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Guia e Manual do Cultivador/II/II-IX

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CAPITULO IX.

ARBORICULTURA.

Noções preliminares.

De dia o trabalho n'um chão florecente! Á noite em bons sonhos amor e prazer! Ditosa mil vezes a rustica gente Se os bens que disfructa soubera entender!

DO SR. A. F. DE CASTILHO.

1400. Talvez não haja paiz algum na Europa, em que a arboricultura mereça ser mais desvelladamente promovida do que em Portugal; porque talvez não haja paiz algum nesta parte do mundo, que reuna tantas e tão vantajosas condições agronomicas para a cultura das plantas lenhosas.

1401. E na verdade são muito raras as arvores fructiferas, que deixam de medrar entre nós; e é muito commum vêr reunidas no mesmo campo as especies arboreas e arbustivas, que caracterisam as floras das diversas regiões agricolas da Europa; como são a larangeira, a alfarrobeira, a oliveira, a videira, a amendoeira, o castanheiro, a pereira, a maceira, e a cereigeira.

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1402. E não são sómente as arvores fructiferas das regiões agricolas do continente europeo, que vemos assim associadas no nosso clima, são tambem algumas das que crescem na região da cana de assucar, ou nos parallelos juxtatropicaes, o que imprime á nossa flora agricola um ar de formosura, e de magestade estranho á dos paizes frios.

1403. Nem é sómente nos nossos vergeis que encontramos esta feliz associação de plantas de tão diversas patrias, é tambem nas nossas matas que se póde observar o mesmo phenomeno. É assim que vêmos a acacia, o platano, a azinheira, o sobreiro, o castanheiro bravo, a faia, o carvalho, o pinheiro, e a betula, todos de companhia e no mesmo local. De modo que ainda que não existissem muitas outras circumstancias, que nos convidam á cultura das arvores, bastaria sómente a do clima para nos decidir em seu favor.

1404. A corpulencia e gentileza da maior parte das nossas arvores fructiferas, a excellencia dos seus productos, que são ao mesmo tempo o regallo do rico e do pobre, a escassez progressiva das nossas matas, e os grandes proventos que dellas resultam; bem como a sua benefica influencia, não só na amenidade e na salubridade do clima, mas tambem na riqueza e fecundidade do solo, tudo nos instiga vivamente á cultura das plantas arboreas e arbustivas, que são um dos maiores recursos da agricultura da Europa meridional, um dos mais bellos ornamentos da vegetação, e a mais importante condição da economia geral da natureza.

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1405. Mas apezar desta cultura ser tão favorecida pelas condições do clima, e tão reclamada pelas necessidades economicas do paiz, e apezar dos consideraveis lucros, que della dimanariam, nem por isso tem encontrado nos nossos cultivadores toda a attenção que por tantos titulos merece.

1406. É na verdade lastimoso (diz um dos nossos mais abalisados agronomos na sua excellente memoria sobre a necessidade do plantio de novos bosques em Portugal) é lastimoso que um tão bello paiz, por desmazello emperrado de muitos de seus filhos, se vá reduzindo a um esqueleto de charnecas descarnadas, e de cabeços escalvados, quando pela temperatura do seu clima, e pelas desegualdades da sua superficie podia ter quasi todas as arvores proprias dos climas quentes e frios do nosso globo! - As altas serras do Gerez, Marão, Caramullo, Estrella, Cintra, Monchique, e outras pódem crear umas, e os valles e costas da Estremadura, Alemtejo e Algarve as outras da Africa e India, e da America meridional.»

1407. Não é só pelo seu proprio interesse, mas sim pelo interesse commum, nem para beneficiar e enriquecer sómente o seu chão, mas para enriquecer e beneficiar o seu paiz, que os nossos cultivadores devem á porfia plantar arvores, quer fructiferas, quer florestaes em toda a parte onde as condições agrologicas e climatericas do solo o reclamarem.

1408. Este nosso conselho, ou antes esta amigavel invitação é particularmente dirigida aos nossos agricultores das provincias do Sul, onde a necessidade dos arvoredos se faz ainda mais imperiosamente sentir - e é a estes agricultores, que se extenuam e abafam no meio dos intensos calores do estio, que respiram durante os mais duros trabalhos do campo n'uma atmosphera calcarea e abrazadora, que se debatem com mortiferas enfermidades pela falta de uma vegetação estival purificadora do ar, que carecem de agoas, de frescura e de sombras para si, para os seus gados, e para os seus campos - é a elles que nós mais particularmente nos dirigimos, para que attentem naquella urgente necessidade da nossa economia rural.

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1409. E na verdade os arvoredos tornariam mais abrigados os seus campos, e mais sadios os seus casaes; a atmosphera mais pura e mais humida, o clima mais ameno e temperado; a evaporação dos terrenos menos intensa, e a sua irradiação mais moderada; a desnudação do solo pelas agoas menos activa e prejudicial, as fontes mais numerosas e caudaes, as chuvas, as nevoas, e os orvalhos mais abundantes e nutritivos. Com o plantío das arvores, quer fructiferas, quer florestaes, ora em torno das suas propriedades, ora nas bordas dos caminhos e das estradas, já no cume das montanhas, e ao longo das costas, já nas faldas dos outeiros, e no fundo dos valles elles transformariam miraculosamente a constituição do ar e do solo, e creariam em torno de si grandes riquezas em fructos, em lenhas, em madeiras, em pastos arboreos, e preparariam finalmente um agradavel porvir aos seus descendentes, ainda quando não chegassem a gozar de todo o fructo de suas fadigas.

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1410. Mas além destes beneficios materiaes seriam ainda grandes e intimos gozos moraes a sua final recompensa. Ha no plantio e na educação das arvores uma especie de affeição paternal. O agricultor que as planta e que as cuida, considera-as como filhas suas, que elle mesmo creára e educára; e quando as vê prosperar e crescer, quando as vê florir e fructificar, ou quando descança e medita á sua sombra, experimenta esse sentimento de paternidade que nos faz considerar e amar as nossas obras como uma emanação de nós mesmos. - Essas viçosas creações, esses monumentos campestres do seu trabalho hão-de durante a sua vida pagar-lhe largamente os seus disvellos, e depois da sua morte despertar nos seus descendentes a recordação do seu amor e da sua solicitude para com elles.

1411. Plantai por tanto, bons agricultores, plantai arvores por toda a parte onde as circumstancias o aconselharem. Plantai-as junto do casal, em torno do campo, nas cumiadas da serra, nos talhões do pomar. - Celebrai com estas plantações o nascimento, as nupcias, a morte mesmo dos vossos filhos e parentes! Solemnisai assim todas as vossas alegrias e luctos domesticos! Sejam as arvores por vós plantadas, os vossos monumentos! - Acrescentai com estas culturas o patrimonio de vossos filhos - fazei-lhes amar deste modo a herança de seus avós; e tornai-lhes mais caro e mais sancto o campo que os seus progenitores regaram com o seu suor, e fecundaram com a sua industria. - É assim que se fortalece esse amor providente do trabalho e da propriedade - e que se consagra esse sentimento quasi religioso que transforma o lar domestico no templo e no asilo da familia!

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1412. A arboricultura, ou a cultura das arvores, e arbustos divide-se naturalmente em duas secções; a primeira, que nos ensina a cultivar as arvores fructiferas, tem o nome particular de pomicultura; a segunda, que trata das arvores silvestres, denomina-se silvicultura; aquella tem por objecto a cultura dos pomares ou dos vergeis; esta a das matas ou florestas. Tratemos em primeiro logar da pomicultura, e em seguida daremos algumas noções sobre a silvicultura.

POMICULTURA.

Preceitos e processos geraes para a cultura das arvores fructiferas.

1413. A natureza do solo, a exposição, e o clima são condições muito attendiveis no estabelecimento de um pomar, e circumstancias indispensaveis á prosperidade da cultura das arvores fructiferas. Posto que muito succintamente, apresentaremos algumas idéas geraes sobre cada uma destas influencias.

Natureza do solo.

1414. Os terrenos demasiadamente areosos e soltos, assim como os que forem muito argilosos e tenazes, não convém geralmente á cultura das plantas lenhosas, e com particularidade á das arvores de fructo - os primeiros porque deixam filtrar em demasia a humidade tão necessaria ao desenvolvimento das arvores, os segundos porque a retem fortemente, e tolhem o franco crescimento das suas raizes. As terras francas de pão, ou normaes, são pelo contrario muito appropriadas á vegetação arborea. O proverbio que adverte que os terrenos que dão bom trigo, dão tambem excellentes fructos, é verdadeiro na generalidade dos casos. Os terrenos de trigo em que predomina o principio calcareo, passam por muito appropriados á cultura das arvores de caroço; em quanto as arvores de pevide requerem terrenos em que o calcareo não predomine tão consideravelmente. Os terrenos proprios para as hortas são excellentes para os pomares, se tiverem bastante fundo, e a sufficiente humidade. A profundidade do solo é aqui uma circumstancia indispensavel para que as raizes possam francamente penetrar e ramiticar-se.

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1415. O subsolo, ou a camada situada abaixo da camada aravel, póde em muitos casos corrigir os defeitos do solo, e exercer sobre a vegetação das arvores uma influencia consideravel. Quando elle fôr schistoso, schisto-argiloso, pedregoso, ou marnoso as raizes o penetrarão facilmente, e adquirirão por conseguinte grande vigor.

1416. As arvores fructiferas não resistem geralmente, nem ao grande excesso de humidade, nem ao excesso de seccura: o primeiro defeito macera e putrefaz as raizes; o segundo não lhes subministra a agoa de vegetação necessaria para diluir a seiva, e fazel-a subir até ás suas ultimas extremidades verdes.

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1417. Quando o solo e o subsolo forem pouco favoraveis á cultura das arvores fructiferas, podemos em parte remediar este inconveniente, abrindo no acto da plantação grandes covas, que se encherão de boa terra; mas como este processo é muito dispendioso, só devemos adoptal-o em casos muito excepcionaes.

Exposição.

1418. As exposições abrigadas são as mais favoraveis ás arvores fructiferas, não só porque estas soffrem muito da violencia dos ventos, mas tambem porque as grandes vicissitudes atmosphericas, e as baixas temperaturas são um grande obstaculo ao seu natural desenvolvimento. Nas exposições meridionaes os fructos sazonam melhor, e tornam-se mais doces e mais saborosos, porque a acção directa dos raios solares obra sobre elles mais energicamente. Nos terrenos voltados para o norte nunca se obtem fructos assaz assucarados, nem tão volumosos e agradaveis como nas exposições mais calidas. As exposições orientaes convém em muitos casos, posto que sejam muito castigadas pelos ventos nordéste e léste. Entre nós as exposições occidentaes são muito convenientes a algumas culturas uma vez que os terrenos se achem abrigados dos ventos, que nos vem do oceano; os quaes pela sua violencia e intensidade prejudicam consideravelmente as plantas lenhosas.

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1419. As exposições devem subordinar-se ás plantas que queremos cultivar - as meridionaes convém particularmente ás arvores de fructo que amam o calor e a luz, como a vide, o alperceiro, o pecegueiro, a larangeira, e a figueira - as septentrionaes ás que são oriundas dos paizes frios, como as maceiras, pereiras, castanheiros, e cerejeiras.

Clima.

1420. Este grande agente da vegetação torna-se na arboricultura uma condição rigorosamente indispensavel e da mais transcendente importancia. Elle póde ser mais ou menos supprido, ou modificado na praticultura e na horticultura; mas no plantio e na educação collectiva das plantas lenhosas, não ha meio de o supprir, nem mesmo de o modificar radicalmente.

1421. A distribuição das culturas arboreas na superficie do globo obedece a um certo numero de condições, umas naturaes e invariaveis, e são as meteorologicas; e outras accidentaes e inconstantes, e são as economicas, as estatisticas, e as agricolas. Estas condições estabelecem certos e determinados limites, fóra dos quaes, as culturas ou são impossiveis, ou ruinosas.

1422. As condições meteorologicas fundam-se nos seguintes factos - maior ou menor temperatura dos invernos e dos estios, e maior ou menor humidade da terra e do ar. Estes factos estabelecem limites geographicos determinados, além dos quaes não é possivel a vegetação de certas plantas; isto é, estabelecem o que chamamos regiões botanicas. Estas regiões são limitadas no globo por linhas mais ou menos affastadas dos parallelos do equador a que se dá o nome de linhas isothermas, por passarem por pontos da terra de egual temperatura.

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1423. Contam-se geralmente seis regiões botanicas, cada uma dellas caracterisada por uma flora especial. Contam-se duas na zona torrida, a saber, a equatorial que se estende a 15 gráus para um e para outro lado da linha equinocial; e a tropical que se estende desde o 15° até ao 24° grau, pouco mais ou menos: estas duas regiões, tomadas collectivamente, tem o nome de intertropicaes. Além destas duas, contam-se ainda quatro nas zonas temperadas, que se estendem desde os tropicos até aos circulos polares; a saber, a região juxtatropical que se estende desde os tropicos até ao 34°, e em certos pontos até ao 36° gráu, apresentando no seu centro a temperatura media de 20 gráus centigrados; a região temperada quente, situada pela parte de fóra da precedente com a temperatura media de 15 a 10 gráus, comprehendendo na Europa, além de outros paizes, o meio dia da França, a Italia, a Grecia, a Turquia, a Hespanha, o litoral do mediterraneo; a região temperada fria de temperatura media de 10 a 5 gráus, que comprehende tambem na Europa o norte da França, a Belgica, a Alemanha, a Polonia uma parte da Russia, &c., e finalmente a frigida ou subarctica da temperatura media de 5 a 0 gráus, que comprehende ao norte as regiões proximas do circulo polar arctico.

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1424. As condições economicas a que obedecem tanto as culturas arboreas, como as herbaceas, são as mesmas que regulam qualquer outra producção, e pódem todas contrahir-se na seguinte lei «que as despezas feitas para obter os productos agricolas, e para os levar aos mercados, onde se hão-de consummir, sejam cobertas pelo seu preço venal, ficando ainda nas mãos do agricultor um certo interesse, ou premio que o convide a continuar na sua industria.»

1425. As condições estatisticas são dependentes da intensidade, e da distribuição da população, e da maior ou menor facilidade e barateza das communicações; por isso que ha certas culturas que demandam mais braços do que outras, e certos productos que não podendo couservar-se por muito tempo, precisam de uma extracção prompta e segura. Assim as vinhas e os pomares só pódem existir nos grandes centros da população, as primeiras pelos muitos braços que requerem para os seus amanhos, e os segundos pela necessidade de um prompto consummo para os seus fructos.

1426. As condições agricolas filiam-se da natureza dos systemas de cultura adoptados nas diversas localidades, e da distribuição do tempo dos obreiros empregados nestas culturas. Assim a existencia ou não existencia dos pastos communs, a cultura periodica ou successiva, o systema estabulario ou pastoril pódem influir e influem effectivamente muito no genero de culturas que convenha instituir. Na nossa provincia do Alemtejo, por exemplo, são impossiveis, em certas localidades, as culturas sachadas, e a praticultura pelos obstaculos que lhes offerece o direito do compascuo.

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1427. O que dissemos sobre as regiões botanicas tem uma inteira applicação ás regiões agricolas, diversas todavia destas em quanto consideram, não as plantas espontaneas, mas as cultivadas: estas regiões caracterisadas, como logo veremos, por certas culturas especiaes, são determinadas pelas seguintes condições: 1.ª a temperatura do ar no inverno; 2.ª a do solo nesta mesma estação; 3.ª a temperatura vernal e estival, ou a dos mezes em que as plantas abrolham, florecem, e fructificam; 4.ª a relação existente entre a agoa que cahe sobre o solo por effeito das chuvas, das nevoas, e dos orvalhos, e daquella que delle se eleva por effeito da evaporação; 5.ª a marcha e o curso particular das estações. Além destas condições existem ainda outras que se pódem considerar como secundarias, mas que não deixam de ter uma grande importancia local, como são os ventos, e a sua impetuosidade; a frequencia e a periodicidade das chuvas, das geadas, e das neves, a violencia das tempestades, e a maior ou menor regularidade de outros meteoros. Deprehende-se do que levamos dito, que as regiões agricolas devem merecer-nos a maior attenção na determinação das culturas arboreas; devendo nós por esta razão insistir ainda sobre este ponto.

1428. Quando nos limitamos simplesmente á Europa, encontramos nella cinco regiões agricolas, como se vê da carta que juntamos. Estas regiões vão indicadas pelos seus numeros respectivos, sendo a 1.ª a região da oliveira, a 2.ª a da videira, a 3.ª a dos cereaes, a 4.ª a das pastagens, e a 5.ª a das florestas.

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1429. A 5.ª e ultima destas regiões, ou a das florestas estende-se para além do 60° gráu septentrional, comprehendendo uma parte da Suecia, a Noruega, a Laponia, &c., e apresenta florestas vastissimas de carvalhos, pinheiros, e betulas. A 4.ª região ou a das pastagens apresenta, além das arvores da 5.ª desseminadas em diversas pairagens, abundantes pastagens, como a mais natural das suas producções, e comprehende parte da Inglaterra, dos Paizes Baixos, da Dinamarca, da Russia, o litoral da Noruega, &c. A 3.ª ou a dos cereaes, além das plantas das duas antecedentes, apresenta as maceiras, as pereiras, as cerejeiras, as groselheiras, e particularmente os cereaes como a sua cultura mais natural e caracteristica; e comprehende parte da Suecia, e da Inglaterra, o norte da França, a Belgica, a Saxonia, a Prussia, a Polonia, &c. A 2.ª região ou a da videira póde dividir-se em duas subregiões, uma da banda do norte, e outra do sul; na primeira, além das plantas da 3.ª região, apresentam-se o castanheiro, a nogueira, a aveloeira; e na segunda subregião já vegetam, além das plantas mencionadas, a amendoeira, a amoreira, o abrunheiro, o damasqueiro, e o pecegueiro, sem fallar na videira, commum a ambas estas subregiões, e que é a mais natural das suas culturas. Esta região occupa uma parte da França, da Alemanha, da Italia, &c. A 1.ª, finalmente, ou a região da oliveira, tambem se subdivide em duas subregiões, uma septentrional, e outra meridional. A primeira, que occupa o norte da Hespanha e da Italia, e o sul da França, &c., apresenta, além de quasi todas as plantas mencionadas nas outras 4 regiões, a figueira e a alcaparra; a segunda, que abrange quasi toda a Hespanha, todo o Portugal, uma parte da Italia, a Grecia, a Turquia europea, &c., apresenta, além da maior parte das plantas das outras regiões, a larangeira, a alfarrobeira, a figueira da India, &c. Vê-se por tanto que as ultimas 3 regiões agricolas correspondem com pequena differença ás duas regiões botanicas, a temperada quente, e a temperada fria.

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1430. Desta rapida enumeração das plantas das diversas regiões da Europa, se collige que o nosso paiz, e o meio dia da Hespanha, são, entre todas as desta parte do mundo, as mais appropriadas para as culturas arboreas; e nós veremos, que além das plantas indicadas, ainda na nossa peninsula se cultivam outras que são originarias dos paizes juxtatropicaes, como são a cana de assucar, a bananeira, a palmeira, &c.; e já vimos que se cultivava tambem o algodão e o anil; de modo que a sua flora agricola é sem contradicção a mais rica da Europa.

1431. Na região das oliveiras ha vastos terrenos, que são condemnados a uma aridez deploravel. Estes terrenos não pódem votar-se com vantagem á cultura da maior parte das plantas herbaceas, e muito especialmente á das plantas pratenses. As culturas arborescentes, são pois as que mais lhes convém, por isso que as raizes destas plantas, profundando no terreno, vão procurar-lhes a humidade, que a camada aravel lhes recusa. Mas quando nesta região apparecem localidades abundantes em agoa, então quasi todas as culturas, quer das plantas herbaceas, quer das lenhosas, prosperam ahi admiravelmente.

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1432. Vê-se, por tanto, que nesta região não póde ser tão geral e tão proveitosa a cultura das forragens, e das plantas herbaceas, como nas regiões frias; e que nestas não pódem cultivar-se senão excepcionalmente as arvores fructiferas. O numero destas arvores vai effectivamente decrescendo á medida que nos transportamos dos paizes meridionaes para os do norte. Assim vêmos que o numero das especies lenhosas cultivaveis é maior nas peninsulas hespanhola e italiana, do que em França e Inglaterra; que o destes dois paizes é maior que o de Flandres e Prussia; e que o destes ultimos finalmente ainda é maior que o da Suecia e Polonia, onde as especies arboreas são já muito raras, para finalmente desapparecerem de todo nas regiões sub-arcticas.

1433. Ora como é necessario começar em agricultura por pôr as estações do nosso lado, accommodando-nos ás exigencias do clima, com o qual não se póde luctar sem grande desvantagem; devemos por isso tratar de conhecer bem a posição meteorica da nossa localidade, para não pedir ao solo senão aquelles productos que elle puder fornecer-nos sem grande esforço. Convém, por tanto, que a cada região agricola se peçam de preferencia os fructos que ella póde mais naturalmente produzir.

1434. «Quando se lança, diz o conde de Gasparin no seu nunca assaz admirado curso de agricultura, uma vista de olhos sobre a carta que representa a repartição das regiões de cultura na Europa, não se pódem deixar de admirar os designjos da Providencia, que parece ter querido fazer dos habitantes desta parte do mundo um unico povo unido por suas necessidades, e seus meios reciprocos de troca. A região das oliveiras fornece ás outras regiões, o azeite, os vinhos, os licores, o alcool, os variados fructos, e as essencias; a região das vinhas produz vinhos finos, cereaes, e sedas; a região dos cereaes exporta grãos, gados, cevadas, e lãs finas, em fim a região dos pastos expede crias de toda a casta de gado, cavallos, e os productos das suas leitarias. Cada uma das regiões recebe das suas vizinhas o excedente dos seus productos em troco do excedente dos della. Todas estas regiões, que tem uma necessidade reciproca umas das outras, mais ou menos affastadas entre si, mas reunidas pelos rios, e pelos mares formam um todo completo que a nossa loucura, a nossa ambição, as nossas repulsões de raça, e de nação tem tornado tão longo tempo inutil á prosperidade geral.»

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1435. É todavia de esperar que os progressos da civilisação, realizem um dia, mediante a viação a vapor, esta liga commercial, e que cada povo seja chamado a gosar dos dons e recursos naturaes com que a Providencia o dotára: neste trato de franco e livre commercio, nós somos uma das nações que mais devem lucrar, porque somos uma das que tem um maior numero de faculdades productivas, muitas das quaes se acham inertes e ociosas, não só pelo isolamento a que estamos condemnados por falta de communicações interiores, como tambem pela limitada extensão das nossas necessidades.

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Reproducção e multiplicação das arvores fructiferas.

1436. As arvores fructiferas, assim como as florestaes, reproduzem-se e multiplicam-se por meio da sementeira, da plantação de estaca, e da mergulhia.

Sementeiras.

1437. As sementeiras são o meio de reproducção mais natural, e mais ordinario, tanto das plantas lenhosas, como das herbaceas. É por ellas que obtemos os individuos mais sãos, mais vigorosos, mais elegantes, e mais robustos; e que alcançamos estes tres importantissimos fins - a propagação das boas especies - o melhoramento das especies já conhecidas - e a conquista de especies ou variedades novas.

1438. As sementeiras da maior parte das arvores fructiferas fazem-se em alfobres. Todos os bons quinteiros devem ter o seu alfobre para não soffrer os prejudicialissimos enganos, que muitas vezes experimentam quando compram aos viveiristas as plantas de que carecem. Os alfobres devem formar-se nos terrenos profundos, de mediana fertilidade, ligeiros, e pouco compactos - os que forem muito substanciaes e fecundos, consideram-se improprios para este fim, por isso que as plantas adquirem nelles muito viço, e soffrem depois excessivamente no acto da transplantação.

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1439. O terreno que destinarmos ao alfobre deve ser rigorosamente fabricado; e apresentar uma ligeira inclinação para o meio dia, e uma exposição abrigada e tepida.

1440. Junto do alfobre deve collocar-se o viveiro, que consiste n'um ou mais canteiros, para onde se passam as plantas, ordinariamente no cabo de um ou dois annos depois de semeadas no alfobre, a fim de serem enxertadas, e de adquirirem alli a conveniente robustez, para serem finalmente transferidas para o pomar. É tambem no viveiro que se plantam as estacas para radicarem, a fim de serem depois transplantadas.

1441. A escolha das sementes deve merecer grande cuidado ao cultivador, por ser dahi que principalmente dimana a bondade dos fructos, e a formosura e grandeza das arvores.

1442. A maior parte dos fructos, que obtemos pela arboricultura, são tão radicalmente modificados, que não tem a menor analogia com o que foram no seu primitivo estado. Custa na verdade a acreditar que os bellos abrunhos de França, tão perfumados e sacharinos, sejam uma transformação do abrunho silvestre, tão rispido e repugnante - que as maçãs reinetas e bempostas, sejam oriundas da mesma planta que dá as maçãs selvagens, e finalmente que as peras marquezas e virgulosas tão suculentas e saborosas, provenham da pera brava tão dura e tão acida, que até as aves e os gados a regeitam. - Tão grande é o poder da cultura, e tão maravilhosa é a acção lenta e transformadora dos cuidados perseverantes do cultivador! Por intervenção destes cuidados, as especies transformam-se, as raças modificam-se, e passadas algumas gerações reproduzem-se, se continuamos com perseverança a trabalhar na sua educação; mas se as deixamos entregues a si mesmas tornam ao seu typo selvagem e primitivo.

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1443. Antes de semear é preciso que nos certifiquemos da boa qualidade da semente: ella deve ser em geral, lustrosa, pezada, e cheia; deve ser extrahida dos melhores fructos, e convém que não seja antiga para que conserve toda a sua energia germinativa. As sementes que provêem de fecundações artificiaes, entre variedades proximas da mesma especie, são as mais finas, porque destes cruzamentos resulta um grande aperfeiçoamento de raças agricolas. As numerosas e exquisitas variedades de peras obtidas na Belgica por este processo, haverá trinta annos a esta parte, attestam a excellencia deste meio, e convidam a experimental-o n'outras plantas no intuito de produzir novas raças hybridas, e de aperfeiçoar as já existentes. Destes ensaios não pódem deixar de provir grandes vantagens á arboricultura.

1444. A sementeira das arvores e dos arbustos no alfobre, deve fazer-se no outono ou na primavera, e em linhas distantes, obra de palmo e meio a dois palmos umas das outras, e dirigidas do norte a sul, para que o sol penetre pelos intervallos, e aqueça bem o terreno. Abrem-se então casas de quatro dedos a meio palmo de profundidade, e na distancia de um a dois palmos, segundo a natureza da semente. Se as sementes forem de pevide devem as distancias ser maiores do que sendo de caroço. Deposta a semente nas casas, cobrem-se com uma capa de boa terra vegetal da espessura de um ou dois dedos. Algum tempo depois de nascidas devem as plantas ser mondadas, sachadas, e regadas, segundo a necessidade o pedir.

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Transplantações.

1445. É no fim de dois annos, pouco mais ou menos, que as plantas são transferidas com o maior cuidado, para o viveiro onde se deixam permanecer até que tenham a força necessaria para serem plantadas definitivamente. O viveiro deve ser lavado do ar, e banhado pelo sol: o terreno deve ser profundo, e mais substancial do que o do alfobre, mas não tanto como o do pomar para onde devemos transferir a final as plantas. Deve ser bem fabricado, e surribado até á profundidade de 3 a 4 palmos. É na primavera que se deve fazer esta transplantação; e as arvores devem dispor-se em xadrez na distancia de dois a tres palmos: durante o estio mondam-se e sacham-se, para depois serem enxertadas as que o devem ser passado algum tempo, diverso para as diversas arvores, mas, ordinariamente, passado um anno depois de enxertadas, ou dois depois de plantadas no viveiro, póde fazer-se a transplantação definitiva.

1446. Quando as arvores tem adquirido assaz de desenvolvimento, e de robustez para poderem ser tiradas do viveiro para o logar do seu destino, abrem-se então as covas no pomar, a distancias taes, que as plantas tenham o espaço sufficiente para se desenvolverem plena e desafogadamente. Sem esta circumstancia nunca poderemos obter o completo crescimento, tanto das suas raizes, como dos seus caules. Geralmente o espaço occupado pelas ramificações subterraneas de uma arvore é egual ao que occupam as suas ramificações aereas: nada ha por tanto mais inconveniente do que plantar as arvores muito juntas umas das outras; não só porque se embaraçam no seu crescimento, disputando-se as subsistencias contidas no solo; mas tambem porque os seus fructos perdem em qualidade e em belleza, porque não pódem ser sufficientemente aquecidos, e sazonados pelos raios do sol, mais necessarios ainda ás arvores do que ás plantas herbaceas.

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1447. No estabelecimento de um pomar devemos pôr as plantas em quadrado, ou em quincuncio; e a distancias variadas, segundo a sua diversa natureza: estas distancias serão indicadas quando tratarmos da cultura especial das diversas arvores. É, porém, muito importante que as plantemos em linhas, e podendo ser, com a direcção norte sul, pela razão que atraz indicamos: infelizmente acham-se ainda no nosso paiz grande numero de pomares plantados tão irregularmente, que se tomariam antes por matas do que por vergeis.

1448. As covas em que devem plantar-se as arvores, fazem-se mais ou menos grandes, segundo a importancia da planta e a qualidade do solo; na intelligencia, porém, de que quanto maiores forem as covas, tanto melhor medrarão as arvores. Se a terra fôr boa bastará que demos ás covas uma vara de diametro, e outro tanto de profundidade, sendo, porém, de má qualidade devem alargar-se e profundar-se mais para as encher de boa terra. É sempre conveniente collocar em torno das raizes das arvores a melhor terra, que tivermos adubada com esterco muito bem curtido; a fim de que a planta não estranhe a mudança de domicilio, e encontre desde logo nelle abundancia de subsistencias. Logo no acto da plantação devemos cravar no solo, bem a prumo, uma grossa vara que sirva de esteio á planta; este esteio, a que se dá o nome de tutor, deve penetrar na profundidade de um palmo, pouco mais ou menos, abaixo das raizes, e nunca deve chegar até á copa da planta; fixa-se então a arvore ao seu tutor por meio de uma ligadura não muito apertada, e para evitar que a ligadura corte ou offenda a casca da arvore, ou mesmo que esta roce e se destrua contra o tutor, deve interpor-se um corpo qualquer, por exemplo, um pedaço de folha de piteira, de couro, ou de tela, &c.

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1449. As covas destinadas a receber as arvores, devem ser abertas com bastante antecipação, e logo no começo do estio, para que a terra dellas extrahida, tenha tempo de se arejar, de se esterroar, e de receber a influencia dos meteoros atmosphericos. A transplantação definitiva das arvores, deve fazer-se no meado do outono, ou nos fins do inverno.

1450. Depois de limpa a arvore, tanto dos ramos, como das raizes viciadas ou inuteis, planta-se na cova, tendo a precaução de estender e desembaraçar as suas raizes, para que não fiquem entrecruzadas, e collocando-as de maneira que as mais vigorosas fiquem viradas para o occidente, por ser dahi que sopram os ventos mais fortes. Dispostas assim as raizes no fundo da cova, previamente revestida de uma camada de boa terra, cobrem-se de uma nova camada, egualmente fertil, da espessura de uma mão travessa, e sacudindo então a arvore muitas vezes, para que a terra se ensinue bem atravez das raizes, acaba-se de encher a cova com aquella mesma terra que della se extrahíra. Quando o solo se achar secco, convém regal-o logo depois da plantação. Quando, porém, transplantarmos qualquer arvore é preciso não a enterrar mais profundamente do que estava no viveiro. É um erro suppor que quanto mais fundas se plantam as arvores, mais ellas prosperam; este erro em que cahem muitos quinteiros, mata ou acanha um grande numero de arvores. Tem sido objecto de grande questão, a de saber se no acto de plantar as arvores se deve ou não cortar a raiz mestra ou o gavião: nós suppomos que a adopção ou regeição desta pratica, tem relação com a natureza do solo; se elle fôr profundo e substancial, deve deixar-se á arvore a sua raiz central, sendo, porém, de pouco fundo, deve cortar-se para dar logar a que se desenvolvam as raizes lateraes na camada aravel, onde encontrarão maior copia de substancias alimentares.

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1451. A cultura alterna tambem é necessaria ás arvores. Se formos plantar uma vinha ou um pomar de caroço, onde existiram outros de egual natureza, seremos mal succedidos. Se variarmos, porém, de culturas, vêl-as-hemos prosperar quasi sempre.

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1452. Entre os cuidados que temos a dar ás arvores transplantadas, devem considerar-se os seguintes como os principaes: - 1.º Cavar annualmente, para que o solo seja sempre trabalhado pelos meteoros atmosphericos, e para que as raizes mais superficiaes fiquem em contacto com o ar. 2.º Não cultivar nos pomares plantas agricolas, cujas raizes penetrando profundamente na terra, roubem ás arvores a melhor parte do seu nutrimento, e neste caso se acham particularmente a luzerna, o esparceto, o trevo, a chicoria, &c. 3.º Estrumar todos, ou quasi todos os annos, conforme a natureza do terreno; mas empregar sómente estercos bem curtidos. 4.º Regar sempre que a planta demonstre ter sede - as regas devem ser poucas, mas copiosas, para que a agoa chegue até ás raizes mais inferiores. 5.º Limpar as arvores de todos os ramos superfluos e seccos, não só para tornar mais facil o accesso do ar e do sol, o que contribue muito, tanto á sua saude, como á belleza e boa qualidade dos seus fructos, mas tambem para impedir que os ramos estereis não roubem a seiva aos fructiferos. 6.º Perserval-as dos musgos, dos lichens, e de outras plantas parasitas, que não só lhes absorvem os sucos nutritivos, mas tambem lhes acarretam um grande numero de larvas e de insectos que as infestam. Os musgos destroem-se escovando-as com pannos grossos logo depois das chuvas.

Plantação de estaca.

1453. Os agricultores dão o nome de estaca a um ramo, que sendo separado da planta mãe, é cravado inferiormente na terra, e forçado a produzir raizes, dando origem, pelo seu desenvolvimento, a uma planta semelhante áquella donde proviera. Este modo de multiplicação, tem feito muitos progressos desde o principio deste seculo, adquirindo ultimamente uma grande importancia na arboricultura. A explicação physiologica desta operação, deriva-se da disposição organica das plantas, e da maneira porque a vida se acha nellas distribuida. O vegetal, physiologicamente considerado, não é um individuo, mas uma collecção de individuos. Quasi todos os seus orgãos gosam da individualidade, e tem em si tudo o que é necessario para existir, e para se reproduzir. É por isso que podemos plantar de estaca gomos, raizes, folhas, ramos, &c., conforme a natureza das plantas. A isto accresce que os rudimentos das gemmas aereas, uma vez collocados debaixo da terra, são susceptiveis de se converter em raizes, o que facilita e completa a transformação das estacas em arvores.

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1454. Ha plantas que tem resistido até hoje a este meio de reproducção; e existem outras em que elle é muito efficaz. A vide, a oliveira, o salgueiro, o choupo, e o olmeiro são plantas que se propagam de estaca com grande facilidade: geralmente estão neste caso todas as que teem um tecido laxo e celluloso, e pelo contrario resistem a este meio todas as que tem o lenho secco e duro, e pouca abundancia de tecido cellular, como os pinheiros, os cedros, &c.

1455. As condições mais indispensaveis ao bom resultado desta operação, são manter constantemente em torno da estaca o gráu de temperatura, e de humidade mais favoravel á natureza da planta, obstar á evaporação dos seus tecidos, e mesmo da terra, em quanto não se desenvolvem as raizes.

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1456. Obtemos por meio desta operação certos resultados, que são em muitos casos apreciaveis. Primeiramente conservamos certas variedades preciosas, que não poderiam reproduzir-se por meio da sementeira; em segundo logar obtemos arvores adultas em menos tempo, e por consequencia fructos muito mais cedo do que pela sementeira; e finalmente conseguimos não só perpetuar muitas plantas exoticas, cujas sementes não amadurecem no nosso clima, senão tambem conservar no estado de domesticidade e aperfeiçoamento agricola outras que pela sementeira entram no seu estado silvestre, ou passam ao seu typo primitivo. Esta operação tem, porém, suas desvantagens, como são tornar as plantas menos esbeltas, menos vigorosas, e duradouras, occasionando-lhes uma progressiva diminuição na sua altura. É por isso que os chins, cujas praticas agricolas são um resultado de longas observações, empregam reiteradas vezes este processo para obter plantas anãas.

1457. A plantação de estaca póde ser simples, de borrelete, de talão, e forçada. A simples é a mais ordinariamente empregada para multiplicar quasi todas as arvores, e arbustos que pódem reproduzir-se por este processo: consiste no seguinte. Cortam-se, commummente em Fevereiro, ramos do anno antecedente, que estejam bem feitos, e sufficientemente endurecidos, dividem-se em pedaços de comprimento variado, que apresentem de 4 a 6 nós, ou olhos: estes pedaços são cravados até ao seu terço inferior, ou no viveiro, ou na arêa, em sitio fresco e abrigado dos ventos. Quando a plantação se faz no viveiro, deixam-se ahi vegetar as estacas até que tenham adquirido sufficiente força e desenvolvimento, para então se transplantarem para o pomar. Quando pelo contrario se abacelaram na arêa, deixam-se ahi permanecer até chegar a epoca da sua plantação, que é quando a seiva se mostra proxima a entrar em movimento. Facilita-se muito este processo enterrando pernadas recentes de arvores n'uma posição horisontal, e cobrindo-as de terra de maneira que as summidades dos ramos fiquem com alguns olhos acima do solo. Estes ramos são excellentes arvores passado algum tempo. A figura adjunta mostra a maneira de praticar esta operação.

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1458. A estaca de borrelete é empregada quando sabemos que o processo antecedente não surte bom effeito. No mez de Junho praticamos um córte annular na casca, ou a circumcisão cortical, logo immediatamente abaixo de um nó, sobre o ramo que quizermos plantar de estaca no anno seguinte, ou ligamos o mesmo ramo com um fio de arame, ou de barbante encerado para determinar a formação do borrelete: planta-se então o ramo que lança um grande numero de raizes; procedendo-se de resto como acima fica indicado. A estaca de talão faz-se esgarrando o ramo que queremos plantar, separando-o da planta mãi, de maneira que leve comsigo tanto a casca, como o tecido lenhoso que lhe servia de base no seu ponto de origem: estes tecidos fazem ás vezes de borrelete, favorecendo o desenvolvimento das raizes. A estaca forçada é a unica por meio da qual podemos multiplicar certas plantas de lenho muito compacto, e de folhas sempre verdes: é neste processo que a arte tem feito importantes progressos, de maneira que hoje são rarissimas as plantas que deixam de reproduzir-se por sua intervenção. Pratica-se nas estufas, e nas camas resguardadas por vidraças. É commummente em vasos introduzidos nas camas ou nas estufas, que plantamos as estacas; e quando são muito difficeis de pegar, collocamos sobre os mesmos vasos campanulas de vidro para impedir a evaporação, e conservar a temperatura e a humidade conveniente. Uma luz duvidosa, semelhante á do crepusculo, é a que convem durante os primeiros tempos da vegetação das estacas, e até que ellas tenham lançado raizes; para obter aquelle resultado costumam collocar esteiras e telas sobre as estufas, a fim de impedir a livre diffusão dos raios da luz. Tiram-se depois pouco e pouco as esteiras, para que a planta entre nas condições naturaes do seu desenvolvimento. Os vasos que empregarmos nesta operação devem encher-se de terra de charneca, ou de uma mistura de tres partes desta terra, e uma de terra normal. As epocas pódem ser todas as estações, mas a da primavera é preferivel. Todos os dias se devem levantar as campanulas, e enxugal-as com um panno das gotas de humidade que se depõem nas suas paredes. Quando as plantas começam a dar alguns signaes de vegetação, não só se lhes ministra a entrada de alguma luz na estufa, como já dissemos, mas vão-se acostumando pouco e pouco ao ar, abrindo a vidraça, e levantando mesmo a campanula nos dias e nas horas mais quentes. - O processo que temos discripto tem concorrido efficazmente á propagação das plantas exoticas, de que raras vezes podemos obter sementes ferteis. A jardinagem principalmente tem tirado delle as maiores vantagens.

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Mergulhia.

1459. A operação da mergulhia consiste em enterrar um ou mais ramos de um vegetal, deixando a sua extremidade superior fóra da terra, e a sua base unida á planta mãi, a fim de desafiar o prompto desenvolvimento das raizes, e por consequencia a formação de novos pés (a que damos o nome de mergulhões) que pódem finalmente separar-se do pé principal.

1460. Este processo apresenta um meio excellente, facil, e por isso geralmente empregado para reproduzir as especies mais raras e exigentes. Differe apenas da estaca na circumstancia de não cortarmos desde logo o ramo, mas de o deixarmos dependente da planta mãi até ao desenvolvimento das raizes; sendo por isso muito preferivel, não só pela promptidão, mas tambem pela maior certeza do resultado. De resto a mergulhia tem as mesmas vantagens e inconvenientes, que attribuimos á plantação de estaca.

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1461. Os processos da mergulhia pódem modificar-se de muitos modos, mas todos repousam sobre o mesmo principio; isto é, forçar um ramo qualquer a lançar raizes sem o separar da planta mãi até que possa por si mesmo viver e reproduzir-se. A mergulhia póde ser simples, por estrangulação, por torção, por circumcisão, e por amputação.

1462. A mergulhia simples faz-se de varios modos. Umas vezes abrimos uma ou mais covas proximas aos ramos das arvores, que queremos alporcar, e ahi enterramos esses mesmos ramos, deixando livres as suas extremidades superiores; outras vezes abrimos uma valla circular em torno da planta, e curvando para a terra os ramos mais bem creados fixamol-os no solo, cobrimol-os de terra, e deixamos as suas extremidades livres, aprumadas, e expostas ao ar, como se vê na seguinte figura.

1463. Ha, porém, casos em que não sendo possivel enterrar os ramos no chão, os enterramos em vasos um tanto elevados do solo, ou mesmo em cortiços, e em cestos cheios de terra que fixamos na base dos mesmos ramos - outras vezes, finalmente, cortamos no principio do inverno as arvores já velhas e carcomidas, ou arvores e arbustos de 2 a 3 annos, e cobrimos de terra os caules assim mutilados. As gemmas numerosas que então se desenvolvem dão logar a rebentões, que enraizam promptamente, e que separados da planta mãi se transplantam no fim de um a tres annos. A figura adjunta dá uma cabal idéa desta operação.

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1464. Este processo de mergulhia applicavel a um grande numero de plantas que não pódem reproduzir-se, nem por semente, nem por estaca, merece ser geralmente adoptado, por isso que além de ser simples, improvisa, por assim dizer, as arvores a que se applica, multiplicando-as em grande escala.

1465. A mergulhia por estrangulação não differe da antecedente, senão em ligarmos fortemente o ramo que introduzimos na terra, com um arame ou fio encerado, logo por baixo de um olho ou de um nó. Como o ramo cresce em grossura, faz-se em pouco tempo nesse logar uma estrangulação, que, como sabemos, dá origem a um borrelete, e por consequencia a um grande numero de raizes, pelo obstaculo que no seu curso encontra a seiva descendente. A mergulhia por torção consiste em torcer previamente o ramo no logar onde desejamos que elle lance maior copia de raizes; emprega-se nas plantas sarmentosas de casca delgada, como a vide, o maracujá, &c. A mergulhia por circumcisão, é como a de estrangulação, com a differença de que em vez da ligadura, cortamos o anel cortical. Finalmente, a mergulhia por amputação é quando praticamos uma entalha até ao meio da espessura do ramo, e do comprimento de uma pollegada; esta entalha é feita com o mesmo fim com que fazemos a torção, a estrangulação, e a circumcisão; isto é, com o fim de cortar a passagem á seiva descendente para se desenvolverem raizes no ponto aonde ella se accumula; isto é, no bordo superior da entalha.

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Enxertia.

1466. A enxertia é uma operação pela qual obrigamos uma planta a adoptar e a nutrir um gomo ou um ramo de outra que com ella se solda e identifica. O objecto, por tanto, desta operação, é fazer viver um vegetal á custa de outro, pondo em mutua communicação os orgãos nutritivos de ambos. - O gomo ou ramo da planta que se enxerta tem o nome geral de garfo ou de enxerto, e aquelle que o adopta ou em que se enxerta, tem o nome de cavallo de prumagem, de sugeito, ou de patrão.

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1467. O mesmo que se dá com certos vegetaes parasitas que, ensinuando-se pelos tecidos corticaes e lenhosos de determinadas plantas, vivem á custa dellas aspirando os seus succos nutritivos, se dá tambem com os gomos ou gemmas que se consubstanciaram com os sugeitos em virtude do processo da enxertia. Donde se infere, que o enxerto é uma especie de parasitismo artificial, ou se se quizer uma especie de estaca ou ramo, que em vez de absorver immediatamente do solo as substancias alimentares, recebe estas mesmas substancias por intervenção do sugeito.

1468. Pódem os enxertos tambem comparar-se com os bolbilhos, ou pequenos bolbos das plantas viviparas. Estes, cahindo sobre o solo e haurindo nelle os fluidos nutritivos reproduzem a especie, aquelles continuam-a implantando-se sobre o alburno dos sugeitos, e absorvendo ahi os materiaes da sua nutrição. O processo vital porque uns e outros se desenvolvem, é inteiramente similhante; sendo apenas diverso o meio em que se verifica este desenvolvimento.

1469. As vantagens desta curiosa operação são as seguintes: 1.ª propagar as variedades raras não transmissiveis por sementes - 2.ª tornar mais perfeita e exquisita a qualidade dos fructos - 3.ª anticipar a frutificação de certos vegetaes - 4.ª improvisar, por assim dizer, o natural crescimento das plantas, supprimindo os primeiros periodos de seu desenvolvimento - 5.ª conservar certas raças estimaveis que a sementeira abastarda - 6.ª transformar arvores de pouco ou nenhum valor em arvores de um melhor producto.

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1470. Esta operação, porém, não tem só vantagens, tem tambem alguns inconvenientes; sendo os principaes - o encurtamento da idade natural das plantas e a sua velhice prematura - certo acanhamento nas fórmas dos orgãos conservadores - e uma constituição quasi sempre mais debil e delicada. Donde se deprehende que as vantagens e as desvantagens da enxertia são muito similhantes ás da mergulhia e da estaca - mas que as primeiras são muito superiores ás segundas.

1471. A theoria deste processo será facilmente comprehendida por quem tiver algumas noções de physiologia vegetal. A planta não é um individuo physiologico; mas um ajuntamento de individuos ligados pelos laços de uma organisação commum, que pódem em certas circumstancias viver e reproduzir-se independentes uns dos outros, e do auxilio maternal. Os ramos, as sementes, os bolbilhos e os gomos estão especialmente neste caso. Estes ultimos orgãos são plantas rudimentares ou vegetaes em miniatura, encerrados nos seus involucros escamosos, como os embriões dentro dos tegumentos da semente. Os gomos são orgãos germinadores que têem por tanto uma individualidade propria, e a mais completa analogia com as sementes, contendo como ellas os germens da reproducção - e então, assim como as sementes collocadas nas circumstancias que lhes são favoraveis, reproduzem a planta, assim tambem os gomos a devem multiplicar ou antes continuar, quando pelo processo da enxertia os cercamos das condições necessarias ao seu desenvolvimento.

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1472. Ora, estas condições para serem producentes, devem ser analogas ás que estes orgãos tinham, quando permaneciam fixados aos ramos maternaes - e com effeito, é o que acontece no processo de que nos occupamos; por isso que o gomo ou o ramo que fixamos sobre a superficie hospitaleira do sugeito, acha-se em condições quasi naturaes, e absorve nessa mesma superficie pelos poros moleculares das suas cellulas os succos alimenticios que depois elabora nos seus proprios tecidos; de modo que a planta onde o fixamos fornece-lhes os mesmos principios vegetativos que lhes offerecia a planta maternal; e então o resultado deve ser o mesmo; isto é, deve desenvolver-se na primeira como se desenvolvia na segunda.

1473. A communicação entre os orgãos nutritivos do garfo e do patrão, deve ter logar logo que se verifique a sua consubstanciação; e esta deve verificar-se muito promptamente pela razão que vamos apresentar.

1474. Se tirarmos um pedaço de casca do tronco de uma arvore, na occasião da ascensão da seiva, e se resguardarmos immediatamente o alburno da impressão do ar e da luz, veremos que esta superficie elaborante se cobre de uma exsudação limphatica, que se apresenta em fórma de pequenas gotas limpidas desde logo, mas que vão pouco e pouco tornando-se alvacentas; o numero e a grandeza destas gotas, vai depois augmentando progressivamente, e á proporção que isto acontece vão ellas adquirindo maior consistencia e opacidade; acabando finalmente por cobrir inteiramente o alburno, e formando uma especie de inducto mucilaginoso. Se observarmos então por meio de uma forte lente, esta camada de mucilagem, a que se dá o nome de cambio ou seiva elaborada, ainda lhe não descobriremos rudimentos alguns de organisação: mas pouco tempo depois começaremos a descobrir cellulas, e ultimamente uma camada de tecido cellular contínuo, que é o que chamamos zona geradora. Ora se as gotas de seiva, mediante um certo trabalho organico, se uniram entre si por formar o cambio, de que resulta essa camada cellulosa contínua, porque não ha-de acontecer o mesmo á seiva que emanar do garfo e do sugeito, quando os collocarmos em circumstancias identicas? Vê-se, por tanto, qual é a causa da soldadura organica nas enxertias, e que uma vez soldadas e unidas as duas superficies das plantas em contacto, e formadas as zonas geradoras, fica naturalmente explicada a mutua relação dos orgãos conservadores, e a communicação anatomica dos vasos seivosos; é por consequencia a nutrição e o crescimento do garfo.

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1475. Dada a razão theorica deste processo, vejamos quaes são as condições reclamadas pela sua execução pratica.

1476. Em primeiro logar é necessario que as zonas geradoras tanto do enxerto como do sugeito se ponham em contacto uma com a outra, para que se confundam e identifiquem; e que as differentes camadas corticaes se correspondam para facilitar a sua união.

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1477. Depois disto, é indispensavel que exista certo parentesco ou affinidade botanica entre as duas plantas; isto é, que pertençam pelo menos á mesma familia. E na verdade, é rarissimo que se obtenham enxertos entre plantas de familias diversas; obtem-se, porém, alguns entre plantas da mesma familia; bastantes entre especies do mesmo genero, e muitos ou quasi todos entre variedades da mesma especie. É preciso, porém, confessar que esta regra falha algumas vezes na pratica, e que a natureza guarda para si certos segredos que a sciencia inda não pôde descobrir.

1478. É em terceiro logar necessario, que as plantas estejam em alguma das duas epocas do seu engorgitamento seivoso, ou na vernal, ou na estival para que as zonas do cambio se formem: isto, porém, não obsta a que enxertemos certas plantas fóra destas epocas, uma vez que queiramos enxertar a olho dormente. As epocas, porém, do engorgitamento seivoso é preciso que coincidam nas duas plantas, porque de outro modo haveria uma discordancia e mesmo uma perturbação nos periodos de sua vegetação, que não poderia deixar de ser muito funesta ao enxerto.

1479. Em quarto logar é necessario que haja uma certa analogia entre os succos e a structura do patrão e do enxerto, e esta condição é muito importante, e mais ou menos analoga á da affinidade botanica já mencionada.

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1480. Em quinto logar, é tambem condição, senão indispensavel, pelo menos conveniente, que haja uma certa concordancia na grandeza e na robustez das duas plantas; por quanto se enxertarmos uma planta robusta, e de grandes dimensões, sobre um sugeito muito pequeno e fraco, vêl-a-hemos em pouco tempo definhar de inanição; e se pelo contrario o patrão fôr muito mais forte do que o enxerto tambem poderá acontecer que este succumba por um motivo contrario; isto é, por excesso de nutrição. Isto, porém, não acontece sempre; e é conveniente advertir que os patrões robustos costumam communicar muitas vezes a sua robustez aos enxertos, transformando-os em bellas arvores. Além de que, na pratica somos muitas vezes obrigados a pôr de parte esta condição, desprezando estas relações de grandeza, como por exemplo, quando enxertamos pereiras sobre marmeleiros, plátanos bastardos sobre sycomoros, etc.

1481. Em sexto logar, é necessaria uma certa analogia com respeito á dureza dos lenhos, porque nunca medram bem os enxertos de lenho compacto sobre plantas de lenho poroso, e vice versa; nem mesmo plantas herbaceas sobre as lenhosas, ou estas sobre aquellas.

1482. Ultimamente, são de todo indispensaveis para a boa fortuna do enxerto uma completa immobilidade, e um inteiro isolamento da luz e do ar; e para se obter esta dupla condição são necessarias as ligaduras e emplastos de que adiante fallaremos.

1483. Um dos objectos a que se deve cuidadosamente attender na pratica desta operação é á boa escolha tanto dos patrões, como dos enxertos. Os primeiros devem ser vigorosos e sadios, porque todas estas qualidades se communicam aos enxertos; e com patrões doentes, nunca se obtem arvores viçosas e sans: importa, porém, que não sejam muito novos, porque ainda que os fructos venham mais cedo nos cavallos novos, do que nos idosos, as arvores offerecem com tudo no primeiro caso menos duração e desenvolvimento. Os segundos devem ser de boas raças agricolas distinctas e conhecidas pela excellencia dos seus fructos. E como nem todos os gomos são fructiferos, não é sómente á qualidade da arvore que devemos attender, mas, tambem á sua gomescencia. É preciso, por tanto, que os gomos estejam feitos, e que sejam floraes. Estes conhecem-se pela sua fórma bojuda, e grandeza relativa. Os da parte média do ramo são os preferiveis; os ponteagudos e esguios são rejeitaveis.

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1484. Muitos instrumentos têem sido propostos e aconselhados para executar a operação de enxertia, mas é bastante que nos munamos de uma enxertadeira moderna, que é uma navalha com duas folhas, uma das quaes apresenta a curvatura e a fórma de uma podôa, e a outra a de um canivete: tendo além disso um pequeno serrote, e uma folha de marfim terminada em espatula.

1485. Ha um grande numero de methodos de enxertar, mas os mais geralmente adoptados, e de que vamos dar uma idéa são os seguintes: enxerto de encosto, de racha, de corôa, de escudo, enxerto inglez, e herbaceo.

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1486. Enxerto de encosto. - Foi a natureza que ensinou ao agricultor este methodo de enxertia, e provavelmente daqui nasceu a idéa de todos os demais methodos. Acontece frequentes vezes nas florestas, apertarem-se uns contra outros, dois ou mais ramos de certas arvores visinhas; roçarem-se estes mesmos ramos entre si, e acabarem por se consolidar ambos neste ponto; vivendo, por assim dizer, em commum. É este pois o enxerto de encosto, que só se póde dar em arvores ou arbustos, cujos ramos possam tocar-se; enxerto muito usado nos jardins para multiplicar plantas delicadas que se conservam em vasos até que a operação tenha sido praticada.

1487. Eis aqui as precauções que este processo demanda para delle se obter um bom resultado. Deve cortar-se préviamente a copa do sugeito para obrigar a refluir a seiva para o ramo ou ramos onde praticarmos o enxerto - faremos então durante o ascenso da seiva e nos ramos, que quizermos enxertar, duas feridas bem lizas e eguaes, de um comprimento proporcional á grossura dos mesmos ramos, e que interessem os tecidos corticaes, e uma parte do tecido lenhoso até quasi á medulla, applicaremos depois as duas secções uma sobre a outra de modo que os tecidos corticaes e lenhosos coincidam exactamente uns sobre os outros; fixaremos em seguida estas partes por meio de ligaduras solidas de barbante, de vime, de ourello de lã, etc., e ligal-as-hemos a um tutor, se tanto fôr necessario para que fiquem immoveis e em contacto permanente; abrigaremos então as feridas do contacto do ar, da luz e da agoa, servindo-nos para isso do unguento de S. Fiacre ou da cêra de enxertar cuja preparação damos adiante; previniremos depois que os ramos não sejam estrangulados pelas ligaduras, ao passo que se forem desenvolvendo, alargando-as se fôr necessario; e ultimamente desmamaremos o enxerto, quando reconhecermos que a soldadura das partes está completamente effectuada. O enxerto desmama-se, cortando-o pela parte debaixo do logar da enxertia, e cortando o cavallo pela parte de cima.

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1488. O Unguento ou emplastro de S. Fiacre, patrono dos jardineiros, é composto de duas partes de greda, uma de bosta de boi ainda fresca, e outra de agoa, tudo muito bem incorporado e amassado. A cêra de enxertar é uma fusão de cinco oitavos de pez negro, um oitavo de resina, um oitavo de cêra amarella, e outro tanto de sêbo. Para nos servirmos desta mistura (á qual podemos addicionar um pouco de pó de ladrilho, se tiver pouco corpo) devemos derretel-a ao fogo, e empregal-a quando se podér supportar o seu calor na pelle dos dedos. O unguento de S. Fiacre é preferido pelos agricultores praticos, tanto á cêra que descrevemos, como á de Miller e outras, porque tendo estas ultimas preparações de se empregar quentes muitas vezes prejudicam as arvores.

1489. Enxerto de racha. - Posto que em toda a casta de enxertos se careça em geral de um sugeito são e vigoroso; esta condição é todavia para os enxertos de racha, muito mais indispensavel. Depois de escolhido o sugeito sobre que queremos operar, cortal-o-hemos horisontalmente na altura conveniente, ou com a enxertadeira, ou com o serrote. Este córte poderá fazer-se ou no caule ou nos ramos, conforme quizermos um maior ou menor numero de enxertos na mesma arvore: pratica-se então uma fenda longitudinal de tres a quatro dedos de comprimento; e tomâmos ao mesmo tempo sobre a arvore que queremos enxertar, um ou mais ramos do anno precedente que estejam em perfeita sazão: estes ramos são talhados em fórma de cunha bilateral na sua parte inferior, e cortam-se ao mesmo tempo na superior, de maneira que não fiquem com mais de dois ou tres olhos; introduzem-se depois pela parte inferior na racha, a qual deve ter-se aberto com a extremidade da enxertadeira, para facilitar a introducção do ramo.

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1490. É no acto de forçarmos o enxerto para penetrar na racha, que devemos ter todo o cuidado para que os tecidos corticaes do garfo correspondam exactamente aos do sugeito, a fim de que as zonas geradoras, que correm entre o alburno e o liber, se correspondam do mesmo modo. A figura que na pagina antecedente juntamos servirá de esclarecer o que acabamos de dizer.

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1491. Quando enxertarmos nos viveiros será sempre muito conveniente que o garfo tenha a grossura do cavallo, para que a casca dos dois lados da cunha se corresponda com a casca dos dois lados da racha que se faz neste caso em todo o diametro do sugeito. E quando o sugeito fôr muito grosso, então pódem fazer-se muitas rachas, e introduzir-lhes outros tantos garfos. Postos assim em contacto os enxertos com os sugeitos, já não resta senão apertar fortemente estes ultimos por meio de ligaduras de vime ou de linho, e embarral-os com o emplastro de S. Fiacre, ou com a cêra que ha pouco mencionamos.

1492. Importa, porém, advertir, que para o bom resultado desta operação, é necessario que o sugeito tenha entrado no seu engorgitamento seivoso, e o garfo esteja proximo a entrar nelle; porque se já vier excitado por este movimento organico, e lhe faltar depois a continuação dessa excitação, logo nos primeiros dias depois da operação, antes de se estabelecer a consubstanciação, definha, e morre com grande facilidade. Eis ahi a razão porque é conveniente cortar os garfos durante o inverno, abacelal-os em sitio humido, para depois os enxertar na epoca propria, que é quasi sempre a da primavera.

1493. Resta finalmente advertir, que este enxerto tem para as arvores de caroço o grande inconveniente de dar origem a extravasações de gomma, o que as debilita consideravelmente; não convindo por esta razão applicar-se sobre o pecegueiro, sobre o damasqueiro, mas sim sobre a oliveira, maceira, pereira, videira, etc.

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1494. Enxerto de corôa. - Este methodo de enxertía só póde ser applicado a arvores ou arbustos que já tenham adquirido uma certa grossura; não se empregando, nem podendo empregar-se por esta razão nas arvores recentes dos viveiros, nem sobre outros sugeitos de pouca idade.

1495. Escolhida a prumagem faremos um córte horisontal no caule ou nos ramos que destinarmos á recepção dos garfos; este córte é feito como o que acabamos de descrever no methodo antecedente. Servindo-nos então de uma cunha de madeira feita expressamente para este fim, faremos entre a casca e o lenho da planta, e á profundidade de um terço de pollegada, pequenas cavidades, a oito dedos de distancia umas das outras, onde introduziremos os garfos: estes são talhados em fórma de cunha, mas de um só lado, e com o comprimento pouco mais ou menos de quatro dedos; de modo que não fica na parte inferior unilateral senão um quasi nada de madeira unida á casca, como se vê na figura adjuncta na pagina antecedente.

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1496. Cortados os garfos deste modo, introduzem-se nas cavidades feitas em torno da secção do caule, ou dos ramos do sugeito: esta introducção deve fazer-se de modo que a superficie cortada do garfo corresponda ao alburno do sugeito, e a parte externa da casca do primeiro á parte interna da casca do segundo. - Como são muitos os garfos que introduzimos circularmente entre a casca e o lenho do sugeito, estes, depois de rebentados, vem a formar uma especie de corôa, donde procede a denominação dada ao enxerto.

1497. Enxerto de escudo. - A enxertía de escudo ou de borbulha, é a mais geralmente usada, e a mais facil de todas. Ella só póde deixar de convir áquellas arvores cuja casca é pouco espessa, pouco vital e difficil de se destacar. Póde praticar-se na primavera ou no outomno; sendo feita na primeira estação rebenta em poucos dias, e recebe por isso o nome de enxertía de olho vivo; sendo, porém, feita no outomno, só rebenta na primavera seguinte, e é por isso que lhe chamam enxertia de olho dormente. Devemos pôr todo o cuidado em que tanto o sugeito como o gomo, estejam, no acto de operarmos, bem sadios e sazonados. Este methodo de enxertía é o que mais geralmente se usa nos viveiros, de modo que quasi todas as prumagens bravas que alli plantamos são trazidas ao estado de mansas por meio desta operação. Quando enxertamos na primavera, ou a olho vivo, tiramos os gomos dos ramos do anno precedente; mas se enxertamos em Agosto, ou a olho dormente, devem tirar-se dos ramos desse mesmo anno. É preciso fazer uma escolha muito acurada dos gomos, ou borbulhas. Como já dissemos, os mais bojudos são os fructiferos. Estes costumam encontrar-se na parte média dos ramos: é conveniente supprimir com alguma antecipação os gomos superiores e inferiores dos ramos donde queremos extrahir as borbulhas, para que as restantes se tornem vigorosas e bem sazonadas. Pelo que respeita ás arvores que nos devem servir de cavallos, é tambem conveniente decotal-as, cortando-lhes muitos dos seus ramos, deixando apenas aquelles que destinamos para a recepção dos gomos; porque deste modo chegam a adquirir uma grande força vegetativa, o que muito concorre para o bom successo da operação.

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1498. Eis aqui como devemos proceder para levar a effeito o methodo de enxertía, de que nos occupamos.

1499. Começaremos por destacar da arvore que queremos enxertar, uma pequena porção de casca, com o seu correspondente gomo: para isto cortaremos com a enxertadeira a mesma casca até ao alburno, descrevendo um córte em fórma de escudo, de uma pollegada de comprimento e meia de largura; levanta-se depois a casca com a folha de marfim, e levanta-se muito devagarinho para que o olho que se acha no centro do escudo não seja offendido, e não deixe no ramo o germen que contém, porque neste caso não póde desenvolver-se e fica cégo, segundo a fraze dos cultivadores.

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1500. Disposto assim o enxerto, escolheremos uma prumagem de pouca idade, mas vigorosa e sadia, e faremos então em algum dos seus ramos, e naquella parte da casca que se apresentar bem liza e sem nós, um córte horisontal um pouco mais largo que o escudo; no meio deste córte que deve chegar ao alburno, faremos um outro no sentido vertical e do tamanho do escudo: estes dois córtes apresentam então, ou a fórma de um ⊤ direito, se queremos enxertar em Agosto, ou a de um ⊥ revirado, se queremos enxertar na primavera: estas duas diversas disposições que se conseguem fazendo o córte vertical por cima ou por baixo do horisontal, não são indifferentes, porque estão em relação com o principal movimento da seiva nestas duas epocas do anno.

1501. Preparados deste modo, tanto o enxerto, como o sugeito, levanta-se ligeiramente a casca deste com a lamina de marfim, tanto quanto seja bastante para introduzir por baixo della o escudo; e opera-se de modo que o labio superior ou inferior do mesmo escudo fique perfeitamente unido á secção superior ou inferior da casca do sugeito, na intelligencia que é desta perfeita união que depende principalmente a fortuna deste processo.

1502. Finalmente, faz-se uma ligadura, ou com ourellos de lã, ou com junça, que deve interessar todo o espaço correspondente ao escudo, e ultrapassar ainda um pouco desse espaço, para que a união seja íntima, e para evitar que a agoa penetre pelos córtes, para a parte interna do enxerto.

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1503. Esta enxertía, além de prompta e facil, é bastante segura, e tem demais disto a vantagem de se poder repetir quando falha. Tambem é o processo mais geralmente adoptado em todas as arvores cuja casca não é rugosa e espessa, e apresenta além disto um certo gráo de verdor e de vitalidade. Feita a operação, dentro de poucos dias conhecemos se o enxerto pegára, e se devemos ou não repetir o processo.

1504. É preciso depois disto vigiar o enxerto até que elle tenha adquirido um certo vigor: convem afrouxar as ligaduras se ellas fizerem vergões no sugeito, mas não convem tiral-as senão tarde. Finalmente, é mister decepar o ramo do sugeito duas ou tres pollegadas acima do enxerto logo que elle se acha pegado, e cortar todos os rebentos que ficam da parte debaixo, para que não roubem a substancia á arvore nova, ou não lhe abastardem a raça. O processo que temos descripto é illustrado pelas duas seguintes figuras.

1505. Enxerto de flauta ou de canudo. - Este enxerto é, como o precedente, um enxerto de bolha, em que o escudo é substituido por um anel completo de casca que deve ter um ou mais olhos. Este anel é tirado de um ramo perfeitamente egual em grossura ao do sugeito; e para isto se obter, fazem-se dois córtes circulares no tecido cortical do ramo do enxerto, e vai-se torcendo o anel até que se despega do lenho, o que se obtem facilmente na epoca do descenço da seiva. Tira-se depois um egual anel ao sugeito, e enfia-se no seu logar o do enxerto, cobrindo-se finalmente tudo com o unguento de S. Fiacre. Em outros casos cortamos um anel cortical no ramo do enxerto, e fendido no sentido longitudinal, applicamol-o sobre o ramo do sugeito préviamente descascado. As duas seguintes figuras esclarecem os processos destas duas variedades de enxertía.

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1506. Enxerto inglez ou de copulação. - Este processo que tem uma reconhecida vantagem sobre os outros, sómente póde ser applicado, ou a arvores novas, ou a ramos delgados de arvores antigas: é muito usado na enxertía dos viveiros, e demanda que, tanto o patrão, como o garfo sejam de uma egual grossura. Corta-se em fórma de cunha a extremidade inferior do enxerto, mas só de um unico lado, como no enxerto de corôa; faz-se depois um egual córte no caule, ou em algum dos ramos do patrão, e unem-se estas duas secções, envolvendo-as com tela de linho encerada, e apertando-as com ligaduras proprias. Mas como as duas superficies por mais obliquas e longas que sejam se pódem desunir pela violencia do vento, ou por outro qualquer accidente, aperfeiçoou-se este methodo de enxertar, fazendo nas mesmas superficies duas entalhas (como mostra a figura que adiante juntamos), uma saliente, e outra reintrante, que, encaixando reciprocamente uma na outra, communicam uma grande solidez á operação.

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1507. A maior difficuldade que apresenta esta enxertía, consiste na grande exactidão das dimensões das entalhas, a fim de se poderem ajustar perfeitamente umas com outras, de modo que os tecidos se justaponham e correspondam uns aos outros, como é mister para o bom successo da operação.

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1508. Enxerto herbaceo ou de Tschudi. - Posto que o Barão de Tschudi não seja, como se tem pensado, o inventor deste enxerto, que já era conhecido no seculo 16.º, todavia foi com muita razão que os horticultores lhe deram o seu nome, por haver sido elle quem novamente o introduziu na cultura, e quem mais se dera a multiplicar e a vulgarizar as suas variadas applicações. Este enxerto não é outra cousa mais do que o enxerto de racha, praticado, porém, quando as partes se acham tenras e herbaceas. Emprega-se com grande successo na multiplicação das plantas annuaes e das arvores rezinosas, e foi por sua intervenção que os pinheiros silvestres da rica floresta de Fontainebleau em França, foram convertidos em pinheiros lariços, de uma magnifica vegetação. Quando a gemma terminal de uma arvore verde, tal como o pinheiro, o abeto, a araucaria, etc., tem attingido duas ou tres pollegadas de comprimento, pouco mais ou menos, corta-se e aguça-se na sua baze em fórma de cunha; e talhando-se depois horisontalmente a gemma terminal do sugeito, faz-se sobre a circumferencia do córte uma entalha triangular que se prolonga pelo caule abaixo, dando-lhe as mesmas dimensões que démos á cunha do enxerto. Esta é em seguida encaixada na entalha, á qual se ajusta com a maior exactidão, como deixa vêr a figura adjuncta.

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1509. Faz-se depois uma ligadura pouco apertada, e que possa facilmente desatar-se apenas o enxerto tiver pegado, o que acontece dentro de poucos dias.

1510. Convem cobrir o enxerto com um corneto de papel para o preservar da acção do ar e da luz, e quando tivermos a certeza de que está pegado, cortaremos as folhas e os ramos do sugeito que se acham pela parte debaixo da gemma enxertada, e supprimiremos mesmo as gemmas superiores ao garfo, se o enxerto fôr lateral.

1511. Este enxerto tem vantagens que lhe são particulares. Em primeiro logar póde praticar-se sobre todas as arvores verdes, e sobre muitas outras no seu estado herbaceo; obtendo por sua intervenção enxertías em arvores, que não é possivel enxertar de outro modo; em segundo logar, póde applicar-se ás plantas herbaceas e annuaes: e além disto podemos por meio delle operar com muita segurança, porque péga com grande facilidade e médra excellentemente, o que deve necessariamente acontecer, porque é pela totalidade das superficies postas em contacto que os dois vegetaes se incorporam; e finalmente, apresenta-nos um meio efficaz para naturalizar certas plantas exoticas, que não se accommodam facilmente com o nosso clima.

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1512. Chega-se por este methodo de enxertía a obter resultados muito curiosos, enxertando certas plantas herbaceas umas nas outras: como por exemplo, a alcachofra sobre os cardos, os tomateiros sobre as batatas, as cucurbitaceas umas sobre outras, etc. E não sómente se enxertam as gemmas, mas tambem os fructos no começo do seu desenvolvimento, o que é na verdade objecto de grande curiosidade, porque esses fructos chegam por fim a adquirir a sua perfeita madureza; e é assim que enxertamos os melões apenas desabotoados, nos pepinos, nas aboboras, e mesmo nos tomateiros; podendo por este modo conseguir que estas ultimas plantas tenham ao mesmo tempo tomates, pepinos, aboboras, e melões, etc.

1513. Ha ainda muitos outros methodos de enxertar, que, por pouco usados e menos importantes, não são aqui mencionados.

Poda.

1514. As arvores que não são podadas, são mais copadas, mais esbeltas e gigantescas, mas os seus fructos, posto que mais numerosos, são menos bem creados, menos succulentos, e saborosos. O principal fim da poda é, por tanto, o de aperfeiçoar a qualidade do fructo. Esta operação consiste na suppressão dos ramos superfluos, e na educação e córte dos necessarios. Faz-se por meio dos instrumentos cortantes, a que chamamos podão e podôa, e tambem por meio do serrote.

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1515. Os que ignoram os preceitos da poda, devem abster-se de a fazer. Todos sabem servir-se do podão, mas são poucos os que sabem podar. Os que ignorarem aquelles preceitos, deixem pois as plantas em paz. Mais vale não podar, do que mutilar barbaramente as arvores, amesquinhal-as nas suas fórmas, enerval-as, e reduzil-as a melancolicos esqueletos quasi sem rama, e sem vida.

1516. Devemos nesta operação privar a arvore dos ramos emmaranhados, que se embaraçam, e se depauperam uns aos outros, dos que prejudicam a regularidade do seu porte, dos que tolhem a livre introducção do ar e da luz, e dos que consomem a seiva sem produzirem fructos. Vê-se, por tanto, que o objecto da poda é mais vasto do que acima dissemos - por isso que não consiste só em melhorar o fructo, mas tambem em dar ás arvores a fórma e as proporções, que mais lhe convem, e muitas vezes até uma figura elegante e agradavel, e em augmentar a sua duração economisando as suas forças productivas.

1517. Como não podemos entrar aqui em prolixos desenvolvimentos com respeito a esta operação, limitar-nos-hemos simplesmente a expôr alguns preceitos geraes, reservando certos pormenores para quando tratarmos das culturas especiaes de algumas arvores.

1518. Não convem a todas as arvores o mesmo genero de poda - o methodo de as podar deve diversificar, segundo a natureza particular de sua vegetação.

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1519. Ha arvores fructiferas que não devem ser podadas, e apenas limpas de alguns ramos seccos ou doentes: ha outras que querem uma poda muito economica, e outras, finalmente, a quem é indispensavel quasi annualmente uma poda rigorosa, não só porque lançam todas as primaveras uma grande copia de lançamentos, senão tambem porque os seus fructos nunca vem duas vezes sobre as mesmas ramificações: a nogueira, a amendoeira, e a ceregeira estão no primeiro caso; a maceira, e a pereira no segundo; a oliveira, o pecegueiro, e a videira no ultimo.

1520. A epoca geral desta operação é a da hybernação da arvore; é por tanto, durante o inverno, e nos fins do outomno que ella se deve praticar. Geralmente a desfolha da arvore annuncia a proximidade da poda. Os quinteiros que defferem este trabalho para mais tarde, commettem geralmente um grande erro.

1521. A natureza da poda não póde deixar de subordinar-se á força, e ao vigor das arvores; o numero, e o comprimento dos ramos podados deve estar em relação com aquella circumstancia; ás arvores vigorosas, e recentes devem deixar-se ramos mais compridos, e numerosos do que ás debeis e velhas.

1522. A poda das arvores é uma especie de educação para as sãs, e uma especie de remedio para as languidas e doentes. Umas e outras carecem desta correcção; as primeiras como meio de imprimir uma boa direcção ás suas forças vegetativas; e as segundas, como meio de as economisar e reparar.

1523. A pratica mostra-nos que uma arvore podada methodicamente todos os annos, produz sempre fructos mais bellos do que outra em identicas circumstancias, não submettida a esta operação - e a razão é clara, por isso que a seiva que devia dispender-se na nutrição dos ramos estereis, emprega-se no desenvolvimento dos fructiferos.

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1524. Quando podarmos uma arvore, devemos sempre observar o resultado da poda precedente, a fim de conhecer os seus effeitos, e de os corrigir nas podas successivas; porque, não só ha arvores que, como já dissemos, devem podar-se por diversos modos, mas até a mesma arvore deve ser diversamente podada, segundo o seu estado mais ou menos languido, o maior ou menor esgotamento em que a deixou a novidade do anno, &c., e finalmente, acontecendo muitas vezes que a mesma arvore é vigorosa de um lado, e languida do outro, até neste caso deve ser diversa a poda nos lançamentos dos seus dois lados.

1525. Do que temos dito se vê que na operação da poda devemos attender á natureza da arvore, ao seu modo de vegetação, ao seu estado de saude, ao logar que ella occupa, e á fórma que queremos dar-lhe, segundo o destino a que a dedicamos.

1526. Nem todas as arvores recebem todas as direcções que lhes queremos imprimir. As pereiras, as maceiras, e os abrunheiros são mais ou menos doceis á educação que lhes damos, e acceitam quasi todas as fórmas sem repugnancia; a ceregeira, e o damasqueiro submettem-se com docilidade á espaldeira, mas resistem tenazmente ás outras fórmas, o pecegueiro não só se presta gostoso á espaldeira, mas a todas as outras fórmas que quizermos imprimir-lhe, como a piramidal, a quadrada, &c.

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1527. Para podarmos methodicamente qualquer arvore, precisamos conhecer não só a natureza dos seus ramos e lançamentos, mas tambem a dos seus gomos. Este conhecimento é indispensavel para a não estropiarmos, em vez de a podar.

1528. Os ramos pódem considerar-se, ou em relação á sua origem, ou em relação á sua producção. Em relação á sua origem, dizem-se primarios, secundarios, terciarios, &c. Os primarios ou ramos mãis, a que tambem se dá o nome de arrancas ou pernadas, são os que nascem immediatamente do tronco; os secundarios, a que tambem chamamos membros, são os que nascem das pernadas; os terciarios, ou de terceira ordem, são os que nascem dos secundarios, e assim por diante. Todas estas castas de ramos pódem ser ou ascendentes, ou horisontaes, ou descendentes.

1529. Em relação á sua producção, os ramos são de madeira ou folheares, e de fructo ou fructiferos.

1530. Os primeiros dividem-se em legitimos, bastardos, e ladrões: os legitimos provém de gomos normaes, e não dão fructo na primeira seiva: os bastardos provém não dos gomos normaes, mas dos adventicios, e não dão novidade senão passados annos. Os ladrões nascem tambem de gomos adventicios, e são lizos, lustrosos, tem os olhos pequenos e affastados, apresentam uma base larga e reforçada; são grossos, muito compridos, crescem rapidamente, roubando a seiva aos que lhes estão proximos, donde lhe vem o seu nome.

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1531. Os fructiferos são de muitas especies, sendo as principaes os capillares, os mixtos, os doidos, e os espiraes. Os capillares são raminhos curtos, que pouco excedem a quatro pollegadas de comprimento: rebentam na parte anterior dos ramos, e revestem-se de verticillos de folhas, de cujas axilas emanam gemmas bem desenvolvidas, donde provém os melhores, e os mais bem creados fructos. Os mixtos apresentam-se delgados e esguios, crescem de 4 a 18 pollegadas, são ordinariamente munidos de dois grandes olhos verde-escuros, muito approximados um do outro; tem a casca esverdeada, e produzem abundante fructo. Os doidos tem quasi a fórma dos antecedentes, com a differença de serem mais delgados, mostram muito fructo, mas quasi todo se perde não chegando a sazonar. Os espiraes, a que tambem se dá o nome de pinhas ou bolsas, em razão da sua fórma bojuda, adelgaçada superiormente, dão origem a lançamentos que apresentam rugas na sua base em fórma espiral, que á primeira vista parecem circulares: estes lançamentos apresentam na sua extremidade grande numero de gomos, que, passados dois ou tres annos, dão muita novidade. São os lançamentos mais fructiferos, tanto das maceiras, como das pereiras.

1532. Os gomos, que são os rudimentos dos ramos, dividem-se tambem como elles em folheares e fructiferos. Os primeiros são os que dão origem a lançamentos, que abandonados a si mesmos, não dão desde logo fructos, mas sómente folhas e rama. Estes gomos produzem, porém, muitas vezes outros lançamentos, que se tornam fructiferos, e se os forçarmos por meio da poda, deixando-lhes um pequeno numero de olhos, pódem vir a produzir novidade. São desmedrados, esguios, pouco escamosos, e de frouxa vitalidade. Os segundos ou os gomos fructiferos, a que tambem se dá o nome de floraes, são os que produzem desde logo flores e fructos: conhecem-se por serem bojudos, e muito mais escamosos e alentados do que os outros. Nascem nas arvores de pevide, no meio de dois verticillos lateraes de folhas, e de flores; e nas de caroço da axilla de uma ou duas folhas tambem lateraes. Notam-se na sua base, á proporção que o gomo se vai desenvolvendo, rugas, apparentemente circulares, que se vão progressivamente augmentando para constituirem as pinhas.

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1533. Além destes gomos, ainda apparecem accidentalmente outros, quando os primeiros falham por qualquer causa: tem o nome de adventicios, e quasi sempre produzem ramos doidos e estereis.

1534. A operação da poda pratica-se dando no ramo que queremos podar um córte a soslaio debaixo para cima, tres ou quatro linhas pela parte superior do olho, cujo desenvolvimento queremos provocar; para isto ha-de o agricultor applicar o gume da podôa, ou do instrumento de que se servir, á parte do ramo que fica virado ao norte, e dirigindo-o debaixo para cima, acabar a secção duas ou tres linhas acima do plano em que a começára. A obliquidade do córte é necessaria para evitar que as chuvas demorando-se ahi corrompam a madeira; a sua distancia de 3 a 4 linhas do olho, é tambem necessaria para que a ferida se cicatrize a favor da seiva, que o olho attrahe, no acto de se desenvolver, á parte do ramo que lhe está superior. Conforme a natureza da poda, assim se desenvolvem os lançamentos em diversas direcções em relação ao eixo da planta. É assim que podemos enxertar de olho para dentro, para fóra, para a direita, e para a esquerda. Quando o gomo, que fica abaixo do córte, olha para o centro da copa da planta, diz-se que podamos de olho para dentro; quando fica voltado para a parte exterior, diz-se que podamos de olho para fóra, e ultimamente, quando a arvore não fórma copa, mas sim espaldeira, e quando os gomos ficam voltados para os lados, diz-se que podamos de olho para a direita, e de olho para a esquerda. Estas diversas situações são reclamadas em diversas circumstancias, segundo a variedade de fórmas que queremos imprimir á planta.

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1535. Uma arvore qualquer rebaixa-se, quando a cortamos pela sua madeira velha, para produzir novos lançamentos - enlata-se quando prendemos os ramos ainda flexiveis a um muro, ou a uma grade, formando o que chamamos espaldeira ou latada; nesta operação devemos arranjar natural e simetricamente os ramos, prendendo-os com ligaduras de vime ou de junco, que os não cortem.

1536. A poda encurta-se ou alonga-se, segundo os ramos se cortam, ou perto, ou distante do seu ponto de origem. A diversa natureza das arvores, assim como a energia, ou frouxidão da sua vegetação, é quem nos determina na escolha destas duas castas de podas.

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1537. Muitas vezes antes, e outras vezes depois da poda, esladroamos as arvores: esta operação que devemos tambem reputar como uma especie de poda, consiste na suppressão dos gomos inuteis, ou nocivos, que apoderando-se da seiva, prejudicam a regular vegetação e fructificação da planta. Podemos esladroar de diversos modos: umas vezes cegamos certos olhos, ou botões folheares, supprimindo-os; e por este modo evitamos logo na sua origem o apparecimento de lançamentos prejudiciaes, ou á fructificação, ou ao porte da arvore. Outras vezes capamos os renovos, cortando com a unha ou com a navalha as suas extremidades, com o fim de obrigarmos a seiva a refluir para os ramos fructiferos, e a augmentar a boa qualidade e quantidade dos fructos.

1538. Não são só as gemmas que em certos casos supprimimos, são tambem os fructos: quando as arvores apresentam uma grande quantidade delles, de modo que ameaçam prejudicar-se no seu progressivo desenvolvimento, convém então que as privemos desta fructificação luxuriante, para deste modo obtermos fructos formosos e bem sazonados. Os pecegueiros e damasqueiros reclamam frequentes vezes esta operação.

1539. Do que atraz dissemos se collige, que devemos na poda das arvores supprimir todos os ramos doidos, assim como os ramos ladrões: os primeiros, porque não são proprios para produzir, nem bons lançamentos folheares, nem ramos fructiferos; antes o que fazem é emmaranhar a arvore, assombral-a, e desfigural-a; os segundos, porque chamam a si a maior parte da seiva, e deixam exhaustos e famintos os ramos fructiferos. Poucos agricultores deixarão de ter observado o vigoroso e rapido crescimento destes ramos, o aspecto luzente da sua casca, e o viço opulento das suas folhas - mas ao mesmo tempo o infezamento dos seus gomos esguios, achatados, e tão distantes uns dos outros, que nada deixam a esperar com respeito ao fructo. Não deve, por tanto, haver nem hesitação, nem demora na suppressão destes improductivos devoristas, quer elles nasçam dos ramos de caule, quer da raiz!

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1540. Os ramos legitimos, e ainda os bastardos não estão inteiramente no caso dos ramos ladrões, visto que se podem utilisar, tornando-se fructiferos, passados alguns annos. Não se devem, por tanto, supprimir inteiramente, mas devem em certos casos rebaixar-se repetidas vezes, para os tornar proveitosos.

1541. Os ramos fructiferos restantes; isto é, os capillares, os mixtos, e os espiraes devem ser quasi sempre respeitados, e quando se podarem convem que seja com muito escrupulo e parcimonia.

1542. É logo nos primeiros annos da planta, que devemos começar a sua educação, quer ella se ache no viveiro, quer no pomar. A poda dos primeiros annos, para as arvores soltas, e de copa, faz-se sómente no caule ou eixo central, e nos ramos primarios ou nas pernadas, cortando algumas dellas, e deixando sómente as mais superiores, para lhes formar uma copa regular; cortam-se então os ramos superfluos, que ameaçam de tornar-se muito ramosos; de dois ramos que se cruzam tocando-se, corta-se o mais fraco, e o mais mal-nascido; supprimem-se geralmente os que são descendentes, e mesmo os horisontaes; deixando, por tanto, de preferencia os ascendentes, e destes os que nascem debaixo de um angulo, nem recto, nem muito agudo: procura-se que os ramos primarios fiquem egual e elegantemente espaçados, quando isto é possivel, a fim de que as arvores não só sejam bem arejadas e illuminadas, mas proporcionadas e elegantes. Ha um outro methodo, que é talvez preferivel para as arvores enxertadas no viveiro; corta-se o caule da arvore dois a quatro olhos acima da enxertia: os renovos que brotam destes olhos constituem as pernadas: escolhem-se destas, tres ou mesmo quatro para formarem os ramos primarios da arvore: em tempo proprio podam-se estes ramos, e deixam-se-lhes de tres a seis olhos, conforme o seu menor ou maior vigor, fazendo com que alguns dos mais altos sejam mais exteriores. Devem depois supprimir-se, ou esladroar-se os gomos internos, para que os externos cresçam vigorosamente até á poda seguinte. Limpa-se em seguida a arvore, para que possa ser banhada por toda a parte, pelo ar e pela luz, e para que a seiva reflua e se empregue nos ramos fructiferos. É quasi desnecessario lembrar que todos os cortes que fizermos, devem ser lizos e revestidos cuidadosamente com o emplasto de S. Fiacre, ou com a cêra de enxertar.

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1543. Limitamo-nos neste logar a apresentar os principios mais geraes da poda, por isso que, quando tratarmos da cultura especial de algumas arvores, tencionamos dar um maior desenvolvimento a este objecto.

Molestias e outros accidentes a que estão sugeitas as arvores de fructo.

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1544. É melhor antes prevenir, do que curar as molestias. Vale mais impedir que o mal appareça, do que combatel-o depois de manifestado. - Como todos os seres vivos, as plantas tambem tem as suas enfermidades, porque tambem luctam, em quanto vivem, com alguns agentes desorganisadores. As arvores, tendo de percorrer uma longa carreira com extensos periodos de vida, são entre todas as plantas, as que maiores desarranjos soffrem nas suas funcções, ou maiores lesões nos seus tecidos; isto é, as que soffrem mais enfermidades. Mas se nós as collocarmos n'uma situação, e em condições conformes á sua natureza, ministrando-lhes todos os cuidados que ellas reclamam, raras vezes as veremos doentes. Donde se collige que são antes meios perservativos e hygienicos, que devemos empregar, do que os curativos na conservação da saude das arvores. Nós veremos, quando tratarmos das doenças dos animaes domesticos, que é tambem áquelles meios que devemos recorrer de preferencia.

1545. A maior parte das molestias e affecções, que accommettem as arvores fructiferas, provém, ou de um solo e de uma exposição pouco adaptada á sua natureza, ou das intemperies atmosphericas, ou da falta de tratamento, ou finalmente de irritações e feridas causadas por plantas parasitas, por animaes, e principalmente por insectos, ou por outros quaesquer agentes desorganisadores. Demos pois algumas noções elementares destas molestias.

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1546. Debilidade, e viço ou plethora. Estas duas molestias oppostas figuram, pela sua frequencia, á testa de todas as outras. - A primeira, manifesta-se por uma vegetação frouxa; pela queda antecipada de todos os orgãos deciduos, e principalmente das folhas, e dos fructos; pela côr amarellada das primeiras, e pelo enfezamento dos segundos; pelo acanhamento dos rebentos, e pelo achatamento das gemmas. As causas desta enfermidade são ordinariamente a seccura e pobreza do solo, e a privação da acção da luz. O seu curativo consiste na correcção e irrigação do terreno, nos bons amanhos e adubos. Ha uma especie particular de debilidade, que tem o nome de estiolamento, e que se manifesta pela côr amarellada, que adquirem as folhas da planta quando os raios do sol as não excitam, quando a luz não promove a decomposição do acido carbonico, ou quando o solo é demasiadamente humido. O tratamento desta enfermidade consiste na remoção das suas causas; isto é, em desassombrar a planta, e exonerar o terreno da humidade superabundante.

1547. A segunda molestia, ou a do viço, manifesta-se por uma vegetação demasiadamente luxuriante; mas que não se conserva neste estado, senão por pouco tempo: effectivamente as folhas destacam-se da arvore, as flores tornam-se estereis e monstruosas, e os fructos, ou não chegam a formar-se, e cahem antes da maturação, ou amadurecem apresentando um gosto desenxabido, para apodrecerem desde logo, ou sobre a arvore, ou immediatamente depois da sua queda. As causas desta enfermidade são ordinariamente a excessiva humidade, ou a excessiva riqueza do solo. O seu curativo consiste na sangria da planta, feita por meio de córtes nos seus ramos, na ligadura, na circumcisão cortical, na amputação de algumas das raizes, e principalmente da raiz mestra, e a final no enxugo do terreno, e na sua correcção pela cal e pela silica.

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1548. Caria. São symptomas desta molestia o dessecamento, e exfoliação da casca, a formação de manchas, em diversos pontos da planta, revestidas por um inducto de felugem anegrada, e humedecidas a final por uma exsudação corrosiva saturada de potassa combinada com um acido vegetal. Esta molestia, que n'um dos seus periodos mais avançados, toma o nome de cancro, póde provir de diversas causas - 1.ª de um excesso de estrumes, e então supprimem-se estes adubos, e pratica-se a sangria - 2.ª de um solo, ou muito humido, ou muito compacto, e neste caso corrigem-se estes inconvenientes reduzindo o solo ás suas condições normaes - 3.ª finalmente, de contusões e feridas corticaes desprezadas, que devem tratar-se isolando-as da acção do ar e da luz. Quando a caria tem feito grandes progressos, faz-se então a resecção, ou o córte da parte cariada, cortando bem pelo são, e cobrindo a ferida com o unguento de S. Fiacre.

1549. Cancro. Quando a caria se não tem combatido a tempo, e de um modo efficaz, dá nascimento ao cancro, que se póde considerar como um gráu mais avançado daquella molestia; e que se manifesta por protuberancias sobre o tronco, e sobre os ramos, que rebentam e produzem manchas anegradas, e por uma profunda desorganisação dos tecidos, propagando-se até ao interior da medulla. Esta terrivel enfermidade é incuravel nos periodos mais adiantados, e nas plantas velhas; mas póde remediar-se pela prompta amputação das partes enfermas nas plantas recentes, e pela applicação do emplasto de Forsyth, que se faz misturando um alqueire de bosta de boi, com outro de caliça, ou de cré, com meio alqueire de cinza, e com meia quarta de arêa do rio, amassando-se tudo em ourina, e agoa de sabão, até adquirir a consistencia de uma argamassa muito branda.

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1550. Gomma. Esta molestia ataca principalmente as arvores de caroço. Consiste n'uma secreção gommosa, que se derrama á superficie do caule, ou dos ramos da planta, ou immediatamente por baixo da casca, formando depositos ás vezes mui consideraveis. O seu tratamento, quando estes depositos existem, consiste em dar sahida por meio das incisões corticaes á materia exgregada; e quando não ha depositos, mas sómente a excreção á superficie dos ramos, é necessario então cortal-os, cobrindo as feridas com o emplasto de S. Fiacre.

1551. Branqueado ou lepra. A causa desta molestia é desconhecida. Manifesta-se debaixo da fórma de uma eflorescencia esbranquiçada; começa pelas extremidades dos ramos, propaga-se ás folhas, e ultimamente aos fructos, que ficam revestidos de uma especie de felpa muito similhante ao bolôr. Esta enfermidade affecta principalmente as funcções respiratorias das folhas, e entorpece consideravelmente o curso da seiva. Ataca de preferencia o pecegueiro. Raras são as arvores que escapam della: transmitte-se pelo enxerto, e pela semente. Não se conhecem remedios para a debellar.

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1552. Aroxeado. São tambem os pecegueiros as arvores mais sugeitas a esta affecção, que se manifesta desde logo por uma côr vermelha viva, passando depois a vermelha escura muito carregada, que reveste toda a casca dos ramos enfermos. Ha muitos casos em que as arvores atacadas morrem quasi subitamente desta molestia, e ha outras em que resistem um e dois annos, durante os quaes vegetam com grande energia, e dão fructos numerosos, mas de um sabor detestavel. Esta molestia, sendo, porém, incuravel, a arvore que a soffrer deverá ser quanto antes cortada, a fim de plantarmos no seu logar outra que seja util.

1553. Morilhão. Esta affecção, que tambem é particular ao pecegueiro, é caracterisada pelos seguintes symptomas. As folhas começam a empolar-se, e a franzir-se; engrossam depois, e fazem-se amarellentas. Os renovos tambem se empolam, e cessam de se alongar. As causas desta enfermidade são desconhecidas, uns attribuem-nas ás rapidas e fortes vicissitudes atmosphericas, outros ás larvas dos pulgões, que a final apparecem em grande abundancia na planta enferma; estes animalculos é provavel que sejam antes causa, do que effeito da molestia. E é mesmo de suppor, que esta causa; isto é, a presença de animalculos diversos, seja a origem de muitas outras enfermidades nas plantas, e talvez de todas as enfermidades de pelle dos animaes. - Esta molestia só póde curar-se no principio, cortando os ramos affectados. É, porém, incuravel, quando se acha adiantada. Em alguns casos, porém, cessa por si, e no fim de dois ou tres annos, acha-se a planta restabelecida.

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1554. Da ferrugem, ou da molestia das oliveiras, e das molestias das larangeiras, occupar-nos-hemos especialmente quando tratarmos destas arvores.

1555. Feridas. Raras são as arvores que deixam de soffrer feridas ou soluções de continuidade nas diversas idades da sua vida. Estas molestias, que podem provir de muitos accidentes, como pancadas, grossos temporaes, roeduras de animaes, &c., curam-se pelo mesmo processo que as dos animaes; isto é, por meio de ligaduras, ou sómente por meio de emplastos, como o de S. Fiacre, a cêra de enxertar, e outros desta natureza. Muitas vezes, quando ha laceração de tecidos, é preciso alizar as superficies por meio de um instrumento cortante, antes da applicação dos meios indicados.

1556. Plantas parasitas. Além das molestias que temos descripto, soffrem ainda as arvores fructiferas outras affecções menos intensas, produzidas por causas diversas; entre estas causas figuram principalmente as plantas parasitas que crescem sobre as arvores, como são as lichens e os musgos, os cogumellos e o visco, que lhes roubam uma parte da sua substancia, embaraçam algumas das funcções dos tecidos verdes, reteem as agoas pluviaes, e offerecem uma commoda guarida aos insectos damninhos. Destroem-se estas plantas raspando as arvores com instrumentos apropriados, e esfregando-as com pannos grossos, com escovas, &c.

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1557. Insectos nocivos. O numero dos animaes, que atacam as arvores fructiferas, é muito grande para ser aqui apresentado, e por isso sómente nos occuparemos dos que se consideram mais damninhos.

1558. Os percevejos (do genero tingis) são pequenos insectos muito difficeis de distinguir, que se encontram commumente sobre a casca do pecegueiro e da pereira, arvores que elles perseguem e atacam de preferencia. Permanecem n'uma perfeita immobilidade durante a maior parte da sua vida. Agarram-se á casca das arvores, e ahi ficam chupando-lhes a substancia mezes inteiros. M. Dalbret compara, com razão, a fórma da especie a mais commum do percevejo ás pequenas sementes das margaritas. Muitas vezes, applicando-se sobre as folhas dos pecegueiros, devoram toda a substancia verde deixando-as com uma côr acinzentada. A maneira de destruir esta praga é podar a arvore, e lavar depois a sua casca com agoa de cal muito diluida, ou com uma barrella ordinaria, em que se dissolva um pouco de sabão, de potassa, e de cal viva.

1559. Pulgões. Estes inimigos das arvores são temiveis, tanto pela sua voracidade, como pelo seu numero. Constituem uma numerosa familia. A sua fecundidade é tão espantosa, que se torna quasi impossivel exterminal-os das plantas onde se alvergam. De todas as especies, a mais temivel é o pulgão lanigero (Aphis mali) assim chamado por causa de uma especie de cotanilho branco que o cobre. O fumo caustico do tabaco, mantido durante uma meia hora debaixo das arvores, destroe ou afugenta os pulgões, se não tem nas mesmas arvores, alguns repairos onde se refugiem. Tem-se tambem aconselhado lavar as plantas com uma infusão de casca de carvalho, ou com uma dissolução aquosa de felugem de chaminé. Quando o pulgão apparece sobre as arvores, devemos abster-nos de destruir os formigueiros; por isso que estas cohortes de insectos estão sempre em guerra de exterminio com os pulgões, que devoram a milhares. As formigas, muito prejudiciaes em certos casos ao pomarista, vem muitas vezes em seu auxilio ajudando-o a destruir um grande numero de larvas de insectos. Algumas vezes são como muitos passaros que reputamos damninhos, e que por fim de contas, por um fructo que comem, preservam da destruição muitas dezenas delles. Mas no caso contrario, devemos destruir os formigueiros, ou essa engenhosa galeria de celeiros subterraneos tão previdentemente construidos, onde se encerram essas populosas colonias, que vivem do seu continuo trabalho, dirigido por maravilhosos instinctos de conservação e propagação. Para isto, praticam-se escavações por baixo dos formigueiros, e faz-se ahi desenvolver o fumo da nicociana, do loureiro, e de outras plantas aromaticas, assim como o fumo do enxofre, que é ainda mais efficaz. Tambem se lança agoa fervente, ou agoa de cal sobre os mesmos formigueiros, como um meio infallivel de destruição.

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1560. Lagarta. É muito difficil desinçar as arvores da maior parte das especies de lagarta que as accommettem, principalmente se ellas vivem em sociedade, como são a lagarta commum, pilosa com duas linhas de signaes brancos sobre o dorso, e 16 pernas: a listrada com a cabeça e parte posterior azulada, e com duas linhas azues sobre o dorso, pondo 200 a 300 ovos dispostos em fórma de anneis de 6 linhas de espessura: e a processionaria tambem com 16 pernas, negra superiormente, e esbranquiçada dos lados, fazendo ninhadas de 700 e 800 individuos, que vivem na mesma tenda formada de peciolos e folhas de arvores. Todas estas especies passam pelas tres fórmas metamorphicas geraes; isto é, começam por ser lagartas, passam a ser chrysalidas, e acabam por ser borboletas. O meio de destruir do modo possivel as lagartas, é esmagar-lhe os ovos, e matar depois as que restam pelos meios que mais convenientes parecerem. Ha um grande numero de vermes que atacam as raizes e os fructos das arvores, e que é quasi impossivel exterminar, nascendo a maior parte delles de um ovo solitario, deposto por uma mosca, ou por um outro insecto, nos tecidos da raiz, ou no ovario da planta algum tempo depois da fecundação; de modo que quando o fructo chega á sazão já tem no seu interior um inimigo que o devora. E como todas as arvores tem um ou mais insectos, que lhe são particulares (e não só todas as arvores, mas todas as plantas) vê-se que é impossivel livral-as destes inimigos desconhecidos e vagabundos.

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1561. Besouro. É uma especie de lagarta, que ataca especialmente as raizes das arvores recentes, fazendo destruições ás vezes consideraveis. Para a matar, é preciso revolver a terra, e esmagal-a com o sacho ou com a enchada. Tem-se aconselhado adubar os terrenos com o bagaço da azeitona, para afugentar, ou destruir os besouros; e tambem plantar ao longo dos taboleiros do pomar morangos que parecem ser uma especie de preservativo contra estes inimigos de todas as arvores. Mas quando os besouros apparecem em grande quantidade, o que parece ser especialmente devido ás circumstancias do anno, todos os meios são insufficientes, e não nos resta senão deplorar o mal que não podemos remediar.

1562. Ha ainda outros animaes, por desgraça, muito numerosos, que atacam de diversas maneiras as arvores fructiferas, e contra os quaes, o homem pouco ou nada póde. Taes são as bichas cadellas, os gafanhotos, as cochinilhas, as alticas ou pulgas da terra, os caracóes, &c. Seria conveniente que os horticultores estudassem os costumes, e modo de existir destes e de outros animaes nocivos, para que assim cheguem a descobrir os meios de perturbar, ou suspender a sua multiplicação. Um dos meios mais efficazes, seria sem duvida o de oppôr ás especies damninhas, outras especies vorazes que as destruissem sem damno da vegetação; por exemplo, o insecto que os francezes chamam jardineiro, e que faz uma guerra de morte ás formigas, &c. Os passaros estão tambem, pela maior parte, neste caso, e particularmente os passaros cantores, que são extremamente avidos de lagartas, nymphas, e ovos de insectos, e que devoram uma quantidade innumeravel delles no decurso do anno. - O rouxinol, o melro, o pintasilgo, a andorinha, e um grande numero de outras especies, são, neste ponto, os maiores auxiliares do agricultor, que não deve chorar alguns productos agricolas que elles consomem, porque sabem pagar-lhos com usura. Além destes meios, ainda ha outros que não convem desprezar, como são desembaraçar as arvores no inverno, e na primavera das folhas enroladas, onde as lagartas vem depôr os seus ovos; cortar os ramos em que os tem deposto em fórma de anneis, e de rosarios, e queimar tanto umas, como outros; raspar os troncos para lhes sacar os musgos, e os lichens aonde muitos destes insectos alojam a sua progenie. - A cordial e séria consideração que temos pelos cultivadores, para quem escrevemos, nos impede de apresentar aqui algumas dessas ridiculas receitas para matar um por um animaes, de que existem ao mesmo tempo milhões n'um unico pomar; posto que estas simplicidades se encontrem em alguns livros graves e estimaveis.

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Culturas especiaes.

1563. A cultura das arvores é, como já dissemos, um dos mais sérios cuidados a que devem entregar-se os cultivadores dos paizes meridionaes. O antigo agronomo Columella, ao começar o seu tratado das arvores, principia deste modo: «Segue-se agora a cultura das arvores, que é a parte mais importante dos trabalhos ruraes. Esta sentença inapplicavel certamente aos paizes do norte, tem uma exacta applicação aos paizes meridionaes, principalmente áquelles que se acham proximos das regiões juxta-tropicaes. E na verdade, estes paizes são menos apropriados á cultura das plantas herbaceas, do que á das lenhosas: posto que em o nosso paiz não só se deem perfeitamente as plantas herbaceas e annuaes, que vegetam no inverno, e na primavera; mas tambem quaesquer outras desta natureza, uma vez que os terrenos sejam humidos ou regados: de maneira que o nosso clima partilha das vantagens dos paizes mais meridionaes, e daquelles que lhe ficam mais ao norte; isto é, póde entregar-se com egual proveito, segundo as circumstancias locaes, tanto ás culturas arborescentes, como ás herbaceas; com quanto as primeiras se ajustem melhor ás suas condições climatericas, e devam ser preferidas em muitas localidades.

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1564. É sabido que as populações das regiões equinoxiaes, ou intratropicaes, encontram as suas principaes subsistencias nos fructos das arvores, como as palmeiras, as bananeiras, a arvore do pão, o coqueiro, &c. - as das regiões frias nos grãos, nas verduras, nos lacticinios, e nas carnes - e as das regiões temperadas não só nos fructos de um grande numero de arvores, como a larangeira, a alfarrobeira, o pecegueiro, a videira, a oliveira, &c., mas tambem nos cereaes, nos legumes, e nos gados. De modo, que estas regiões são as mais favorecidas pelo lado da producção agricola; e como regiões de transição partilham das vantagens das regiões quentes e frias.

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1565. Tratando da cultura das arvores, nós as gruparemos segundo as diversas regiões agricolas, em que mais naturalmente prosperam; isto é, trataremos primeiramente das que são privativas, ou quasi privativas da região da oliveira, depois das da região da videira, e ultimamente das da região dos cereaes. Esta maneira de tratar as arvores, é mais vantajosa e agronomica, do que a geralmente adoptada, visto que as classifica em grupos, que reclamam condições agrologicas e climatericas analogas. Não a temos por irreprehensivel, mas temol-a por preferivel á divisão commummente admittida de arvores de fructo, de caroço, de pevide, de noz, e de baga, divisão muito imperfeita, e pouco physiologica.

Arvores da região da oliveira.

1566. Esta região, como dissemos, compõe-se de duas subregiões, a da larangeira, e a da oliveira propriamente dita. Na primeira fica comprehendida, além de outros paizes, quasi toda a nossa peninsula; na segunda o norte da Hespanha e da Italia, o sul da França, &c. Nós trataremos, por tanto neste logar, das arvores mais interessantes destas duas subregiões, que se dão todas ou quasi todas perfeitamente no nosso paiz.

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Arvores da subregião da larangeira.

1567. Cultura da larangeira. A larangeira (citrus aurantium L.) da familia das auranciaceas, é uma arvore, que pela elegancia do seu porte, pela constante verdura da sua folhagem, pelo suave perfume das suas flores, e pela formosura e excellencia dos seus fructos, passa pelo mais gentil e rico ornamento do reino vegetal. A larangeira, esta princeza dos pomares, é considerada desde os tempos mythologicos, como uma das maravilhas da creação. Natural da India e da China, tem-se naturalisado esta opulenta planta em todos os paizes do mundo, onde a temperatura não desce geralmente mais de dois ou tres gráus abaixo da congelação. Vêem-se todavia larangeiras em algumas localidades, onde o thermometro exposto ao ar, desce dez gráus abaixo de zero, ou abaixo da congelação; mas isto só acontece quando taes temperaturas são accidentaes, e pouco duradouras. Geralmente a cultura da larangeira não começa a apparecer senão nos paizes em que a temperatura media do inverno é de 9 a 10 gráus. Foi dos paizes, que serviram de berço ao genero humano, que esta planta se estendeu por todas as regiões temperadas, e quentes da terra. Indigena da Azia passou em tempos muito remotos para a Africa, como adverte o nosso sabio Brotero, dahi veio para a Europa, e finalmente, desta parte do mundo foi para a America, levada pelos portuguezes e hespanhoes. Acredita-se geralmente, que foi da China que os portuguezes trouxeram a larangeira deste nome; e na verdade, de lá trouxeram elles algumas para Portugal; mas antes de dobrar o Cabo da Boa Esperança já havia ha muito larangeiras na Europa; e não só as larangeiras azedas, que são as mais antigas de todas, mas tambem as da China. Suppõe-se geralmente em França que a larangeira alli chamada Grão Bourbon ou de Francisco 1.º, semeada em Pamplona em 1421, e trazida para o hybernaculo de Versailhes em 1684, fôra uma das primeiras cultivadas na Europa; mas esta supposição, posto que partilhada por estimaveis escriptores, é destituida de fundamento. A cultura da larangeira da China é muito mais antiga na Peninsula, e na obra de agricultura já citada, e composta no seculo 6.º da Egira, ou no seculo 12.º da era Christã, pelo arabe Abu Zacharia, se expõe a maneira de a cultivar no reino de Sevilha; onde (diz este author) sendo tratada com um bom regimen, dá fructos exquisitos, mediante o favor de Deus.

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1568. Em quasi todos os sitios baixos e abrigados do nosso paiz, medra a larangeira tão bem como na sua patria. O seu fructo é consumido abundantemente no reino, e constitue além disso, um dos nossos principaes artigos de exportação. As laranjas de S. Miguel, as de Setubal, de Lisboa, de Coimbra, e de outros pontos, são conhecidos em Inglaterra e França, pelo nome de laranjas de Portugal. A novidade de cada uma arvore dos bons pomares, proximos ao logar do embarque, rende, termo medio, uma moeda de ouro, donde se vê quão productiva deve ser esta cultura; e que se existissem boas vias de communicação no reino, poderia exportar-se uma enorme quantidade destes fructos.

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1569. D'entre o grande numero das variedades desta planta, hoje cultivadas, mencionaremos sómente a franca da China, a azeda, a tangerina, a de Malta, a de polpa roxa, a de fructo rugoso, e a multiflora. Todas estas variedades, porém, tem a mesma cultura com muito ligeiras modificações.

1570. Demanda a larangeira um terreno fundavel, solto, substancioso e fresco, sem ser demasiadamente humido; os terrenos seccos, uma vez que tenham as outras indicadas condições, não devem rejeitar-se se podérem submetter-se frequentemente ás irrigações.

1571. Querem os laranjaes uma exposição meridional, e situações abrigadas e defendidas, natural ou artificialmente, dos ventos norte e nordéste. E então, quando quizermos plantar um pomar de laranja em sitio que não seja naturalmente abrigado, devemos dividir o terreno em grandes talhões, e plantar, nas suas extremas, filas de loureiros, de canaviaes, ou de quaesquer outras plantas de folhagem espessa, proprias para quebrar a violencia dos ventos; e como estas plantas não prestam desde logo o resguardo desejavel, plantaremos provisoriamente outras parallelas a ellas, que crescendo mais rapidamente protejam a nova plantação. Nos Açores costumam empregar as giestas, que crescendo alli prodigiosamente, formam excellentes abrigos. Este meio não deixaria de ser tambem muito proveitoso entre nós.

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1572. As larangeiras multiplicam-se de tres modos, por sementeira, por estaca, e por mergulhia. O primeiro processo, ainda que tenha alguns inconvenientes, é talvez o preferivel: é verdade que as plantas provenientes de sementes crescem lentamente, mas tornam-se bellas arvores, muito robustas, muito vividouras, e fructiferas. Em Setubal, onde esta cultura tem attingido bastante perfeição, quasi todas as larangeiras são provenientes de semente, e são muito raras as arvores enxertadas: os pomareiros deste sitio sabem, por experiencia, que as larangeiras obtidas por aquelle meio natural resistem melhor ás intemperies das estações, e que estão em oito annos em estado de recompensar os cuidados do agricultor. Se adoptarmos este meio de propagação, devemos então fazer viveiros, e nelles semear as laranjas que subministram ás sementes os primeiros materiaes nutritivos de que ellas carecem, promovendo deste modo o seu primitivo desenvolvimento.

1573. O segundo meio não é geralmente empregado entre nós. Usa-se, porém, em alguns paizes, como na Sicilia, na Sardenha, e tambem em Granada e outros pontos da Andaluzia, talvez por ter sido o processo mais geralmente adoptado pelos arabes. É um meio, porém, pouco seguro, porque esta planta deixa de pegar algumas vezes de estaca. Com tudo, se tomarmos renovos de um anno, e se os plantarmos debaixo da campanula, deixando-lhe dois ou tres olhos fóra da terra, obteremos quasi sempre bons resultados.

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1574. O terceiro meio é mais facil, e muito mais vantajoso que o segundo, e tanto que em muitas partes até o preferem ao primeiro. Em S. Miguel, e em outras ilhas dos Açores (e mesmo em alguns sitios de Portugal) é este o processo geralmente adoptado; e eis aqui o methodo que alli se segue.

1575. Escolhidos os ramos de uma arvore robusta, e de boa qualidade, que mais proprios parecerem para mergulhões, praticar-se-ha pelo meado do outomno uma circumcisão cortical naquelle ponto dos ramos, onde desejarmos promover o apparecimento das raizes: adaptam-se então á base dos ramos cortiços que se enchem de boa terra, que convem conservar constantemente humida. No outomno seguinte, epoca em que os mergulhões já tem creado as suas raizes, devem estes desmamar-se, sequestrando-os da planta mãi; e ou se enterram então com o cortiço privado do seu fundo, para que as raizes possam insinuar-se no solo, ou se tiram do mesmo cortiço com todo o cuidado, para se plantarem no logar que se lhes destina, depois de havermos cortado com o serrote o coto que fica por baixo das raizes, e depois de havermos alisado o córte com a podôa, e de havermos coberto a ferida com o emplasto de S. Fiacre.

1576. As larangeiras devem plantar-se a trinta palmos de intervallo umas das outras; nos terrenos, porém, de grande fundo, e muito substanciaes, ainda este intervallo deve ser maior, porque em todo o caso é necessario que nunca os seus ramos se toquem. Quando acontecesse terem sido plantadas muito juntas, de maneira que lhes possa vir a faltar o sufficiente espaço para o seu natural desenvolvimento, nesse caso devem arrancar-se as plantas intermedias, para que as outras possam livremente formar a sua copa. As larangeiras arrancadas ainda pódem pôr-se de novo em outro logar; e com tanto que sejam bem decotados todos os seus ramos, vêl-as-hemos pegar com grande facilidade: nós acabamos de ser testemunha de uns poucos de factos desta natureza, e vimos improvisar, por assim dizer, um pomar a um nosso parente, com geral admiração daquelles que o chasqueavam. Se quizermos, porém, evadir-nos ao trabalho de arrancar algumas das arvores, então devemos plantar a maiores distancias.

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1577. Um dos maiores defeitos que se notam nos pomares dos suburbios de Lisboa, é o grande aperto das arvores, que, não tendo espaço para coparem, se desfiguram, tornam-se esguias, e não dão metade do fructo que aliás dariam. Este defeito chega a ser em alguns logares tão grande, que as larangeiras da China chegam a confundir-se no tamanho com as tangerinas. Os pomares de Cintra, e Collares apresentam quasi todos este aspecto.

1578. Depois de posto o pomar é necessario cava-lo todos os annos, e estruma-lo segundo a necessidade. Mas neste fabrico deve haver uma grande attenção para não destruir as raizes mais superficiaes da planta, que são, nos terrenos de pouco fundo, as que se encarregam principalmente da sua nutrição. As folhas e estrumes vegetaes, sem exceptuar os verdes, são muito apropriados a esta cultura. As cinzas, e particularmente as das proprias larangeirass, são um excellente adubo. Os estrumes tem uma poderosa influencia sobre o crescimento desta planta, que sem elles fica por muito tempo estacionaria, até que definha e morre. É preciso, porém, não os deitar junto do tronco, mas a uma certa distancia, maior ou menor, segundo a grandeza da planta, porque é a essa distancia que se desenvolvem as suas raizes mais activas.

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1579. Nos primeiros annos do crescimento das plantas podemos cultivar nos pomares milho grosso, algumas cucurbitaceas, como aboboras, melões, e tambem favas e tremoços, sem o menor inconveniente. Nos Açores até julgam que esta ultima planta é muito vantajosa á vegetação da larangeira, principalmente quando enterrada antes da florescencia: nós suppomos que todas as que levâmos enumeradas o podem ser em consequencia dos amanhos e dos estrumes que a sua cultura reclama. Estas culturas devem, porém, supprimir-se apenas as plantas se tiverem assenhoreado do terreno, ou do 5.º anno por diante, pouco mais ou menos.

1580. A poda desta arvore consiste apenas no corte dos ramos seccos e tortuosos, que embaraçam o desenvolvimento dos fructiferos, e impedem a franca entrada do ar e da luz. Em alguns casos, quando apparecem ramos ladrões ou bastardos, é preciso desde logo supprimi-los. E quando a planta apresenta um grande viço é então necessario ou submette-la a uma certa abstinencia, diminuindo-lhe as regas e os estrumes, ou cortar-lhe algumas raizes, se a primeira correcção fôr insufficiente.

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1581. A enxertia é empregada em muitos casos; umas vezes com o fim de utilisar sugeitos pouco productivos, pertencentes a esta familia, como são a cidreira, a larangeira azeda, &c., outras vezes com o de multiplicar com promptidão certas variedades raras - em alguns casos é conveniente como meio de aperfeiçoar as raças, e neste intuito são enxertadas no viveiro as proprias larangeiras obtidas por semente, ou as cidreiras nelle plantadas com esse fim, como se usa em muitos logares dos suburbios de Lisboa; n'outros casos é ainda proveitosa como meio de produzir variedades novas pelo cruzamento das raças e das especies de familia, como quando enxertâmos as larangeiras sobre as limeiras para obter as chamadas laranjas-limas, ou as laranjas azedas sobre as da China para obter as agridoces, &c.; e ultimamente como meio de obter muitas curiosidades raras, como a de obrigar a mesma arvore a produzir laranjas da China, azedas, laranjas-limas, limas, tangerinas, &c., enxertando garfos destas plantas no mesmo sugeito, que deve neste caso ser a cidreira. Os methodos de enxertia, que usamos para obter estes resultados, são os de garfo e os de escudo: a epoca mais propria é a do outomno, antes da floração.

1582. A colheita do fructo deve ser feita cedo para que a arvore possa florescer com força. Se o fructo fôr colhido durante a maior força da florescencia, encontra-lo-hemos pouco succulento, porque a seiva afflue então quasi toda para os orgãos da floração. Quando a laranja é destinada para embarque colhe-se nas ilhas pelos mezes de outubro e novembro, e no continente do reino um pouco mais tarde. Expede-se em caixas, cada uma das quaes accommoda ordinariamente um milheiro; os fructos não devem apertar-se, mas devem ficar conchegados uns aos outros, evitando, comtudo, o seu immediato contacto; para o que os envolvem ou em camizas de milho ou em papel: no acto de os conduzir a bordo deve-se-lhes poupar toda a casta de solavancos, por evitar que se magoem e depois apodreçam. A colheita da flôr, nos paizes onde se aproveita como objecto de grande consumo, faz-se por varias vezes durante a primavera, sacudindo as arvores depois de se terem estendido pannos por baixo dellas.

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1583. Entre as muitas enfermidades a que estão sujeitas as larangeiras da China, ha principalmente duas que lhes causam os mais terriveis estragos. Os laranjaes dos Açores tem sido ultimamente victimas de ambas estas enfermidades. O coccus aurantium e a gomma tem causado enormes perdas n'este formoso archipelago.

1583. O coccus aurantium é uma cochenilha da familia dos galinsectos, que se fixa sobre as summidades dos ramos e sobre as folhas das larangeiras, devorando-lhes toda a sua seiva e matando-as por inanição. No estado de larva apresenta este insecto uma grande agilidade, percorrendo incessantemente todos os tecidos verdes, até se decidir sobre o ponto em que deve fixar-se. É dentro da sua pelle endurecida que se faz a transformação da larva em nimpha: e algum tempo depois, apenas chegada ao seu estado perfeito, abre-se este involucro para delle sahir o insecto. A femea fixa-se ás arvores por uma especie de bico, e é a favor deste orgão que ella absorve a seiva da planta. Construe em torno de si uma especie de ninho, formado de pellos ou filamentos muito similhantes aos do algodão. O seu abdomen adquire então um grande volume, que se enche de uma innumeravel quantidade de ovos, que ficam, depois da morte do animal, de incubação no seu ninho, e por baixo do seu cadaver, que ainda continua a protege-los, servindo-lhes de cobertutura e anteparo.

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1584. Posto que a maior parte das arvores tenham o seu coccus, ou algum outro insecto parasita, nenhuma, comtudo, é tão duramente recompensada pelo seu hospede como a larangeira.

1585. O tractamento radical desta enfermidade está ainda por descobrir. Parece que as fumigações da nicociana ou do tabaco tem sido mais ou menos proveitosas. O decote da maior parte dos ramos, e a lavagem dos restantes por meio de forte e continua aspersão de uma dissolução soponacea, feita com borras de azeite, potassa e cal, e uma certa porção de agoa, tudo combinado por meio do fogo, é um tractamento cujas vantagens tem sido, segundo parece, geralmente reconhecidas na ilha de S. Miguel, onde este flagello ha sido devastador. Torna-se, porém, necessario estudar com diligencia os habitos do insecto, espreitar quaes sejam os seus adversarios, e quaes as condições do seu desenvolvimento, para se poderem ou destruir, ou ao menos moderar os seus effeitos desorganisadores. Este estudo já ha muito tempo que devêra ter sido commettido pela auctoridade publica a algum naturalista distincto.

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1586. A gomma é outra enfermidade que ataca muito geralmente a larangeira, e que se tem desenvolvido, tanto nas ilhas como no reino, com grave damno dos nossos laranjaes. Esta enfermidade começa por uma affecção profunda do systema radicular. Revela-se por manchas de um amarello mais ou menos carregado, que invadem primeiramente o systema cortical, e em seguida o systema lenhoso da raiz, e que acabam pela mortificação das partes affectadas, ou pela decomposição putrida dos seus tecidos.

1587. Algum tempo depois de manifestadas as manchas começa a desenvolver-se dos orgãos doentes um cheiro ammoniacal e enjoativo: as folhas das plantas começam tambem a murchar e cahir, e logo depois da sua queda vêem-se seccar os ramos do caule, até que a planta perece sem remedio. O tractamento desta molestia não é ainda bem conhecido. É de crer que no ultimo periodo da enfermidade o restabelecimento da arvore seja impossivel, porque a degeneração organica tem já invadido todo ou quasi todo o systema radicular; mas no primeiro periodo da molestia, como ella começa pelas primeiras divisões radiculares, e, segundo alguns observadores, por um ponto proximo ao collo da raiz, que segrega algumas lagrimas gomosas, é muito de crer que a amputação da parte affectada faça abortar a doença na sua origem. E com effeito, tem-se preconisado como muito proveitoso o seguinte tractamento. Logo que a planta começa de apparecer enferma, o que se conhece pelo emmurchecimento e mudança de côr das folhas, descobrem-se as suas raizes mais superficiaes, e cortam-se todas as que estão affectadas, decotando-se ao mesmo tempo alguns ramos caulinares, e cobrindo todos os cortes com o emplasto de S. Fiacre. Lança-se então em torno das raizes terra normal, e semeam-se tremoços em torno da planta para se enterrarem quando tiverem dois a tres palmos de altura. Espalham-se depois algumas cinzas sobre o solo, e, se este fôr humido e argiloso, alguma cal como correctivo; e tractam-se as arvores com o maior esmero, procurando cerca-las de todas as condições agrologicas mais adaptadas á sua vegetação.

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1588. Tivemos logar de examinar esta enfermidade em alguns pomares dos arredores de Lisboa, e pareceu-nos que ella não era outra cousa mais do que a caria da raiz, essencialmente similhante á caria do systema caulinar, que accommette muitas arvores, e que descrevemos no seu logar. Alguma diversidade que se nota entre estas duas molestias pareceu-nos que devia attribuir-se á diversidade dos meios em que vegetam aquelles dois systemas.

1589. Posto que o methodo de cultura que levâmos mencionado seja applicavel tanto a larangeira da China, de que especialmente temos tractado, como ás tangerinas e ás larangeiras azedas, todavia sempre apresentaremos alguns promenores relativos a estas duas variedades.

1590. A tangerina, natural da Africa, é cultivada em Portugal desde longa data; mas é só de poucos annos a esta parte que se ha generalisado esta cultura em alguns pontos do reino. Esta planta, cuja estatura quasi nunca chega á altura de dois homens, é de um porte analogo ao da larangeira da China, com folhas, porém, mais pequenas, acuminadas, e de peciolos alados como os della. A sua flôr vem muito mais cedo, assim como o seu fructo, que se apresenta perfeitamente sazonado nos mezes de janeiro e fevereiro: é similhante tambem ao da larangeira, mas muito mais pequeno, mais doce, e ainda mais aromatico; a sua casca, comprimida nos dedos, produz um perfume exquisito. É um dos fructos mais agradaveis e refrigerantes que produz o nosso clima; e hoje está sendo objecto de uma consideravel exportação, sendo geralmente apreciado tanto em Inglaterra como em França.

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1591. A multiplicação desta preciosa planta faz-se tambem por sementeira, por estaca e por mergulhia: o primeiro processo é, porém, o mais usado; semeam-na no inverno, e no fim de dois ou tres annos transplantam-na para o pomar, onde, passado outro tanto tempo, começa a dar novidade. Tambem costumam enxerta-la nas suas congeneres, o que melhora consideravelmente o fructo. A cultura das tangerinas é um ramo da nossa industria agricola que merece vulgarisar-se. Exporta-se a laranja, que tem grande valor no mercado, em pequenas caixas similhantes ás de que acima fallámos.

1592. A larangeira azeda cultiva-se não só pela sua flôr, mas tambem pelo seu fructo. A flôr desta variedade é mais abundante que a da larangeira da China, e é objecto de grande commercio no littoral do mediterraneo: o fructo não é comivel pela sua grande acidez, mas é empregado em muitos usos economicos, como adubos, sorvetes, bebidas refrigerantes, xaropes, medicamentos, &c. É planta muito mais rustica do que as duas variedades de que temos tractado, e mais antiga do que ellas no meio dia da Europa, pois já no seculo 10.º existia nos jardins de Granada. Resiste melhor ás intemperies das estações, soffrendo sem detrimento a acção de uma mais baixa temperatura. Como a cultura desta planta é a mesma que a da larangeira da China, nada mais nos cumpre dizer a seu respeito.

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1593. Cultura do limoeiro, da limeira, e da cidreira. O limoeiro (malus limonia B.), tambem da familia dos auranciaceas, é natural da Assyria, e da Persia. A sua transmigração para a Europa foi devida, segundo Risso, á invasão dos califas, e acha-se em toda a parte por onde estes cultivadores esclarecidos foram passando antes de chegar ao seio do continente europeu. Os cruzados foram quem depois o introduzíra na Italia, d'onde veio algum tempo depois para a Hespanha, e em 1400 para a França.

1594. Cultivam-se nos pomares e nos jardins de quasi todo o reino muitas sub-variedades desta interessante planta, sendo as principaes o limoeiro, que tem a polpa doce; o que a tem acida ou agridoce; o de fructo quasi oval; e o de ponta mamillosa. O limoeiro é uma planta arborescente de ramos vergonteados, flexiveis, ordinariamente espinhosos, com folhas obliquas, peciolos alados, flores exteriormente arroxadas, e fructo lizo ou rugoso, com vesiculas concavas.

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1595. Propaga-se do mesmo modo que a larangeira, quer o mesmo terreno e a mesma exposição. Póde plantar-se junto dos muros para formar latadas, prestando-se muito a esta especie de cultura, e sendo por isso muito usado nos pomares e jardins. Como estas arvores não chegam nunca a attingir as dimensões das larangeiras, antes ficam sempre muito menos corpulentas do que ellas, devem plantar-se, por isso, muito mais proximas entre si.

1596. O limoal deve ser cultivado como o laranjal, com iguaes amanhos, em igual exposição, e abrigos; carece, porém, de regas mais frequentes, e de estrumes mais abundantes. O limoeiro é, todavia, menos delicado do que a larangeira, e resiste mais ao frio do que ella: em Portugal, ha localidades onde se dão bem os limoeiros, e onde as larangeiras ou não se dão, ou se dão mal. Cintra e Collares estão neste caso.

1597. Nos antigos livros de agricultura recommenda-se muito o uso das cinzas, como sendo um excellente correctivo do solo onde vegeta esta planta: os arabes faziam, na parte austral da Hespanha, muito uso dos estrumes resultantes da decomposição das plantas aquaticas misturadas com terra vegetal.

1598. Os limoeiros azedos dão um numero prodigioso de fructos, por isso que a sua floração e fructificação é, por assim dizer, successiva, e dura muitos mezes no anno. Os doces não são, porém, tão fecundos, mas o seu fructo é muito hygienico e refrigerante. O rendimento dos primeiros é consideravel, por serem objecto de uma grande exportação tanto de Portugal como de toda a região mediterranea. É destes fructos que se extrahe o acido citrico, tão usado nas artes e na medicina.

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1599. A limeira (malus lima B.) é uma planta muito similhante ao limoeiro, e uma variedade, como elle, do citrus medica, caracterisada por suas flores brancas, e pelo seu fructo quasi globoso e mamillar, que apresenta um pequeno rego na base do mamillo, e uma casca mais ou menos delgada. Esta planta recebe a mesma cultura que o limoeiro, dá-se nos mesmos logares, e reclama a mesma exposição. O seu fructo é tambem ou acido, ou ligeiramente doce, e tem um aroma particular muito agradavel e suave. Não se cultiva em ponto tão grande como o limoeiro, porque o seu producto não é objecto de grande consumo; mas como artigo de regalo deve-se ter em todos os pomares.

1600. A cidreira (malus citria B.) é outra variedade do citrus medica, e apresenta ramos mais curtos e menos flexiveis do que o limoeiro, fructos mais grossos e verrugosos, e uma polpa mais espessa e consistente. O seu fructo, a que damos o nome de cidras, é quasi exclusivamente aproveitado para fazer doce secco de conserva. A planta é de muito prestimo como prumagem, por ser nella que se enxertam todas as especies e variedades desta vasta e elegante familia.

1601. A sua cultura é tambem a mesma que a das outras variedades da sua especie.

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1602. Cultura da alfarrobeira. A alfarrobeira (ceratonia siliqua), da familia das leguminosas, é uma planta natural da Africa, que é muito cultivada na provincia do Algarve, e que o póde ser com vantagem em as outras provincias do sul. São quatro as variedades de alfarrobeiras que se cultivam naquella provincia, aonde se distinguem pela particular denominação dada aos seus fructos, que são a alfarroba de burro, um pouco adestringente, a alfarroba galhosa, de fructo ou vagem curva, a sacharina, a alfarroba mulata, e ultimamente a alfarroba canella. Os fructos desta planta entram no regimen alimentar dos povos daquella provincia; e são tambem ministrados aos gados, e geralmente a quasi todos os animaes domesticos, que os comem com grande avidez e proveito. São, além disto, objecto de uma grande exportação.

1603. É a alfarrobeira uma arvore gigantesca, que se acommoda com todos os terrenos, mas que se não póde cultivar além dos limites marcados á cultura da larangeira. E na verdade nem ella nem a sua socia ultrapassam em Hespanha o rio Lobregat, que entra no mar um pouco ao sul de Barcellona.

1604. Posto que a alfarrobeira não seja difficil na escolha do terreno, e medre sobre um solo arido e pouco pingue, todavia é nos terrenos substanciaes e regados que ella prospera espantosamente. E nestas ultimas circumstancias é quasi incrivel a energia com que cresce, sendo uma arvore de lenho bastantemente compacto. Segundo Fischer, na sua descripção de Valencia, estas arvores chegam, nos bons terrenos, a adquirir, no cabo de um anno, tres e quatro metros de altura.

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1605. Póde a alfarrobeira multiplicar-se por mergulhia e por estaca; mas é geralmente por sementeira que a propagâmos. Esta operação faz-se no meado da primavera, e podemos então semear ou em viveiro, o que é sempre melhor, ou logo para ficar. As sementes, depois de estarem de molho em agua por espaço de alguns dias, lançam-se na terra em covas pouco profundas, distantes entre si 12 a 14 varas. Feita que seja a plantação dá-se immediatamente uma rega abundante. No fim de oito dias, se o solo tiver o sufficiente calor, estarão as plantas nascidas. Traz-se então o terreno bem limpo e destorroado por lavouras profundas durante os primeiros annos. No fim do quarto é a planta podada, supprimindo-se-lhe os ramos inferiores, e deixando-lhe quatro até seis superiormente para lhe formar a copa. Nos annos seguintes apenas se cortam alguns ramos seccos ou mal nascidos.

1606. A alfarrobeira florece n'um outomno, e só fructifica no outomno seguinte. É ordinariamente no mez de Setembro que se faz a colheita dos seus fructos, quando a queda espontanea das vagens annuncia estar chegada a sua maturação. Os fructos, depois de colhidos, estendem-se em armazens bem arejados, e só se amontoam quando estão seccos, porque de outro modo entrariam facilmente em fermentação.

1607. Cultura da figueira da India. A figueira da India (cactus opuntia) da familia das cacteas, é uma planta indigena do nosso paiz, e da subregião da larangeira, que se faz merecedora de ser cultivada, pelo menos, nas nossas provincias do sul. O seu emprego, na formação das sebes vivas, seria sem duvida de grande proveito; porque, além de cerrar e defender completamente os campos, podia fornecer-nos com os seus abundantes fructos, um producto alimentar muito appropriado á sustentação do homem, e de alguns animaes domesticos.

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1608. O figo desta figueira entra no regimen alimentar de muitas populações da Africa, da Asia, do Egypto, da Corsega, e principalmente da Sicilia. Póde certamente asseverar-se que esta planta é, para este ultimo paiz, o mesmo que a bananeira para os paizes equinocciaes, ou a arvore de pão para as ilhas do Oceano pacifico. Vê-se por toda a parte formando cercados, orlando os caminhos, cingindo as povoações, e póde dizer-se que em quatro ou seis mezes do anno, o seu fructo é o maná das classes pobres, que lhe chove, por assim dizer, do céo; porque cada qual o colhe onde o encontra, por ser reputado como uma producção commum, destinada a matar a fome, e talvez a alimentar a ociosidade dos miseraveis habitantes da ilha. A Sicilia, diz o conde de Gasparin, engorda durante os quatro mezes da fructificação da figueira da India, e passado este tempo entra n'um jejum e n'uma abstinencia severa. - Mas porque motivo, perguntaremos nós, é tão profunda a miseria das classes pobres n'uma ilha tão fertil? É porque a sua cultura quasi nada variada, é a cultura banal dos cereaes que só occupa as classes trabalhadoras alguns mezes do anno. - Ha nesta pergunta, e na sua resposta uma grande lição, que deve ser muito meditada pelos nossos lavradores. As localidades exclusivamente dedicadas á cultura dos cereaes, hão-de ser sempre despovoadas e pobres.

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1609. Para se plantar a figueira da India, é bastante que enterremos na distancia de um metro, e em terra ligeiramente remechida, os entrenós, que são geral, mas erradamente considerados como folhas. Aceleraremos mesmo a vegetação, enterrando alguns pedaços seccos da planta, que sustentarem ainda um ou mais entrenós verdes. Cortam-se depois, todos os annos, os ramos que embaraçam a passagem, assim como os entrenós inferiores que se offerecem, partidos ás talhadas, assim como os fructos de qualidade mais inferior, ás bestas e aos porcos, que os comem com muita avidez e proveito.

1610. A nimia facilidade da cultura desta planta, assim como a circumstancia de medrar nos terrenos mais inferiores, tornam-a indubitavelmente preciosa no nosso clima, onde prospera excellentemente. E com isto não queremos dizer que se abandonem por esta, outras culturas, mas sim que nos terrenos estereis e aridos, assim como nos vallados, e nas sebes prestaria esta planta ao agricultor grandes vantagens. - O cacto cochinilha (cactus coccinilifer) que se cultiva em alguns pontos do meio dia da Hespanha, e que talvez se possa aclimatar entre nós, governa-se do mesmo modo que a figueira da India.

1611. Cultura da bananeira. A bananeira ordinaria (musa sapientium) da familia das musaceas, é uma planta, que com quanto seja originaria da região da cana de assucar, é cultivada todavia desde tempos immemoriaes na parte mais austral da Hespanha com muito bom resultado. Nós acreditamos, que nos sitios mais abrigados e quentes do Algarve, e do sul do Alemtejo, assim como nas ilhas adjacentes se poderia tambem cultivar em grande, e com vantagem, esta rica planta, sendo por isso, que dedicamos aqui algumas linhas á sua cultura.

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1612. A bananeira tem-se tornado notavel em todas as idades, pelo seu porte elegante, pelas suas grandes e verdes folhas, e pelos seus bellos cachos de 30 a 40 libras de pezo, que sustentam numerosos fructos muito saborosos, e nutritivos. Esta planta é a providencia dos habitantes dos tropicos. E ha entre elles um rifão que diz «ao pé da bananeira ninguem morre de fome.» É tão productiva esta planta, que Mr. d'Humboldt julga, pelos seus calculos, que um bananal de cem metros quadrados póde fornecer 4:000 libras de bananas; e que o producto de um terreno qualquer, dedicado a esta cultura, está para o de um terreno egual cultivado de trigo, como 133 está para um.

1613. Mas além da producção do seu fructo ainda a bananeira póde ser muito prestadia, porque depois de colhido o cacho, ainda o seu caule, que é formado pelas bases das folhas enroladas sobre si mesmas, póde ministrar uma excellente forragem aos animaes domesticos que o comem, depois de cortado, com grande satisfação. Eis aqui as principaes circumstancias que recommendam esta cultura, que infelizmente só em algumas localidades póde prosperar entre nós, posto que em muitas partes do reino, se encontrem bananeiras não fructiferas ao ar livre.

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1614. Esta planta propaga-se pelos seus filhos, que nascem em grande numero da sua estirpe vivaz apenas a sua hastea herbacea morre, logo depois de sazonado o fructo. Estes filhos devem plantar-se em um terreno substancial, profundo, humido, e bem fabricado. Apraz-se esta planta á borda dos rios, e dos regatos, ou em terrenos de regadio, quentes, e bem abrigados dos ventos. Abrem-se as covas na distancia de uma vara em quadro, e ahi se plantam os filhos ou rebentos, que devem regar-se frequentes vezes; a terra convem que ande bem revolvida por meio de algumas sachas annuaes. Os cachos vem no fim do segundo anno; podem colher-se logo que alguns fructos começam a amadurecer, por isso que pendurando-se dentro de casa em logar quente, ahi acabam de sazonar os restantes.

1615. Cultura da oliveira. A oliveira (olea europaea) da familia das oleaceas, é a arvore mais preciosa da sua região, e segundo Columella, a primeira de todas as arvores. A cultura desta planta data da mais remota antiguidade. Os gregos, para symbolisarem a sua excellencia, fabularam que Minerva, a Deosa da sabedoria, querendo fazer aos homens um presente divino, feríra a terra com a sua lança, e fizera nascer a oliveira, que ficou sendo, desde então, o emblema da paz entre todos os povos do mundo. Originaria das regiões temperadas da Asia, veio d'ahi para a Grecia, e depois para a Italia, que só a possuiu depois do reinado de Tarquinio o soberbo. Em toda a parte onde os gregos fundaram colonias, ahi plantavam logo a sua arvore querida, cuja cultivação, era para elles uma das suas primeiras necessidades economicas, e um culto de homenagem religiosa, rendido á Deosa que tomavam por protectora da sua formosa patria.

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1616. Limites da sua cultura. Esta planta nunca pôde naturalisar-se nos paizes frios, nem nos equatoriaes. E se nestes ultimos apparecem algumas oliveiras, ellas nunca fructificam, segundo as observações de Mr. de Humboldt, salvo se a elevação do solo modifica a acção da temperatura, como acontece em Lima, e outros pontos da America. A sua constituição não lhe permitte soffrer, nem invernos rigorosos, que paralisam a acção dos seus tecidos, nem verões pouco quentes, que não apresentam a necessaria temperatura para amadurecer os seus fructos. Estas duas circumstancias limitam a sua linha de cultura para o norte da Europa; e para o sul é limitada por uma alta temperatura, que é tão impropria á sua vegetação, como a baixa. A oliveira nunca póde cultivar-se com successo, além do 45° gráu de latitude, porque ao norte deste parallelo, o estio é muito curto, e o seu calor muito fraco para lhe fazer dar fructos, e sobre tudo para os sazonar. Na nossa peninsula, esta planta encontra o clima do seu paiz natal, e é por esta razão que ella, apezar das imperfeitas culturas a que é geralmente submettida, medra de um modo admiravel, a ponto de supplantar todas as outras culturas rivaes.

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1617. Só quando a temperatura media chega a 18 ou 19 gráus, é que a sua floração tem logar: esta chega a durar algumas vezes dois mezes; mas logo que as flores, em fórma de cacho, estão abertas, o fructo desabotoa n'uma semana. Os ramos da oliveira, tendem a elevar-se em fórma piramidal, e só os do segundo anno é que dão fructo; as suas raizes estendem-se consideravelmente em todos os sentidos, mas apresentam uma notavel tendencia a se desenvolver á superficie do solo.

1618. Variedades. Ha um grande numero de variedades de oliveiras. Só no reino de Napoles conta um author italiano 35. Rosier descreve 16 cultivadas em França. Na casa rustica do 19.º seculo apontam-se 21. Segundo Paio Vicente, só na Andaluzia se distinguem 12; e segundo Baeza, 16 no antigo reino de Sevilha. Entre nós talvez este numero não seja mais diminuto; mas como a agricultura das nossas provincias tem sido pouco observada, nada se póde asseverar com certeza a este respeito.

1619. Por em quanto apenas nos são conhecidas as oito variedades seguintes, que são sem duvida as mais geralmente cultivadas nos diversos districtos do reino. 1.ª Oliveiras negraes ou maduraes: arvores meãs na estatura, fructo de mediana grandeza, de pedunculo muito curto, oval, e inteiramente preto depois da sua completa maturação. 2.ª borraceiras: arvores corpulentas de fructo grosso, que dá máu azeite, e muita borra, caroço comprido um pouco arredondado na base. 3.ª lentisqueiras durazias ou lentiscas: arvores de grande corpulencia, de folhas pequenas, fructificação serodea, azeitona miuda de polpa dura. 4.ª verdeaes: arvores muito productivas, azeitonas de mediana grandeza, e de um verde escuro, umas vezes compridas e bicudas, outras vezes redondas e quasi orbiculares. É a variedade mais geralmente cultivada na Estremadura, Beira, e Traz-os-Montes. 5.ª cordovis ou cordovezas: arvores de grande estatura, fructo grande, arredondado e carnoso. Dão-se melhor no sul do que no norte do reino; são muito communs no Alemtejo e Algarve. 6.ª bicaes: fructo do tamanho do precedente, mas menos carnoso, de fórma ponteaguda, menos oleoso, de polpa dura e amargosa, proprio para conservas. 7.ª sevilhanas: são pouco productivas no nosso paiz, e por isso raras; azeitonas de grandes dimenções, do tamanho de pequenos abrunhos, boas para conservas, muito estimadas em toda a Europa. 8.ª redondiz: muito similhantes ás verdeaes redondas, e a pequeninas maçãs, sendo por isso que os hespanhoes lhes chamam oliveiras mançanillas. São em alguns pontos do Alemtejo empregadas principalmente em conservas.

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1620. Destas oito variedades, as mais estimaveis são as negraes, as verdeaes, e as cordovis, por serem as que dão mais oleo, e de melhor qualidade. As lentisqueiras merecem tambem muita consideração, não só por serem bastantemente appropriadas ás planicies, e logares humidos, onde prosperam e crescem extraordinariamente, como tambem por serem mais rusticas, e poderem resistir melhor nos sitios e exposições frias. Nesta escolha, porém, deveremos sempre seguir o preceito de Catão; isto é, devemos observar qual é a melhor variedade para a localidade em que nos acharmos, e dedicarmo-nos á sua cultura.

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1621. Solo e exposição. A oliveira não é uma planta delicada, uma vez que a não desterrem da sua patria, que é toda a região a que ella dá o seu nome - exige poucos cuidados, e remunera largamente todos os que lhe liberalisam - conforma-se com os terrenos mais ingratos, com tanto, que o clima lhe não seja contrario; mas medra todavia melhor nos profundos e substanciaes - prefere as encostas, e as collinas, á terra assente e chã, mas não gosta dos terrenos habitualmente humidos - prefere a exposição oriental e meridional á do norte e poente.

1622. A rusticidade desta planta, e o seu acommodamento com os terrenos mediocres, ou mesmo inferiores, improprios, por isso, a quasi todas as culturas, tornam-na altamente preciosa, e não só fazem com que ella possa disputar vantajosamente a palma, ás outras plantas oleiferas; mas tambem imprimem aos climas, que lhe são proprios, uma superioridade incontestavel sobre todos os que ella rejeita - superioridade muito maior por certo do que aquella que Arthur Young attribue aos paizes vinicolas.

1623. Multiplicação. Existem poucas arvores que apresentem tantos meios de multiplicação. A oliveira multiplica-se em primeiro logar pela sementeira; e posto que este meio seja o mais natural, nem por isso é o mais geralmente seguido. E na verdade tem grandes inconvenientes. As arvores provenientes de sementes, crescem muito lentamente, posto que sejam robustas e vigorosas; os embriões rompem com difficuldade os seus involucros, ou os caroços, de maneira que muitas vezes permanecem um a dois annos debaixo da terra sem germinarem. Este inconveniente foi, porém, remediado por um arbitrio indicado pelo conde de Gasparin, o qual observou que, despedaçando-se o caroço sem offender a amendoa, a germinação era prompta; e agora mesmo acaba de ser inventado por Mr. Gasquet, um instrumento, pelo qual se consegue este resultado, isto é, o despedaçamento do caroço sem a menor offensa da amendoa. Mas como o primeiro inconveniente sempre subsiste; e como, além disto, a planta que resulta da semente tem ainda de ser enxertada por haver perdido os caracteres da sua raça, e adquirido os da especie: isto é, por se haver transformado em zambugeiro, resulta que a sementeira, apezar dos aperfeiçoamentos indicados, é ainda um processo muito demorado e dispendioso, e por isso pouco seguido. Quando, porém, o adoptarmos, convirá que semeemos em Fevereiro a Março, e sempre no viveiro, para depois transplantar.

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1624. O Academico Trigoso, nas suas excellentes notas á Memoria da cultura das oliveiras, por Dalla-Bella, lembra o excellente arbitrio dos viveiros publicos adoptados nos paizes onde a agricultura é protegida mais por obras, do que por palavras. E na verdade, se em todos os districtos existisse um bom viveiro de oliveiras para serem distribuidas gratuitamente, ou por baixo preço, pelos proprietarios, já então se poderia adoptar o processo de sementeira sem inconveniente notavel.

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1625. O processo da mergulhia tambem se póde adoptar para a multiplicação da oliveira; e ainda que elle não seja, nem deva ser o mais geralmente usado, póde todavia ser muito proveitoso em certos casos. Quando as oliveiras se acham muito velhas, cortam-se na parte inferior do tronco, um pouco acima do collo da raiz, e cobrem-se com um monte de boa terra; ellas lançam então muitos renovos, que munidos em pouco tempo de raizes proprias, podem transplantar-se para o sitio onde definitivamente devem ficar. Quando o vento derriba algumas arvores, ou quando de cançadas dão já pouco fructo, tambem podem enterrar-se deitando-as em grandes covas, mas deixando sempre da parte de fóra alguns pequenos ramos; e então, tanto estes, como outros que rebentam depois de creadas as raizes, podem egualmente transplantar-se. Em alguns casos lançam as oliveiras mais robustas em torno do collo da sua raiz, polas ou mamões, que depois de terem uma vara de altura se podem transplantar com as raizes que se desenvolveram na sua base, ou mesmo sem ellas, se este desenvolvimento não teve logar.

1626. Finalmente, o processo da plantação de estaca, é o mais usado, e merece sel-o, porque é o mais prompto e o mais economico. São dois os methodos que podemos seguir neste processo, o primeiro, e o mais conveniente, é a formação de um viveiro; o segundo é a plantação definitiva das grandes tanchoeiras.

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1627. Na formação do viveiro devemos procurar um sitio abrigado, e um terreno solto bem adubado e substancioso, e depois de preparado por uma ou mais cavas de bastante profundidade, ahi faremos a nossa plantação. Cortam-se então ramos de duas a quatro pollegadas de grossura, e de palmo e meio a dois palmos de comprimento, bem sãos, de casca liza e macia, e de arvore de boa qualidade e robusta: estes ramos plantam-se depois no viveiro, na distancia de um palmo a palmo e meio uns dos outros; e enterram-se de modo que fique de fóra uma gemma das mais superiores do mesmo ramo: em vez destas estacas tambem se podem plantar no mesmo viveiro rebentos da raiz, do tronco, ou das pernadas, que se fazem egualmente muito boas arvores. Estas plantações pódem começar-se em Outubro, e continuar-se até Abril. O governo dos viveiros cifra-se em os sacharmos frequentes vezes, com o cuidado de não mover muito a terra á roda das estacas, para as não abalar, em os trazer mondados de todas as hervas, em os regar convenientemente, e a final em os limpar, não deixando a cada estaca mais do que um rebento, para que se crie bem.

1628. Na plantação das tanchoeiras, ou grandes estacas, devemos proceder do seguinte modo. Preparado o terreno com uma boa lavra, e abertas as covas com a devida antecipação, para que a terra fique bem actuada pelos meteoros atmosphericos, collocaremos uma estaca direita no meio de cada cova, tendo sempre o cuidado de dirigir para baixo a sua ponta mais grossa, porque se invertermos a sua posição natural, ou deixa de pegar a estaca, ou só produz uma arvore mesquinha. Antes de procedermos á plantação devemos ter previamente lançado no fundo da cova uma manta de bom terriço misturado com esterco, e iremos depois calcando e unindo a terra contra a estaca, evitando que fiquem intervallos vazios, o que damnificaria consideravelmente a vegetação da arvore. As covas destinadas á plantação das estacas devem ter as condições que logo indicaremos, quando tratarmos da transplantação definitiva do viveiro para o olival. As tanchoeiras devem ser bastante compridas, para que os gados não roam os seus rebentos. É certo, porém, que as arvores assim plantadas não se fazem nem tão copadas, nem tão robustas como sendo primeiramente educadas no viveiro; mas o desleixo da maior parte dos nossos lavradores para com as arvores, e a promptidão com que obtem por este processo oliveiras adultas, fazem com que se lhe dê em muitas partes do reino a preferencia sobre os outros processos.

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1629. Plantação. Quando as plantas do viveiro estão já sufficientemente vigorosas, devemos proceder á sua transplantação, que deverá ser feita nos principios do outomno, ou nos da primavera, segundo o terreno fôr, ou enxuto e ligeiro, ou tenaz e humido: e tambem segundo a diversa temperatura da localidade; cumprindo plantar no outomno nos terrenos mais temperados, e na primavera nos mais frios. As covas para esta plantação, ou para a das grandes tanchoeiras, devem ser feitas com um anno de antecipação, para que a terra se repasse dos meteoros atmosphericos; e a distancias maiores ou menores, segundo a maior ou menor estatura das variedades que cultivarmos, devendo servir de regra que a ramagem de umas arvores nunca possa embaraçar a das outras. Ha, porém, duas maneiras de fazer a plantação, segundo a fertilidade do terreno, e o destino diverso a que dedicamos o olival. Se o terreno fôr magro e improprio para a cultura de cereaes, ou outras plantas herbaceas, então devemos fazer as covas a 25 pés de distancia em quadro: se pelo contrario o terreno fôr pingue, e proprio para aquellas culturas, nesse caso devemos abril-as a dobrada distancia, a fim de aproveitar a riqueza do solo n'uma duplicada producção.

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1630. As covas devem ser de quatro palmos de profundidade, e de cinco de largura e comprimento; as plantas devem ahi collocar-se, apenas tiradas do viveiro, com todas as suas raizes, e se poder ser, com o proprio torrão. Deve ter-se todo o cuidado de esgotar as covas de qualquer porção de agoa que nellas se tenha ajuntado; e se o terreno fôr humido, até convem deitar uma camada de pedras soltas no fundo das mesmas covas, e logo por cima uma boa manta de terra fertil, para ahi assentar as raizes das plantas. Enchidas as covas de terra, crava-se perpendicularmente na proximidade das plantas um páu da grossura de duas pollegadas, para lhes servir de esteio.

1631. Governo das norças antes de darem fructo. No primeiro outomno, logo depois da postura, devem ser cavadas as norças á roda do pé, e se apresentarem raizes muito superficiaes, convem muito cortal-as para obrigar as inferiores a profundar um pouco mais. Importa também examinar os ramos da planta, e se encontrarmos algum mal situado, ou mal nascido, devemos cortal-o, para que não embarace o livre crescimento dos outros. Se durante o estio as norças começarem a murchar, é indispensavel matar-lhes a sede por meio de regas. Estas operações repetem-se todos os annos até ao quinto depois da plantação; e uma vez que assim se proceda, e que se estrumem as norças annualmente, ou, pelo menos, de dois em dois annos, o que deve fazer-se por occasião da cava, veremos estas pequenas arvores não só sufficientemente robustecidas para poderem resistir por si só, e sem outro apoio, á violencia dos ventos, mas tambem em estado de agradecerem com o seu producto os cuidados do lavrador.

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1632. Governo das oliveiras depois de darem fructo. A poda é uma das operações mais importantes, e um dos maiores beneficios que podemos fazer ás oliveiras. Os antigos consideravam esta operação tão necessaria, que segundo nos refere Columella, havia já no seu tempo um proverbio que rezava deste modo: «quem lavra o olival pede-lhe o fructo, quem o aduba consegue o que pede, e aquelle que o poda obriga-o a concedel-o.» Devemos submetter a oliveira a duas especies de poda, uma annual, que não é mais do que uma limpeza; outra de annos a annos, que é a poda propriamente dita. A limpeza faz-se nos ramos seccos, podres, quebrados, ou inuteis, e deve praticar-se com um instrumento bem afiado, que faça um córte lizo, e sem lacerações. Praticando esta operação não devemos supprimir os ramos grossos, salvo algum bastardo ou ladrão que roubando a seiva aos fructiferos, deva por esta razão immediatamente mutilar-se. Na suppressão dos pequenos ramos inuteis, devemos sempre distinguir os infecundos dos fructiferos, que só muito raras vezes devem supprimir-se; estes ultimos conhecem-se facilmente, porque são curtos, grossos, bem creados, e cheios de gomos, ou olhos bojudos, ao passo que os outros são compridos, apresentam poucos gomos, e esses esguios e mal creados.

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1633. A poda propriamente dita é mais difficil do que a limpeza, e só deve ser feita por mão destra, e experimentada. Os principios que regulam esta operação, são geralmente desconhecidos pelos podadores, que em vez de educar, mutilam barbaramente os ramos das arvores. Ouçamos o que a este respeito nos diz o sabio agronomo conde de Gasparin: «Para bem dirigir a operação da poda da oliveira, é necessario ponderar gravemente os factos seguintes: 1.º esta arvore só florece nos ramos de dois annos; 2.º as suas flores só desabotoam, e produzem fructo quando estão expostas aos raios do sol, durante uma grande parte do dia; sendo por isto que as arvores de espessa ramagem, são menos productivas do que aquellas que tem ramos e folhas mais rareadas; 3.º os ramos horisontaes ou pendentes, são os mais fructiferos, os ramos verticaes não dão fructo; 4.º quando ha um pequeno numero de ramos de fructo, este é mal creado, pouco oleoso, e as novidades são biennaes.»

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1634. Estes principios são absolutamente desconhecidos pelos praticos barbaros que podam a oliveira nos seus grossos ramos, e que parecem consideral-a antes como arvore de floresta, do que como arvore de fructo. A arte da poda é ainda ignorada n'um grande numero de paizes, aliás muito avançados. É nas margens do Durance que as oliveiras são podadas com toda a perfeição. Os principios porque ahi se regula esta operação são os seguintes: 1.º supprimem-se todos os ramos que se elevam verticalmente, e que são verdadeiros ladrões; 2.º cortam-se as vergonteas, os ramos mortos, e os ramos lateraes que se viçam, e excedem todos os outros em comprimento; 3.º supprimem-se sobre os ramos annuaes os mais interiores, e reservam-se sobre os que se conservam os ramalhetes terminaes, e alguns outros proximos destes que tiverem sufficiente força para fructificar; na certeza de que os ramalhetes abortariam se a seiva fosse distribuida sobre um grande numero delles nascendo do mesmo ramo. Por este modo formam-se arvores de copa bem arredondada, quasi espheroidaes, vestidas na sua totalidade; arvores cujos ramos ficam dispostos sem confusão; pendendo os inferiores de modo que occultem á vista a maior parte do tronco, e ficando assás rareados para que o ar e a luz possam banhar toda a copa da oliveira.

1635. Eis aqui, pois, em resumo, os principios, e os preceitos que devem dirigir a poda - podar os ramos mais interiores - cortar os que se elevam verticalmente - supprimir os ladrões - distinguir os fructiferos dos que o não são, para respeitar os primeiros, e podar os segundos - cortar nos ramos fructiferos os renovos mais internos do ramalhete, e esladroar cuidadosamente o tronco - egualar os ramos que ultrapassam os outros, de modo que a arvore fique bem copada, aberta por dentro, e com os ramos rareados, para que o ar e o sol a penetrem. - N'um livro desta natureza não se póde dar maior extensão a este objecto, mas os nossos agricultores podem consultar a Memoria sobre a cultura das oliveiras de Dalla-Bella, a de Baeza, o conde de Gasparin no seu curso de agricultura, e Mr. Bernard na sua Memoria sobre as oliveiras.

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1636. Adubos e lavores. Os olivaes querem-se estercados, ou annualmente, ou de dois em dois annos: é nos principios do outomno que mais convem adubal-os, porque é neste tempo que a oliveira precisa de mais substancias nutritivas para completar a maturação do fructo. Convem a esta planta toda a casta de estrumes, mas principalmente os animaes bem curtidos, misturados com caliça, escombros de edificios, e mesmo carbonatos de cal, se os terrenos não forem demasiadamente calcareos. Apenas os estrumes se estenderem no terreno, devem ser enterrados com um ferro de arado. Não ha talvez arvore nenhuma que peça tantas lavouras, e que as agradeça tão fielmente como a oliveira. Os antigos não se contentavam em lavrar uma vez cada anno o olival, mas davam-lhe quatro ferros; o 1.º apenas a colheita se acabava; o 2.º desde o primeiro de janeiro até meiados de fevereiro; o 3.º logo depois da fecundação; o 4.º, finalmente, pelo mez de agosto. Tantas lavouras, poderão parecer demasiadas aos nossos lavradores, que querem quasi sempre boas novidades sem grande fadiga - mas é certo que aquelles que as derem, todas quatro, ou, pelo menos, a primeira e a terceira, hão-de tirar dellas um grande proveito. E ainda conviria muito que no principio do inverno a terra fosse amontoada em torno do tronco da arvore, para a resguardar dos frios e das geadas, e que no principio da primavera se lhe fizesse o que se chama caldeira, para que as agoas pluviaes alli se demorem, e deixem as muitas substancias nutritivas que levam comsigo ou suspensas, ou dissolvidas, e tambem para que lhes sirvam de rega. É assim que procede quem quer ter boas oliveiras, e quem deseja recolher o dobro, e ás vezes o triplo da novidade das que são malcuidadas. - É na verdade lastimoso vêr o desprezo com que são tratados a maior parte dos nossos olivedos. E que póde o agricultor esperar de um tal tratamento? a escassez do fructo, a ruina da arvore, enfermidades desastrosas, e uma morte prematura. Tambem se compararmos as oliveiras de Traz-os-Montes, e Castelbranco, cujo tratamento é mais regular, com as das provincias do sul do reino, onde é geralmente detestavel, encontraremos uma immensa differença na robustez das arvores, e na qualidade e quantidade do fructo.

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1637. As norças provenientes de semente precisão ser enxertadas, assim como os zambugeiros, que nascem frequentes vezes espontaneos nos olivaes, e nos campos. Tambem muitas vezes enxertamos certas variedades de oliveiras em outras que temos por menos estimaveis, para assim obtermos uma maior abundancia, e uma melhor qualidade de fructos. Em todos estes casos servimo-nos ou do enxerto de corôa, ou do de flauta, ou finalmente, do de borbulha. Os dois primeiros processos são preferiveis quando as prumagens tem grande desenvolvimento, e o ultimo quando enxertamos no viveiro as arvores que alli foram semeadas.

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1638. Colheita. A colheita das oliveiras não deve deixar-se para muito tarde. Posto que seja reconhecido que quanto mais madura estiver a azeitona, tanto maior copia de azeite produz, ha todavia razões muito attendiveis, que nos obrigam a antecipar um pouco a sua apanha com relação á epoca da sua completa maturação, que por desgraça não se verifica toda simultaneamente. Estas razões são as seguintes: - as oliveiras estão expostas aos vexames de um grande numero de exactores, que vivem em grande parte á custa dos seus productos. Umas vezes são bandos de passaros que dizimam severamente o seu fructo, taes como os tordos, os estorninhos, os merlos, as gralhas, &c.; outras vezes são animaes da nossa especie ainda mais damninhos, que vivem do que furtivamente apanham pelos campos; outras vezes finalmente, é a acção destruidora das estações; os ventos, as geadas, as chuvas, e as seccas, que gafam o fructo, que o derribam por terra, onde uma parte apodrece, e a outra é enterrada, ou levada pelas correntes de agoa.

1639. As azeitonas destinadas á conserva, devem ser colhidas antes da maturação, e na occasião em que começam a mudar de côr. Quando as azeitonas são derribadas á vara, então é conveniente proceder ao apanho o mais tarde possivel, para que a arvore soffra menos com este detestavel processo. Se, porém, forem ripadas, ou apanhadas á mão, nesse caso deve fazer-se mais tarde a colheita, mas não tanto que nos exponhamos aos damnos que acabamos de referir.

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1640. O barbaro systema de varejar as oliveiras, que, por desgraça dellas e do reino, é muito geral na maior parte das nossas provincias, deve ser desterrado como um flagello destruidor. Os fazendeiros não conhecem talvez todo o prejuizo que lhes resulta deste pessimo costume. Em primeiro logar a azeitona, fustigada pelo varejo, é magoada e ferida não só pela vara, mas tambem pela velocidade da sua queda, o que dá origem á sua fermentação e decomposição putrida, com grave detrimento da boa qualidade do azeite; em segundo logar as oliveiras ficam depois do varejo n'um estado deploravel, com muitos ramos partidos, com a sua copa desfigurada, cheias de contusões e de feridas, e com os renovos quasi todos destroçados; sendo ainda para notar que quanto mais copada é a arvore mais destroçada fica; por isso que, não deixando despojar-se tão bem, leva por isso maior somma de varadas. Sabe-se, porém, que é nos renovos do segundo anno, que o fructo desta arvore se desenvolve, e que estes, tendo apenas um anno na epoca do varejo, são quasi todos victimas desta absurda flagellação: e daqui provem que os olivaes sujeitos a ella só dão novidades biennaes; isto é, tem um anno de safra e outro de contra safra, como vulgarmente se diz.

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1641. A azeitona não deve, portanto, ser varejada, mas ripada ou apanhada á mão. Só assim se podem ter arvores robustas e sãs, e novidades annuaes que satisfaçam o agricultor. Este processo não é, além disto, mais dispendioso do que o primeiro, como tem sido demonstrado por alguns agronomos; e senão, façam os nossos agricultores a experiencia, e ella os esclarecerá sobre os seus verdaderos interesses.

1642. Enfermidades. Poucas arvores estão sujeitas a um tão grande numero de enfermidades como as oliveiras. Nós só podemos apontar aqui as principaes, que são a gafa, o arejo, e varias affecções verminosas.

1643. A gafa manifesta-se na epoca da maturação do fructo, cuja parte carnosa ou sarcocarpo se altera, perdendo a sua consistencia e desfazendo-se á menor pressão - esta alteração morbida do fructo é acompanhada de outra, que simultaneamente ataca uma parte dos tecidos verdes, que murcham, amarellecem e morrem. Esta molestia é muito frequente no reino, principalmente nos annos de novidade cheia; verifica-se quando o mez de outubro e novembro corre abafadiço e nublado. O unico paliativo conhecido contra esta enfermidade é proceder á apanha immediatamente que a molestia se manifesta, ainda que a azeitona não esteja inteiramente sazonada; pondo em pratica este meio não só se aproveita uma parte, ainda que pequena, da novidade, mas tambem se evita o maior estrago na arvore.

1644. O arejo (sideratio) manifesta-se pelo dessecamento da azeitona, que engilha e cae por terra, reduzida a sua parte carnosa a uma atrofia quasi completa. A arvore soffre tambem simultaneamente nas suas folhas e nos seus ramos, que seccam em grande parte: a sua lesão é tão grande que ainda no anno seguinte não fica em estado de dar fructo. Não se conhece remedio curativo contra esta enfermidade; mas acredita-se geralmente entre os agricultores que a poda e as lavouras são um excellente meio preventivo.

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1645. As molestias verminosas das oliveiras são causadas por varios insectos, os mais notaveis dos quaes são os seguintes:

1.º Um kermes, a que se tem dado o nome de psyllo da oliveira, que produz sobre os ramos e folhas uma especie de lanugem, conhecida entre os agricultores pelo nome de cotão, que obsta ao desenvolvimento da flor, e, por consequencia, do fructo. Não se conhece remedio contra a enfermidade produzida por este insecto.

2.º A tinea oleolla, especie de traça, a cuja larva se dá o nome de lagarta mineira, a qual, desenvolvendo-se na base da azeitona, fura, segundo Bosch, a polpa, introduz-se no caroço pelo canal que dá passagem aos vasos seivosos, acouta-se dentro da sua cavidade, e fixa-se na amendoa, de cuja substancia se nutre até chegar o tempo da sua metamorphose. A azeitona assim corroída cae antes da sua completa maturação. - É tambem desconhecido o modo de tratar esta enfermidade.

3.º A mosca da oliveira (daucus oleae), a qual apparece no mez de setembro esvoaçando em torno das oliveiras para fazer a postura dos seus ovos dentro da substancia carnosa das azeitonas, furando para este effeito um grande numero dellas com a ponta do seu abdomen, e deixando um ovo em cada uma; este ovo, desenvolvendo-se, dá origem a uma pequena lagarta, que vive á custa do fructo que vai pouco a pouco devorando. Tambem se não conhece remedio contra este mal. Mr. Guerin Meneville recommenda um meio, que já tinha sido suggerido por Mr. Lardier, e consiste em colher as azeitonas apenas se reconhece que estão picadas, porque ainda que dêem menos azeite, não o dão infectado, como acontece quando se colhem mais tarde.

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4.º O coccus oleae, a que alguns tem dado o nome de kermes rôxo, insecto da familia das cochenilhas, que produz a terrivel molestia da ferrugem. A femea deste insecto é similhante a um grão de pimenta cortado pelo meio e alguma cousa alongado; tem na sua primeira idade uma côr avermelhada deslavada; engrossa depois, achata-se, e adhere neste estado aos renovos mais viçosos e tenros da planta. É ahi que faz a sua postura, e põe mais de dois mil ovos, que formam uma especie de pó subtil. Estes ovos ficam de incubação debaixo do proprio corpo do insecto, até que se desenvolve esta immensa prole. Passado pouco tempo vêem-se os novos insectos percorrer aos milhares por todas as folhas e ramos da oliveira; depois de vagarem por algum tempo fixam-se onde o julgam melhor, mas sempre nos tecidos mais tenros e verdes, onde estão chupando incessantemente uma grande copia de seiva, parte da qual lhes serve de nutrição, e a outra parte, extravasando-se e misturando-se com os seus proprios humores excretorios, fórma um inducto viscoso de côr ferruginosa, que reveste as folhas e os renovos da planta, embaraçando-os nas suas funcções, e complicando deste modo a molestia.

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1646. O unico remedio, ou antes paliativo de alguma efficacia contra esta devastadora enfermidade, é o decote das arvores, ou uma poda muito curta, que não deixe mais do que quatro ou cinco ramos bem rebaixados, os quaes devem em seguida esfregar-se com brochas ou escovas molhadas em agoa de cal ou vinagre, queimando-se ao mesmo tempo toda a lenha e ramagem que tiver sido cortada: além desta poda tambem se tem aconselhado boas e frequentes lavouras.

1647. Alguns agronomos entendem que o coccus não é a origem, mas o effeito da molestia, suppondo que a sua verdadeira causa está no vicio, que denominam fulomania, que é sempre resultante de um estado plethorico, ou de uma grande superabundancia de seiva; a qual, exsudando e derramando-se á superficie dos tecidos verdes, fornece aos insectos condições adaptadas ao seu desenvolvimento. Mas esta opinião não nos parece fundada; primeiramente, porque o apparecimento do insecto parece ser anterior á enfermidade, ou, pelo menos, aos seus symptomas apparentes; e em segundo logar, porque fortes razões da analogia nos levam a suppôr que esta enfermidade reconhece a mesma causa que a maior parte das que accommettem as arvores; e nós sabemos que uma grande parte das lesões destes seres vivos são devidas aos estragos e irritações causadas por insectos, que são, como se sabe, um apanagio dos seres vegetaes, onde se alvergam, se nutrem e reproduzem.

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1648. Os que seguem, porém, aquella opinião julgam que o tratamento que deve oppôr-se á moléstia é, além da sangria, uma poda efficaz, e lavouras repetidas. Felizmente, havendo diversidade de opiniões no modo de classificar a molestia, não a ha em quanto ao tratamento, por quanto a sangria, a poda e os lavores repetidos tambem são aconselhados pelos que suppoem que a molestia é verminosa, e não plethorica.

1649. Cultura da figueira. A figueira (ficus carica), da familia dos urticêas, é uma planta oriunda da Asia, que acompanha a oliveira em toda a extensão da sua região, posto que se encontre um pouco mais além do seu limite para a banda do norte. A figueira doméstica parece ter sido cultivada desde o começo das primitivas sociedades. Nas santas escripturas falla-se desta arvore como sendo muito frequente na terra da promissão. Coeva na Grecia com as mais antigas republicas, é anterior na Italia á edificação de Roma.

1650. O fructo da figueira entra por muito no regimen alimentar dos povos meridionaes. Durante quatro ou cinco mezes os figos são um grande recurso para estes povos, e offerecem ás classes mais pobres um alimento sadio e saboroso, que nem por ser vulgar é desdenhado na meza dos ricos; antes é ahi mesmo considerado como um precioso regalo. Foi depois de o haverem saboreado que os barbaros do norte se precipitaram sobre o meio dia da Europa!

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1651. Ha um numero consideravel de especies e de variedades de figos: este estudo foi feito por M. de Suffren, que na sua monographia, infelizmente perdida para a sciencia, descrevia e figurava 360 variedades cultivadas na Provença, na Hespanha, e na Italia. Esta planta é muito geral em todo o reino; mas principalmente no Algarve, onde prospera excellentemente; o seu fructo secco e passado é objecto de grande commercio tanto interno como externo. Nós possuimos um grande numero de variedades, que não tem sido, que nós saibamos, até hoje estudadas. Faltam-nos, porém, algumas das mais estimadas no commercio, como são, entre outras, os figos de Smirna e de Valencia, que se vendem por um preço tres ou quatro vezes maior do que os nossos depois de seccos. Seria por isso muito para desejar que estas bellas variedades fossem introduzidas e vulgarisadas nas provincias do sul como objecto de mui valiosa exportação.

1652. Esta planta não é delicada sobre a escolha do terreno; acham-se figueiras em toda a casta de solos desde os mais soltos até aos mais tenazes, e desde os mais frescos até aos mais humidos; entretanto é nos solos mais substanciaes, mais profundos e mais frescos que ellas dão mais abundantes e ricos productos. Diz-se, e com rasão, que a figueira quer ter o pé na agoa e a cabeça ao sol. As suas raizes cravam-se no solo a uma extraordinaria profundidade, sempre que as camadas superiores lhes negam a humidade de que precisam; ás vezes até fazem um longo caminho em oppostas direcções para se irem mergulhar nas fontes, nos cannos e nos poços de agoa. Ha, porém, variedades que supportam mais do que outras a seccura do solo; e estas são as que dão fructos mais sacharinos, posto que menos abundantes; a figueira alvar está, por exemplo, neste caso.

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1653. As figueiras podem multiplicar-se por semente; mas este meio é geralmente regeitado; tambem se propagam, mas só em circumstancias raras, por mergulhia; o processo, porém, de multiplicação geralmente admittido é o da estaca, que tem logar ou no outomno, ou no mez de janeiro. Não nos devemos servir de estacas muito grossas provenientes de ramos antigos, mas sim de estacas de dois dedos de grossura, direitas e vigorosas: estas, depois de preparado o terreno, cravam-se no chão de modo que só o gomo terminal fique fóra do solo. É conveniente entremeiar as figueiras com outras arvores, como são as oliveiras, as amendoeiras, e as videiras. Affirmam alguns agronomos que ellas não medram proximas umas das outras, antes se prejudicam quando as suas raizes se tocam. Quando uma variedade é má, posto que vigorosa, póde enxertar-se-lhe uma boa. Todos os processos de enxertia se podem então empregar; mas os mais convenientes são o de racha e o de flauta.

1654. A poda da figueira consiste apenas na amputação dos ramos que seccam, ou de algum ladrão que por acaso se desenvolve. Quando, porém, esta planta é cultivada nas vinhas ou nos terrenos que se lavram para serem semeados de cereaes, é preciso podar-lhe os ramos inferiores, para que eleve a sua copa; mas neste caso torna-se menos productiva, não só porque o terreno que a alimenta se secca mais facilmente, mas tambem porque a contrariâmos na sua fórma normal, impedindo-a de se abrigar com a sua propria sombra, o que lhe é muito conveniente e agradavel. O solo consagrado a esta cultura deve lavrar-se todos os annos, e estrumar-se, pelo menos, em annos alternados.

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1655. A figueira começa logo aos tres annos a dar fructo, o que é raro n'uma arvore secular como ella; este fructo é um aggregado de flores envolvidas no seu receptaculo commum, e não um fructo propriamente dito. Nos paizes meridionaes chega a adquirir esta planta dimensões gigantescas. Citam-se figueiras do nosso paiz e do litoral do mediterraneo que cobrem uma circumferencia de 11 a 15 metros de diametro, e que produzem mais de 600 libras de figos seccos. A sua tendencia para dar duas novidades é muito pronunciada. Usam em varias partes da caprificação para accelerar a maturação dos fructos. Este processo, porém, vai cahindo em desuso.

1656. Esta arvore tem tambem o seu insecto, que a torna enferma, fixando-se nos ramos e nos fructos, onde lhe chupa os fluidos nutritivos. Este insecto é tambem uma cochenilha, e tem o nome systematico de coccus ficus caricae. Não se tem ainda descoberto meio de destruil-o.

1657. Cultura da açufeifa. A açufeifa maior, ou maceira d'anafega maior (ramnus ziziphus L.), da familia das ramnoideas, é uma arvore susceptivel d'elevar-se a grande altura, que demanda terrenos seccos e fundaveis, e que se propaga de semente. Cultiva-se na nossa provincia do Algarve. Os seus fructos são oblongos, e quasi do tamanho e da fórma de azeitonas. Comem-se frescos ou passados, e neste ultimo estado são objecto de grande commercio por se reputarem muito peitoraes. Ha uma outra especie, conhecida pelo nome de taçufeifa ou anafega menor, que é muito cultivada nos pomares da Estremadura e da Beira.

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1658. Cultura da romeira. A romeira (punica granatum), da familia das myrtaceas, é uma planta natural da Africa, e que foi, segundo se crê, introduzida na Italia pelos romanos na epoca de alguma das guerras punicas, circumstancia que provavelmente deu origem ao seu nome. Foi uma das arvores favoritas dos arabes, que, introduzindo-a na Hespanha, a cultivaram em abundancia quer nos seus pomares como planta fructifera, quer nos seus jardins como planta de ornamento.

1659. Esta planta póde cultivar-se ou solta, ou em espaldeira. A primeira fórma, como a mais natural, é tambem a mais propria a cultura horticola, e a segunda á dos jardins.

1660. A romeira propaga-se de semente, por estaca, e de mergulhia: o primeiro processo é pouco usado, porque a planta proveniente de semente faz-se muito vagarosamente. O segundo apresenta mais vantagens, porque, além de ser bastante efficaz, reproduz facilmente as boas raças; o terceiro é o mais geralmente adoptado, porque, nascendo da raiz d'esta arvore numerosos filhos, ha grande facilidade em os mergulhar, obtendo deste modo um grande numero de plantas vigorosas.

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1661. Esta arvore, quando solta, não demanda grande cultura. Basta que a plantemos em terra de pomar exposta ao meio dia; que a adubemos de quando em quando; que a reguemos uma ou outra vez segundo a necessidade; e que podemos não só alguns dos seus ramos, que nascem por toda a parte bastos e numerosos, como tambem os filhos que nascem das raizes, e que devem considerar-se como ramos ladrões. Esta poda, ou antes limpeza, concorre consideravelmente para o aperfeiçoamento do fructo.

1662. A romeira silvestre tem o fructo acido; mas a cultura creou duas variedades agricolas, que são a romeira de fructo agrodoce, e a de fructo doce. - A romeira de flores dobradas e a anã são antes plantas de jardinagem do que de horticultura.

Arvores e arbustos da região da videira.

1663. Quasi todas as arvores desta região se dão excellentemente na região da oliveira, e prosperam com especialidade no nosso paiz, que é de todos os da Europa o mais susceptivel de uma variada vegetação. Nós só trataremos aqui das arvores daquella região que mais importam á nossa pomicultura.

1664. Cultura da videira. A videira (vitis vinifera L.), da familia das ampelideas, é, como a maior parte das nossas melhores arvores fructiferas, uma planta originaria da Asia, que os processos de cultura tem immensamente modificado nos diversos pontos da sua região.

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1665. O clima do nosso paiz é o mais adaptado possivel á cultura da videira; ella apraz-se em todas as provincias do reino, e produz uma admiravel variedade de vinhos quasi todos exquisitos, e muitos delles conhecidos e estimados em varios paizes do mundo. Os productos desta planta, quer em especie quer manipulados, constituem o nosso mais rico ramo de exportação. A uva ferral, os vinhos do Porto, de Lisboa, de Setubal, da Bairrada, e de outros pontos, são objecto de grande commercio. A uva passada tambem sahe para o estrangeiro, e poderia ser um artigo de muito preço se nas provincias do sul fossem introduzidas as magnificas variedades de Malaga, de Alicante, e de outros pontos da costa do Mediterraneo.

1666. O uso das bebidas fermentadas, se não é uma necessidade da nossa organisação, é, pelo menos, um habito tão identificado com ella, que se torna quasi indispensavel ao regimen alimentar das actuaes sociedades europeas. Estas bebidas, tomadas com parcimonia, excitam o vigor das nossas funcções, e produzem, principalmente nas organisações dos povos do norte, um acrescimo de forças e um sentimento de bem estar, que influe energicamente no bom desempenho dos trabalhos physicos ou intellectuaes. É certamente por esta rasão que todos os povos, e principalmente os do norte, tem procurado prover-se destas bebidas, ou sacharificando as feculas, ou fazendo fermentar os succos dos fructos, que contém uma certa quantidade de assucar. Mas a cidra, a cerveja, e outras bebidas desta natureza, unicas a que podem recorrer as populações que estão fóra da região da vinha, não podem comparar-se com as bebidas alcoolicas que se extrahem da uva; e o vinho supplanta-las-hia n'um momento a todas se livremente podesse concorrer com ellas nos diversos mercados da Europa.

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1667. Os paizes vinicolas seriam muito afortunados se os vinhos, agoardentes, e mais bebidas alcoolicas extrahidas da uva, não fossem tão sobrecarregadas de direitos quasi prohibitivos nos paizes que se acham ao norte ou ao sul da região da videira, que fórma no meio delles uma estreita mas rica zona agricola. Sem estes direitos fôra o nosso bello paiz um pomar e uma vinhateria continuada.

1668. Este systema anti-economico é, todavia, opposto aos verdadeiros interesses das nações que o adoptam, e é a principal causa das grandes crises que tem affligido os paizes vinhateiros - e que continuarão a affligil-os, se principios de uma mais bem entendida liberdade commercial não vierem destruir estes graves embaraços, facilitando a permutação dos productos proprios a cada localidade, e apertando os laços de fraternidade da especie humana, que não devêra formar commercialmente mais do que uma unica familia.

1669. Neste estado de cousas aconselhariamos os nossos agricultores a que andassem com muito tento na nova plantação de vinhas, pois não convem alargar o circulo das culturas viticolas, com quanto a maior parte dos nossos vinhos sejam de boa qualidade, e possam vir a ser muito melhores, havendo uma assisada escolha nas cepas, uma mais acertada cultivação, e uma fabricação mais racional: assumptos estes da maior transcendencia, e que merecem toda a attenção dos districtos vinhateiros.

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1670. Tem a videira as vantagens de se accommodar aos terrenos fracos e quasi improductivos - de subministrar trabalho em todas as estações do anno ás classes operarias - de alimentar diversas artes agricolas, todas de grande importancia - e de não reclamar um grande emprego de estrumes, que podem por isso reservar-se a outras culturas. Todas estas circumstancias a tornam muito recommendavel, mas nem por isso lhe devemos sacrificar as boas terras de pão, o chão proprio para as hortas e para os pomares, os terrenos adaptados á praticultura, e muito menos as margens ferteis dos rios, e as varzeas de solo pingue e substancial. É nas collinas e nas encostas dos montes, nos terrenos soltos, gipsosos, calcareos, e schisto-argilosos, que devemos plantar as nossas vinhas.

1671. Variedades. A cultura tem multiplicado espantosamente o numero da variedades da videira. Já os antigos se achavam embaraçados nesta especie de labyrintho. Virgilio nas suas Georgicas comparou-as metaphoricamente com os grãos de aréa da Libia. Os modernos tem forcejado por elucidar este ponto, mas póde dizer-se que ainda o não obtiveram. O duque Decases chegou a ajuntar mais de 1:300 variedades no viveiro de Luxemburgo. Simon Roxas Clemente, no seu tratado das vinhas de Andaluzia, pertendeu distribuir systematicamente as variedades da videira; mas por fim reconheceu que não era possivel introduzil-as todas dentro de um só quadro. Iguaes embaraços encontrou o conde Odart na sua Ampelographia.

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1672. Este objecto offerece duas grandes difficuldades: a primeira consiste em que as variedades degeneram, ou se transformam com a maior facilidade pela mudança de situação e cultura; a segunda está em que a mesma variedade recebe nomes diversos nas diversas localidades. Na provincia de Traz-os-Montes, por exemplo, a cepa, que em algumas partes chamam malvasia, em outras bem proximas tem o nome de codega; o bacello, que em certos pontos é denominado verdelho, é em outros gouveio; o que uns chamam cercial, chamam-lhe outros folgasão; o que é rabigato por uns, é rabo de asno por outros; o listrão, o negrinho, o baboso, o cachudo, o boal, o arinto, o bastardo, e até o moscatel e o ferral, que tanto se distinguem das outras raças, tem nomes diversos em varias localidades do reino. De modo que se torna quasi impossivel designar as variedades pelos seus nomes triviaes, e sahir deste cahos de confusa e viciosa nomenclatura.

1673. Situação, exposição, e solo. Os logares mais calidos e menos ventosos, os pequenos outeiros, as ladeiras inclinadas ao sul, principalmente estando proximas do mar, dos rios, e das ribeiras, são as situações mais apropriadas á videira. As exposições ao nascente e meio dia, abrigadas dos ventos norte e nordeste, não sujeitas ás geadas da primavera, são tambem as que ella mais ama. Quanto mais o sol se demora sobre a vinha, tanto mais sazonado é o seu fructo. Um calor humido na atmosphera é o mais poderoso agente do seu desenvolvimento. Esta planta, assim como quasi todos as sarmentosas, nutre-se talvez mais do ar do que do solo; as suas folhas cooperam para a absorpção das substancias nutritivas, pelo menos tanto como as suas raizes.

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1674. Os solos siliciosos, graniticos e soltos, com tanto que não sejam nimiamente seccos, os de uma côr escura, os marnosos, calcareos e pedregosos, assim como os schisto-argilosos e micaceos, são os mais proprios á viticultura. Com isto não queremos dizer que a vide não vegete vigorosamente nos terrenos substanciaes e humosos, porque seria desmentir um facto que todos observam quotidianamente; mas queremos affirmar que aquelles solos são os que produzem melhor vinho, e os que devem dedicar-se a esta cultura por esta e por outras razões anteriormente expendidas.

1675. A natureza do subsolo é um objecto a considerar na cultura da videira, visto que esta planta se estende profundamente pelas camadas que o formam. É conveniente que elle seja fresco, e que se deixe facilmente penetrar pelas raizes da planta. Quando o subsolo fôr de rocha, com um grande numero de fendas, ou quando fôr pedregoso, calcaro-silicioso, cretaceo, e quartzoso, a videira prosperará energicamente.

1676. Se quizermos, porém, casar as videiras com as arvores; se desejarmos fazer com ellas espaldeiras ou latadas, já para havermos um parreiral, já para guarnecer os campos, os pomares e as hortas com corrimões ou contra-latadas; e se destinarmos o fructo destas plantações, não á producção de vinho maduro, mas sim á do vinho verde ou á nossa immediata alimentação, nestes casos importa menos a escolha do solo do que a da exposição e situação.

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1677. Plantação da vinha. O bacello póde plantar-se logo depois da vindima nas terras fracas e pedregosas, e sómente em fevereiro e março nas terras fortes, para que as chuvas o não deteriorem. Se o terreno onde queremos fazer a plantação for inculto, convem previamente roteal-o, ou, pelo menos, dar-lhe duas ou tres lavras profundas.

1678. Devemos plantar o bacello em fileiras, com a direcção de norte a sul, que guardem entre si a distancia de 5 a 9 palmos. Columella recommenda que esta distancia seja de 7 palmos nas terras magras, de 8 nas mediocres, e de 10 nas fortes. Mas esta distancia deve ser subordinada ao caracter e ao destino que queremos imprimir á vinha; porque, se a quizermos amanhar com o arado, ou antes com a charrua vinhateira, deverão as fileiras ficar de 8 a 9 palmos de distancia; e se pelo contrario houver de ser amanhada á enxada, basta que tenham de 5 a 7, conforme a natureza do terreno; e do mesmo modo, se o solo fôr destinado a culturas agricolas ou hortenses, nos intervallos das linhas das videiras, é preciso que estas sejam duas ou tres vezes mais distantes do que no caso contrario em que o solo é exclusivamente destinado á viticultura. Estes dois systemas, podendo ter vantagens e desvantagens segundo a natureza do terreno e de vinho que elle produzir, devem ser muito escrupulosamente pezados pelo agricultor.

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1679. Mas não basta pôr os bacellos em linha; é necessario espaçal-os igualmente, de modo que as distancias a que ficarem uns dos outros sejam iguaes áquellas que as fileiras guardam entre si.

1680. Os bacellos devem ser grossos e vigorosos, de madeira bem sasonada, e de casca unida e luzidia. Se quizermos fabricar vinhos ordinarios para o consumo geral, devemos procurar as variedades que derem maior quantidade de uva: se, pelo contrario, a localidade fôr propria para vinhos generosos, devemos antes attender á qualidade do que á quantidade do fructo. - Sobre este ponto ha grande desmazello na maior parte das provincias do reino; e se nas vinhas que ultimamente hão sido plantadas, tivesse havido uma boa escolha de cepas, mandando-as vir de Xerez, de Malaga, da Madeira, e mesmo de varios pontos do reino, nós poderiamos levar aos mercados estrangeiros os vinhos mais selectos e primorosos do mundo. Os viveiros publicos, mandados instituir por conta do Estado, seriam, pelo que respeita á viticultura, uma grande providencia agraria.

1681. Geralmente o lavrador não deve tirar o bacello das vinhas novas, nem das muito velhas e estercadas. - Se tiver bons vidonhos na sua localidade não os deve ir buscar fóra - não convem que o bacello venha de sitio mais quente para mais frio, nem de terra melhor do que aquella onde ha-de plantar-se. Tambem não devemos plantar na mesma vinha bacellos cuja maturação se verifique em epocas muito distantes, para que na occasião da vindima esteja o fructo bem sazonado e todo por igual.

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1682. A plantação do bacello póde fazer-se em covas ou em vallas, segundo as diversas circumstancias do terreno. Este ultimo processo é mais expedito e economico, e por isso preferivel. A profundidade das vallas deve ser regulada pela natureza mais ou menos humida do solo. Os bacellos podem ter raizes, e então tem o nome vulgar de barbadas, e podem não têl-as, e nesse caso chamam-se bacellos propriamente ditos, ou bacelleiras. As barbadas plantam-se apenas se arrancam, e depois de haverem sido despojadas dos nós e das raizes pouco sadias: devem preferir-se aos bacellos nos terrenos fortes e humidos. Tambem os bacellos devem plantar-se quanto antes; mas como isso não é sempre possivel, enterram-se até á ametade do seu comprimento, ou abacellam-se, como geralmente se diz; e neste caso mergulham-se em agoa duas ou tres horas antes de se plantarem.

1683. Quando fundamos uma vinha, devemos desde logo plantar nella tres ou quatro das melhores variedades de videiras; mas é preciso plantar cada uma destas variedades em taboleiros diversos: seguem-se desta pratica muitas vantagens, sendo as principaes colher sempre uva bem sazonada, fazendo a vindima em epocas diversas, e alcançar qualidades tambem diversas de vinho, a que poderemos dar destinos apropriados.

1684. A vinha, em quanto nova, tem uma cultura especial. No primeiro anno cortam-se os bacellos, e deixam-se dois ou tres olhos á superficie do terreno; mas esta operação deve ser feita em tempo enchuto, e quando se não temam nem neves, nem geadas. Cava-se depois a vinha em tempo enchuto, antes que o bacello comece a abrolhar, para que o calor penetre até ás suas raizes, e promova o seu desenvolvimento. Depois desta cava póde aproveitar-se o terreno semeando algumas plantas annuaes, como favas, ervilhas, &c., que devem enterrar-se apenas colhido o fructo. Dá-se depois segundo lavor quando já os pimpolhos tem bastante fortaleza, e este lavor não só aproveita aos bacellos, mas ás plantas semeadas. Deve-se em seguida esladroar quando os pimpolhos se apresentarem bastantemente vigorosos, deixando-se sómente dois para se cortar algum tempo depois o mais debil delles.

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1685. No outomno que se segue ao da plantação, pratica-se a escava, e cortam-se as raizes superficiaes; e no fevereiro seguinte faz-se a poda, que consiste em deixar um só pollegar com dois olhos; esta, e as podas seguintes devem ser curtas, para que a seiva, refluindo para as raizes, active o seu desenvolvimento.

1686. No segundo e terceiro anno recebe a vinha a mesma cultura, com a differença que não devemos neste ultimo anno semear vegetaes alguns na primavera, podendo todavia semear no outomno nabos e favas, cujos fructos já podem estar colhidos quando os bacellos principiam a rebentar.

1687. No quarto anno já a poda diversifica, porque em vez de um só pollegar com dois olhos que deixamos nos annos antecedentes, já podemos deixar dois pollegares cada um tambem com dois olhos, e se o bacello fôr robusto, uma vara mais acima com cinco. No quinto anno, e d'ahi por diante, já a bacellada se considera como vinha feita, e então recebe o tratamento que vamos indicar.

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1688. Governo da vinha. Os trabalhos que annualmente se praticam nas vinhas, são a poda, a ampa, os lavores, o esladroamento, a desfolha, e a vindima; diremos alguma cousa sobre cada um delles. (*)

1689. Poda. Os principios que regulam a poda da videira, são um pouco diversos dos que regulam a das outras arvores. Ha no modo de vegetação da videira um facto que modifica essencialmente este processo; este facto especial e privativo desta planta, é a formação simultanea do fructo, e do ramo que o sustenta. Em quasi todas as mais arvores fructiferas, apparece primeiro um ramo sahido de um gomo folhear, o qual dá depois origem a gomos, e por consequencia a novos ramos, uns folheares, e outros de fructo, donde resulta que os ramos fructiferos são sempre precedidos dos folheares: na videira, porém, não se dá esta precedencia, porque o mesmo olho é folhear e fructifero ao mesmo tempo, porque dá origem a um ramo que sustenta simultaneamente, e no mesmo anno folhas e fructos.

(*) Neste artigo do governo da vinha procuramos resumir as idéas praticas do nosso illustre mestre o Sr. Constantino Botelho de Lacerda Lobo, expendidas na sua excellente memoria sobre a Cultura das vinhas de Portugal, para a qual remettemos os nossos cultivadores, que quizerem adquirir mais extensos conhecimentos nesta materia.

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1690. Deste facto resulta que o fructo nesta planta não deve estar na razão do numero dos ramos dos annos antecedentes, mas sim do numero, e principalmente da robustez dos olhos que brotarem desses ramos, porque são esses olhos os que encerram, como já vimos, os rudimentos da fructificação.

1691. Mas se o ramo, e o fructo começaram a desenvolver-se simultaneamente, segue-se, como muito bem observa Bixio, que o cacho só póde adquirir a sua perfeita madureza quando o ramo se achar completamente sazonado; e é por isso que os vinhateiros dizem que o cacho e o ramo amadurecem juntos.

1692. São duas as consequencias que se tiram destes factos, a primeira é que a videira, abandonada a si mesma, deve produzir um grande numero de fructos, mas desmedrados, e mesquinhos - e a segunda que para anteciparmos o amadurecimento do cacho, devemos provocar o do ramo por meio de uma poda severa e curta, a qual nos dará, além deste resultado, o de produzir menos olhos, e por isso menos ramos fructiferos, ou menos fructos, mas muito mais formosos, e bem creados.

1693. A videira, segundo observa o conde de Gasparin, tem uma propensão natural para se elevar, e ramificar antes de dar fructos: e quando se deixa abandonada a si mesma, nota-se que dos primeiros ramos nascem outros, muitos dos quaes são, ou horisontaes, ou pendentes; e que é destes que os fructos procedem, donde se collige a necessidade de uma poda curta nesses primeiros ramos, para vigorisar os que nascem delles, ou debaixo de um angulo recto; isto é, os horisontaes, ou debaixo de um angulo obtuso; isto é, os pendentes. Tambem se tem notado que as longas varas não só esgotam a planta, mas até a tornam infructifera, porque consumindo a seiva, não a deixam empregar no desenvolvimento dos olhos que dão origem ao fructo, donde tambem se collige a necessidade de cortar severamente essas varas.

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1694. Estes principios servem de esclarecimento ao processo da poda que vamos descrever.

1695. Esta operação é tão necessaria nas vinhas baixas, que deixando de praticar-se, morrem as videiras esgotadas dentro de algum tempo. Nas vinhas altas de embarrado ou enforcado, e nas de latada não acontece inteiramente o mesmo; porque nestas podem as videiras deixar de ser podadas durante alguns annos sem se esgotarem, mas então as uvas nunca amadurecem completamente, e o vinho é ruim, verde, e de pouca duração.

1696. Nunca se deve praticar a poda sem que as varas estejam completamente maduras; esta operação póde começar-se logo depois da vindima, se o clima fôr temperado, e não houver motivo a recear que sobrevenham neves, ou geadas - o tempo mais geralmente conveniente á operação da poda, é o do mez de fevereiro; não se deve, porém, proceder a esta operação em dias chuvosos, assim como nas primeiras horas da manhã antes de dissipados os orvalhos.

1697. A poda traz immediatamente comsigo as seguintes vantagens: 1.ª faz com que as videiras lancem varas mais vigorosas; 2.ª diminue a quantidade, mas melhora a qualidade do fructo; 3.ª economisa as forças vegetativas da planta, e fal-as convergir aos ramos fructiferos; 4.ª faz com que a uva amadureça toda, e com mais antecipação; 5.ª renova a cepa, remoça-a e conserva-a baixa, o que concorre para a completa maturação do fructo, para a boa qualidade do vinho, e para a maior duração da mesma cepa.

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1698. Nesta operação nunca devemos perder de vista o seguinte: 1.º a escolha das varas donde ha-de provir o fructo da novidade immediata; 2.º a escolha daquellas que o hão-de produzir no anno seguinte; 3.º a conservação da planta. - Para obter estes tres fins, é preciso que attendamos ao gráu de força da cepa, para bem calcularmos o numero de varas que devemos deixar - á natureza do terreno, porque sendo rico e substancial, podemos forçar a planta a uma maior producção, deixando-lhe mais varas, e mais compridas, sem risco de a depauperarmos - á distancia que separa as cepas, porque esta distancia sendo consideravel, substitue até um certo ponto a riqueza do terreno - á maior ou menor novidade do anno, ou annos antecedentes, porque a poda que se seguir a annos de grande producção deve ser mais rigorosa; isto é, devemos deixar menos varas, e mais curtas, para poupar e restabelecer as forças da planta - ultimamente, a maior ou menor elevação, e seccura do terreno, porque nos terrenos elevados, magros, e seccos devemos conservar as videiras baixas, o que se consegue pela poda curta; e isto não só para que as cepas tenham mais duração, mas tambem para que o fructo seja mais aprimorado; e nos terrenos baixos e substanciosos, devemos deixar as videiras altas pelas razões contrarias.

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1699. O numero e o comprimento das varas devem, portanto, accommodar-se ás forças da videira e á natureza do terreno; advertindo, porém, que é melhor deixar a uma videira, que póde com duas varas, uma sómente, do que deixar tres áquella que não póde senão com duas: o comprimento das varas é medido não pela sua extensão, mas pelo numero dos olhos. A poda mais geralmente adoptada é a de vara. Em algumas localidades costumam sómente deixar a cada videira tres ou quatro pollegares ou terções com o mesmo numero de olhos que ficariam nas varas.

1700. Quando no braço de uma videira ficarem duas varas é conveniente que não fiquem do mesmo lado, mas defronte uma da outra. Não são sempre as varas mais vigorosas que se deixam: o podador que assim procedesse teria um ou dois annos muito fructo, mas arruinaria infallivelmente a vinha. Esta é geralmente a pratica dos rendeiros, que lhes importa mais a novidade durante os annos do arrendamento, do que a duração da vinha, que lhes não pertence; e é por esta razão que as vinhas ou não se devem arrendar, ou só a longos prasos.

1701. Por modo nenhum convem que deixemos as varas muito distantes da cepa velha para não levantar demasiadamente a videira, cahindo assim nos inconvenientes já notados. Se acontecer, como é frequente, faltar a vara da poda no logar proprio, vale mais deixar nesse anno e nesse mesmo logar um pollegar ou guarda, do que ir buscar a vara mais grossa e comprida, que muitas vezes sómente se encontra na ponta da vara velha. É verdade que procedendo assim não teremos grande novidade esse anno; mas vale mais perder o fructo do que a videira.

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1702. Se fôr necessario repovoar a vinha devemos fazêl-o empregando o processo da mergulhia, que é expedito, seguro, e o mais geralmente usado; e neste caso, em vez de cortar as varas velhas do anno antecedente, deixal-as-hemos com duas das suas novas ramificações, que nos servirão de mergulhões. Este processo povoa rapidamente a vinha, sem desde logo lhe diminuir a novidade; porque a videira, que dá mergulhões, nem por isso dá menos uva durante o tempo da sua amamentação.

1703. Devemos amputar severamente todas as varas que nascerem junto ás raizes da cepa, considerando-as como outros tantos ladrões; e só deixaremos de proceder assim se a sua presença fôr inteiramente indispensavel á conservação da videira; isto é, se não tivermos outras para deixar em seu logar. Do mesmo modo e com a mesma severidade se devem amputar todas as varas que se apresentarem desmedradas, malnascidas, e tortas, que devem considerar-se como parasitas destinadas a comer e não a fructificar. Quando as varas ficarem a maior distancia da cepa do que convem, deve deixar-se um guarda ou pollegar, com a intenção de o transformar em vara de fructo no anno seguinte: quando cortarmos o pollegar devemos fazer o golpe a meia distancia dos dois olhos, ou, o que é o mesmo, na parte media do entrenó; porque, quando o córte é feito muito proximo do olho, ha para este grande risco de destruição, se sobrevem chuvas, geadas, ou nevoas.

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1704. Acontecendo muitas vezes não se encontrar vara capaz para a formação do pollegar, será então necessario deixar algum pequeno ramo, ou nó, que prometta algum futuro lançamento.

1705. Os golpes da podôa ou do segador (podôa aperfeiçoada) não devem ser circulares e horisontaes, mas sim ovaes e inclinados, ou a soslaio, a fim de que a agoa se não detenha no córte, e penetrando pela medula não vá destruir os gomos.

1706. As videiras, dispostas em latada ou espaldeira, e em contra-latada ou corrimão; assim como as de embarrado ou enforcado tem um methodo parlicular de poda, posto que subordinado ás regras que expozemos. O methodo adoptado em alguns pontos de França, e usado, desde muito tempo, em Thomery, é tão racional que, segundo nos parece, deve provar excellentemente no nosso paiz. - Suppondo que temos uma videira a educar desde a sua primeira edade, eis-aqui o methodo que devemos seguir:

1707. No primeiro anno poda-se a primeira vara na altura de meio palmo acima da terra, e acima duas pollegadas de dois olhos proximos, que são os unicos que se deixam, esladroando algum mais inferior se por acaso apparece; estes dois olhos, desenvolvendo-se, formam os dois braços lateraes da videira, que se deixam crescer á vontade: no anno seguinte podam-se estes dois braços a meio palmo de altura, deixando tres olhos a cada um; os lançamentos provenientes destes tres olhos tem o seguinte destino: os quatro mais inferiores são destinados a produzir varas lateraes, e os dois superiores a continuar os braços. No terceiro anno faz-se a terceira poda, e deixa-se a cada uma das varas lateraes dois olhos, e ás superiores, que continuam os braços, tres; destes tres olhos resultam tres varas, que devem, no anno seguinte, ser tratadas como as primeiras. Este methodo póde soffrer algumas modificações segundo as circumstancias, mas em todo o caso quanto menos nos affastarmos delle tanto melhor procederemos. - Todo o segredo desta poda, e geralmente da poda da videira ou alta ou baixa, está em interromper frequentes vezes o curso rectilineo da seiva, obrigando-a a seguir direcções successivamente obliquas, as quaes quanto mais se aproximarem do angulo de 60 gráus, tanto melhor será. Deste modo a seiva não é dispendida na evolução das varas, ou dos sarmentos centraes, que são quasi infructiferos, mas sim dos lateraes, que são os que dão os pimpolhos mais abundantes em fructo.

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1708. Empa. Como a vide é uma planta trepadora, não é possivel sustentar-se no ar sem que se apoie n'um tutor ou esteio; o que torna indispensavel a operação da empa, a que tambem se dá o nome de erguida em algumas partes do reino.

1709. O tempo mais proprio para esta operação é antes de rebentarem as videiras, porque depois desta epoca destruir-se-hiam muitos pimpolhos no acto de vergar e atar as varas quer seja ás cepas, quer ás estacas. Além de que, como a empa é tambem destinada a fazer rebentar os olhos mais prestadios de preferencia a outros menos importantes, é preciso que se faça antes da epoca indicada.

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1710. Ha dois methodos principaes de empar as vinhas, e são ou enrolar as vides ás cepas, ou atal-as ás varas. Quando nos servimos do primeiro methodo encurvámos as vides em fórma de semicirculo, e prendemos as pontas á cepa da propria videira; mas é preciso dispôr as vides de modo que os olhos mais visinhos da cepa fiquem na parte mais levantada da vara depois de enrolada, para que destes olhos rebentem as varas da poda; por quanto é sabido que os olhos mais verticaes são os que attrahem maior quantidade de seiva, e os que rebentam, por esta razão, com mais anticipação e força.

1711. Este modo de empar não se oppõe á boa conservação da videira, nem á boa qualidade do fructo, e póde por isso adoptar-se onde as estacas forem difficeis de alcançar.

1712. O segundo methodo é preferivel ao primeiro, posto que seja mais dispendioso. Consiste em atar as varas ás estacas que estão cravadas junto das cepas. Devemos, porém, no acto de atar as varas, curval-as um pouco, ou, como dizem os vinhateiros, gemel-as, para que a seiva seja obrigada a refluir para os olhos inferiores, e para que estes olhos, que são os mais visinhos do tronco, fiquem sempre na parte superior, para serem os primeiros a desenvolver-se, com o intuito de termos no anno seguinte boas varas de poda, sempre baixas e vigorosas como convem.

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1713. As estacas de que nos servirmos devem ser seccas para poderem sustentar as varas quando carregadas de fructo, e inflexiveis até um certo ponto para não vacilarem com a violencia do vento, ou não encurvarem com o pezo da uva.

1714. Lavores. Posto que a videira se nutra em grande parte das substancias alimenticias absorvidas do ar pelos seus tecidos verdes, nem por isso deixam as suas raizes de concorrer efficazmente para esta nutrição; e então é mister esterroar muito bem as terras por meio de repetidas lavouras, para que possam aproveitar-se da acção fertilisante dos meteoros.

1715. Estes lavores podem ser operados ou por meio da charrua vinhateira, ou por meio da enchada: em o nosso paiz só é usado este ultimo methodo; mas é conveniente que o primeiro seja conhecido, porque é mais expedito e economico.

1716. O emprego da charrua suppõe a plantação em linhas ou fileiras; e estas distantes umas das outras de 8 a 9 palmos, cortando-se em angulos rectos, como atraz indicámos.

1717. São tres os lavores que se operam com a charrua: o primeiro dá-se no mez de fevereiro nos paizes mais temperados, como a Italia, a Hespanha e a Provença, onde é muito vulgar este modo de agricultar as vinhas - o segundo dá-se no mez de abril - e o terceiro no mez de maio.

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1718. No primeiro abrem-se seis sulcos em cada intervallo de 8 palmos, n'uma das direcções das linhas de plantação, começando junto das fileiras das cepas, indo tres vezes e tornando outras tres de norte a sul e de sul a norte, se esta fôr, por exemplo, a direcção das linhas; dá-se depois um rego de leste a oeste, e outro de oeste a leste ao longo das fileiras das cepas que cortam perpendicularmente as primeiras; arrasa-se finalmente a terra amontoada em torno das cepas pela acção da charrua, e fica completo este primeiro lavor.

1719. No segundo operam-se quatro novos regos, dois de leste a oeste, e dois de oeste a leste, parallelos aos dois já operados no primeiro lavor, e ficam estes novos intervallos lavrados como os primeiros, restando sempre o sulco do meio aberto, como no lavor antecedente.

1720. O terceiro lavor é composto de seis regos, tres de norte a sul, e tres de sul a norte; e a vinha fica por este modo tão bem fabricada como se houvera recebido duas ou tres cavas.

1721. Usando da enchada temos de cavar as vinhas como é uso entre nós. A primeira cava é dada, nos paizes temperados, por todo o inverno até ao principio de fevereiro; mas nos paizes mais frios, onde as neves e as geadas são frequentes, só deve cavar-se passado o inverno: naquelles terrenos, porém, que forem humidos e tenazes só póde cavar-se desde o fim de abril até ao principio de junho. É na occasião desta primeira cava que devemos estercar as vinhas nos annos em que este beneficio se tornar necessario. Não devemos, porém, usar senão de estrumes vegetaes e vegeto-animaes bem elaborados e curtidos.

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1722. A segunda cava, que em alguns pontos do reino denominam arrendar, e em outros redrar, deve ser feita antes da floração, mas muito proxima desta epoca, para que o movimento que então se imprime ás videiras e o pó que se levanta da terra não transtornem a fecundação de que depende o desenvolvimento do fructo; sendo ainda por esta razão que o agricultor deve abster-se quanto fôr possivel de entrar na sua vinha durante aquella epoca da floração. Se os terrenos, porém, forem humidos e argilosos, é melhor proceder á arrenda quando as uvas começam a amadurecer.

1723. Em algumas partes do reino procede-se ainda a uma terceira cava, que deve operar-se algum tempo antes da maturação; mas na maior parte dos districtos viticolas contentam-se com as duas já mencionadas, que são na verdade sufficientes na generalidade dos casos.

1724. Na execução desta operação é preciso adoptar-se as seguintes precauções: 1.ª não offender as raizes das cepas; 2.ª operar de modo que as hervas fiquem bem enterradas; 3.ª amontoar a terra para que o terreno adquira uma mais elevada temperatura pela acção reflectida dos raios solares, e para que fique melhor actuado pelas influencias meteoricas.

1725. Esladroamento e desfolha. Esladroar é supprimir os renovos ou os olhos inuteis: esta suppressão tem muitas vantagens, porque concentra a seiva nos ramos fructiferos, deixa que a videira goze melhor da acção do calor, e que os seus fructos amadureçam mais facil e completamente.

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1726. É antes ou depois da florescencia que esta operação deve fazer-se. Os renovos que se supprimem são os mal nascidos, os que brotam entre os braços da cepa ou no seu tronco, e os que nascem em numero de dois ou tres do mesmo ponto. Estes devem, ou supprimir-se todos, se por ventura se apresentarem infesados, ou sómente dois, deixando neste caso o mais vigoroso dos tres. Finalmente tambem se devem supprimir alguns ramos fructiferos, se a videira estiver carregada em demasia, e não fôr bastantemente vigorosa.

1727. É muito conveniente cortar logo depois da floração as extremidades das vides novas, para impedir o seu crescimento e fazer refluir a seiva para o fructo. As folhas não devem supprimir-se nem nas videiras novas nem nas fracas, que crescerem em terrenos estereis; mas sim nas vinhas demasiadamente viçosas e frondescentes, plantadas nos terrenos baixos e humidos. É na epoca da maturação do fructo que devemos proceder a esta desfolha, para que a uva se torne mais sacharina e espirituosa. Nas vinhas, porém, muito vigorosas, e que apresentam uma certa tendencia a viçar-se, devem desfolhar-se as videiras com mais alguma anticipação.

1728. Vindima. Entre os diversos trabalhos ruraes nenhum se apresenta tão agradavel e animado como a vindima. Esta epoca é, nos districtos vinicolas, uma continuada festa campestre. É então que o viticultor recolhe o doce fructo dos seus disvellos, e recebe da mão de Deos o salario dos seus suores e fadigas.

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1729. Tem uma grande importancia na economia rural o tempo e o modo de fazer a vindima, porque delles dependem não só a bondade e a conservação da uva, como a qualidade mais ou menos generosa do vinho. Nós vamos, por tanto, indicar as principaes regras que o viticultor deve observar para que esta operação seja regularmente executada.

1730. Não se deve começar a vindima senão quando as uvas estiverem na sua perfeita sazão - é nos fins de setembro e no mez de outubro que ellas amadurecem completamente na maior parte dos districtos vinicolas do reino: esta completa maturação reconhece-se pela mudança de côr dos pedunculos, pela transparencia dos bagos, e pelo seu sabor suave, doce e aromatico. - Ha, porém, annos irregulares, em que a vindima se não póde fazer na occasião propria, mas neste caso é melhor antes retardal-a do que anticipal-a.

1731. É nos dias serenos e claros que mais convém vindimar; se elles tiverem sido precedidos de chuvas augmentar-se-ha a quantidade á custa da qualidade do vinho, o que em certos casos tambem póde convir ao agricultor.

1732. Devem estremar-se com o maior cuidado os cachos sãos dos podres, e os maduros dos verdes, porque basta uma pequena quantidade destes ultimos para deteriorar a qualidade do vinho.

1733. Se na mesma vinha tivermos plantações de diversas raças de bacellos feitas em taboleiros diversos, devemos vindimal-os á parte, principalmente se não houver simultaneidade na sua maturação.

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1734. Durante as chuvas não se deve vindimar, salvo se o estado da uva não consentir a menor demora. Tambem não devemos fazer a vindima quando as uvas estão rociadas de orvalho, porque nem a agoa nem o orvalho produzem vinho, e o agricultor deve saber obter puro o que a natureza lhe offereceu em estado de pureza.

1735. Não tratâmos aqui da fabricação do vinho, porque havemos de occupar-nos deste objecto em outro logar.

1736. Cultura da amendoeira. A amendoeira (amygdalus communis) da familia das rosaceas veio da Azia, donde é natural, para a Europa, onde medra excellentemente em toda a região da oliveira e da videira. Esta planta fazendo, como faz, a passagem da primeira para a segunda destas duas regiões, podia preceder a videira na ordem climatologica que adoptámos. A amendoeira é uma arvore de mediana grandeza, de raizes profundas, e cuja floração precede sempre a foliação. Florece no meiado do inverno, e muitas vezes já em janeiro se apresenta vestida de flor: esta flor, assim como o fructo, só nascem sobre os ramos de duas seivas ou de dois annos.

1737. Quer terrenos ligeiros e fundaveis, uma exposição quente, e situações abrigadas. Cultiva-se solta ou em espaldeira, e neste ultimo caso recebe a mesma cultura que o pecegueiro.

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1738. Esta planta serve-nos de prumagem nos viveiros para enxertar pecegueiros. Propaga-se geralmente de sementeira, mas como este meio de multiplicação a torna quasi sempre silvestre, é necessario depois enxertal-a sobre si mesma. A maior parte dos agricultores só a enxertam depois da sua plantação definitiva.

1739. Podemos distribuir em tres grupos todas as variedades agricolas da amendoeira: o primeiro fornece-nos as amendoas doces, das quaes umas tem a casca dura, e outras molle, chamando-se por isso molares; o segundo as amendoas amargas de casca mais ou menos dura; a terceira a amendoa pecego, especie hybrida, proveniente do pecegueiro e amendoeira. As amendoeiras doces e amargas, são as cultivadas entre nós: a ultima não é, que nós saibamos, conhecida no reino.

1740. O fructo da amendoeira é muito estimado, e tem um grande numero de applicações, principalmente na arte da confeitaria. É objecto de grande exportação em algumas provincias meridionaes de Hespanha, assim como em o nosso Algarve, que não rejeita planta alguma da região da oliveira.

1741. Cultura do marmelleiro. Esta planta, da familia das rosaceas, e conhecida pelo nome botanico de pyrus cydonia, apresenta na cultura duas principaes variedades que são o marmelleiro menor (pyrus cydonia minor) que produz marmellos muito miudos e acerbos, e o marmelleiro maior (pyrus cydonia maior) que dá marmellos grandes e gostosos, conhecidos pelo nome de gamboas, ou marmellos molares. Multiplica-se por semente, por mergulhia, e por estaca. Este ultimo processo é o geralmente preferido. Collocam-se as estacas no viveiro a dois ou tres pés de distancia; tendo o cuidado de regal-as se a estação correr secca, e transplantam-se depois passados tres annos, para as bordas dos vallados, ou para as margens dos ribeiros. O marmelleiro não precisa podar-se, é sómente se limpa e alivia dos ramos seccos, ou malnascidos. Cultiva-se, ou com o fim de aproveitar o seu fructo, de que se faz um doce muito estimado, e conhecido pelo nome de marmellada; e neste caso é do marmelleiro maior que nos servimos; ou então com o fim de crear prumagens para enxertos de varias arvores, e principalmente das pereiras.

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1742. Cultura da amoreira. O genero morus (amoreira) contém muitas especies e variedades agricolas da mais alta importancia, sendo as principaes a amoreira branca (morus alba) a negra (morus nigra) a amoreira da Italia (morus italica) a de Constantinopla (morus constantinopolitana) e a amoreira multicaule (morus multicaulis).

1743. Esta planta da familia dos artocarpeas, é um dos maiores presentes que a Azia tem feito ás regiões temperadas da Europa, onde só era conhecida e cultivada a amoreira negra, menos propria para a creação do bicho de seda.

1744. Foi no reinado de Justiniano, que este interessantissimo insecto foi introduzido em Constantinopla por dois monges vindos da India. Desde essa epoca memoravel começou a industria, até então mysteriosa, da seda, que fazia a principal opulencia da Persia e da China, a estender-se pela Grecia. Na peninsula hespanhola, e principalmente no reino de Cordóva, foram os arabes os seus introductores, e foram tambem elles os que a plantaram na Sicilia.

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1745. Hoje é esta cultura na escala da producção agraria de um interesse economico de primeira ordem; e tal, que fôra difficil exaggerar a sua importancia. A França, que não póde cultivar esta planta senão n'um pequeno canto do seu territorio, produz annualmente nove milhões de cruzados em folhas de amoreiras: quantia que se transforma em 144 milhões depois de lavrada, e manufacturada a materia textil, a que ellas dão origem; isto é, recebe desta cultura um terço do que recebe pelos productos das suas vastas vinhaterias. A Lombardia recolhe para cima de trinta milhões da cultura sericola; e a Secilia tira desta industria uma boa parte da sua riqueza. Citamos expressamente estes factos para convencer os nossos agricultores (e tambem as nossas administrações) dos grandes lucros, que poderiam provir ao nosso paiz, da naturalisação da industria sericola, lucros que em pouco tempo poderiam ultrapassar os da producção vinicola tão contingentes e vacillantes. A cultura da seda tem além disto não só a vantagem immensa de associar a industria agricola á industria manufactureira, circumstancia da mais alta importancia na economia publica das nações, mas tambem a de empregar muitos braços inuteis para as outras industrias; dando trabalho a velhos, a creanças, a invalidos, &c.

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1746. A amoreira branca, a da Italia, e a das Filippinas, ou multicaule, são as que devem principalmente cultivar-se para a creação do bicho de seda. A amoreira negra, nossa velha compatriota, tem cedido o passo ás suas hospedas das duas Indias, por ser menos propria para a cultura da seda fina, posto que produza maior quantidade de folha, e seja ainda por esta razão a planta geralmente cultivada na Secilia.

1747. A amoreira branca póde propagar-se de semente, de estaca, e de mergulhia; mas os dois primeiros processos são os mais usados. Esmagando e lavando o fructo da amoreira dentro d'agoa pura, consegue-se estremar a semente da polpa do mesmo fructo, e seccando-a depois ao sol, póde peneirar-se e guardar-se para ser semeada opportunamente.

1748. Esta semente é lançada á terra na epoca da completa maturação do fructo, ou na primavera do anno seguinte. O taboleiro que destinamos á sementeira só deve receber a semente depois de bem estrumado, e fabricado; e depois de convenientemente enregado. As amoreiras semeam-se em linha, intervallando-se as sementes a meio palmo umas das outras. Regam-se depois segundo a necessidade, e desbastam-se, não lhes poupando nem os amanhos da sacha, nem os da monda.

1749. Durante o primeiro anno as plantas crescem, ficam debeis, e quasi estacionarias; mas no segundo anno, depois de limpas e transplantadas para um outro viveiro, onde são collocadas na distancia de dez palmos e meio umas das outras, desenvolvem-se vigorosamente. No terceiro anno cortam-se os ramos lateraes á proporção que vão apparecendo, e enxertam-se as plantas, não porque os bichos não gostem muito da folha das amoreiras bravas, mas porque depois de enxertadas, produzem muito maior quantidade de folha, e essa mais tenra e parenchymatosa. Os enxertos fazem-se de flauta, e raras vezes deixam de pegar: um só enxertador, sendo habil, enxerta por dia uns poucos de centos de amoreiras. Costumam fazer-se em abril, maio, e junho, e desenvolvem-se com tanto vigor que muitas vezes no fim do anno já tem quatro e cinco pés de altura. Na primavera do quarto anno rebaixam-se os ramos até ao ponto onde queremos que se forme a corôa; de modo que os lançamentos que provém desta poda devem constituir no futuro os ramos principaes. No quinto anno tornam-se a podar, e dá-se-lhes a fórma de taça, que é a mais conveniente, não só para as amoreiras, mas tambem para as arvores de fructo. Depois destes amanhos, já podemos proceder á plantação definitiva, que muitos fazem logo no fim do terceiro anno. Esta plantação costuma praticar-se no outomno, collocando-se as arvores em covas de seis palmos de largo, e tres de fundo, a distancia umas das outras de 24 palmos, ou de 48 se quizermos aproveitar o terreno em outras culturas.

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1750. A vegetação destas plantas será tanto mais prompta e vigorosa, quanto maior fôr o cuidado que tivermos na preparação, e adubo do terreno. Os estrumes animaes produzem um crescimento prodigioso: os lavores e a poda annual são tambem grandes beneficios que trazem logo comsigo a recompensa. A plantação de estaca é particularmente usada na propagação das amoreiras multicaules, que multiplicam excellentemente por este methodo. Esta casta de amoreiras tem a vantagem de nos dar folha com mais antecipação, e segundo se crê, da mais fina qualidade, mas nunca produz tão abundantemente como a amoreira branca.

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1751. A desfolha quando se fizer n'uma arvore qualquer nunca deve ser parcial; porque se deixarmos algumas folhas ás arvores, estas põem em movimento a seiva, e fatigam a planta sem resultado util.

1752. Conhecidas, como são, tanto as vantagens geraes desta cultura nos diversos paizes que a toleram, como as especiaes no nosso clima, conviria que estas arvores se plantassem nas estradas, e mesmo nas estremas das propriedades ruraes para a formação de sebes vivas. Seria muito providente a lei que decretasse a formação de passeios publicos em todas as cidades e villas do reino, e ahi mandasse plantar amoreiras; assim como nos caminhos e devezas concelhias proximas das povoações, declarando ao mesmo tempo que estas plantações ficavam sendo propriedade dos hospitaes e misericordias do reino, para que assim fossem respeitadas dos povos, que por uma fatalidade deploravel são inimigos das arvores.

1753. Cultura do damasqueiro. Esta planta da familia das rosaceas, conhecida pelo nome systematico de armeniaca vulgaris, prospera excellentemente no nosso paiz, e constitue uma boa parte da subsistencia dos habitantes de varios pontos da Azia menor, e particularmente da Armenia, donde é natural.

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1754. Multiplica-se por sementeira, e para este fim estratificam-se previamente os melhores caroços para facilitar a sua germinação, plantando-os depois durante o outomno, no viveiro onde continuam a desenvolver-se, se acaso se não prefere plantal-os logo definitivamente no logar onde tem de permanecer.

1755. Esta planta quer terra solta, bem fabricada, pouco humida, e adubada com estrumes vegetaes bem curtidos; quer uma exposição oriental, ou meridional, mas sempre quente e abrigada. Costumam enxertal-a a olho dormente, ou sobre si mesma, ou sobre o abrunheiro, e a amendoeira, operação que bonifica consideravelmente o fructo.

1756. Os damasqueiros cultivam-se soltos, ou em espaldeira. Os que se educam pelo primeiro methodo são muito mais fructiferos. Aos tres annos já dão fructo, mas aos 15 ou 20 cessam de dal-o. Esta arvore tende sempre a desenvolver os seus ramos inferiores, seccando-se os mais superiores e verticaes nas suas extremidades. A sua poda reduz-se ao córte dos ramos seccos, e de alguns mal nascidos, poupando sempre os grossos, para que a planta não soffra grandes extravasações de seiva.

1757. Conhecem-se no nosso paiz diversas castas de damasqueiros, uns mais pequenos, cujo fructo é conhecido pelo nome de fructas novas; outros medianos, denominados damasqueiros ou albricoqueiros communs; outros finalmente maiores, mais delicados e saborosos, que tem o nome de alperches. Esta raça é a mais fina de todas; o seu fructo, que é de um amarello alaranjado, apresenta uma polpa tão summarenta e perfumada que rivalisa com o mais fino melão. Confecciona-se com os alperches um doce secco que é muito estimado dentro e fóra do paiz.

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1758. Cultura da ameixieira. A ameixieira (prunus domestica) da familia das rosaceas, é objecto de uma extensa cultura em alguns paizes, onde seccam os seus fructos para os consumir no decurso do anno. Esta planta tem uma certa rusticidade, e é muito pouco delicada na escolha do solo, da exposição, e de outras circumstancias agronomicas. As condições da sua cultura são as que indicamos como apropriadas á vegetação do damasqueiro.

1759. Propaga-se de semente, e pelos filhos que brotam da raiz. O primeiro meio, com quanto seja mais lento, é todavia preferivel porque produz plantas mais vigorosas e duradouras. As ameixieiras enxertam-se de escudo durante o estio. Servimo-nos muitas vezes da amendoeira e do pecegueiro para esta operação, por haver mostrado a experiencia que são excellentes prumagens para todas as variedades desta especie.

1760. A ameixieira depois de transplantada do viveiro para o pomar, deve rebaixar-se por cima do quarto ou sexto olho, segundo o vigor da planta.

1761. Tambem se fazem latadas com as ameixieiras, mas estas arvores, quando soltas, desenvolvem-se muito melhor, e dão excellente fructo. Só devem podar-se nos primeiros 3 ou 4 annos, rebaixando os ramos mais verticaes, cortando os emmaranhados, os velhos, e os seccos: dahi por diante só devem supprimir-se os que tiverem perecido.

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1762. Esta planta costuma carregar muito de fructo, e é necessario esladroal-o para que o restante se possa crear bem. É muito atacado de varias molestias, e principalmente da goma e do branqueado.

1763. Cultivam-se entre nós muitas variedades de ameixas, sendo as principaes as reinoes, saragoçanas, rainhas claudias, abrunhos do rei, do duque, &c., estas quatro ultimas variedades, que são as mais estimadas, tem-se tornado objecto de grande commercio e exportação, confeccionadas em doce secco.

1764. Cultura do pecegueiro. O pecegueiro (amygdalus persica L.), da familia das rosaceas, é uma arvore de media estatura, natural da Persia, que demanda terra profunda, substancial, antes solta e siliciosa do que forte e tenaz.

1765. As numerosas variedades desta planta podem distribuir-se nestes quatro grupos, que se extremam pelos caracteres seguintes: 1.º pecegos de pelle avelludada, polpa molle, summarenta, e adherente ao caroço; 2.º pecegos de pelle avelludada, polpa consistente, adherente ao caroço; 3.º pecegos de pelle liza, polpa molle e summarenta, não adherente ao caroço; 4.º pecegos de pelle liza, polpa adherente ao caroço. Se ajuntarmos ainda a estes caracteres os que são subministrados pela grandeza das flores, pela fórma, presença, ou ausencia das glandulas, que se encontram por baixo da folha, poderemos grupar todas as numerosas variedades do pecegueiro em series, que facilitam muito o conhecimento das mesmas variedades.

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1766. Os pecegueiros mais geralmente cultivados em o nosso paiz são o pecego temporão, do estio, do outomno, do inverno, o durasio ou ferrenho, o molar, o mira-olho, o maracotão, o calvo, o veneziano, e o gilmendes.

1767. Semeam-se e cultivam-se os pecegueiros, ministrando-lhes os mesmos cuidados que indicámos como necessarios á cultura do damasqueiro. A poda, porém, sendo dirigida por circumstancias peculiares á sua vegetação deve ser aqui especialmente descripta.

1768. O systema da poda dos pecegueiros repousa sobre as seguintes considerações: 1.ª todos os pequenos ramos do pecegueiro que já tiverem dado flôr ou fructo não são susceptiveis de o tornar a dar, devendo por isso ser pela maior parte supprimidos; 2.ª os gomos folheares ou fructiferos existentes sobre os ramos desta arvore, desenvolvem-se todos sem excepção na epoca em que ella começa a vegetar; de modo que não podemos contar, como acontece com as mais arvores, com os gomos que devessem mostrar-se mais tarde, e que por ventura se achassem latentes, mas tão sómente com aquelles que se deixam desde logo observar; 3.ª a seiva do pecegueiro não suspende um instante a sua actividade, desde o principio da primavera até á entrada do inverno, e apresenta uma pronunciadissima tendencia a dirigir-se para as extremidades dos ramos, e principalmente para os mais centraes e verticaes com prejuízo dos outros; devendo por isso dirigir-se a poda de modo que derive obliquamente a seiva, em ordem a ser empregada nos ramos lateraes, que são os mais fructiferos.

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1769. Estes principios são de geral applicação, quer cultivemos os pecegueiros como arvores soltas, quer as cultivemos em latada, ou espaldeira.

1770. Quando se dá o primeiro methodo de cultura, que é o adoptado geralmente entre nós; isto é, quando a arvore é solta, basta (no nosso paiz) que lhe podemos alguns dos ramos que já fructificaram, os extremos daquelles que sobreexcederem consideravelmente os outros; assim como os ramos ladrões, os velhos, os mal nascidos e emmaranhados, procurando desafogar a arvore, e deixal-a aberta pelo seu interior, para poder ser banhada pelo ar e pela luz.

1771. A occasião propria desta poda é aquella em que a seiva entra em movimento, e em que podemos bem distinguir os olhos ou gomos folheares dos fructiferos. Os que podam quando a arvore já está em flôr, commettem um grande erro, porque lhe occasionam uma grande perda de seiva, com grave detrimento da floração.

1772. Se cultivarmos, porém, o pecegueiro em espaldeira, methodo raro entre nós, então o systema da poda é mais rigoroso, e precisa ser instituido desde que a arvore começa a desenvolver-se. Eis-aqui muito succintamente como devemos proceder.

1773. A poda no primeiro anno consiste em rebaixar o enxerto; isto é, em cortar o caule da arvore seis pollegadas acima da base do mesmo enxerto; cortando-o pela parte de cima de um olho anterior, ou de dois lateraes. Não tarda muito tempo que todos aquelles olhos que se acham abaixo da secção se desenvolvam; e então no fim de abril deixamos dois renovos lateraes, um á direita, e outro á esquerda, e supprimimos todos os outros.

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1774. No começo do segundo anno a arvore apresenta dois ramos em fórma de V, que poderão ter de 4 a 6 pés de comprimento. Estes dois ramos, que hão-de vir a ser as pernadas da arvore, podam-se na altura de pé e meio a dois pés, e logo começam os olhos a desenvolver-se; e nessa occasião tambem esladroaremos todos os anteriores e posteriores, assim como aquelles dos lateraes, que tomarem uma direcção inconveniente; deixando sómente ficar os lateraes que nascerem nos dois terços superiores das pernadas.

1775. No começo do terceiro anno acha-se a arvore com dez ou doze braços, segundo o numero de gomos ou ramos lateraes que lhe deixámos: destes braços uns nascem pela parte de fóra da perna do V, e são horisontaes, e outros pela parte de dentro, e são verticaes; aos primeiros tambem se dá o nome de membros descendentes, e aos segundos de ascendentes.

1776. Os ramos ascendentes ou verticaes podam-se por cima do 5.º olho, com excepção dos dois que se acham na ponta das pernadas destinadas a continual-os, que se podam por cima do 6.º ou 7.º olho; os ramos descendentes ou horisontaes podam-se por cima do 3.º olho.

1777. No quarto anno devemos podar por cima do 2.º ou 3.º olho o mais alto dos ramos ascendentes da segunda ordem, que serve, como o da ordem superior, a continuar a pernada principal; e por cima do 2.º olho o mais alto dos ramos descendentes desta mesma ordem.

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1778. Nos annos seguintes devem dirigir-se os ramos de terceira e quarta ordem, de modo que não se embaracem uns aos outros, e que fiquem simetricos e a eguaes distancias, para guarnecerem com egualdade a espaldeira, que dahi por diante começará a dar bons fructos. É preciso, porém, prender os ramos aos engradamentos para que não vacillem com os ventos, e para que proximos ás paredes recebam o calor reflectido por ellas.

1779. Todos estes cuidados são necessarios para que esta arvore prospere nos paizes mais frios da região da videira; mas nos paizes meridionaes não precisa de tão grande cultura para dar excellentes fructos. A sementeira é o meio mais efficaz e ordinario da reproducção do pecegueiro. Estratificados os caroços collocam-se no viveiro quando começam a grelar, e ahi se enxertam as plantas de borbulha em tendo um anno. O pecegueiro tambem se enxerta sobre a amendoeira, sobre o damasqueiro, e sobre a ameixieira, mas a primeira destas plantas é preferivel para este fim.

1780. O nosso paiz presta-se admiravelmente á cultura do pecegueiro. Nas visinhanças de Lisboa, de Coimbra, de Azeitão, nos districtos de Portalegre e de Santarem obtem-se excellentes pecegos molares, durazios e maracotões; dos quaes uns são consumidos no reino, e outros exportados, debaixo da fórma de doce secco, em quantidade avultada.

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1781. Cultura da nogueira. A nogueira cultivada (juglans regia), da familia das amentaceas, é uma bella arvore de flores unisexuaes; isto é, de flores masculinas e femininas, e a mais elevada e gigantesca das que nascem no nosso clima. Cultiva-se pela sua madeira, pelo seu fructo, e pelo seu oleo. A madeira é excellente para construcção; o fructo é muito agradavel e nutritivo; e o oleo que delle se extrahe é muito empregado nas artes, e principalmente na pintura, e mesmo na economia domestica de alguns povos do norte. Metade do oleo que se consome em França é fornecido pelos fructos da nogueira.

1782. Os solos de grande fundo, marnosos e calcareos, com um subsolo friavel e humido, são os que convem á vegetação desta planta, que se torna collossal á borda das ribeiras e dos rios. Quando os terrenos são assás profundos a arvore não se desenvolve bem, e as suas raizes, ficando superficiaes, percorrem uma grande extensão de terra, impedindo a vegetação das plantas herbaceas em torno de si. A sua sombra é inhospita, e a agoa, que cahe das suas folhas carregada de tanino, cresta os vegetaes sobre que se espalha.

1783. Esta planta cresce com grande lentidão, e é muito tardia em dar fructo, sendo esta a razão principal porque hoje se não fazem, como antigamente, grandes plantações desta utilissima arvore. A geração actual, que vive mais do presente que do futuro, e mais para si do que para a familia, quer gozar sem delongas do fructo dos seus trabalhos. Este egoismo prepara um triste porvir aos vindouros.

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1784. Multiplica-se esta planta por semente. Escolhem-se as melhores nozes, e no mez de fevereiro confiam-se á terra, depondo-se ou no viveiro para depois se transplantarem, ou no logar que se lhes destina, na distancia de 30 a 40 pés umas das outras. Lavra-se a terra frequentes vezes, e podam-se as arvores dos poucos ramos que nascem mal, ou que se seccam; tendo todo o cuidado de não as varejar para lhes colher as nozes.

1785. As nogueiras que destinâmos á producção do fructo costumam enxertar-se na primavera de flauta, de racha ou de borbulha, em patrão da sua especie, que tenha duas varas de altura pouco mais ou menos: os enxertos devem ser tirados das variedades mais fructiferas.

1786. As variedades cultivadas no reino são as rocaes ou ordinarias, as temporãs, as molares, e as durazias.

1787. Cultura do castanheiro. O castanheiro (fagus castanea L.), da familia das amentaceas, arvore tambem muito formosa e de flores unisexuaes como a nogueira, merece uma particular attenção, não só porque o seu fructo feculento e doce fornece um alimento sadio a populações inteiras nas montanhas mais estereis e escabrosas, mas mesmo porque nos ministra uma excellente madeira de construcção. Cultivam-se entre nós duas variedades de castanheiros, os rebordãos e os longaes, sendo estes ultimos os que dão a boa castanha.

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1788. Esta planta quer terra delgada e areosa, fresca e de fundo pedregoso, uma exposição boreal, e situações elevadas, montuosas e frias. É uma arvore muito frequente nas nossas provincias do norte, e em alguns sitios altos das do sul, como nas serras de Cintra, Monchique, Marvão, Portalegre, Certa, Alpedrinha, &c. Ha em Portugal, paiz de terreno muito accidentado, grande numero de montes frios e quasi estereis, que reduzidos a soutos dariam todos os annos productos consideraveis.

1789. Chamam-se soutos os vergeis formados pelos castanheiros: dizem-se soutos mansos ou castanhaes aquelles de que principalmente aproveitâmos o fructo, bravos ou castinçaes os que são particularmente destinados á producção de madeiras.

1790. Para plantar um souto manso ou semeâmos no viveiro para depois transplantar, ou semeâmos definitivamente no terreno que queremos converter em castanhal. A primeira pratica é preferivel á segunda, não só por salvar as plantas dos muitos riscos que correm durante a sua primeira idade, quando se collocam desde logo no terreno onde hão-de ficar, mas tambem para melhor aproveitarmos as producções do mesmo terreno, como pastagens, searas, &c.

1791. É no mez de janeiro que devemos fazer a sementeira no viveiro; e só passados quatro annos, ou quando os castanheiros tiverem alcançado duas varas de altura, é que se procede á transplantação, que deve ter logar durante o inverno. Collocam-se então as arvoresinhas nas suas respectivas covas a 15 ou 16 passos de distancia entre si, dispondo-as em linha com a direcção de norte a sul, para que o terreno se possa cultivar, pelo menos, durante as primeiras idades do souto. Este deve lavrar-se todos os annos, ou, pelo menos, em annos alternados.

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1792. No cabo de outros quatro annos, ou quando a planta tiver oito de idade, enxertam-se as arvores de corôa ou de canudo para as tornar mansas: desde esta epoca por diante já não é necessario senão continuar a lavrar o terreno, e limpar os castanheiros dos ramos seccos, dos ladrões, e dos que se apresentam ou muito esforçados, ou muito bastos.

1793. Quando não semearmos no viveiro, mas sim no terreno que queremos converter em souto, precederemos do seguinte modo. Depois de bem limpa e lavrada a terra traçâmos com o arado linhas na distancia de 13 a 16 passos umas das outras, e semeâmos as castanhas nestas linhas na distancia de 2 a 3 palmos; passados dois annos rareâmos as arvores de modo que não se embaracem umas ás outras; e ultimamente, depois de enxertadas, distanciâmol-as, entre si, obra de 15 ou 16 passos, se queremos antes fructo que madeira, ou de 10 a 12 no caso contrario.

1794. Os castanheiros mansos são cortados depois de 20 a 50 annos, conforme o terreno, com o fim de lhe aproveitar a madeira e de remoçar a arvore. Dão excellentes vigas, e muito boas taboas de construcção.

1795. Cortam-se algumas ou todas as suas pernadas, mas sempre acima do enxerto, ou no manso, como costuma dizer-se, para deixar logar nos novos rebentos. A castanha, depois de apanhada, ou é vendida em verde, ou se secca com o fim de a pilar. No primeiro caso recolhe-se e guarda-se em casa enxuta e arejada; no segundo é lançada nos caniços, que são umas grades de vergas, ordinariamente de silva, tecidas com cordas de junco, que se estendem sobre um emmadeiramento similhante ao dos sobrados. Faz-se então lume brando e fumoso por baixo das castanhas até que estejam inteiramente seccas, o que se conhece quando se desprendem da casca.

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1796. É esta a maneira mais geral por que se tratam os soutos mansos; os bravos, porém, devem ser governados do seguinte modo. Depois de preparada a terra semêa-se a castanha a rego, e a distancia de 3 passos. No fim de dois annos cortam-se todas as hasteas proximas da cepa, para que lance outras mais robustas e numerosas; passados ainda dois ou tres annos faz-se nova limpeza, cortando toda a ramagem, e deixando simplesmente uma ou duas hasteas conforme o vigor da planta. Cinco annos depois desta ultima limpeza tornam-se a cortar as hasteas (que tem então o nome de aguilhadas), e apenas se deixam tres ou quatro. E finalmente, passados que sejam outros cinco annos, começa o córte da madeira de construcção, conhecida pelos nomes de páus de S. João, de refugo, aguieiros, &c.

1797. Quando se faz este ultimo córte deixam-se alguns páus mais direitos e vigorosos para traves, que só vem a cortar-se no fim de 30 a 90 annos, conforme o terreno e a grossura que se pretende.

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1798. Isto é o que se pratica quando governâmos o castinçal desde a sua plantação; mas quando já está criado então procede-se da maneira seguinte:

1799. Aos 4 ou 5 annos depois do ultimo córte praticamos a primeira limpeza, que consiste n'um desbaste geral de todas as hasteas que são ou fracas, ou mal feitas, cortando-as junto da cepa: a ramagem resultante deste córte serve para empar feijoaes, vinhas, &c. Aos 6 ou 7 annos fazemos novo desbaste, que produz aguilhadas, varejões, &c., e alguma ramagem. Aos 6 ou 7 annos ainda outro desbaste, que produz ripa, páus de falca, trisias &c. - e deixa-se depois o souto até ao córte final, que dá páus de S. João, e aguieiros - e ultimamente traves passados mais de 30 annos.

1800. Cultura da avelleira. A avelleira propriamente dita, (corylus avellana), da familia das amentaceas, é uma planta que se cultiva ao mesmo tempo pelo seu fructo e pela sua madeira elastica e flexivel, propria para arcos. Existem algumas variedades agricolas desta planta, sendo as principaes a avelleira de fructo oval, e a de fructo estriado.

1801. Esta planta multiplica-se por semente, por mergulhia, e pelos numerosos rebentos que provém do seu pé. Quer terrenos frescos e ligeiros, e uma exposição occidental. Dá poucos fructos nos terrenos argilosos e seccos, e grande abundancia delles nos soltos e de regadio. Plantam-se as avelleiras a distancia de 4 varas umas das outras, e é preciso ter o cuidado de as privar dos rebentos que nascem do pé, e que as enfraquecem. O tempo da sua maturação é em agosto e setembro, epoca em que os foliolos do involucro, murchando-se, deixam cahir o fructo.

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1802. As avellãs são um fructo proprio para sobremezas, muito oleoso, e de que em algumas localidades extrahem uma grande quantidade de oleo. São objecto de grande commercio na Secilia e na Hespanha.

Arvores cuja cultura se estende pela região dos cereaes.

1803. Cultura da pereira. A pereira (pirus communis L.), da familia das rosaceas, é uma planta cultivada em toda a Europa, e particularmente nos paizes do norte, ou na região dos cereaes, donde parece ser originaria.

1804. Cultiva-se um grande numero de variedades de pereiras em França e Inglaterra; e mesmo entre nós contam-se bastantes. As principaes que se acham mencionadas na Flora Lusitana, e que se conhecem pelo nome dos seus fructos, são as peras flamengas, bojardas, carvalhaes, de refego, de cheiro, de Santo Antonio, de S. Bento, marquezas, do conde, de rei, virgulosas, de tres em prato, codornos, pigaças, de rosa, de pé curto, de pé de perdiz, lambe-lhe-os-dedos, bergamotas, cornicabras, de rio frio, de engonxo, gervasias, verdeaes, corrêas, &c.

1805. A cultura desta planta governa-se do modo seguinte. Semeam-se no alfobre as pevides das melhores peras, e regam-se de tempo a tempo até que começam a desenvolver-se. Limpa-se o terreno das más hervas, e as plantinhas dos seus ramos lateraes, para que o caule se robusteça e eleve direito. Transplantam-se depois para o viveiro dos enxertos no decurso do segundo anno; dispoem-se em covas profundas de 3 pés de distancia umas das outras: passado um anno, ou quando a planta tiver tres, serra-se o tronco um pé acima da terra, e enxerta-se de fenda. As plantas deixam-se ainda neste viveiro cousa de um anno, tendo a precaução de as limpar dos pimpolhos para lhes formar a cepa, e em seguida transplantam-se definitivamente para o pomar, tendo o cuidado de as pôr a distancia de 35 pés, pouco mais ou menos, umas das outras.

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1806. As pereiras são susceptiveis de abraçar todas as fórmas que quizermos imprimir-lhes, como a pyramidal, a de abanico, de palmeta, de vaso, de espaldeira, &c., mas só quando as abandonâmos á sua fórma natural é que temos arvores elevadas, vigorosas, e susceptiveis de uma grande longevidade, apezar das muitas molestias que as accommettem.

1807. Tambem se enxertam as pereiras em marmelleiros, quando queremos arvores de grandeza meã; mas os enxertos na propria arvore, ou em franco, dão plantas mais bellas, mais corpulentas, e robustas.

1808. A pereira quer terrenos calcareos e humidos, exposição ao nascente, e sitios frescos; a sua fórma é esbelta, e os seus ramos tendem a elevar-se. A sua duração é maior que a da maceira; e do seu fructo extrahe-se um licor fermentado muito similhante á cidra. O pomar de pereiras deve ser estrumado de dois em dois annos, e cavado annualmente.

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1809. Os gomos fructiferos da pereira só no fim de quatro annos terminam a carreira do seu desenvolvimento, e ficam em estado de dar fructo. Ao lado de cada olho ha nesta arvore um outro olho mais pequeno, apenas perceptivel, mas muito vivaz, destinado a substituir o principal, quando por qualquer accidente perece.

1810. Os bons fructos de pevide, como quasi todos os bons fructos, são conquistas da industria humana, que só podem conservar-se á custa de cuidados. As arvores de pevide, porém, são menos caprichosas, ou mais educaveis do que as arvores de caroço, e a sua póda não precisa por isso ser tão rigorosa.

1811. Os principios desta poda são os seguintes: 1.º cortar os gomos terminaes, ou de prolongamento, n'um terço, pouco mais ou menos, do comprimento que adquiriram n'um anno, a fim de forçar os olhos inferiores ao córte; 2.º podar os ramos capilares por cima de um bom olho folhear; 3.º supprimir os ramos folheares inuteis, e os ladrões; 4.º respeitar os ramos mixtos que prolongam a vida dos lançamentos fructiferos; 5.º respeitar, finalmente, as bolsas que são cofres da fructificação, decotando-lhes sómente, e isso nem sempre, as pontas para as forçarmos a dar maior quantidade de fructo.

1812. Cultura da maceira. A maceira (pyrus malus L.), da familia das rosaceas, é uma planta que se cultiva quer nos pomares para obter bons fructos, quer nos campos para obter a cidra, que é o summo fermentado das maçãs. No nosso paiz não se dá esta ultima cultura, mas é muito commum a primeira. Na Normandia, e em outras provincias da França, assim como em Inglaterra, e em outras nações do norte, ha extensos vergeis de maceiras destinados á producção daquelle licor fermentado, que substitue nestes paizes o vinho e até a cerveja. A facilidade da cultura desta planta, a sua rusticidade, a excellencia dos seus fructos, e a sua fecundidade hão-de recommendal-a sempre tanto ao grande, como ao pequeno cultivador. A cultura desta planta é identica á da pereira; a sementeira, a transplantação, a enxertia, e a poda fazem-se do mesmo modo; e apenas ha uma pequena differença tanto no modo de fazer os lavores, que devem ser mais superficiaes para não offenderem as raizes que andam á flôr da terra, como na póda, por meio da qual convem tambem cortar os ramos que descahem consideravelmente sobre o solo.

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1813. Os enxertos fazem-se na propria arvore reduzida ao typo selvagem pela sementeira. Quando queremos obter maceiras anãs enxerta-se sobre a raça que os francezes chamam paraizo.

1814. Existem algumas variedades de maceiras que tem adquirido uma certa estabilidade, de modo que a sua raça é propagada por meio da sementeira; não carecendo por isso de enxertia para darem bons fructos.

1815. A cultura vai multiplicando todos os dias as variedades desta planta, o que se conhece facilmente comparando o pequeno numero das variedades, que os antigos conheceram, com o grande numero hoje cultivado.

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1816. Esta planta não teme os frios do inverno, e acompanha o carvalho até ao seu ultimo limite. Nos paizes que se entregam á cultura arvense desta planta fazem entrar nos vergeis diversas qualidades de maceiras a fim de obterem uma cidra mais fina. É preciso que as maçãs sejam doces, acerbas, e azedas para alcançar este resultado.

1817. As variedades que mais commummente se cultivam no nosso paiz são, segundo o Dr. Brotero, as seguintes: maçãs leiriôas, reguengas, baunezas, reinetas, de neldo, camoezas, peros, melapios, repinaldos, verdeaes, martingires, pipos, &c.

1818. Cultura da ceregeira (prunus cerasus L.), da familia das rosaceas. Esta planta prospera excellentemente no nosso paiz, onde se cultivam muitas raças (talvez especies), todas conhecidas pela diversa qualidade do seu fructo; como são as cerejas ordinarias, as de sacco, as pretas, as meudas, as de agosto, as ginjas gallegas, as garrafaes, &c.

1819. Quer a ceregeira terra solta e profunda, uma exposição septentrional, e sitios frescos; acommoda-se todavia com qualquer outra exposição, e com toda a casta de terra, com tanto que não seja nem muito humida, nem muito argilosa, nem demasiadamente secca.

1820. Multiplica-se por sementeira. Guardam-se em arêa os caroços desde junho até á primavera seguinte, epoca em que se semeam no viveiro. Passados dois annos transplantam-se, e collocam-se a distancias maiores ou menores, segundo a natureza das especies ou raças que se cultivam. Quatro annos depois enxertam-se de borbulha ou racha, e sempre cinco ou seis pés acima da terra. Deixam-se vegetar livremente, e soltas. Não se podam, e apenas se limpam dos ramos seccos.

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1821. Os fructos desta planta diversificam no gosto, na consistencia, e na fórma, ha-os acidos, doces, e acerbos; ha-os consistentes, e duros como os da ceregeira de sacco, e molles como os da ordinaria; ha-os em fórma de coração como nas ceregeiras propriamente ditas, e arredondados como nas gingeiras, tanto gallegas, como garrafaes.

1822. Extrahem-se do fructo da ceregeira duas qualidades de licores fermentados, ambos muito estimados: o primeiro a que se dá o nome de ratafia, é extrahido de uma ceregeira brava, de fructo preto, muito commum nos paizes do norte; o segundo, conhecido pelo nome de marasquino, é produzido pelo fructo de uma pequena ceregeira acida, denominada marasca na Italia, onde é muito cultivada para este mister.

1823. Além de todas estas utilidades, ainda a ceregeira nos apresenta a de uma excellente madeira para obras de marcenaria, carpintaria, &c.

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SILVICULTURA.

E já tempo de acordarmos de tão profundo somno, e de reflectirmos seriamente nos males que soffre Portugal pela falta de matas e arvoredos.

J. BONIFACIO DE ANDRADE.

Noções geraes.

1824. A silvicultura é aquella parte da arboricultura, que nos ensina a maneira porque se governam as matas e florestas desde a sua plantação até ao seu córte.

1825. A benefica influencia dos arvoredos, tanto na constituição meteorologica, como na geologica de qualquer localidade, já tem sido demonstrada em algumas partes desta obra, e por isso não insistiremos neste ponto, aliás interessantissimo, da economia rural.

1826. Se os nossos ascendentes fossem, como nós, tão pouco cuidadosos na plantação das matas, não nos legariam um tão rico cabedal de lenhas, de carvão, e de madeiras - cabedal que nós temos quasi inteiramente desbaratado com a mais incrivel imprevidencia. Os nossos vindouros não podem esperar de nós um similhante legado, porque dominados, como estamos, do egoismo do nosso tempo, em vez de plantarmos para elles novas florestas, só cuidamos de abater as existentes, destruindo n'um dia a obra de muitas dezenas de annos. Herdades inteiras reduzidas a carvão, matas extensas derribadas a eito, e sem piedade, são uma triste demonstração desta triste verdade! O castigo, porém, deste intoleravel e barbaro procedimento já por todo o sul do reino se experimenta - experimenta-se na falta de lenhas e madeiras, na aridez e magreza do solo, na desnudação dos montes, no escalvado dos cabeços, na formação dos areaes, das gandras, e das charnecas, na deterioração successiva do clima, e na invasão endemica de um grande numero de molestias, que tornam triste, e até perigosa a habitação de muitas comarcas do reino.... Mas este melancholico assumpto reproduz-se involuntariamente á nossa imaginação - e nós iamos entrando insensivelmente por elle!

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1827. Natureza do solo. Não são os bons terrenos, que devemos escolher para a plantação das matas, mas sim os inferiores, e menos prestadios. As arvores silvestres, ainda que agradeçam, não exigem uma boa camada aravel. Querem sobre tudo, e neste ponto são mais exigentes, que o subsolo lhes seja propicio, que lhes forneça, com a necessaria humidade, alguns principios inorganicos, e que preste um franco accesso ás suas raízes. Uma vez verificadas estas circumstancias, as arvores prosperam visivelmente, e desafiam com as suas ramagens as seccuras mais intensas.

1828. É nos areaes, nos terrenos magros, e montuosos, que devemos geralmente fazer estas plantações. Nas boas terras, que podem servir para prados, searas, hortas, pomares, olivaes, e vinhas, seria loucura plantar matas mas além destas terras, quantas existem no reino de inferior qualidade, e desaproveitadas, que poderiam servir de assento a vastas florestas!

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1829. Arroteamentos. Se os terrenos que dedicarmos á plantação das matas forem incultos, ou maninhos, devem rotear-se, e se forem alagadiços ou paludosos, devem esgotar-se. Para rotearmos o terreno, a fim de o tornarmos apto a esta casta de plantações, bastam quasi sempre duas lavras em cruz, profundas quanto seja possivel, e operadas por uma boa charrua. Uma ou duas gradagens devem praticar-se depois, a fim de o desterroar muito bem. A roteação feita ao enxadão só deve reservar-se para os terrenos de mato grosso juncados de raizes, mas como seja muito dispendiosa uma tal operação, sómente a devemos empregar na pequena cultura.

1830. Esgoto de pantanos. Para esgotar os terrenos são muitos e mui variados os meios que se empregam; mas, na generalidade dos casos, podem bastar: 1.º a abertura de poços absorventes praticados na sua parte mais baixa. Estes poços abrem-se com a verruma montanistica, ou com a artesiana. Furam-se com estes instrumentos as camadas impermeaveis á agoa até chegar ás que lhe dão uma franca passagem, obtendo deste modo uma especie de sorvedouro, por onde as agoas do pantano se escoam. Se o terreno que temos de enxugar, offerecer ondulações, praticam-se sargentas a beneficio dos quaes se encaminham as agoas para o poço absorvente. Não podendo, porém, obter este resultado por meio das sargentas, faremos então tantos furos de sonda quantos forem necessarios; 2.º quando os terrenos pantanosos estiverem n'um nivel superior ao dos adjacentes, ou quando as agoas tiverem sufficiente escoante por algum dos lados, praticaremos vallas ou regueiras, quer descubertas, quer cegas, para assim os desaguarmos; 3.º consegue-se em alguns casos enxugar os terrenos, elevando-os por meio de aterros, ou pelos sedimentos depostos nos mesmos terrenos pelas agoas dos rios, ou das chuvas que encaminhamos para elles com este fim. Quando, porém, tivermos paúes, ou alagoas provenientes das agoas de rios, ou de ribeiras caudalosas, então tornam-se necessarios meios mais complicados, e o emprego de maquinas e processos hydraulicos, que não podem aqui descrever-se, nem mesmo indicar-se.

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1831. Sementeiras. A sementeira na propria floresta, é o meio quasi exclusivamente empregado para a formação das matas. Semear em viveiro, para depois transplantar, tem grandes inconvenientes, sendo o principal a mutilação do quicio, ou eixo da raiz, que é um grande obstaculo ao cabal desenvolvimento das arvores florestaes, por isso que o eixo ascendente ou flecha, é neste caso radicalmente affectado; e a arvore não se apresenta tão elevada e magestosa como no caso contrario.

1832. A sementeira nunca se deve fazer senão algum tempo depois da roteação, quando os terrenos estiverem já arejados e trabalhados dos meteoros atmosphericos. A plantação de estaca, e a mergulhia só raras vezes deve ser empregada, porque acanha o desenvolvimento das arvores, e diminue o preço das madeiras. Nas clareiras, porém, das florestas costuma empregar-se a mergulhia como o meio mais seguro e productivo, visto que a semente quasi nunca vinga nestes pequenos espaços occupados pelas raizes das arvores circumstantes.

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1833. Quando semearmos uma floresta, devemos fazel-o por zonas ou faxas rectilineas e parallelas, se o terreno fôr de planicie, e curvilineas, se fôr montuoso, e accidentado. A direcção das primeiras zonas deve ser de norte a sul, pelas razões varias vezes ponderadas. Quando a sementeira não fôr feita com a regularidade, que acabamos de indicar, é conveniente deixar nas grandes florestas caminhos, não só para facilitar o seu serviço e grangeio, mas tambem para evitar os effeitos dos incendios, que são, juntamente com os gados, os maiores inimigos deste genero de culturas.

1834. Na sementeira das matas devemos attender á bondade e quantidade da semente; ao tempo proprio de proceder a esta operação, que é para cada especie de arvores o da sua completa fructificação; e á natureza e preparação do terreno que deve ser bem fabricado, e appropriado á vegetação das plantas que lhe destinamos.

1835. Amanhos diversos. Os cuidados de entretenimento reduzem-se depois á limpeza do solo, ao desbaste das arvores, e á sua preservação dos estragos dos animaes, quer domesticos, quer bravios. Para defender as arvores destes estragos durante a sua infancia, são necessarios tapumes, e uma vigilancia de todos os momentos.

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1836. As matas podem dividir-se em matas de segundo e primeiro lote, ou de talhadia, e de construcção maior. As primeiras produzem lenhas e madeiras de construcção menor, como carros, instrumentos agricolas, aduelas, objectos de marcenaria, carpintaria, &c. As segundas produzem madeiras para construcções navaes, architecturaes, &c., e nos primeiros desbastes, lenhas, e madeiras proprias para os usos a que se dedicam as do segundo lote. - Tambem as matas se podem dividir em naturaes, e artificiaes, sendo as primeiras uma producção espontanea do terreno, e as segundas um resultado da cultura.

1837. O desbaste das matas consiste no córte dos seus ramos superfluos, mal nascidos, seccos, tortuosos, e geralmente de todos os que podem obstar ao crescimento dos que se desejam conservar. Quando as arvores se acham muito juntas, tambem se desbastam, para que umas não embaracem as outras no seu natural desenvolvimento. O desbaste começa mais cedo nas arvores, que lançam rebentos da sua cepa, ou das pernadas principaes das suas raizes, e que por esta razão se podem chamar multicaules; como são o castanheiro, a azinheira, o carvalho, &c, do que naquellas que não tem mais que um eixo central, ás quaes commummente se dá o nome de arvores de flecha, e que poderiam denominar-se unicaules; como são o pinheiro, o cypreste, a araucaria, &c.

1838. As despezas feitas com a operação do desbaste, ficam amplamente compensadas com o producto das lenhas, e madeiras della provenientes. Na generalidade dos casos deve proceder-se a esta operação durante o inverno. As superficies cortadas devem ficar lizas, e cobrir-se com o emplasto de S. Fiacre.

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1839. Segundo o fim a que destinamos as arvores, assim deve variar o seu methodo de limpeza. Esta operação ha-de dirigir-se de modo que os ramos da arvore nunca se embaracem uns aos outros. Depois disto, se destinarmos o tronco da arvore para mastros, vigas, &c., devemos limpal-a dos ramos lateraes, a fim de dar vigor e robustez ao caule central; se pelo contrario a destinarmos para tanchões, instrumentos rusticos, e outras obras de construcção menor, devemos decotal-a e decepal-a por cima, poupando as suas pernadas e ramos secundarios.

1840. O córte das matas de primeiro lote tem geralmente logar quando as arvores hão conseguido toda a sua natural corpulencia e robustez; e em certos casos, posto que raros, antes desta epoca conforme a applicação a que destinamos as madeiras. Ha quasi sempre um grande prejuizo em cortar uma mata, e principalmente uma mata real antes de haver chegado a epoca do seu completo desenvolvimento, epoca que de ordinario sómente se apresenta no fim de 50 a 100 annos, conforme a natureza das arvores. O valor de uma mata vai sempre crescendo n'uma forte progressão até chegar áquella epoca; mas logo que ella passa, fica estacionario durante algum tempo, e depois decresce, por isso que as madeiras se arruinam quando a planta passa da idade adulta para a decrepita. A epoca dos córtes deve ser a da hybernação da planta, ou durante o descanço da circulação da seiva. As madeiras nesta epoca são mais duras, e compactas, contém menos liquidos, e não apresentam a camada nova de lenho, que se fórma durante a primavera e verão, no seu estado quasi herbaceo.

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Culturas especiaes.

1841. As matas hão-de acommodar-se á natureza do terreno, e do clima. Nos areaes, e nos terrenos graniticos devem plantar-se florestas de pinheiros, de cedros, de cyprestes. Se estes terrenos, porém, apresentarem bastante humidade, devemos plantar olmeiros, amieiros, alemos, platanos, e freixos. Nos terrenos calcareo-siliciosos e frios, plantaremos carvalhos e castanheiros; e finalmente azinheiras e sobreiros nesta mesma casta de solos, mas em sitios mais temperados.

1842. Nas construcções navaes, e nas grandes construcções civis empregam-se os pinheiros (pinus maritima, pinus silvestris, pinus pinea, pinus elata, &c.), o carvalho commum (quercus racemosa), o carvalho roble (quercus robur), a azinheira (quercus ilex) o castanheiro (fagus castanea et tauza).

1843. Nas construcções de instrumentos agrarios, e carpintaria empregam-se os freixos (fraximus excelsior et ornus), o olmeiro (ulmus campestris), o sobreiro (quercus suber), o platano (platanus hybridus), o platano bastardo (acer pseudo platanus), o salgueiro (salix alba, caproea) &c.

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1844. Na marchetaria, e marcenaria emprega-se a olaya (cercis siliquastrum), a tamargueira (tamarix gallica), o lilaz (syringa vulgaris), a thuia do oriente e occidente (thuya orientalis et occidentalis), a acacia bastarda (robinia pseudo acacia), a murta (myrtus communis), o buxo (buxus sempervirens), a nogueira, a larangeira, o limoeiro, a oliveira, a ceregeira, a ameixieira, a amendoeira, a pereira, &c.

1845. As matas mais interessantes do nosso paiz são os pinhaes, os castinçaes, os azinhaes, os sobraes, e os carvalhaes. Nós vamos apresentar algumas noções, muito succintas, e geraes sobre a sua cultura.

Pinhaes.

1846. O pinheiro é um genero precioso da familia das coniferas, composto de um grande numero de especies interessantes, que merecem quasi todas ser vulgarisadas nos terrenos areosos do nosso paiz. Nestas especies comprehendem-se muitas arvores rezinosas sempre verdes, que nos fornecem excellentes madeiras de construcção, como mastros para os navios, vigas, e taboado para a architectura naval e civil, alcatrão e rezina para a marinha, lenhas e ramadas para os fornos, e adubos para os terrenos, de modo que tudo desde a raiz até ás folhas, é util e prestadio nesta preciosa arvore. - Que patrimonio mais seguro, diz um dos nossos mais estimaveis naturalistas, póde deixar um pai a seu filho, do que um bom pinhal em sitio em que possam ter boa e facil sahida os seus productos? Mas em que mãos desgraçadas cahiram nossos antigos pinhaes? Como temos administrado este precioso deposito, este morgado da posteridade? - Qual é o estado de conservação, e reparação dessa famosa mata plantada por el-Rei D. Diniz nas proximidades de Leiria? Quaes são as plantações novas que o governo tem feito? Quaes as providencias que tem abraçado para reprimir a intoleravel devastação das nossas florestas? - É triste a resposta que póde dar-se a todas estas interrogações.

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1847. Os pinheiros dividem-se em quatro secções, segundo o numero das suas folhas; e cada uma destas secções contém um grande numero de especies. Aquellas que mais geralmente se cultivam em Portugal, são o pinheiro bravo (pinus maritima L.), o pinheiro manso (pinus pinea), o pinheiro de Riga (pinus silvestris), e o pinheiro molar variedade do manso. Entre as especies exoticas, existem duas que merecem vulgarisar-se entre nós, e são o pinheiro austral (pinus australis) e o do Lord Weymouth (pinus strobus).

1848. O pinheiro bravo é o mais proprio para guarnecer os areaes das nossas costas; o que cresce e prospera em toda a casta de chão, e em quasi todas as localidades do reino, com tanto que não sejam muito frias e sujeitas a fortes geadas. O bello pinhal da Marinha Grande, é desta especie, e da variedade conhecida em França pelo nome de pinheiro de Bordeos. O pinheiro silvestre encontra-se tambem em varios logares do reino, formando bellissimas matas, como no termo do Cartaxo, no Marão, e em outros pontos.

1849. Devem semear-se os pinhaes, ou por meio das pinhas inteiras, ou por meio da semente preparada e limpa, a que damos o nome de penisco. Se a sementeira é feita em areal safiro e nú, não precisamos empregar lavor algum de preparação além de alizar o terreno com a grade; se fôr, porém, enrelvado e matoso, então carece de um, dois, ou mais ferros antes de lhe confiarmos a semente.

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1850. Nos ultimos dois mezes do anno, ou no começo da primavera, semea-se o penisco a lanço, na razão de alqueire e meio por geira, e enterra-se logo com a grade. É muito conveniente semear o penisco de mistura com sementilhas de plantas arenosas, como o goivo da praia (cheirantus littoreus), o alcarnache (panicum arenarium), o carriço d'agoa (carex arenaria), &c., não só para que entrapem e firmem o areal, mas tambem para que defendam os pinheirinhos dos ventos do mar, que os açoitam e crestam; se o terreno, porém, tiver mais substancia e consistencia, bastará misturar com a semente aveia e centeio, com o fim unico de abrigar as plantas das intemperies meteorologicas na primeira epoca do seu desenvolvimento.

1851. Se semearmos na primavera, veremos grelada a semente ao cabo de um mez, pouco mais ou menos. Logo no primeiro anno fórma a arvoresinha uma especie de pequena corôa, que rasteja sobre o terreno; no segundo deita um lançamento central, que se eleva a prumo; no terceiro, além do novo lançamento, já deita ramos lateraes, e assim progressivamente nos seguintes. Á proporção que o systema caulinar se vai desenvolvendo em andares successivos, vai experimentando um egual desenvolvimento o systema radicular, formando espigões e radiculas com que a arvore se firma no terreno.

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1852. Os pinheiros chegados á idade de 5 ou 6 annos devem desbastar-se, espaçando-se de modo que não cheguem a tocar-se pelas extremidades da sua rama. Aos 15 annos são submettidos a novo desbaste para poderem crescer desafogada e livremente.

1853. Os pinhaes não devem rarear-se muito, a fim de que as arvores cresçam direitas, e se elevem o mais que fôr possivel; sem estender consideravelmente os seus ramos lateraes em fórma de candelabro.

1854. Os pinheiros bravos e silvestres, elevam-se mais do que os mansos, que formam uma especie de umbella ou parasol muito elegante e pintoresco, mas menos proprio para arvores florestaes de grande construcção. A longevidade dos pinheiros está em relação com a natureza do terreno. Vivem 300 e mais annos, mas dentro do primeiro seculo - ordinariamente dos 70 aos 90 annos - já tem adquirido toda a sua corpulencia e robustez, podendo e devendo então cortar-se pelo pé para serem empregados nas grandes construcções.

1855. Cultura dos castinçaes. Tratando do castanheiro, apresentámos os principios mais fundamentaes da cultura dos castinçaes, ou matas de castanheiros silvestres, a que tambem se dá o nome de soutos bravos. Estas matas são proprias, não para guarnecer os areaes como as dos pinheiros, mas para coroar e revestir as serras elevadas e frias, de que apenas poderiamos utilisar algumas magras e escassas pastagens. Os castinçaes constituem uma formosa mata, de que não só aproveitamos as madeiras em successivos e reiterados córtes, e limpezas, como atraz fôra indicado, mas tambem os fructos, que são excellentes, para a nutrição e ceva dos animaes.

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1856. Nós que somos naturaes de um paiz, em que estas matas são frequentes, temos tido occasião de verificar que os terrenos graniticos e magros, que lhes são consagrados no norte da provincia do Alemtejo, são muito mais rendosos que os melhores terrenos de trigo ao sul da mesma provincia. Esta observação deve fazer conhecer aos nossos agricultores, que não ha terrenos, por mais estereis e pobres que pareçam, que não possam tornar-se bastantemente productivos, uma vez que sejam aproveitados nas culturas, que lhes são proprias.

1857. Cultura dos azinhaes e sobraes. A azinheira (quercus ilex), e o sobreiro (quercus suber) recebem com pequena differença a mesma cultura, e constituem, principalmente no sul do reino, essas ricas matas, que são conhecidas debaixo do nome de herdades de azinho, ou de sobro, ou de azinhaes e sobraes.

1858. Estas matas tem a triplicada vantagem de produzir ao mesmo tempo lenhas, madeiras de construcção, e fructos. Os azinhaes produzem bolota com que se engordam varas de porcos, rebanhos de perús, e toda a casta de gado; os sobraes produzem lande, que preenche, posto que mais imperfeitamente, o mesmo fim.

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1859. Ainda não ha muito tempo que as herdades de azinho tinham sobre as de sobro a mais decidida preferencia; hoje, porém, depois do grande valor e exportação da cortiça, talvez que os sobraes sejam mais lucrativos que os azinhaes.

1860. É verdade que a bolota é mais nutritiva do que a lande, e a madeira de azinho um melhor combustivel que a de sobro; mas em compensação tudo quanto o sobreiro produz póde ser utilisado pelo agricultor - a madeira em toda a casta de construcções, o entrecasco no curtimento dos couros, a cortiça em varios usos economicos; a folha como pasto arboreo, e o fructo como alimento dos gados.

1861. A devastação, que de ha annos a esta parte tem experimentado as herdades de azinho e de sobro circumvizinhas ao Téjo, é um facto que pouca gente ignora em Portugal. Tem-se abatido um sem numero de arvores para se reduzirem a carvão. Tem-se comprado herdades com o fim de as cortar e de as carbonisar no dia seguinte. Este arboricidio deve reprimir-se e castigar-se com a maior severidade. Vai nisto altamente interessada a nossa economia florestal. Em todos os paizes estão estes córtes regulados pela lei; mas no nosso pouco importa que as leis existam, porque ellas perderam a sua força, e os seus executores a authoridade moral que lhes é tão necessaria!

1862. Ninguem ignora que é necessario abastecer de combustivel as nossas povoações, e principalmente Lisboa, e que para attender a esta necessidade é mister sacrificar alguns arvoredos; mas os desbastes e as limpezas feitas quasi todos os annos, bem como o córte das arvores, ou infructiferas, ou velhas, dariam durante dez annos maior copia de carvão do que o córte geral de qualquer herdade. Este procedimento é por tanto reprehensivel e absurdo; é o procedimento barbaro dos selvagens da America, que cortam a arvore para lhe colher o fructo.

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1863. Felizmente, em compensação deste grave mal, tem-se ultimamente creado no centro da provincia do Alemtejo um grande numero de matas em terrenos, que sendo antes baldios, poderam ultimamente coutar-se. Estas matas são herdades nascentes, que devem em pouco tempo substituir aquellas que o machado destruíra. Sabe-se que o maior obstaculo que se oppõe á creação dos arvoredos no sul do reino, é o direito do compascuo, que deve proscrever-se em toda a parte, como uma usança barbara, e anachronica.

1864. As matas de azinho, e de sobro são uma producção espontanea dos terrenos das provincias austraes do reino. As azinheiras apparecem debaixo da fórma de moutas cerradas, dispostas em grupos em muitos pontos do Alemtejo, e não é necessario senão destruir a maior parte das plantas em cada um destes grupos, ressalvando apenas um pequeno numero dellas, para se alcançarem, com o andar do tempo, arvores corpulentas e robustas.

1865. Mas por meio da sementeira se poderiam tambem obter, e em algumas partes se tem obtido; formosos azinhaes, sendo que por este processo se alcançam arvores mais productivas, e de melhor fructo. A sementeira faz-se nos fins do outomno, ou na entrada da primavera, escolhendo a melhor semente, e tendo lavrado previamente o terreno. Abrem-se com o arado regos na distancia de quarenta pés uns dos outros: e vai-se lançando a semente nos regos na distancia de dois pés, para se irem arrancando e desbastando as arvores mais ruins, até ficarem as restantes nas convenientes distancias. Feita a sementeira, deve-se ter o maior cuidado em impedir que os porcos entrem nos terrenos semeados, para não desenterrarem e comerem a bolota, e quando as plantas forem nascidas devem tambem defender-se dos gados para que as não comam.

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1866. Durante o crescimento do azinhal, é necessario limpar as arvores dos ramos ruins e seccos, e deixar-lhes as pernadas e os ramos mais apropriados á formação de uma copa regular. Quando, porém, as azinheiras tiverem adquirido todo o seu crescimento, devem limpar-se regularmente de tres em tres annos, ou de quatro em quatro, desde o mez de dezembro até março. Esta limpeza consiste na suppressão de todos os ramos perpendiculares, que são infructiferos e ladrões, de todos os ramos doentes, seccos, e musgosos, bem como de todos aquelles que se emmaranham, e que embaraçam a livre circulação do ar, e a penetração da luz. Além disto deve ter-se o cuidado de dirigir, e educar as pernadas de modo que a arvore se apresente copada superiormente.

1867. Em algumas herdades do Alemtejo vêem-se as arvores inteiramente desfiguradas, e quasi perdidas pelos excessivos córtes de quasi toda a sua ramagem. Não é tanto por ignorancia, como por uma culposa especulação que isto acontece. Os caseiros das herdades, destinados a velar na sua guarda, não usufruindo senão as pastagens, e as searas que o terreno póde dar, fazem aquelles barbaros córtes para assim obterem melhores colheitas herbaceas. Os proprietarios devem por tanto precautelar-se nos seus ajustes com os caseiros para evitar a destruição dos seus montados.

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1868. O terreno das herdades deve lavrar-se de dois em dois annos, e semear-se de tres em tres. As searas não são muito productivas, mas devem fazer-se para pagar as despezas das lavouras, que são indispensaveis á cultura destas fazendas.

1869. A bolota dos azinhaes é geralmente destinada ao engordo de uma ou mais varas de porcos. Encabeçada a herdade mette-se-lhe o numero de cabeças em que foi avaliada: é nos fins de setembro, ou principios de outubro, que começam a aproveitar-se os montados, e é ordinariamente por todo o mez de dezembro, que termina o engordo.

1870. As herdades de sobro são tratadas do mesmo modo. Ha uma evidente utilidade em semear na mesma herdade sobreiros entremeados com as azinheiras, para obter todos os annos uma constante novidade, porque a fructificação destas duas plantas alterna entre si. Os sobreiros são privados da sua camada subrosa, ou da cortiça, em epocas periodicas, que variam segundo as arvores, e as localidades. Este producto equivale ao valor de uns poucos de annos de montado, e torna esta arvore eminentemente lucrativa.

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1871. Cultura dos carvalhaes. O carvalho commum (quercus racemosa B.), e o carvalho roble (quercus robur L.) constituem matas preciosas em quasi toda a Europa. Estas matas, quando extensas, tambem recebem entre nós o nome de herdades. Formam-se como as azinheiras, por meio de ressalvos feitos em suas moutas. Querem, como os azinhaes, terra arenosa, e tambem silico-argilosa fundavel, e uma identica cultura. A sua lande tem a mesma applicação que a do sobreiro. A sua madeira é excellente para emmadeiramentos de casas, para instrumentos agrarios, para rodas de azenhas, e de moinhos, para carros, para pizões, e outros objectos importantes. A sua rama é tambem aproveitada como pasto arboreo. É por tanto, o carvalho uma arvore de grande prestimo, e tambem de grande corpulencia, e longevidade.

1872. A madeira dos carvalhos, conhecidos no reino pelo nome de alvarinhos, é melhor do que a das duas variedades, conhecidas pela denominação de carvalhos cerqueiros e negraes.

1873. Tem-se ultimamente observado que o carvalho vegeta tristemente quando se acha só, e que medra muito melhor, e mais contente, na companhia de outras plantas da sua especie. Este phenomeno innegavel, segundo parece, é certamente de difficil explicação.

1874. Seria para desejar a naturalisação, entre nós, do carvalho branco (quercus alba) natural da America, e empregado em variadissimos usos nos Estados Unidos; a do carvalho quercitron (quercus tinctoria) tambem americano, e cuja casca dá uma excellente côr amarella, e a do carvalho velani (quercus aegylops) natural da Grecia, cujo fructo é empregado nas artes, e principalmente na tannação dos couros.

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