelas, cujo nome é bem conhecido no Brasil, e não menos recomendável aos brasileiros.

Em 20 de setembro de 1820 casou-se com a Exma Sra. D. Luísa Maria Susano de Campos, falecida a 7 de novembro de 1853.

Retirando-se em 1821 el-rei o Senhor D. João VI para Lisboa, entre outros muitos brasileiros, que por ocasião da despedida foram agraciados com diversas mercês, foi condecorado com o hábito da Ordem de Cristo, continuando a servir na mesma secretaria de estado, até que pela aclamação do Senhor D. Pedro I imperador do Brasil, criadas as outras secretarias de estado, ficou pertencendo à do Império, sob o respectivo ministro de estado José Bonifácio de Andrada e Silva, sendo oficial-maior Teodoro José Bian-cardi, varão distinto por suas letras e caráter.

Durante a sessão da Assembléia Constituinte foi, por especial nomeação, encarregado de reger a mesma secretaria de estado no impedimento do mencionado oficial-maior, que fora incumbido de organizar a secretaria da mesma assembléia, enquanto por ela não fosse criada por ato próprio.

Sendo-lhe cometida pelo ministro J. B. de Andrada e Silva a tarefa de organizar o relatório, que devia oferecer à assembléia, desempenhou o encargo tão satisfatoriamente que, dando-lhe conta do seu trabalho, foi este aceito com aprovação. Não se verificou porém a apresentação do relatório pela inesperada dissolução da assembléia.

Convocada a assembléia legislativa para sessão ordinária de 1826, por nomeação imperial foi encarregado de reger a secretaria da Câmara dos Deputados na qualidade de oficial-maior interino, enquanto a mesma câmara não providenciasse a esse respeito, e aí permaneceu por espaço de três anos, sem que por esse serviço recebesse outra remuneração mais, que o bom agrado e satisfação dos membros da câmara.

Em 1828, a instâncias do ministro de estado dos Negócios da Justiça José Clemente Pereira, deliberou-se a entrar na carreira da magistratura, sendo nomeado juiz de fora do cível desta cidade, lugar graduado com o predicamento de correição ordinária.

Em 1830 por ocasião do consórcio do Senhor D. Pedro I com a princesa, a Senhora D. Amélia, hoje duquesa de Bragança, foi nomeado ouvidor da comarca do Rio de Janeiro, lugar do primeiro banco, que compreendia quase toda a província, e contava entre outros anexos todas as conservadorias de índios, exceto os do termo de Campos.

Ocorrendo a anarquia que antecedeu, assistiu e sucedeu ao dia 7 de abril de 1831, convenceu-se da impossibilidade de manter-se no exercício do lugar que ocupava, absolutamente coacto, e sem deliberação própria e livre, para guardar e fazer guardar a lei; e aproveitando-se da oportunidade que lhe ofereceram as indiscrições do ministro da Justiça de então, pediu, e prontamente obteve demissão do lugar de ouvidor no dia 27 de abril do mesmo ano.

Desde então até janeiro de 1843 absteve-se de aceitar empregos de no meação do governo, posto que alguns lh e foram oferecidos de pingues vencimentos, e de representação, inclusive o cargo de ministro de estado. Retirado ao seu lar, ocupou-se nas tarefas do foro, advogando particularmente.

Foi neste tempo e neste retiro que teve a distinta honra de ser lembrado e livremente eleito pelos seus compatriotas, primeiro para o cargo de presidente da ilustríssima câmara municipal, de janeiro de 1833 a janeiro de 1837, e depois para o de deputado da assembléia geral legislativa de 1838 a 1841, cargos estes, que serviu com lealdade e honra.

Pelo fausto motivo da coroação de sua majestade imperial o Senhor D. Pedro II foi condecorado com a comenda da Ordem de Cristo.

Em janeiro de 1843 foi nomeado desembargador da relação desta cidade por proposta espontânea do ministro da Justiça Honório Hermeto Carneiro Leão, depois marquês de Paraná, aprovada por sua maje stade imperial; e tomando posse deste lugar, foi logo nomeado procurador da Coroa, Fazenda e Soberania Nacional interino, para servir no impedimento do desembargador José Antônio da Silva Maia, ocupado então nas sessões do Senado.

Vagando o lugar de procurador da Coroa, foi nomeado procurador da Coroa efetivo no ano de 1846, e logo condecorado com o título de conselho na época em que era ministro do Império o conselheiro Joaquim Marcelino de Brito, e da Justiça o senador José Joaquim Fernandes Torres.

O lugar de procurador da Coroa tem uma esfera de jurisdição tão vasta e pontos de contato com outros tão numerosos e tem matérias de que trata tão variadas, que não há por assim dizer negócio algum que lhe seja absolutamente estranho; e que às vezes não tenha de ser esclarecido, e resolvido pelo saber e conselhos de quem ocupa uma posição tão elevada qual é a dos interesses da soberania nacional e da Coroa.

Como sempre, o conselheiro Francisco Gomes de Campos tem servido este lugar de um modo mui digno e satisfatório, sustentando-lhe sempre o decoro e conservando constantemente o conceito universalmente adquirido de homem reto e incorruptível, e de jurisconsulto altamente entendido e versado nas matérias da sua ciência profissional, mostrando ter pleno conhecimento de qua locatus est in re, e assinalando as virtudes públicas e privadas que o distinguem, e que o tornam geralmente estimado.

O que o conselheiro Francisco Gomes de Campos tem feito nos empregos, que desde a idade de 21 anos tem ocupado, consta autêntica e exuberantemente de todos os cartórios judiciais, em cujos arquivos se acharão por sua letra ou assinatura documentos que mostram o que tem sido no foro, como juiz e como advogado. No da câmara municipal saber-se-á o que fez como presidente do extinto senado, e depois como presidente da Câmara Municipal segundo o novo regimento, e nos de todas as secretarias de estado, sem exceção de uma só, bem como nos do conselho de estado, do Senado, e da Câmara dos Deputados encontrarão os curiosos abundantes pareceres e outros escritos seus, para ajuizarem dos seus serviços como quiserem.

Os 52 anos da carreira pública do ilustre contemporâneo acabam de ser galardoados por S. M. Imperial, por decreto de 16 de janeiro de 1861, com o título de Barão de Campo Grande com as honras de grandeza.