Girândola de Amores/XXX

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Eis aí como decorreu a inútil mocidade de Gregório até aos vinte e dois anos. Mais um passo e chegaremos ao ponto em que principia este pobre romance e onde justamente há de ele acabar; quer dizer, refluiremos à cena do malogrado casamento de Clorinda.

Durante esse rápido ano, que liga o primeiro capítulo ao último, sucederam-se poucos mas palpitantes acontecimentos, que justificam muitas outras cenas.

Nesse pequeno espaço de tempo, Olímpia sofreu, por amor de Gregório, todos os martírios que nos podem influir nos ciúmes. Quanto mais ele se esquivava, tanto mais atraída ela se sentia.

Olímpia estava na idade em que o amor toma o caráter de moléstia; na idade em que a mulher é capaz de todas as loucuras pelo objeto amado; em que ela é capaz de todos os sacrifícios, de todas as abnegações, menos a de consentir que o herói dos seus sonhos a despreze por outra. E foi isso justa­mente o que fez Gregório, desde aquela cena absurda de cócegas no pitoresco chalezinho de Júlia Guterres.

Como já sabe o leitor, a viúva, logo que perdeu o marido, tratou de recolher os bens que lhe ficaram, e retirou-se para a Tijuca, onde nós e a polícia, a encontramos, quando se tra­tava de descobrir esclarecimentos a respeito de Gregório; da mesma forma, não ignora o leitor qual foi a direção que toma­ram os novos amores do inconstante rapaz, e como chegou ele a armar casamento com Clorinda.

Pois bem; tratemos de esclarecer o que falta e apressemos o passo, para chegarmos, quanto antes, aos resultados das cenas dos primeiros capítulos.

Olímpia não pôde disfarçar por muito tempo o seu mar­tírio, e a dor dos ciúmes transformou-se para ela em cruel enfermidade, acelerando o embranquecer do cabelo, o enrugar da tez e o desbotamento das faces. Quando o Dr. Roberto voltou do norte, o que proporcionou a Gregório o seu primeiro encontro com a bela Clorinda, quase que não a reconheceu e declarou que muito pouco lhe daria de vida.

Gregório correu então para junto dela, mas a sua presença não conseguiu espantar a morte, que estendia já sobre a infeliz a sombra negra de suas asas.

Ele, por sua parte, não levava o coração ainda cativo dos amores da viúva, mas já suavemente impregnado pela nova afeição que lhe inspirara a filha de Leão Vermelho.

Estava outro: não era o mesmo folgazão das correrias com o padre Beleza; ao contrário, convertido e civilizado, for­cejava agora por vencer as últimas ondas da mocidade, e abrigar-se enfim no casamento, cujas praias via branquejarem além, iluminadas por um doce luar de tranqüila ventura.

Olímpia faleceu numa noite de inverno, depois de grande agonia. O Dr. Roberto não lhe abandonara durante muitos dias a cabeceira, e o Figueiredo mandara dois de seus empre­gados para ajudarem nos trabalhos do enterro.

Gregório chorava ao lado do cadáver. Nunca se persuadiu que sentisse tanto aquela morte. Olímpia entrara na sua vida como um incidente fantástico e romanesco no meio de um livro de apontamentos banais; arrependia-se agora de não ter sido com ela melhor, mais generoso, mais grato; sentia remorso de não a ter amado um pouco mais!

E, para fugir a essas idéias aborrecidas, chamava egoisti­camente em seu socorro a imagem adorada de Clorinda. Ah! esta era o futuro, a esperança de felicidade, era a aurora do dia seguinte.

E só a lembrança destas novas claridades lhe secava os últimos orvalhos daquela noite que fugia, perdendo-se nas sombras inalteráveis do passado.

De todos, enfim, quem parecia mais sentido com tudo aquilo era o velho Jacó. O pobre homem viu, em torno de si, caírem, a pouco e pouco, as árvores queridas, a cuja sombra abrigava a fraqueza da sua velhice.

Gregório ofereceu-lhe a casa e insistiu com ele para que fosse fazer-lhe companhia. Jacó aceitou, e por isso o vimos figurar no interrogatório policial logo no começo do romance

Em breve, Gregório não tinha outra idéia que não fosse a da sua querida noiva, e Júlia Guterres principiava a curtir os mesmos tormentos por que passara Olímpia.

Se as mulheres, e principalmente aquelas que já se des­piram das primeiras ilusões, soubessem quanto é perigoso amar deveras um rapaz que ainda não pagou todos os tributos da mocidade, não se deixariam tão facilmente prender aos efêmeros transportes de um namorado de vinte anos.

O coração nessa idade está ainda muito verde para arder. É preciso que o tempo e as lentas decepções da vida o resse­quem, sem o que não pegará fogo.

E dizem os irrefletidos que o coração dos velhos é que é frio. Que injustiça! ninguém ama com tanto ardor, ninguém se apaixona com tanto entusiasmo! Parece até que o homem, à proporção que envelhece, vai refugiando no coração todo o calor que lhe foge do resto do corpo. À proporção que lhe caem os dentes, que lhe deserta o cabelo, que se lhe entor­pecem as pernas e se lhe tornam mais e mais trêmulas as mãos, tanto mais o coração se enrija e fortifica, para conservar inal­terável e firme o seu derradeiro amor. Desaparece o olfato, apagam-se os olhos, somem-se o tato e o paladar, e o coração cada vez mais sente, mais deseja e mais vê!

Por que estranho ódio teria a natureza formado assim o coração do homem? Se lhe rouba do corpo as forças, os sentidos, as faculdades, se lhe toma os dentes, o sangue dos lábios e a frescura dos cabelos; se o torna feio, velho, insu­portável, para que lhe deixa então o coração a pulsar cada vez com mais veemência e a pedir um amor que ninguém lhe dá?!

Júlia Guterres não se lembrara de fazer considerações destas, ao abrir os braços a Gregório, e depois teve com sacri­fício de impor ao seu coração que se calasse, quando soube pela primeira vez que o desleal amante estava de casamento justo com Clorinda.

Corriam as coisas neste ponto, quando se realizou aquela conversa entre Portela e o seu capanga Talha-certo, ao saberem da reaparição de Pedro Ruivo.

O gatuno havia-se arranjado lá por S. Paulo com o tal fazendeiro de boa-fé, a quem se agrarrara com tamanho afinco, que a pobre vítima, para se ver livre dele, tratou de empregá-lo na casa Paulo Cordeiro, na qualidade de pregador de rótulos.

Mas Portela é que não ficou muito tranqüilo desde que o viu, e recomendou ao seu Talha-certo que lhe não perdesse a pista.

Talha-certo tratou imediatamente de procurar Tubarão e pedir o seu auxílio, porque Pedro Ruivo da primeira vez conseguira ­escapar-lhe das unhas. E o leitor já sabe o ajuste que houve entre aqueles dois no café da Menina do Bandolim, onde ficaram de encontrar-se no dia seguinte para realizarem a ter­rível incumbência de Portela.

Tubarão acompanhara o flâmulo deste, pelo simples fato de tratar-se do Ruivo; ele não era homem que se prestasse a fazer mal a quem quer que fosse, se o coração não se envolvesse nisso. Talha-certo sabia perfeitamente da velha rixa que havia entre os dois e, desde o seu malogrado bote contra o Ruivo, tratara de preparar o ânimo do outro para a primeira vez que viesse a precisar do seu auxílio.

Chegara afinal o momento, e Tubarão cedera.

Vejamos agora como se saíram eles dessa empresa.

Pedro Ruivo parecia regenerado depois que se arranjara na fábrica. Trabalhava pontualmente e recolhia-se para dor­mir a hora certa. Morava com um companheiro num cortiço perto do Campo de Santana. E nos primeiros tempos, tão enfronhado viveu no serviço, que Portela ignorava completa­mente a sua presença no Rio de Janeiro.

O velhaco, entretanto, meditava novos planos de ladroeira; queria angariar a simpatia e a confiança dos superiores, para fazer com mais certeza a sua pontaria, quando porventura se apresentasse uma boa ocasião.

Essa ocasião apareceu. O caixa da casa, aquele Gonçalves, viúvo de Olímpia, teve uma vez de demorar consigo uma quantia superior, vinte contos de réis. Pedro Ruivo não o perdeu mais de vista, e preparou-se.

Se fosse necessário, o caixa seria assassinado. Mas assim não sucedeu, porque o gatuno encontrou ensejo de achar-se a sós com o dinheiro. Entrou pelos fundos da casa e penetrou engenhosamente no gabinete do caixa, tendo para isso prepa­rado de antemão os fechos de uma das janelas que davam para esse lado.

Uma vez senhor do dinheiro, tratou de ganhar a rua e de encaminhar-se para o seu cortiço.

Mal porém teria feito alguns cinqüenta passos, quando um homem lhe saiu ao encontro e lhe arremessou uma formi­dável cabeçada contra o ventre. Era Talha-certo.

Pedro Ruivo perdeu o equilíbrio e caiu de costas.

O outro, trepando nele, lhe perguntou pelos documentos de Portela. O agredido, em vez de responder, soltou um grito e segurou com ambas as mãos o peito, como se quisesse de­fender alguma coisa que aí trouxesse escondida.

Talha-certo, conduzido por esse movimento espontâneo, imaginou que ali estivessem os papéis que procurava, e inti­midou o Ruivo a que se deixasse revistar. O Ruivo resistiu.

Talha-certo chamou então o marinheiro em seu auxílio e, depois de vendarem a boca do Ruivo, dispuseram-se a revistar-lhe o peito.

O Ruivo debatia-se furiosamente.

— Tratante! gritou-lhe Tubarão; dá-me por bem esses papéis, se não quiseres ficar aqui mesmo reduzido a postas!

Ruivo, em vez de responder, arrancou-se das mãos de Talha-certo e sacou do bolso uma navalha.

Talha-certo, porém, havia de um salto avançado para ele, e cortara-lhe a garganta com uma navalhada. O Ruivo rosnou por baixo da venda que tinha na boca e, depois de tentar em vão segurar-se nas pernas, caiu de borco sobre a calçada.

O assassino revistou-lhe o peito; mas, em vez dos documen­tos do comendador Portela, encontrou os contos de réis, que a sua vítima havia pouco antes roubado.

— Como vinha o ladrão carregado! disse o Talha-certo, sacudindo de alegria pela descoberta que acabava de fazer.

— E os documentos?... perguntou Tubarão.

— Não estão naturalmente com ele, mas temos aqui coisa melhor: Um dinheirão! O maroto havia feito hoje uma linda colheita!

— Então tudo isso é dinheiro? perguntou o Tubarão, admi­rado por sua vez.

— Em magníficas notas do tesouro! respondeu o Talha-certo.

— Então foi algum roubo... não te parece?...

— Sei cá; o que te afianço é que isto não nos fará peso nas algibeiras...

— Não sou dessa opinião! resmungou o seu cúmplice. Dinheiro roubado pesa sempre, quando menos na consciência!

— Ora! replicou o Talha-certo, depois de acabar a revista das algibeiras do Ruivo, e tratando de afastar-se com o dinheiro para longe. Quem rouba a ladrão tem cem anos de perdão!

— Estás enganado! gritou-lhe o outro. Quem rouba a ladrão, fica ladrão como ele! Esse dinheiro será entregue ao dono, quer queiras, quer não queiras!

— Essa agora tinha graça!... considerou o outro. Era melhor que fôssemos nós daqui direitinhos entregar-nos à polícia.

— Podemos fazê-lo chegar às mãos do dono, sem que se saiba donde ele procede...

— Nesse caso, restituirás tu a tua parte. Vamos dividi-lo; cada um dará o destino que quiser aquilo que lhe tocar.

— Não! contradisse o Tubarão. Havemos de entregá-lo todo ao dono!

— Isso agora já passa à birra, replicou Talha-certo, impa­cientando-se. Que você faça fúrias com o que é seu, vá lá, mas com o que é dos outros!..

— Aqui não há meu, nem teu! nós não temos direito a ficar com aquilo que não ganhamos, nem tampouco nos deram!

— Mas que achamos! replicou ainda Talha-certo. Em todo o caso, vamos a casa dividir o cobre, e você da sua parte fará o que quiser... A minha pertence-me!

— Não! Tu me vais passar todo o dinheiro. Eu me encar­regarei de restitui-lo ao dono.

— Ora veja se tenho algum T na testa!

— Eu é que te afianço que o dinheiro se há de restituir! Vamos! em teu poder não ficará ele!

Talha-certo, vendo que não conseguiria nada pela arro­gância, resolveu comover o companheiro.

— Então, que é isso, Tubarão?... Que mania de escrú­pulo é essa de tua parte com um velhaco daquela ordem? Olha! quem o mau poupa nas mãos lhe morre...

— Não se trata agora disso! replicou Tubarão: não se trata de dar cabo de nenhum mau; trata-se é de entregar um valor que nos não pertence. Enquanto querias uma ajuda para des­pachar aquele maroto, pronto! e não me arrependo disso; mas lá para roubar é que não me presto! Ou tu me entregas o dinheiro, ou eu te denuncio à polícia. Escolhe!

— Ora, deixa-te disso, pediu ainda o outro, procurando torcer o caráter do marinheiro.

— Já te disse o que tinha a dizer! volveu este. Ou entregas o cobre, ou vai tudo ao ouvido do Dr. Ludgero. Eu cá não sirvo de capa a ladroeiras! Não sou santo, mas nunca estas mãos se sujaram com o alheio!

E Tubarão, com ar firme de homem resoluto, ia forçar o companheiro a que lhe entregasse o roubo, quando este, re­cuando na ação destra da capoeiragem, acometeu contra de, procurando abrir-lhe o pescoço com a navalha.

Mas Tubarão desviou-se prontamente, e a lâmina, mu­dando de direção, entranhou-se-lhe pelo pequeno peitoral do lado direito.

Talha-certo recuou com um novo salto e de novo investiu contra o companheiro, ferindo-o então no braço, porque o rijo marujo, apesar do sangue que lhe saltava da ferida, ainda se agüentava bem nas pernas e ainda se defendia, tentando apoderar-se do facínora.

Este deitou a correr, Tubarão tentou persegui-lo, mas a vista principiou a escurecer-lhe, as pernas a lhe fraquejarem, e com muito custo conseguiu de chegar onde morava pobre­mente com um seu velho companheiro do mar.

O companheiro não estava em casa. Tubarão recolheu-se à cama e perdeu de todo os sentidos. Só os recuperou muito depois, quando a febre principiou a ceder. O médico, que o companheiro de casa fora buscar, recomendara que o não obrigassem a falar e não lhe dessem a beber senão os medica­mentos receitados.

Entretanto, sabe já o leitor o caminho que, durante esse tempo, tomaram as coisas concernentes ao assassínio do Pedro Ruivo e ao roubo perpetrado na casa Paulo Cordeiro. A polí­cia continuava a trabalhar, mas trabalhava muito reservadamente e quase sem resultado algum.

De Gregório ninguém dava notícias.

Nestas circunstâncias, chegaram as coisas ao ponto em que as deixamos, quando a desventurosa Clorinda se recolheu à casa de Júlia Guterres, onde a pobre velha Januária con­seguia escapar ao peso dos seus sofrimentos.

Como vimos, a penetrante viúva foi a única que suspeitou das intenções de João Rosa e principiou a estudar a atitude que o antipático rapaz tomava ao lado da sua hóspede.

Por então, um paquete europeu ancorava na Guanabara e uma família saltava no cais Pharoux.

Nada menos que o conde de S. Francisco, a esposa, a filha e um moço de uns vinte e cinco anos, no qual o leitor, se o visse, reconheceria logo o nosso Gregório.

Ao lado deste caminhava o Dr. Ludgero, com o ar satis­feito de quem alcança vitória.

Seguiu-se então o mais estranho e enovelado processo de que se pode gabar a justiça brasileira. Nesse tempo não se falava noutra coisa: o escândalo agitou por muitos dias a curiosidade do público e fechou todos os personagens deste romance no mesmo círculo de interesse.

O conde de S. Francisco trazia consigo, felizmente, os documentos justificativos da herança que Gregório acabava de receber do Minho. Entretanto, era necessário descobrir os verdadeiros autores do roubo e do assassínio. O processo continuava.

Apresentaram a Gregório a fotografia de Pedro Ruivo. Gregório disse francamente o que sabia da vida daquele homem, contou as aventuras da Avenida Estrela; o delegado fez vir à sua presença o Papá Falconet, o padre Almeida, o Augusto e o Afonso, mas nenhum deles adiantou o menor esclarecimento.

Estava reservado a Tubarão destruir as trevas acumuladas em torno do crime. Foi ele quem chamou a atenção da jus­tiça sobre o comendador Portela, quem falou nos documentos deste, quem contou a intervenção de João Rosa, o motivo do ataque que sofreu Pedro Ruivo e, finalmente, o roubo come­tido pelo Talha-certo, que Tubarão afirmou se achar naquele momento escondido em casa do Portela.

Talha-certo, com efeito, foi encontrado ali e conduzido imediatamente para a casa de correção. O Gonçalves reem­bolsou parte do dinheiro roubado; o ladrão e assassino foi condenado a galés perpétuas, e o Portela gramou quatro meses de prisão e multa correspondente, além de perder de todo a esperança de casar com Matilde, a rica pupila do boticário Moreira, a qual havia coisa de um ano deixara a casa de D. Januária, para acompanhar uma família conhecida da sua, que seguia para S. Paulo.

Bem previa Portela que os tais documentos ainda lhe haviam de dar água pela barba!

O que causou grande impressão nos tribunais, foi a vida do marinheiro, contada por ele próprio, com toda a eloqüente singeleza da sua linguagem expressiva e grosseira.

Tubarão disse tudo o que sabia a respeito do seu saudoso comandante e falou em Clorinda, em Henriqueta e D. Januária. Esta circunstanciou o que havia a respeito de sua filha adotiva e relatou as particularidades da mesada, cuja suspensão coin­cidia com a morte de Leão Vermelho.

O conde pediu perdão a Clorinda por lhe haver tão vio­lentamente arrancado o noivo dos braços, e disse que, daquele dia em diante, ela devia olhar para Gregório como para um irmão, pois que eram filhos do mesmo pai. Mas o marinheiro, com uma simples carta de Cecília, dirigida no Porto a Pedro Ruivo, provou que os dois moços nenhum parentesco tinham entre si e, na sua rude franqueza, patenteou a verdadeira pro­cedência de Gregório.

Este compreendeu tudo, compreendeu que era filho do ladrão assassinado, e afastou-se do júri sumamente triste.

No dia seguinte, quando o velho Jacó, que acompanhava Gregório no palácio do conde de S. Francisco na Tijuca, entrou de manhã no aposento do amo, encontrou-o morto e coberto de sangue. Ao lado, sobre o velador, havia uma carta dirigida ao dono da casa.

A carta explicava minuciosamente que Clorinda era a única pessoa que tinha direito a herdar os bens de Leão Vermelho.

Esta inesperada e nobre morte abalou o Rio de Janeiro. O processo havia já atraído sobre Gregório a atenção do pú­blico e ligado aos fatos românticos de sua vida a curiosidade dos homens e o voluptuoso interesse das mulheres.

Não se falou noutra coisa durante muitos dias.

Alguns meses depois do enterro, que foi deslumbrante, encontramos Teresa. Estava muito acabada, muito desfeita. Com a morte de Olímpia, que era o seu único socorro, ficou completamente ao desamparo. Andava tirando esmolas e re­zava na porta das igrejas ajoelhada sobre as pedras da rua.

Às vezes viam-na dormindo nos degraus do convento da Ajuda.

Ninguém mais soube dar notícias do João Rosa, e consta que o Dr. Roberto continua a viver muito bem com a sua inalterável e moleirona esposa, que ultimamente o presenteou de uma só vez com dois pequenitos.

Júlia Guterres vendeu a Clorinda o seu chalezinho da Tijuca, e retirou-se para Niterói. Jacó acompanha a família do conde de S. Francisco, e, ao que parece ainda hoje vive.