Guia e Manual do Cultivador/II/II-VIII
CAPITULO VIII.
HORTICULTURA.
Noções preliminares.
Que dita a do cultor que ao lar se aquece Junto dos filhos e da esposa ao lado, Que depende de Deus - pouco dos homens; Que amanha o campo de seus paes herdado.
O AUCTOR.
1006. É a horticultura aquella parte da sciencia agricola, que nos ensina a cultivar nas hortas os legumes, hortaliças, e outras plantas herbaceas, que por seus fructos, raizes, caules, flores, e ramas podem ser utilisados, quer na alimentação do homem, ou dos animaes, que elle tem reduzido á domesticidade, quer em outros usos economicos ou artisticos.
1007. São muitas e mui variadas as plantas, que se cultivam nas hortas, o que torna muito vasta e difficil a arte do hortelão: esta arte não só demanda incessantes cuidados, e uma incansavel diligencia, senão tambem muitos conhecimentos praticos, que só podem adquirir-se na applicação dos processos, que lhe são peculiares, no estudo agrologico das terras, na meditação dos usos e tradicções locaes, e na observação attenta dos factos agronomicos.
1008. A maior parte dos nossos melhores legumes e hortaliças provem de plantas selvagens que se teem modificado e melhorado pela cultura. Introduzidas nas hortas, estas plantas foram soffrendo modificações semelhantes ás que experimentam os animaes pela acção transformadora da domesticidade: as muitas variedades que as plantas em cultura apresentam são outras tantas phases que manifestam aquella gradual transformação.
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1009. O hortelão contrariando as tendencias, e transformando os habitos e a organisação das plantas que cultiva, carece de empregar mais meios agronomicos do que o agricultor para attingir o seu fim. Este marcha a par com a natureza, auxilia-a; e é por ella auxiliado; imita os seus processos, obedece ás suas indicações, e no grangeio do seu campo não faz mais do que reunir condições naturaes que promovam o regular desenvolvimento dos vegetaes, que cultiva - aquelle no amanho da sua horta multiplica os processos agricolas para forçar, em alguns casos para retardar, e a maior parte das vezes para accelerar a marcha da vegetação - reprime ou provoca a acção do clima; faz desenvolver uns orgãos á custa de outros, modifica profundamente as raças vegetaes, cria novas variedades, e destroe o typo primitivo das especies, domesticando as plantas e transformando os seus costumes, e propriedades de uma maneira admiravel.
1010. É claro por tanto que para alcançar estes resultados, e para obter productos resultantes de uma vegetação puramente artificial, e apropriados á satisfação das nossas necessidades e gostos, percisa o hortelão de adoptar methodos e processos, com que muitas vezes contrarie e dome a natureza; dirigindo, e encaminhando as leis da producção vegetal ao seu especial proposito. Assim os productos que elle se propõe conseguir, e que effectivamente consegue, tem um desenvolvimento, um sabor, e um mimo muito além do natural: os fructos são mais volumosos, mais suculentos, e mais sacarinos; as raizes mais mucilaginosas e feculentas; tem mais assucar, menos lenho e mais polpa carnosa; e as ramas, além de terem a maior parte destas qualidades, são mais azotadas, mais albuminosas, mais tenras, e mais nutrientes.
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1011. O hortelão não póde exercer a sua arte em tão grande escala como o lavrador; não só porque a horticultura demanda incessantes e variadissimos cuidados, quasi sempre incompativeis com as grandes culturas; senão tambem porque são menos frequentes e mais limitados os terrenos que a ella se podem dedicar, de além disto muito grande, e ás vezes superior aos recursos locaes, o emprego de braços e de estrumes que ella reclama. É por isso que só onde a população se acha mui condensada se encontram vastas e numerosas culturas desta natureza, se o solo e o clima lhes não obstam.
1012. As aguas e os estrumes são o principal nervo da horticultura; e lá onde faltar algum destes poderosos agentes deve perder-se toda a esperança de bom e afortunado successo. O chão das hortas anda, ou deve andar, n'uma rotação continua; e o bom hortelão não o deixa em descanço em estação alguma de anno. Conhece-se pois que a sua energia productiva promptamente se estancaria, uma vez que não fosse reforçada pelo emprego dos estrumes, e economisada pelo dos afolhamentos. Regar, estrumar, e alternar são pois os tres grandes recursos da horticultura.
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1013. Está por desgraça muito pouco generalisada a cultura das hortas no nosso paiz e particularmente nas nossas provincias do Sul, concorrendo para isto a escassez das aguas e dos estrumes, a falta de população, e mais que tudo a indolencia quasi invencivel de uma grande parte dos nossos camponezes, assim como o pouco conhecimento, que tem da bella arte da horticultura. É para lastimar esta falta de curiosidade ou de instrucção e esse espirito de rotina, que priva as nossas populações ruraes dos mimos e dos encantos desta cultura - que as condemna a não verem em torno dos seus casaes, durante alguns mezes do anno, nem se quer uma folha verde, e a não saborearem quasi nunca as verduras e os fructos, que deveriam fazer a variedade, o regallo, ás vezes mesmo a fartura da sua mesa.
1014. Apesar de que a escassez das aguas seja muito sensivel em alguns pontos da Estremadura e Alemtejo, ha todavia muitos em que ellas abundam, e andam todavia desaproveitadas. Raras vezes se percorre alguma vasta propriedade das muitas situadas nestas provincias, que se não deparem terrenos muito proprios para estas culturas; e se em todos aquelles que ficam além do Tejo, onde brotasse uma fonte, se conseguisse levantar um casal, esta provincia seria a mais populosa e rica do reino - não são por tanto as condições naturaes do solo as que em muitas localidades, e sempre fallecem, são antes, e por desgraça em muitos casos, a boa vontade, a laboriosidade, e a perseverança dos habitantes do campo: sem fallarmos agora de outros obstaculos legaes, que retardam o desenvolvimento da nossa industria agricola. Nós, que temos percorrido quasi toda a provincia do Alemtejo, e que temos recolhido bastantes informações para conhecer a fundo as condições peculiares das suas populações ruraes, temos visto com espanto e com magoa os incalculaveis recursos, que os habitantes do campo deixam perder em torno de si. - E todavia ha no paiz (e é força confessal-o) um grande movimento agricola, tem-se ultimamente desenvolvido nos suburbios das nossas villas e cidades um progressivo gosto pela horticultura, mas este gosto circumscripto nestas localidades não se tem por ora propagado ás populaçães ruraes! - E é pena que assim aconteça - porque a horta além de ser o entretenimento, o desafogo, e o conforto das familias do humilde agricultor é ao mesmo tempo um arsenal de variadas subsistencias, e de delicadas e sadias iguarias, e um campo de pequenos ensaios e de uteis experiencias, destinado a revelar muitas verdades agronomicas proprias a esclarecer o entendimento dos agricultores e a espalhar uma grande civilisação agricola. - Por feliz me dera eu se estas minhas desinteressadas reflexões podessem contribuir a fazer brotar entre os nossos camponezes o gosto da horticultura, e com elle uma fonte perenne de commodidades e prazeres domesticos!
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OPERAÇÕES GERAES DE CULTURA.
Escolha do terreno.
1015. O chão, em que quizermos estabelecer uma horta, convem que seja solto, fundavel, e humoso. Já sabemos que os materiaes inorganicos, que entram em largas proporções na composição dos solos são as areias e as argilas: e que os terrenos quasi exclusivamente formados de umas, ou de outras destas substancias são muito improprios á vegetação: porque ou se apresentam tão moveis, tão inconsistentes, e tão permeaveis ás aguas pluviaes, que não prestam ás plantas nem o necessario apoio, nem a necessaria humidade, ou pelo contrario se apresentam tão tenazes, tão plasticos, e tão humidos que não lhes consentem um livre e franco desenvolvimento radicular. Estes inconvenientes, communs a todas as culturas, deixam-se especialmente sentir nas culturas horticolas sempre mais delicadas do que todas as outras. As terras francas ou normaes, sendo as que estão mais distantes daquelles dois extremos, são tambem as mais proprias para este genero de cultura. Convem porém que nestas terras prepondere um pouco o principio humoso, como aquelle que ministra aos legumes e ás hortaliças as principaes substancias organicas, que entram na sua composição. É geralmente nos valles e nas planicies cercadas de montanhas, nas varzeas e nas beiras dos rios e das ribeiras, que encontramos os melhores terrenos para o estabelecimento das hortas. Quasi sempre os elementos, que entram na composição destes terrenos se associam de modo, que se corrigem reciprocamente, dando em resultado um solo sufficientemente substancioso e permeavel ao ar e aos liquidos, mas susceptivel com tudo de conservar estes ultimos, durante um tempo consideravel, e de não endurecer pela secura a ponto de lacerar e encarcerar as raizes das plantas, o que as condemna a uma infallivel inanição.
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1016. Mas como infelizmente nem sempre temos á nossa disposição um tão bom terreno, e antes pelo contrario, muitas vezes se nos apresentam outros que, ou peccam por excesso de areia, quer siliciosa quer calcarea, ou por excesso de argila, é então indispensavel tentar a necessaria correcção, addicionando o principio elementar que lhes falta. Se o solo for pois unicamente areoso juntar-lhe-hemos a argila, até que adquira a conveniente consistencia; se for argiloso a area mais fina que podermos encontrar, até lhe communicar a precisa divisibilidade. Estes correctivos estão ás vezes tão proximos que o seu emprego não se torna nem difficil, nem dispendioso. Não poucas vezes convirá empregar o marne ou a cal como agentes poderosos de uma excellente correcção.
1017. Sendo as regas uma das condições indispensaveis da cultura horticola, por isso que durante uma boa parte do anno é sem ellas impossivel a manutenção das plantas herbaceas nos paizes meridionaes, convem que só estabeleçamos aquella cultura nos terrenos onde abundarem as aguas necessarias para as suas irrigações. A existencia das aguas, ou dentro, ou nas proximidade das hortas é objecto da mais alta importancia, principalmente nos paizes, que como o nosso são sujeitos durante os calores do estio, a uma intensa evaporação.
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1018. Os terrenos destinados ás hortas devem ter uma muito ligeira inclinação, para que as irrigações se possam fazer com inteira facilidade. As grandes inclinações são sempre prejudiciaes, e quando existem é mister dividir o terreno em escalões ou socalcos sustentados por muros em planos successivamente inferiores. Quando os terrenos não teem inclinação alguma, isto é, quando são horisontaes, então é necessario dar um pequeno declive aos taboleiros e canteiros, para que as regas se façam convenientemente.
1019. Como as hortaliças e legumes cultivados nas hortas estão muito sugeitos a roubos e outras malfeitorias é necessario que estas propriedades ruraes sejam cerradas ou por meio de muros, ou de sebes: aquelles podem ser de pedra ou de taipa, estas podem ser formadas de plantas vivas, ou de ramos seccos e pallissadas, acompanhadas de fossos, ou vallados, onde as chuvas vão depositar uma grande copia de saes e detritos organicos, que depois se aproveitam. Estes tapumes além de formarem meios de defeza, formam tambem abrigos, que concorrem para a melhor vegetação e cultivo das plantas. As sebes vivas podem ser formadas por um grande numero de plantas, como são as romeiras, macieiras, pereiras, espinheiros, e principalmente os de Virginia, pilriteiros, abrunheiros, marmeleiros, acacias, luzernas arboreas, amoreiras, piteiras, carvalhos, olmeiros, pinheiros, videiras, rozeiras bravas, grozelheiras espinhosas, figueiras da India, e loureiros. As acacias bastardas, as romeiras, os carvalhos de mistura com as videiras, as figueiras da India, a luzerna arborea, as piteiras, e os loureiros parecem-nos preferiveis não só pela natureza do tapume como tambem pela riqueza dos productos, que nos fornecem.
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Exposição e abrigos.
1020. A melhor exposição para as hortas é a do meio dia, porque é aquella que mais accelera o crescimento da maior parte das hortaliças. O calor e a humidade são as duas condições meteorologicas, que maior influencia exercem sobre a vegetação das plantas herbaceas horticolas; e então os terrenos expostos ao meio dia, uma vez que possam ser abundantemente regados, devem ser preferidos a outros quaesquer - a experiencia confirma todos os dias esta inducção theorica.
1021. Depois da exposição meridional ainda é considerada como bastante vantajosa a do nascente, posto que tenha o inconveniente de ser muito açoitada do vento leste e nordeste, que são, como se sabe, dois dos mais terriveis flagellos da nossa vegetação. A exposição ao norte é de todas a peior, principalmente nas estações frias do anno, e nos sitios altos e pouco abrigados do reino.
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1022. As exposições são muito modificadas pelos abrigos, e a vegetação das hortas, naturalmente delicada e mimosa, inda tira delles mais proveito do que das proprias exposições. A exposição oriental, de que ha pouco fallámos, é consideravelmente melhorada pelos abrigos, que a defendem dos ventos do levante. Em todo o caso é muito conveniente defender as hortas da acção dos ventos noroeste, norte e leste, que açoitam e queimam as hortaliças com uma violencia e rapidez pasmosa.
1023. Entre os meios de abrigar as plantas hortenses dos ventos e vicissitudes atmosphericas devemos aqui mencionar os guarda ventos que são formados por filas de estacas bem fortes, cravadas a distancias convenientes na terra, e que a sobre-excedem obra de vara e meia a duas varas; a estas estacas pregam-se horisontalmente tres ou mais ordens de ripas em ordem, a formar uma especie de engradamento; o qual é finalmente guarnecido de colmo ou canas, que se prendem ás ripas com fios de arame. São porém preferiveis a estes guarda ventos aquelles que são formados por canaviaes, que se dispõem em fileiras, segundo o pede a necessidade.
1024. As redomas e as vidraças são tambem meios, de que algumas vezes se serve o horticultor para defender varias plantinhas mais mimosas, ou alguns alfobres que difficilmente resistiriam ao rigor da estação. Posto que estes abrigos sejam menos necessarios no nosso paiz do que nos paizes mais septentrionaes, conviria com tudo que fossem mais conhecidos dos nossos hortelões, e empregados em algumas circumstancias excepcionaes. O uso dos esteirões para cobrir e perservar certas plantas, quer herbaceas, quer sob-lenhosas da acção das geadas, e mesmo dos ventos frios, é geralmente adoptado no nosso paiz, por todos os hortelões diligentes e cuidadosos, que não querem perder n'uma noite os trabalhos de muitos dias.
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Preparação do solo.
1025. Quando quizermos converter em horta um terreno qualquer devemos surriballo com o enxadão ou alvião até á profundidade de um pé e meio a dois pés. Esta surriba que póde ser precedida de um bom lavor de charrua deve ser tanto mais profunda quanto mais embaraçado se achar o solo de pedras ou de raizes. É nesta occasição que devemos traçar as ruas que hão-de dividir a horta em espaços mais ou menos eguaes e regulares. Esta divisão, além de outras vantagens tem a de facilitar o systema de rotação e producção successiva adoptado nas hortas, de modo que as culturas diversas vão-se estabelecendo a favor della periodica e regularmente nos diversos taboleiros.
1026. As ruas são necessarias para o grangeio e fabrico da horta, e fornecem o meio de a percorrer sem destruir os seus productos ou damnificar os seus amanhos. Quando surribarmos devemos deixar intactas as faxas de terreno que devem formar as ruas; mas logo que a surriba estiver concluida devemos raspal-as profundamente, lançando sobre ellas alguma area ou caliça para as tornar facilmente praticaveis em todas as epocas do anno. As ruas não devem ter senão a largura indispensavel, isto é, tres pés as principaes, e dois as transversaes.
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1027. Supponha-se que tinhamos de surribar um taboleiro qualquer, começariamos por fazer abrir o primeiro rego com a profundidade indicada, e com a largura de 4 a 5 pés, e como fosse aberto a terra que delle extrahissemos seria transportada em carros de mão para a extremidade do mesmo taboleiro - abririamos então o segundo e a terra delle extrahida viria encher o espaço do primeiro; e assim por diante até chegarmos ao ultimo, que encheriamos com a terra do primeiro.
1028. Se a horta porém já se achar estabelecida basta que a comecemos a cavar nas primeiras aguas do outomno, e isto sem prejuizo do fabrico, que deve receber em outras epocas do anno, conforme as culturas, a que a destinarmos. A cava deve porém ser profunda de um pé, empregando para este effeito fortes e compridas enchadas. A profundidade do lavor é aqui indispensavel, porque a belleza e o vigor dos legumes e das hortaliças dependem principalmente desta circumstancia.
1029. Depois deste primeiro fabrico, quasi geral por toda a extenção da horta, vam-se successiva e opportunamente amanhando os diversos taboleiros e canteiros por maneira que o terreno não só fique perfeitamente dividido e sufficientemente adubado, senão tambem disposto de modo que a agoa possa chegar a todos os pontos, por meio de um systema de regos que deve variar segundo as circumstancias accidentaes, do terreno, e as particulares exigencias das diversas culturas. O que nunca se deve esquecer neste fabrico das hortas é que a divisão, e completo esterroamento do solo é uma das condições mais importantes, tanto para assegurar a germinação das sementes, como para procurar a todas as plantas hortenses uma vegetação vigorosa e rica.
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1030. Como o chão das hortas está sempre nos paizes meridionaes em continua actividade as suas forças productivas rapidamente se esgotariam, se as não reparassemos por meio de repetidos estrumes, que são, como já dissemos, o principal nervo da horticultura, e a materia prima que as plantas elaboram e convertem nos seus proprios tecidos.
1031. Na applicação, porém destes adubos convem seguir algumas regras que a experiencia tem sanccionado. Convem em primeiro logar que os estrumes que houvermos de empregar sejam bem curtidos, e antes vegeto-animaes do que animaes; estes se por acaso se empregam no principio da sua fermentação communicam á maior parte das hortaliças um cheiro repugnante. Cumpre em segundo logar que os taboleiros que acabarem de receber estes adubos sejam de preferencia destinados á cultura das couves, plantas muito ávidas de substancias organicas e azotadas; e que fazem destas substancias um extraordinario consummo. É além disto muito conveniente que as cenouras, os feijões, e as cebolas sejam plantadas nos taboleiros, que tiverem sido abundantemente estercados no anno antecedente, e que as ervilhas e alguns cereaes occupem estes mesmos taboleiros no anno seguinte, podendo deixar ainda de ser adubados se o terreno for pingue e humoso. E importa finalmente que o emprego mais ou menos copioso e frequente dos estrumes esteja sempre em relação com a natureza do terreno - porque se este for silicioso ou nimiamente solto é mister empregal-os com frequencia e em abundancia, mas se pelo contrario for pingue e substancial convem então empregal-os com mais parcimonia.
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1032. Existem meios de communicar ao terreno um calor artificial, que sendo mui geralmente adoptados nos paizes septentrionaes, não o são tanto no nosso, que goza de uma temperatura mais egual e elevada. Estes meios promovem poderosamente o desenvolvimento de certas plantas, principalmente exoticas, antecipam a sua fructificação, e fazem muitas vezes apparecel-a em estações diversas daquellas em que espontanea e naturalmente apparecem.
1033. Quando queremos obter nas hortas estes resultados semeamos sobre encosta e sobre cama.
1034. A encosta póde ser natural ou artificial - a natural verifica-se quando o terreno abrigado dos ventos frios apresenta uma forte inclinação com o horisonte e se acha exposto ao meio dia, de modo que vem a receber os raios do sol em cheio e quasi verticalmente - a artificial é quando em sitio apropriado imitamos esta disposição natural, dando ao terreno o declive e a exposição indicada.
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1035. Visto que nas encostas os raios do sol actuam com mais duração e intensidade, segue-se que as plantas nellas cultivadas hão-de preceder as suas semelhantes no seu desenvolvimento; acontecendo o mesmo que acontece nos diversos sitios e climas botanicos, em que a vegetação se antecipa tanto mais, quanto mais elevada se mostra a temperatura.
1036. As camas são pequenas camadas ou stractificações de estrumes animaes, não curtidos, que se cobrem de terra ou terriço, e que em virtude da fermentação, em que entram, communicam ao leito de terra vegetal, que os reveste superiormente um gráo mais ou menos elevado de calor que favorece a vegetação nas estações e paizes frios.
1037. As camas são cobertas ou descobertas; nas primeiras são as camadas interradas no solo, e nas segundas são feitas á sua superficie. As camas tambem se resguardam superiormente com vidraças, a fim de tornar a sua temperatura mais elevada e constante.
1038. Como a fermentação das camas vai pouco e pouco afrouxando, e com ella afrouxa egualmente a temperatura, costumam os hortelões remediar este inconveniente por meio dos rescaldos, que são pequenas camadas de novo estrume, que se applicam perpendicularmente ás paredes lateraes das camas. Deste modo conseguem protrahir o effeito das mesmas camas por todo o tempo necessario ao desenvolvimento e vegetação das plantas.
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1039. A concisão obrigada com que tratamos as doutrinas que fazem objecto deste Manual nos impõe a necessidade de omittir muitas cousas uteis, e nos força a deixar de fallar nesta occasião do emprego do calor artificial na horticultura, produzido nos hybernaculos ou nas estufas, por intervenção do termosiphão, do ar quente, dos fogões, &c.
1040. Depois de muito bem fabricado e preparado o solo com aquelles lavores, que forem necessarios para obter uma completa divisão, é distribuido em espaços regulares, a que damos o nome de taboleiros ou de talhões - estes espaços ficam separados uns dos outros, pelas ruas que atraz indicamos, e são quasi sempre subdivididos em canteiros, onde se estabelecem ou as sementeiras, ou as plantações conforme as culturas a que queremos submetel-os. Em alguns casos são os taboleiros immediatamente enregados, ficando os regos parallelos e próximos uns aos outros. Quando os taboleiros se formam é necessario dispôl-os de modo que a agoa possa chegar ou por infiltração, ou por innundação a todos os pontos.
1041. A profundidade dos lavores é subordinada á natureza da terra e á das plantas que queremos cultivar. Nas terras ligeiras e pouco profundas basta que as cavas tenham um palmo; nas fortes e fundaveis carecem de um e meio a dois - ás primeiras podemos confiar as plantas de raizes curtas e fibrosas, ás segundas as de raizes perpendiculares e afusadas.
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1042. Estes lavores devem ser rigorosamente executados. As suas vantagens são reconhecidas desde remota antiguidade. Nós temos agora sobre a nossa mesa de trabalho um livro de agricultura, tão antigo como raro, composto por um agronomo Arabe, Abu Zacaria, que antes de tractar dos legumes cultivados nas Andaluzias se exprime assim «Quando os lavores se repetem frequentes vezes augmenta-se o calor dos terrenos; exterminam-se as más hervas; abranda-se a dureza do solo; dilatam-se os seus póros; exhalam-se os vapores fetidos; mistura-se a sua parte superior com a inferior; facilita-se o accesso não só aos raios do sol que esmiuçam e aquecem a terra, mas ás chuvas que são por ella retidas; e a prosperidade apparece (mediante o favor de Deus) em tudo o que se semea: de modo que os lavores são o equivalente do melhor e do mais bem curtido esterco». Do que acaba de lêr-se se infere quão entendidos eram os Arabes nos processos e nas theorias agronomicas.
1043. Quando tivermos terrenos a estrumar devemos espalhar o esterco com egualdade sobre o chão da horta, e il-o depois enterrando á proporção que a cava se vai operando; não convem porém que fique enterrado a maior profundidade do que a de tres pollegadas, porque de contrario não poderia ser absorvido e assimilado pelas raizes da maior parte das plantas, que muitas vezes não as apresentam mais profundas.
1044. Devemos sempre separar na horta um pequeno espaço da melhor terra para a collocação dos alfobres: estes devem ser fabricados com o maior esmero, a fim de que as sementes possam encontrar nelles todas as circumstancias necessarias ao seu completo desenvolvimento. É nos alfobres que começa a fortuna do hortelão, porque é alli que as plantas começam de adquirir aquelle gráo de robustez e de vitalidade que as faz assenhorear do terreno logo que são transplantadas para os taboleiros, onde devem fructificar.
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Sementeiras e plantações.
1045. O que dissemos das sementeiras com relação á cultura campestre póde agora applicar-se em grande parte á cultura que nos occupa. O hortelão semeia quasi sempre no alfobre, para depois transplantar para os taboleiros; o lavrador pelo contrario semeia logo a valer ou para ficar, e raras vezes transplanta: este semeia quasi sempre a lanço, aquelle semeia quasi sempre em linha; o primeiro confia mais na natureza e quasi tudo espera della; o segundo serve-se mais da arte, e é a ella que principalmente se soccorre.
1046. Segundo a semente fôr mais ou menos fina assim devemos semear mais ou menos fundo, e segundo a terra fôr mais ou menos pingue, assim devemos semear mais ou menos basto. Tambem devemos semear nas terras areentas e magras mais cedo do que nas fortes, e mais tarde nas exposições frias e combatidas dos ventos do que nos sitios abrigados e calidos. Quando as hortas andarem copiosamente estrumadas póde a sementeira ser mais serodia, por que nem por isso deixarão os fructos de vir no tempo proprio, e de virem mesmo mais temporões, se a exposição fôr quente e abrigada.
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1047. Para semearmos os taboleiros em linhas deveremos primeiro traça-las por meio de um cordel passado pelo cré, o qual puchando-se pelas pontas, e levantando-se com a mão, se solta depois e vai deixar na terra um risco branco - fazem-se depois como este, a distancias convenientes, tantos quantas forem as fileiras de que a sementeira ha-de constar.
1048. Deve-se escolher para a plantação um tempo descoberto e sereno - se tiver chovido no dia antecedente, ou se o vento annunciar chuva proxima, a occasião é então muito propicia e deverá immediatamente aproveitar-se.
1049. A planta que tirarmos do alfobre, para ser disposta nos canteiros, deve arrancar-se com muito geito, levantando-se devagarinho com algum instrumento acommodado. A' proporção que se for dispondo assim se deve ir arrancando, porque bastam poucas horas para ella se sentir e perder.
1050. Quando aconteça vir de longe, ou de fóra, dever-se-ha conservar humedecida e preservada do sol, da luz e do vento, e plantar-se-ha incessantemente sem perda alguma de tempo.
1051. A plantação é um processo muito simples. Depois de traçadas as linhas a cordel, vão-se com o plantador, que é uma pequena estaca de páu, adelgaçada inferiormente em forma de fuso, fazendo na terra ligeiramente humedecida fileiras de boracos ou covinhas convenientemente espaçadas. Nestes boracos, cuja fundura deve ser proporcional ao cumprimento das raizes, vão-se estas introduzindo até ao collo, e vai-se depois unindo e apertando a terra contra ellas. Plantado que seja o taboleiro, ou mesmo antes de concluida a sua plantação, se o sol estiver descoberto, rega-se abundantemente para assegurar o bom resultado do processo.
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Lavores de entretenimento.
1052. Os lavores que tem logar durante a vegetação das plantas hortenses são as sachas, as mondas, e as arrendas.
1053. As sachas tem por fim destruir as hervas estranhas e nocivas á cultura, romper a adherencia do solo para dar ao ar e aos mais agentes meteorologicos um livre accesso até ao seu interior. A vegetação vigorosa e accelerada das plantas hortenses, e as culturas successivas muitas vezes depauperantes, a que submettemos o chão das hortas, torna este lavor indispensavel não só para augmentar com a presença do ar em torno das radiculas a massa das substancias alimentares, accelerando por este modo os periodos da vegetação, mas mesmo para restaurar as forças productivas do solo, que seriam seriamente affectadas sem estes meios reparadores. O horticultor deve sempre recordar, que as plantas que elle cultiva são ávidas de substancias organicas, e que estas substancias são-lhe subministradas talvez por egual, tanto pelos adubos como pelo ar. As epocas e o numero das sachas não se podem determinar n'um livro, tanta é a sua variedade, já por effeito dos climas e das circumstancias do anno, já em consequencia da diversidade das culturas: mas póde asseverar-se como preceito fundamental que poucas vezes são demais.
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1054. As mondas são lavores auxiliares das sachas destinadas a produzir quasi os mesmos effeitos, posto que sejam especialmente dirigidas a limpar o campo das hervas ruins, cuja concurrencia é sempre prejudicial, e muitas vezes fatal ás plantas em cultura. Os hortelões não podem nem devem evadir-se a esta custosa operação, porque as regas abundantes, necessarias á prosperidade das hortas, fazem por toda a parte pullular plantas indigenas e rivaes, que disputam soffregamente as subsistencias ás plantas de adopção confiadas ao terreno.
1055. As arrendas, que consistem no amontoamento de terra em torno do tallo e do collo da raiz das plantas, tem por fim agazalhar estes orgãos contra as vicissitudes atmosphericas, e promover o maior desenvolvimento e ramificação das radiculas. Estes amanhos são sempre uteis, mas muito principalmente áquellas plantas, que tem a propriedade de lançar raizes aereas, ou quaesquer outras nascendo do collo da raiz.
Regas.
1056. No nosso paiz e em todos os paizes meridionaes da Europa fôra impraticavel a creação e o entretenimento de uma horta qualquer sem a agoa necessaria para as suas regas. Ha, pelo menos, quatro mezes no anno em que as culturas hortenses se tornam inexequiveis se a secura extrema do solo não fôr artificialmente corregida. A agoa é o chilo da terra, e as irrigações quer naturaes, quer artificiaes são a vida dos campos principalmente durante o estio; e sem ellas não podemos ter nesta estação nem hortaliças, nem legumes, nem arvores de fructo, nem prados artificiaes, de cuja falta tanto se ressente a nossa agricultura.
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1057. E na verdade de todos os melhoramentos de que podemos lançar mão para augmentar, de uma maneira duravel, o producto do solo, não ha certamente nenhum tão importante como são as irrigações. E apezar disso a sua prática não é nem assás conhecida, nem sufficientemente generalisada entre nós. Quando percorremos o nosso paiz encontramos a cada passo terrenos situados ao longo das ribeiras, e proximos a regatos caudalosos, ou enriquecidos por mananciaes e fontes perennes, que podendo ser regados quasi sem despeza alguma, deixam de desfructar este beneficio pela incuria e desleixo quasi invencivel de muitos dos nossos cultivadores. Alguns até ignoram o que perdem - e outros não querem ou não ousam alterar o systema de cultura seguido por seus pais. É uma grande cegueira ou uma deploravel negligencia, que nos mostra a lentidão com que se propagam as praticas agricolas da mais evidente utilidade!
1058. Nós temos alguns rios, que de pouco ou nada servem á navegação, mas que poderiam ser empregados na rega dos campos marginaes, e mesmo na rega das extensas veigas, que demoram nas suas proximidades. Um vasto systema de canalisação para aproveitar as agoas destes rios seria o maior passo que poderia dar-se na carreira do progresso agricola do paiz. O Zezere, o Nabão, o Guadiana, o rio Ervedal estão neste caso, assim como um grande numero de ribeiras tributarias destes, e de outros rios inda mais caudalosos. Bem depressa (não diremos no nosso apoquentado paiz, mas em quasi todos os da Europa) a multiplicação dos caminhos de ferro tornará menos necessaria a viação aquatica, e os rios, mesmo os navegaveis, correrão quasi inuteis sobre o solo se os não empregarmos na irrigação dos campos: então a agricultura, que segundo diz o Conde de Gasparin parece ser destinada a recolher as migalhas, que cahem da mesa dos ricos, terá á sua disposição um recurso, que se tornará inutil a outras industrias mais opulentas e favorecidas.
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1059. É por centenares de milhões, diz um grande agronomo dos nossos dias, que os Governos devem contar a perda que resulta da massa de agoas, que descuidosos deixam correr para o mar sem tirar della o menor proveito. - Mas como os espiritos dos homens pensadores teem já apreciado todo o valor desta grave perda, e como é quasi insuperavel o poder das grandes verdades perfilhadas pela sciencia, é de presumir que melhor esclarecidos os administradores do estado imprimam de futuro aos trabalhos publicos uma mais nobre e proveitosa direcção.
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1060. Nós temos, sem sair da nossa formosa peninsula, prestantes indicações a seguir, que demonstram as immensas vantagens, que a agricultura póde tirar do bom aproveitamento das agoas. As obras hydraulicas que os arabes aqui deixaram são altamente instructivas e revellam a grande civilisação e laboriosidade daquelle povo. As huertas de Valencia, essa vasta bacia, que se dilata n'um raio de algumas leguas em torno desta bella cidade cingida por um verde cinto de jardins e de vergeis, estas hortas, regadas por uma rêde de canaes habilmente distribuidos, são um exemplo prodigioso das vantagens agricolas da irrigação.
1061. Na sua obra sobre as irrigações de Hespanha cita-nos Mr. Jaubert de Passa um facto que nos demonstra a que ponto nos paizes meridionaes se póde augmentar a energia productiva do solo por intervenção das regas. Elle viu nos arredores de Valencia, nas hortas de que acabámos de fallar, obterem alguns hortelões em menos de uma geira de terra tres milhões de pimentões, que vendidos pelo preço de 240 réis o milhar, produziram o valor de 720$000 réis. E este rendimento não era senão o de unica colheita das tres que ordinariamente se obtem no mesmo terreno no decurso de cada anno. - Nós, que já nos achámos neste paraiso da industria horticola, e que o visitámos penetrados de admiração e de deleite, podemos corroborar com o nosso testimunho a asserção deste illustre observador.
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1062. As veigas e os campos de Murcia, de Granada e de Aragão devem igualmente a sua admiravel fertilidade aos conhecimentos hydraulicos que os povos destas provincias possuem desde muitos seculos relativamente á arte das irrigações. Como exemplos domesticos tambem poderiamos citar, posto que em escala menor, os campos de Logomel, Ervedal e Ponte de Sor que produzem hoje, depois que as suas agoas são economicamente aproveitadas, cinco ou seis vezes mais do que produziam quando a sua cultura era a cultura banal do Alemtejo. E quem ignora que a nossa sempre verde provincia do Minho deve grande parte da sua fertilidade e do seu risonho aspecto ao emprego das agoas de muitos dos seus rios?
1063. Não é n'um trabalho desta natureza que se podem mencionar todos os factos comprovativos da asserção que ennunciamos mas os canaes de irrigação da Provença e do Milanez na Europa, e os da China e da Persia na Asia provam que a canalisação geral do solo nos paizes agricolas, e particularmente no nosso, o mais meridional da Europa, são uma das emprezas mais uteis á fortuna publica e particular que podem emprehender os Governos ou o espirito societario da nossa epoca.
1064. As agoas de irrigação da Lombardia e do Piemonte representam, segundo os calculos de habeis economistas, a renda de 8:000 contos ou um capital de 160:000 contos (400 milhões de cruzados). Estes enormes valores seriam quasi todos perdidos e sepultados no Mediterraneo e no mar Adriatico sem os canaes de irrigação destes opulentos paizes. As agoas do Pó, do Tessino, do Adda, do Muza são a limpha ou antes o sangue do reino Lombardo-Veneziano, que Deus fez tão feliz, e os homens tão desgraçados! Daqui podemos, pois, inferir qual deva ser a massa de riquezas que é sepultada annualmente nas agoas litoraes do Oceano, onde vão desagoar todos os nossos rios carregados dos mais ricos despojos do nosso solo e vegetação.
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1065. O valor das agoas não é o mesmo em todas as situações e climas agricolas: ellas teem menos valor nos paizes do norte do que nos do meio dia, porque a acção da agoa sobre a vegetação está na razão do maior ou menor gráo de temperatura; e póde considerar-se a energia vegetativa de qualquer região botanica como um producto resultante destes dois factores - agoa e temperatura. E na verdade se 2 de calor multiplicados por 2 de agoa dão 4 de producto, 5 de calor multiplicados por 5 de agoa dão 25; e eis-aqui como se explica o effeito quasi miraculoso das irrigações nos paizes meridionaes. Esta formula fica sendo de uma exactidão rigorosa se a estes dois factores juntarmos um terceiro factor, o do solo, que póde ser soffrivel, bom, ou optimo em todas as estações agricolas.
1066. As agoas que se podem empregar nas regas actuam no solo por um modo muito diverso. Ha agoas que o esterelisam - ha outras que o não fecundam - e outras pelo contrario que lhe imprimem uma extraordinaria fecundidade. As primeiras são agoas que contéem uma notavel quantidade quer de saes carbonatados de magnesia ou de ferro, quer de sulphatos de cal. Estas agoas esterelisam os terrenos, porque aquelles carbonatos perdendo ao ar uma parte do seu acido carbonico se precipitam e formam não só em torno das raizes das plantas, mas tambem sobre a terra uma crusta que embaraça as funcções correlativas das radiculas e do solo; e porque os sulphatos de ferro quando abundantes obram como agentes de desorganisação ou como venenos. As segundas são agoas pouco arejadas e por tanto pouco oxigenadas, que apoderando-se de uma porção do oxigeneo do solo e das plantas, as privam, em grande parte, de um dos seus principaes elementos chimicos, o que entorpece, ou pelo menos retarda o seu desenvolvimento. As ultimas finalmente ou as fertilisantes são agoas arejadas contendo saes de potassa, de soda e de ammonia, assim como materias organicas e acido carbonico em dissolução. Vê-se por tanto a necessidade de reconhecer previamente a natureza das agoas antes de as empregarmos no mister das irrigações.
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1067. As agoas sobrecarregadas de sulphato de ferro, ou de caparosa reconhecem-se por apresentarem á sua superficie um inducto luzente e de uma côr ferruginosa, e tambem pelo seu gosto adstringente e metalico. Os saes carbonatados revella-os a ebulição evolvendo o acido carbonico, e precipitando no fundo do vaso as bases terreas. Ha meios para determinar rigorosamente a quantidade de ar contido na agoa, mas esses meios não podem apresentar-se aqui. A agoa completamente arejada é muito menos pesada do que a da chuva, porque póde chegar a dissolver até 36 por cento do seu volume de ar; este ar é mais oxigenado do que o atmospherico. Quando a agoa não chega a ter 2 por cento do seu volume de ar é pouco propria para a vegetação. As agoas dos poços e das neves derretidas estão neste caso mas corrigem-se e arejam-se facilmente, agitando-as ao ar; ou mesmo deixando-as por algum tempo em contacto com este fluido.
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1066. As agoas gipsosas ou selinitosas, vulgarmente denominadas agoas cruas, são más para a bebida e para a vegetação; os legumes cozem-se muito mal nestas agoas. As agoas carregadas de carbonato de potassa e de soda esverdeam depois da ebudição o xarope de violetas.
1067. Não são geralmente boas as agoas que não dissolvem bem o sabão, e em que os legumes se não cozem facil e completamente; e estas duas propriedades bastam para decidir o agricultor sobre a sua natureza.
1068. Entre as agoas fertelisantes ha umas mais energicas do que outras. As agoas dos rios e das ribeiras que acarretam uma materia lodosa composta de saes terreos e substancias organicas, assim como as das enxurradas que atravessam as povoações são as mais convenientes á vegetação. As agoas das fontes podem conter diversos saes uns uteis, outros prejudiciaes ás plantas; estas agoas quando apresentam substancias calcareas em dissolução por atravessarem terrenos marnosos ou calcareos são excellentes, quando estes saes não são em excesso; porque, então além de ministrarem ao terreno a necessaria humidade, fornecem-lhe um magnifico correctivo; as agoas da chuva recolhidas em cisternas, em charcos, ou em albufeiras são muito boas, posto que percam com o tempo uma parte da sua primitiva efficacia devida ás substancias ammoniacaes, ao acido carbonico, e aos gazes que trazem em dissolução, e que se vão successivamente evolvendo. Vê-se, por tanto, que estas agoas não servem sómente a communicar ao solo a necessaria humidade, mas que tambem o adubam e corrigem em muitos casos.
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1069. As regas dividem-se em regas de asperção, que são as que se fazem á mão por meio de regadores, bombas portateis, etc., e regas de pé ou irrigações que são quando encaminhamos as agoas em torno dos caules das plantas, banhando immediatamente as suas raizes. Estas ultimas regas praticam-se de duas maneiras, ou fazendo correr a agoa á superficie do terreno de modo a innundal-o por algum tempo, e é a rega por submersão ou innundação, ou quando a fazemos circular ou stagnar em regos abertos a certas distancias, de modo que o terreno entre elles comprehendido se empregne do liquido e o forneça depois ás plantas, e é a rega por infiltração. Estes dois systemas ainda se combinam um com o outro quando submergimos um terreno por uma delgada lamina d'agoa, que descendo para as regueiras se infiltra pouco a pouco pela espessura dos taboleiros. - Daremos um pouco adiante os processos mais usuaes daquelles dois principaes systemas de irrigação; e antes disso exporemos a maneira de dispôr o terreno para poder gozar dos beneficios desta operação.
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1070. O primeiro trabalho anterior a toda a irrigação é o exacto nivelamento do terreno. Este nivelamento deve começar pelo ponto o mais elevado, onde se haja de tomar a agoa. Uma vez traçada por meio de um bom nivel a linha do nivelamento, traça-se ao lado della uma outra com uma ligeira inclinação; ao longo da qual se deve abrir o canal principal ou de derivação. Este canal raras vezes póde ser recto, porque tem de seguir as sinuosidades do terreno, conservando sempre um pequeno declive, o qual basta que seja de quatro a oito pollegadas por cem toezas de extensão. Todo o terreno que se achar inferior ao canal de derivação póde ser submettido á irrigação.
1071. Depois de traçada a linha do canal principal poder-se-ha formar uma idéa aproximada da despeza, a que obrigará a operação; porque se podem logo calcular as despezas dos canaes secundarios ou de distribuição, a que se dá tambem o nome de emissarios ou regos mestres, e as das regueiras ou canaes tercearios que devem espalhar a agoa por todo o campo.
1072. Quando tivermos ribeiras ou regatos a derivar, e quando o terreno que queremos submetter a irrigação se achar mui proximo das suas margens a despeza é quasi nulla; mas quando o canal fôr extenso, e quando fôr mister para ajuntar ou elevar as agoas a construcção de diques, de represas, de barragens, ou de tanques, já no logar em que ellas se tomam, já no seu trajecto, então as despezas podem exceder os meios de um emprezario, e só devem ser feitas ou pelos governos, ou por uma associação de todos os proprietarios vecinaes que podem usufruir as agoas, ou finalmente por companhias ou emprezas que depois as vendam.
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1073. Não basta conhecer o ponto mais elevado do terreno, que pretendemos regar, para dar por ahi entrada ás agoas, é tambem necessario determinar o mais inferior para lhe dar sahida depois de feitas as irrigações; de modo que o terreno que houvermos de submetter ás regas venha a formar um plano inclinado a partir do ponto da tomada das agoas até ao ponto do despejo. O horticultor deve ser a todos os momentos senhor absoluto das agoas para as conduzir á vontade a todos os pontos, e para as evacuar promptamente logo que o caso o peça. Sem isto elle poderá em certos casos vêr-se muito embaraçado, e prejudicar consideravelmente a propriedade que se propoz beneficiar. - Merece ser visto e admirado o que a este respeito tem sido praticado no Calhariz na bella possessão do Duque de Palmella.
1074. Para espalhar a agoa á superficie do solo no systema de infiltração, devemos seguir processos diversos segundo as diversas circumstancias.
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1075. Quando a inclinação do terreno fôr quasi nulla, podemos usar tanto nos prados como nas hortas de um meio simples; que consiste em dividir o campo em taboleiros muito estreitos separados por regueiras de um palmo e meio a dois palmos de largura, e tapadas em uma das extremidades: de modo que a agoa entrando na primeira regueira pelo lado mais alto do terreno circule entre todos os taboleiros e os embeba de humidade; não tendo o hortelão outro trabalho senão o de tapar e destapar as aberturas das mesmas regueiras com o rego mestre ou canal de distribuição. As duas figuras, que apresentamos em seguida, dão uma perfeita idéa deste modo simples de irrigação.
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1076. Se o terreno porém tiver uma maior inclinação será necessario dividil-o em grandes taboleiros de pequeno declive sotopostos uns aos outros, e parallelos ao canal de derivação; e regado que seja o primeiro pelo methodo atraz indicado, passar-se-ha depois a agoa para o segundo por um ou mais canaes de distribuição ou regos mestres para destes passar ás regueiras, a beneficio das quaes a irrigação se irá successivamente operando. A largura dos taboleiros é relativa á porosidade e capilaridade do terreno.
1077. As regueiras devem ser quasi horisontaes, ou terem apenas o declive sufficiente para que a agoa as percorra em todo o seu comprimento, ficando quasi ao nivel da superficie do solo. Quando os taboleiros são muito extensos convem subdividil-os em canteiros, a fim de facilitar as irrigações.
1078. Quando tivermos á nossa disposição um grande volume de agoa corrente, ou quando tivermos campos ou prados circumvizinhos a regatos ou a ribeiras que queiramos utilisar na irrigação, levaremos as agoas por um ou mais canaes de distribuição derivados da corrente principal, e retalharemos depois o terreno com regueiras profundas que devem ir nascendo d'aquelles canaes, e ir irradiando sobre o solo como mostra a figura adjuncta.
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1079. Este methodo de irrigação é muito economico e apropriado principalmente aos prados, aos milheraes, e feijoaes da cultura campestre.
1080. Em outros casos porém, quando os terrenos são chatos e horisontaes, dividem-se em taboleiros de maior ou menor extensão, segundo a maior ou menor permeabilidade do solo, e cercados que sejam os mesmos taboleiros de vallas sufficientemente largas e profundas, enchem-se estas de agoa que alli se deixa estagnar, até que o solo esteja convenientemente impregnado da necessaria humidade. Conseguido este fim evacua-se a agoa pelo canal de esgotamento. Estes são pois os principaes processos, que se seguem nas irrigações por infiltração; mas as circumstancias accidentaes do terreno, o maior ou menor volume e velocidade das agoas devem fazer variar muito a pratica d'estes mesmos processos.
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1081. Na irrigação por innundação é indispensavel que o solo ou apresente naturalmente uma espécie de bacia, ou seja artificialmente cercado por pequenos diques ou margens que retenham a agoa sobre o logar innundado. Esta irrigação ou se emprega com o fim de melhorar os terrenos encaminhando para elles as agoas das chuvas e particularmente as das enchurradas, que enriquecem o solo de ferteis nateiros, e que convem por isso a todos os terrenos antes de mettidos em cultura; ou se emprega com o fim principal de ministrar a necessaria humidade ao solo, e então só póde applicar-se aos prados artificiaes, aos arrosaes, e a algumas culturas campestres, e raras vezes ás hortas cujas culturas mais delicadas poderiam soffrer muito durante a immersão.
1082. Só depois do solo estar bem impregnado de agoa, e de obtido o rico sedimento de saes e de detrictos organicos, que este liquido tinha ou em suspensão ou em dissolução, só então é que convem evacual-o pela abertura de descarga, que se deve ter praticado na parte mais baixa do dique.
1083. O numero de dias que a innundação haja de durar não se póde absolutamente determinar; a natureza das culturas, a maior ou menor permeabilidade do solo, e a maior ou menor elevação da temperatura devem abreviar ou alongar aquelle prazo. Segundo o celebre Thaer a agoa poderá deixar-se sobre o terreno de 8 a 14 dias, uma vez que ella não entre em putrefacção, porque neste caso deve immediatamente evacuar-se.
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1084. A maior parte dos agricultores dos paizes meridionaes desconhecem as grandes vantagens d'estas irrigações, vantagens que estão sempre na razão da temperatura. Em todos os terrenos elevados ou seccos onde se poderem reter por algum tempo as agoas das chuvas, quer de inverno quer de verão, ou as das ribeiras e regatos se deve adoptar este excellente alvitre; na certeza de que com elle se conseguirá, para os mesmos terrenos, uma dobrada fecundidade - os prados principalmente, quer sejam naturaes quer artificiaes ganham espantosamente com este processo. O proverbio alemão que diz que de agoa se faz herva é uma verdade incontestavel. - É conveniente que ouçamos sobre este ponto o celebre Liebig. «Na Prussia Rhenena, no paiz de Siegen, (diz elle) acha-se a praticultura n'um estado de perfeição admiravel, e todos os annos chegam de varias partes da Alemanha muitos agronomos para ahi estudarem este ramo tão util á agricultura, porque é geralmente sabido que se tem neste ponto da Prussia chegado a obter proporcionalmente tres vezes mais forragens do que em outra qualquer parte. Está hoje, porém, reconhecido que a causa deste feliz resultado depende das innundações, a que o terreno é submettido durante o outono e primavera. Segundo a localidade e a abundancia da agoa, assim dão os agronomos de Siegen á superficie do terreno uma fórma diversa. Se o terreno é por exemplo inclinado, praticam-se de distancia a distancia diques de um ou dois pés de alto. Pequenos canaes se dirigem ao terreno o mais elevado, e se descarregam proximo dos diques; a agoa passa daquelle terreno para os inferiores, e vai alagando successivamente o solo. A herva sobre estes prados é quatro vezes mais alta do que nos outros que não são submettidos a esta operação.» Que instructiva lição não encerra este simples facto! Meditem-na bem os nossos agricultores, e verão as riquezas, que as agoas pluviaes lhes levam, e as que podiam deixar-lhes mediante simplicissimos processos! - Faltam-nos os estrumes, dizem elles, os correctivos não os temos á mão - pois ahi tem um meio bem facil de estrumar e corrigir as suas terras! - E ainda mais um meio de tornar mais caudaes as fontes e as ribeiras e de corrigir a seccura natural do nosso solo!
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1085. As agoas para as irrigações podem provir das chuvas, dos rios, das ribeiras, dos regatos, e de nascentes mais ou menos abundantes, que ou brotam á superficie da terra, ou ficam n'um nivel inferior, em reservatorios a que damos o nome de poços.
1086. As agoas das chuvas costumam colligir-se em reservatorios artificiaes, taes como cisternas, charcos, reprezas, ou albufeiras. O uso dos charcos e das albufeiras é muito geral em Hespanha. Muitas povoações da Estremadura e das Castellas tem adoptado este genero de reservatorios para colligirem agoas, para os gados e para as regas. A grande aridez destas provincias justifica este uso, aliás mui bem entendido, e que devêra ser imitado no nosso paiz, e principalmente nas nossas provincias do Sul. Ha em Hespanha algumas obras deste genero, que se tornam dignas de admiração e de estudo. Entre ellas merece ser especialmente mencionada a albufeira de Orxeva e o chamado pantano de Alicante, reservatorio immenso que serve á irrigação das hortas desta cidade, e que foi construido por Filippe II. Aproveitaram-se para a formação desta famosa albufeira duas collinas, que, circumscrevendo um valle profundo, apresentavam inferiormente uma estreita garganta: foi ahi que se construiu um solido dique como mostra a estampa adjunta.
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1087. Obras d'esta natureza são communs no Piemonte, na Lombardia, e principalmente na India onde existem lagos artificiaes que regam muitas e muitas leguas de terreno. Não citamos estas obras collossaes para serem imitadas pelo agricultor; mas quantas vezes apparecem no seu terreno bacias e valles de gargantas profundas que mediante pequena despeza poderiam formar charcos e albufeiras de grande utilidade! - Além de que, o que não fazem as forças isoladas de um homem, podem fazel-o as forças unidas de uma sociedade, ou de um concelho - as de um districto, ou as do proprio estado.
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1088. Raras vezes temos á nossa disposição nascentes que possam regar pelo seu pé; e então usam os horticultores construir tanques e lagos onde a agoa se collige para servir periodicamente ás irrigações. Este genero de reservatorios é muito commum entre nós.
1089. Quando a agoa anda inferior ao nivel do solo, construem-se poços onde se estabelecem bombas e noras para a sua elevação. As noras são maquinas que os Arabes nos legaram de construcção muito simples, é muito geralmente conhecidas e usadas no nosso paiz. Em algumas partes começam a substituir-se as rodas de madeiras d'estes engenhos por outras de ferro fundido, que funccionam mais vantajosamente pela consideravel diminuição dos atritos e por uma mais exacta engrenagem.
1090. Empregam-se para elevar as agoas das ribeiras ainda outras maquinas, como são, o carneiro hydraulico e certas rodas tambem hydraulicas movidas pelas correntes das mesmas ribeiras, pelo vento, pelo vapôr, e pelos animaes. Nós não podemos aqui occupar-nos d'estes meios mechanicos de irrigação.
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1091. N'aquelles terrenos onde se podem abrir poços artesianos chega-se muitas vezes a obter uma grande quantidade de agoa muito propria para usos economicos e para as irrigações. Quando a stratificação do terreno nos póde fazer presuppôr que a uma certa profundidade encontraremos uma toalha de agoa contida entre duas camadas de terreno impermeaveis, e alimentada por niveis superiores á superficie do solo, ou quando nos terrenos circumvizinhos se póde obter por meio dos furos de sonda algum jorro de agoa repuxada, devemos empregar a verruma artesiana quasi sem hesitação alguma. Se as bacias de stratificação são muito regulares podem-se fazer a este respeito prognosticos admiraveis. É conhecido o que fizera o celebre Hericart de Thuri com respeito ao poço de Grenelle; pois asseverando que a agoa se acharia entre 550 a 560 metros, achou-se effectivamente a 548!
1092. Por não os comportar a natureza do nosso trabalho, omittiremos os muitos desenvolvimentos que podiamos dar a este artigo das irrigações, já demasiadamente extenso.
Culturas especiaes.
1093. Ha um certo numero de preceitos geraes que devem presidir á cultura da maior parte das plantas hortenses. O primeiro e o mais importante de todos é o emprego frequente de estrumes de irrigações e de amanhos. As hortas raras vezes tem agoa de mais, quasi nunca tem estrumes de sobejo, e nunca deixam de pagar com agradecimento e até com generosidade os repetidos e esmerados lavores que lhes fazem. Os estrumes devem porém ser bem curtidos, para que não communiquem ás hortaliças e aos legumes um sabor desagradavel - as regas devem ser feitas com agoas proprias e oportunamente applicadas - e os lavores devem ser operados a tempo e com a possivel perfeição.
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1094. O segundo preceito consiste na boa escolha das culturas e na sua adaptação ao clima. O hortelão deve dar a preferencia ás plantas, que sendo de prompta e geral extracção, lhe deixarem um maior lucro; e não deve jámais insistir naquellas culturas, que forem repellidas pelas condições climatericas da sua localidade, porque desta temeraria lucta com a natureza nunca póde ficar vencedor e muito menos tirar aquellas vantagens, que se propõe; isto é, as de produzir o melhor e o mais barato possivel.
1095. O terceiro preceito cifra-se em não nos empenharmos no restabelecimento de qualquer cultura, que em consequencia de algum accidente inesperado, como uma forte geada, uma violenta trovoada, &c., soffrera grave deterioração; por isso que é melhor desde logo substituir aquella cultura ou por outra similhante, ou por outra diversa, do que procurar restabelecel-a á custa de grandes sacrificios para sómente colher uma insignificante novidade.
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1096. Incumbe ainda ao hortelão attender com grande cuidado ao importante preceito de destribuir bem e economicamente o seu tempo, regulando o seu systema de cultura, de maneira que os trabalhos horticolas se façam sem azafama ou precipitação; e para que uns não entorpeçam ou prejudiquem aos outros é mister escolher calculadamente a epoca da maior parte das sementeiras e plantações, quando esta epoca se puder variar sem inconveniente.
1097. Ha ainda um preceito fundamental que o hortelão deve sempre respeitar; e consiste em não cultivar senão aquella porção de terreno que puder estrumar e fabricar com esmero e perfeição; por isso que é uma verdade demonstrada pela experiencia que mais producto liquido se colhe de um campo de tamanho rasoavel bem amanhado, do que de outro quatro vezes maior submettido a um grangeio imperfeito. Não é a extensão do campo que torna abastado o hortelão, é a sua industria e a sua diligencia na cultura desse campo.
1098. As culturas hortenses podem dividir-se em naturaes e forçadas. Nas primeiras desenvolvem-se as plantas e attingem a sua maturação nos periodos da natureza - nas segundas ou se anticipam estes periodos com o fim de obter novidades temporans, ou se chegam a alcançar productos de plantas exoticas creando em torno dellas um clima arteficial.
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Culturas naturaes.
1099. Não é possivel encerrar nos apertados limites desta obra a descripção de todas as plantas submettidas a culturas naturaes nas nossas hortas. O numero das suas especies, e principalmente das suas variedades, é já tão crescido que só n'um tratado especial de horticultura se poderia tratar deste assumpto com inteiro desenvolvimento. Nós só podemos neste logar fazer menção de algumas culturas mais geraes, ou mais importantes.
1100. As culturas naturaes podem dividir-se em culturas de plantas hortenses propriamente ditas e em culturas de plantas economicas. Tratemos resumidamente de umas e outras.
Cultura natural das plantas hortenses propriamente ditas.
1101. As culturas das plantas hortenses propriamente ditas são as que mais geralmente chamam a attenção do agricultor; não só porque estas culturas são mais vulgarmente adoptadas, mas mesmo porque ellas nos ministram um dos principaes elementos da nossa sustentação. E na verdade os legumes e as hortaliças, principalmente nos paizes meridionaes, são de um uso muito geral, e substituem até um certo ponto, no regime alimentar destes paizes, o consummo das substancias animaes muito mais commum nos paizes do norte.
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1102. Estas culturas são pois as que mais frequentemente se encontram nas nossas hortas, onde são raras as culturas economicas e as forçadas.
1103. Ainda que os estrumes dispensem até um certo ponto a rotação das culturas nas hortas é sempre conveniente estabelecel-as, porque as bases inorganicas que as plantas subtrahem ao solo não lhe podem ser fornecidas pelos adubos organicos. Ora ha plantas tão ávidas destas bases, e que deixam por este motivo o solo tão depauperado dellas, que não se podem cultivar successivamente no mesmo local com vantagem, ainda que estrumemos com mão larga. Os espargos, o linho, os morangos, as alcachofras e as ervilhas estão neste caso. E pelo contrario os feijões, as couves, as cebolas e as alfaces podem cultivar-se no mesmo terreno uma vez que elle seja rigorosamente fabricado e copiosamente estercado. Nós já dissemos, e convem que o repitamos, que as hortas nunca tem esterco de mais, e que se no mesmo anno lhe pedirmos tres novidades é necessario que esterquemos tres vezes. Sem isto não ha cultura horticola que possa apresentar-se verdadeiramente prospera.
1104. Nós vamos tratar do unico modo que nos é possivel, isto é, muito succintamente das culturas das plantas hortenses mais importantes.
Cultura da couve.
1105. A couve (brassica oleracea) é uma planta da familia das cruciferas cultivada desde a mais remota antiguidade, e universalmente apreciada pela sua salubridade, pelo seu sabor, e pelos principios alimentares que contem. As numerosas variedades de legumes é hortaliças que tem enriquecido a horticultura ainda não poderam fazer perder á couve a sua fundada reputação. Ha muitas populações que se alimentam quotidianamente desta hortaliça; de que se faz um caldo muito sadio e saboroso. Na Beira, na Estremadura e no Minho raras vezes deixa de apparecer, quer na mesa do pobre, quer na do rico esta potagem nutritiva.
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1106. Cultivam-se entre nós muitas variedades e subvariedades de couves, como são, entre outras, a couve verde ordinaria (brassica oleracea viridis vulgaris); a couve serrana (brassica oleracea viridis procerior) a que tambem se dá o nome de couve tronchuda maior, ou de hortos da Beira; a couve de Saboia ou murciana (brassica oleracea viridis crispa); a couve giganta ingleza (brassica oleracea viridis arborea); o repolho ordinario (brassica oleracea capitata viridis sive albida); o repolho roxo (brassica oleracea capitata rubra); a couve flor (brassica oleracea botrytis cauliflora); os brocos (brassica oleracea botrytis cymosa); e a couve nabo (brassica oleracea napo-brassica).
1107. Estas variedades são as mais geraes, e pouco ou nada degeneram no nosso paiz; ha porém outras que se cultivam em localidades mais circumscriptas, e que degeneram a ponto de ser necessario mandar todos os annos vir a semente dos paizes, onde se acham naturalisadas, como são a couve de Bruxellas, a couve da Alsacia, a couve de York, ou pão de assucar, &c.
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1108. Quasi todos os terrenos convem a esta hortaliça, com tanto que não sejam demasiadamente argilosos ou destituidos de estrumes - os solos, porém, em que predomina a silica são os preferiveis, e com especialidade os lodosos adubados com os nateiros dos rios, ou com os estercos vegeto-animaes.
1109. A couve póde semear-se e plantar-se em todos os mezes do anno, desde que começam as agoas novas até ao mez de junho: deste mez por diante até ao mez de setembro só deve semear-se nos terrenos que poderem ser regados.
1110. Ha porém duas epocas, que são as mais geralmente adoptadas no Sul do reino para a cultivação desta hortaliça. Na primeira semea-se por todo o mez de novembro e planta-se no mez de março seguinte: na segunda faz-se a primeira operação no decurso do mesmo mez de março, e a segunda no mez de junho ou julho immediato.
1111. As sementeiras fazem-se em alfobres ou viveiros de terra muito bem preparada e adubada; lançando-se a semente muito escolhida no canteiro, cobrindo-se, regando-se immediatamente, e continuando depois a regar-se até que nasça, em dias alternados, se a terra não estiver sufficientemente humidecida.
1112. Como a planta nasce quasi sempre muito basta nos alfobres é preciso desbastal-a uma ou mais vezes, para se poder crear melhor. Transplanta-se depois para os taboleiros previamente adubados, e preparados para este fim.
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1113. Nas hortas é ordinariamente cavada a terra a monte na profundidade de quasi dois pés; arrasam-se depois os montes, que em alguns pontos denominam camalhões, arma-se e enrega-se o terreno a fim de poder ser regado e fabricado convenientemente. Em alguns casos quando o campo é extenso lavra-se a terra duas ou tres vezes, corta-se e arrasa-se com a grade: arma-se depois em taboleiros e procede-se á plantação.
1114. Esta faz-se quasi sempre por meio do plantador, abrindo com elle pequenos buracos a distancias eguaes de 2 a 4 palmos, segundo a variedade que se cultiva, e introduzindo nelles o pé da planta, contra o qual se deve calcar a terra por todos os lados para que fique bem unida ao mesmo pé. Outras vezes servem-se os hortelões da enchada, fazendo com ella pequenas covas, onde lançam duas ou tres mãos cheias de estrume e onde dispõe a planta, comprimindo a terra contra a raiz para que pegue mais facilmente.
1115. Acabada a postura de qualquer taboleiro rega-se immediatamente; e se o tempo correr secco e calmoso dá-se-lhe segunda rega no dia immediato, e depois com maiores intervallos todas as que forem necessarias.
1116. Quando a planta tiver chegado á altura de um palmo proceder-se-ha a nova cava, o que concorrerá muito para o seu perfeito desenvolvimento.
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1117. Não podemos occupar-nos aqui das ligeiras modificações com que é feita a cultura do repolho, da couve flor e dos brocos, bastando simplesmente indicar que são ainda precisos lavores mais frequentes e perfeitos para estas variedades do que para a couve ordinaria, por serem ainda mais delicadas que ella. O repolho é geralmente no mez de março, agosto e novembro que é semeado; e a couve flor em fevereiro, maio e agosto. Tanto estas duas variedades como a dos brocos não só demandam maior copia de regas, e por isso as plantam muitas vezes nas regadeiras, mas tambem são mais sensiveis ao frio, do que a couve ordinaria.
1118. Para obter boa semente escolhem-se os pés mais bem creados, e recolhe-se de preferencia a que é produzida pelo talo do meio ou central, que é o primeiro em que amadurece e o que dá mais temporã.
1119. Cultura da alface. A alface (lactuca sativa) é uma planta annual, da familia das synantherias e da tribu das chicoreaceas, cultivada desde remota antiguidade, não só por causa do precioso alimento que subministra, como tambem em consequencia das suas propriedades medicinaes.
1120. Esta planta tem-se transformado nas mãos dos horticultores a ponto de se acharem quasi completamente apagados os seus caracteres especificos, e de se tornar problematica a stirpe primitiva donde procede.
1121. As 250 variedades que se conhecem desta planta podem destribuir-se em tres raças principaes; e são, a alface repolhuda (lactuca sativa capitata), a alface crespa (lactuca sativa crispa); a alface romana ou orelha de mula (lactuca sativa longifolia).
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1122. Os solos soltos e substanciaes, adubados com bastante terra vegetal, fabricados com esmero e perfeitamente estorroados são aquelles que principalmente convem á cultura desta delicada planta. As exposições meridionaes, e os terrenos abrigados natural ou artificialmente são sempre os preferiveis.
1123. As alfaces podem semear-se e plantar-se em todos os mezes do anno; e alguns hortelões até as semeam e as plantam todos os quinze dias. As epocas porém mais proveitosas, e por isso mais geralmente adoptadas são ou o principio de setembro para a sementeira e o de outubro para a postura, ou o mez de Janeiro e fevereiro para a primeira operação e o mez de fevereiro e março para a segunda. As alfaces repolhudas são mais proprias da segunda epoca, e as de orelha de mula da primeira.
1124. Alguns hortelões prescindem de alfobre, e semeão logo a valer nos taboleiros, mas esta pratica tem bastantes inconvenientes e poucas vantagens.
1125. A plantação não demanda attenção alguma particular senão a de não calcar muito a terra em torno das raizes, principalmente se ella fôr tenaz e forte.
1126. As regas e os amanhos frequentes são o meio mais efficaz de obter alfaces volumosas, tenras e assucaradas. As regas precisam fazer-se muitas vezes em dias alternados; e as sachas duas vezes por mez.
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1127. Convem semear alguns pés em sitio apropriado para a producção da semente, que deve ser colhida antes da sua completa maturação: quando a planta começa a fazer-se amarella arranca-se logo de manhã e põe-se em sitio sombrio, até que o folhelho apodreça, sendo nessa occasião que a semente se recolhe.
1128. Cultura da chicorea. A chicorea cultivada (chicorium endivia) é uma planta annual da familia das synanthereas e da tribu dos chicoreaceas, de que se cultivam principalmente tres variedades, que são a escoralla ou endivia (endivia latifolia), a chicorea crespa (endivia crispa) e a chicorea branca (endivia angustifolia).
1129. Esta planta come-se crua, em salada, e cozida, e ha poucas hortaliças que gozem de uma tão grande reputação hygienica.
1130. A sementeira da chicorea deve principalmente fazer-se em setembro, e nos primeiros cinco mezes do anno. Lança-se a semente nos alfobres cobrindo-se ligeiramente de uma delgada camada de terra: estes devem achar-se em sitio arejado e descuberto.
1131. Dispõe-se a planta vinte dias ou um mez depois de nascida, quando commummente tem meio palmo de altura. De ordinario planta-se em quincuncio a palmo e meio de distancia. Alguns hortelões prescindem de viveiros e semeão logo nos taboleiros a distancias convenientes.
1132. Rega-se a planta mais ou menos vezes segundo a necessidade o pedir; e logo que as folhas mais exteriores tiverem adquirido um certo desenvolvimento fazem-se convergir todas ao centro, e atam-se pelas suas estremidades. Esta operação faz-se com o fim de branquear ou estiolar as folhas interiores, que adquirem por este processo em 15 a 20 dias um sabor adocicado, e uma bella côr de palha esverdeada.
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1133. A chicorea selvagem conhecida pelo nome de almeirão (chicorium entybus) póde cultivar-se na praticultura, como uma forragem excellente para vaccas, cavallos, ovelhas, e porcos. Ella não só é considerada como um alimento sadio, mas tambem como um depurante muito proprio para purgar aquelles animaes. E' muito vulgar na Alemanha, e na Prussia; praticando-se ahi a sua sementeira em abril e principios de maio: no nosso paiz, porém, deverá praticar-se ou no mez de fevereiro ou no de setembro.
1134. É da chicorea brava que se faz o café que os francezes chamam indigena. A raiz desta planta, depois de cortada aos pedaços, é secca ao sol e em seguida torrada e moida: mistura-se então com uma quarta ou quinta parte do verdadeiro café, que produz uma bebida excellente.
1135. Cultura do espinafre. O espinafre (spinacia oleracea) da familia das chenopodias, é uma planta unisexual, que se semea todos os mezes, desde janeiro até junho, assim como no mez de setembro e outubro, sendo a sementeira deste ultimo mez a melhor e a mais geralmente adoptada.
1136. Entre as variedades mais estimadas do espinafre contamos a commum, a de Inglaterra, a de Flandres, e a de Hollanda, que é a mais bella e productiva de todas. Esta planta quer amiudadas regas, boa terra de horta, bem adubada e obrada. Semeiam-na a lanço, ou em regos, o que torna mais facil a sacha e a colheita.
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1137. Os espinafres que se semeiam durante a primavera nascem e crescem com muita promptidão, de modo que ao cabo de trinta a quarenta dias já estão em estado de se colher.
1138. Deixam-se para semente os melhores pés, e logo que começam a amarellejar cortam-se e estendem-se ao sol, para depois se lhe sacudir a semente quando estiver completamente amadurecida. Os individuos masculinos devem ser arrancados do canteiro destinado ás sementes, logo que a fecundação se tiver operado.
1139. Cultura das azedas. As azedas (rumex acetosa) é uma planta vivaz da familia das polygoneas, commum nos nossos prados, e mui geralmente estimada.
1140. Semea-se a lanço na primavera e no outomno, e ordinariamente nos proprios taboleiros onde deve desenvolver-se. E' menos frequente, semeal-a em alfobre para depois a transplantar.
1141. E' uma planta que em tendo seis semanas de nascida está boa para se cortar. Dá-se geralmente em todos os terrenos, mas quer de preferencia os que são ligeiros e profundos, nem muito seccos, nem muito humidos.
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1142. Os hortelões costumam colher-lhe as folhas exteriores, dando assim logar a que as mais internas vão successivamente despontando e crescendo.
1143. Como os calores de estio augmentam a sua acidez deve-se ter a precaução de semear algum, ou alguns taboleiros em sitio sombrio e exposto ao norte para o uso desta estação.
1144. Esta planta póde durar dez a doze annos; mas quando chega a esta idade, faz-se velha; e convem então vigorisal-a e remoçal-a, cortando-a inferiormente pelo troço, e deixando-a rebentar de novo.
1145. Cultivam-se hoje algumas especies e variedades de azedas. Entre nós a especie mais geralmente cultivada é a das azedas hortenses. A especie conhecida pelo nome de azedas virgens (rumex montanus) é muito estimada em França; assim como a variedade de Belleville de folhas muito largas, e menos acida do que a commum.
1146. Cultura da mostarda de Pekin. A mostarda de Pekin (sinapis pekinensis) é uma planta da familia das cruciferas, e da tribu das orthoploceas, que foi introduzida na Europa em 1837 por missionarios da China. Esta hortaliça muito commum e de um uso muito geral neste paiz merece vulgarisar-se no nosso, não só pela sua rusticidade, que a faz resistir ao maior rigor das estações, como tambem pelo seu prompto crescimento, e pela incessante reproducção das suas largas e tenras folhas, que são excellentes para se comerem cozidas, e para outros usos culinarios.
1147. Nós cultivamos ha tres annos no horto experimental da Ajuda esta rica planta, e podemos asseverar, que se dá perfeitamente no nosso clima, e que é uma das hortaliças mais hygienicas e estomachaes que conhecemos. A planta eleva-se sobre um caule recto e consistente, que se ramifica desde logo e sustenta folhas numerosas, notaveis pela sua grandeza, e pelo seu aspecto inteiramente diverso do das nossas mostardas indigenas. Estas folhas vão-se diariamente colhendo durante os seis ou oito mezes, que a planta dura; e á proporção que esta colheita se faz outras folhas se vão rapidamente desenvolvendo com espantosa actividade.
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1148. Além desta especie é ainda conhecida uma outra, que foi tambem trazida da China pelo capitão Godofredo, e que é conhecida pelo nome de mostarda de folha de couve. Esta especie que nós tambem temos cultivado parece-nos uma variedade da primeira, talvez mais mimosa, mas não tão productiva.
1149. A cultura desta hortaliça é muito simples; semea-se em alfobre no principio de setembro para se transplantar quando tem uma mão travessa de altura; ou mesmo nos proprios taboleiros em que se ha-de desenvolver; neste ultimo caso desbasta-se, se nasce muito junta, de modo que os pés fiquem na distancia de dois palmos pouco mais ou menos uns dos outros. Gosta de terra de horta bem fabricada e adubada; sacha-se quando tem um palmo de altura; rega-se muito poucas vezes, porque a sua vegetação é durante os mezes mais humidos e chuvosos do nosso paiz.
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1150. Deixam-se nos taboleiros alguns pés para semente, que adquirem uma notavel formosura. O grão é picante como o da mostarda negra, e poderia provavelmente ser empregado nos mesmos usos: as folhas quando se comem cruas tem tambem um ligeiro pico, mas este desapparece depois de haverem sido cozidas.
1151. Cultura da cebola. A cebola (alium cepa) é uma planta vivaz da familia das liliaceas, que os annaes da agricultura nos dão como cultivada desde as primeiras idades do mundo. Das sanctas escripturas podemos inferir que esta planta tão vivamente recordada pelos israelitas durante a sua perigrinação era já cultivada no tempo de Moisés nessa parte da Asia, que é considerada como o berço do genero humano.
1152. A cultura tem consideravelmente multiplicado o numero das variedades desta planta bolbosa; entre estas variedades distinguem-se com especialidade a branca, a vermelha, a amarella, a cebola de Hespanha, e a do Egypto ou bolbifera. A primeira é propria para se comer em verde, a segunda é estimada pela sua doçura, a terceira pela sua duração, a quarta ou a de Hespanha pelo seu tamanho e excellente sabor, e a ultima ou a do Egypto pela sua rusticidade, pela facilidade da sua cultura, e pela abundancia dos seus productos.
1153. A cultura da cebola merece nos paizes meridionaes, e principalmente no nosso, uma grande attenção, tanto pelo seu grande producto liquido e extenso consummo interior, como pela consideravel exportação que della fazemos para o estrangeiro, principalmente para a Inglaterra e Brazil.
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1154. Esta planta é tanto menos acrimoniosa e tanto mais adocicada, quanto maior é a temperatura, a que fôra submettida durante a sua vegetação, e quanto mais delgada e solta é a terra onde se cultivára. Os terrenos argilosos e tenazes, e os demasiadamente substanciaes são os que menos lhe convem: ella quer poucos adubos e esses bem curtidos e fermentados: os nateiros dos rios e a terra vegetal são o que ella ama de preferencia.
1155. Antes de amanhar o terreno, que destinamos para a sementeira desta planta, deveremos dar-lhe uma boa rega, uma vez que não esteja bastantemente humedecido; cobril-o-hemos depois com uma ligeira camada de esterco bem curtido, cavando-o e armando-o por fim em taboleiros. E' então que procederemos á sementeira, que na maior parte das localidades do reino é feita em tres epocas diversas; no mez de outubro, em dezembro, e no principio de fevereiro. Convem durante o inverno cobrir os alfobres com palha ou esteirões até que a planta tenha nascido, o que acontece 15 a 20 dias depois da sementeira.
1156. Quasi sempre é preciso desbastar o cebolinho antes de o transplantar, para que possa desenvolver-se mais francamente; bem como é mister regal-o algumas vezes mas raramente, e só quando a terra se apresentar demasiadamente secca.
1157. Quando o cebolinho tiver a grossura de uma penna de escrever; o que acontece ao cabo de mez e meio a dois mezes de semeado, transplanta-se - e é quasi escusado dizer que o terreno para onde o transplantarmos deve ser bem cavado, ligeiramente estercado e armado em regos e margens. Na occasião de o dispôr não deveremos arrancal-o do alfobre, como é uso geral, para não lacerar e offender uma parte das suas raizes; mas abriremos um rego profundo por um dos lados do alfobre, e pouco e pouco iremos destacando os pés com a terra que os cercava: e introduzidos então em vasos de agoa serão dispostos a distancia de 8 a 10 pollegadas uns dos outros.
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1158. Alguns hortelões usam alternar os pés do cebolinho com alfaces, chicorea e outras plantas, que só occupam a terra durante o tempo em que as cebolas se conservam pouco desenvolvidas: outros dispõem d'um lado da margem o cebolinho e do outro as plantas que indicamos.
1159. Tambem em alguns pontos é costume semear logo os cebolaes nos taboleiros onde se hão-de desenvolver, posto que uma tal cultura seja mais imperfeita. Esta sementeira faz-se então a lanço; e duas onças de semente bastam para um terreno de oito braças quadradas. Cobre-se em seguida a semente, espalhando-se por cima um pouco de terriço. Dentro de 18 a 20 dias acha-se o cebolal nascido; no fim de um mez monda-se, e no fim de tres desbasta-se, deixando entre pé e pé o intervallo de tres pollegadas: passado ainda um mez torna-se a desbastar, intervallando os pés entre si de 8 a 10 pollegadas, para que os bolbos da planta, vulgarmente chamados cabeças da cebola, se desenvolvam á vontade.
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1160. Deixam-se sempre alguns pés para semente, que devem permanecer quasi doze mezes na terra para que se possa colher. Quando as capsulas ou involucros da semente se abrem é signal de que ella está madura. Cortam-se então as hasteas, sacodem-se sobre um lençol obtendo por este modo a semente de primeira qualidade. Submettem-se depois as mesmas capsulas a uma forte insolação, a qual fazendo abrir as suas valvulas faz com que estas deem nova porção de semente, que é reputada de inferior qualidade.
1161. Quando as folhas da planta começam de murchar é indicio de que o bolbo se aproxima da sua madureza: torcem-se então as folhas até á sua base, a fim de que as substancias alimenticias absorvidas pelas raizes que terminam inferiormente o mesmo bolbo se concentrem nelle fazendo-o endurecer e engrossar ao mesmo tempo.
1162. Á medida que os bolbos vão adquirindo o seu completo desenvolvimento tiram-se da terra, e deixam-se expostos ao sol durante 8 ou 10 dias para que fiquem bem enxutos. Se durante esta operação sobreveem chuvas é mister resguardal-os dellas para que não germinem de novo. Concluido este processo dispõem-se finalmente as cebolas em resteas ou em molhos, para assim se pendurarem e guardarem em logares defendidos da chuva, arejados e seccos.
1163. Concluiremos este artigo mencionando uma cultura apenas conhecida entre nós, mas digna na verdade de se vulgarisar - é a da cebolinha de Florença, que não excede o tamanho de uma avelã; mas que é muito tenra e de um sabor bastante delicado. A sua rama deita-se como tempero nas saladas; e o bolbo serve tambem para temperar varias iguarias e para formar uma boa conserva. Semeia-se muito basta, e quasi todos os mezes; quer terra substancial e bem fabricada.
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1164. Cultura dos alhos. Os alhos (alium sativum L.) é uma planta vivaz da familia das liliaceas, originaria da Sicilia, de que se faz um extenso uso como tempero nos paizes meridionaes da Europa, uso que mereceria generalisar-se em toda a parte, attentas as suas virtudes hygienicas, se não fôra o seu cheiro tenaz e repugnante.
1165. A principal cultura desta planta faz-se pelo natal, para se fazer a colheita pelo S. João. Plantam-se os dentes ou os bolbinhos da planta quer nos taboleiros, onde ha-de crear-se, quer nas bordas dos canteiros onde se cultivam outras plantas, na distancia de meio palmo pouco mais ou menos uns dos outros.
1166. Os alhos gostam dos terrenos não muito humidos, um pouco fortes e substanciaes, adubados com esterco das estrebarias, e bem divididos e desterroados. - Depois que as cabeças tem adquirido o seu completo desenvolvimento arrancam-se, expõem-se ao ar secco, para depois se emmolharem e guardarem.
1167. Ha uma outra especie desta planta originaria da Dinamarca, e impropriamente chamado alho de Hespanha, denominada pelos botanicos alium scorodopralum, que differe da precedente em sustentar na parte superior do caule os bolbinhos, que servem á reproducção. Esta especie é muito cultivada pelos Genovezes, que a exportam em grandes quantidades para varios paizes, debaixo do nome de alho roxo. A sua cultura é porém a mesma que a do alho ordinario.
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1168. Cultura das chalotas ou cebolinhas de França. As chalotas (alium ascalonicum L.) da familia das liliaceas, são uma planta originaria da Palestina, que se cultiva plantando umas vezes os bolbos, e outras os bolbinhos em terra franca e substancial, mais secca do que humida, adubada não de fresco, mas com a antecedencia de um anno, e com o esterco das estrebarias. Plantam-se nas linhas marginaes dos canteiros ou em taboleiros proprios a distancia de duas a tres pollegadas, e submettem-se de resto á mesma cultura do alho.
1169. Os bolbos não se devem enterrar muito para que não apodreçam, e convem pelo contrario que uma parte delles fique exposta ao ar.
1170. Além da chalota ordinaria, cultivada de ha muito nas hortas de Lisboa e Porto, conhece-se hoje uma outra variedade debaixo do nome de chalota de Jersey, ou antes de chalota da Russia: esta variedade, cuja cultura não differe da antecedente, tem sobre a ordinaria as vantagens de ser mais temporã, de dar sementes fecundas, e de apresentar bolbos bastantemente grossos e desenvolvidos.
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1171. Cultura da Beringella. Esta planta conhecida dos botanicos pelo nome systematico de Solanum melongena pertence á familia das solaneas, e é natural da America meridional. Cultiva-se bastantemente nos paizes austraes, e particularmente no nosso, onde prospera muito bem. Quer boa terra de horta e uma exposição cálida e abrigada. Nos paizes frios costumam semeal-a em alfobre nos mezes de fevereiro e março, para se transplantar no cabo de seis a oito semanas; mas nos temperados e quentes semeam-na logo nos taboleiros, depois de bem preparados e estrumados. Deve sachar-se uma ou mais vezes conforme a necessidade, e regar-se frequentemente.
1172. É do meado do verão por diante que se colhe o fructo desta planta, que costuma comer-se fresco; mas que póde seccar-se ao sol, partindo-o previamente em talhadas, que se passam por agoa a ferver, para se poder conservar durante o inverno.
1173. Além da variedade de fructo roxo, cultiva-se entre nós uma outra de fructo branco e oval, muito similhante na côr e no feitio a um ovo, a qual é conhecida pelo nome botanico de Solanum melongena ovifera.
1174. Em 1839 foi trazida da China para a Europa pelo capitão Godofredo, juntamente com uma rica colecção de hortaliças, uma nova variedade denominada Beringella branca comprida, que talvez mereça ser preferida a todas as outras por ser menos melindrosa, e mais saborosa e productiva. Esta variedade é já muito conhecida em França, e merece vulgarisar-se entre nós.
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1175. Cultura dos tomates. Esta planta conhecida na sciencia pelo nome de Solanum lycopersicum, é pertencente á mesma familia das Solaneas, e só é cultivada na Europa depois da descuberta da America donde é natural. Usa-se largamente entre nós, não só como tempero, mas até como alimento. Os seus fructos de uma organisação e fórma singular submettidos á expressão, reduzem-se por uma lenta decocção a uma calda siroposa, que se conserva em garrafas ou em tripas todo o anno, para se ir usando como tempero.
1176. Os tomates devem semear-se no mez de março, nas linhas marginaes dos taboleiros ao longo das regueiras e das ruas, e junto dos muros das hortas, proporcionando-lhes sempre uma exposição quente, um terreno substancial, e bastante abundancia de agoa por meio de regas frequentes.
1177. Quando a planta começa a bracejar é necessario empal-a, collocando junto do pé ramos seccos que lhe sirvam de esteios: é então que se deve sachar, e algum tempo depois amontoar para que chegue a adquirir todo o seu desenvolvimento.
1178. Esta solanea ávida de substancias nutritivas e de agoa esgota muito a terra, e prejudica consideravelmente as plantas vizinhas. Dá varias camadas de fructo; e para que a ultima, que vem já nos fins do outomno, sazone soffrivelmente é mister despojal-a de algumas das suas folhas, a fim de lhe procurar uma insolação mais activa. Se porém os fructos mais serodeos não chegarem a amadurecer antes das grandes chuvas e frios, devem então colher-se e collocar-se em logares quentes e seccos, e podendo ser em estufas baixas, onde se conseguirá uma maturação arteficial muito satisfatoria.
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1179. Enxerta-se com pleno successo o tomate na batateira da India pelo methodo dos enxertos herbaceos, introduzido por Tschudy. Servindo-nos deste curioso meio obteremos plantas que nos darão duas castas de fructos, uns subterraneos, e são as batatas, e outros aereos, e são os tomates. - É maravilhoso vêr como a arte transforma por tal modo e tão completamente a natureza!
1180. Cultura do pimentão. O pimentão (capsicum annuum) da familia das solaneas é uma planta muito cultivada nas duas Peninsulas, italiana e hespanhola, onde o seu fructo é frequentemente utilisado, quer como alimento, quer como adubo, já em verde, já em secco reduzido a pó.
1181. O pimentão doce é comido em Hespanha assado, cozido e de conserva. É um alimento estimulante, mas sadio, a que os castelhanos attribuem muitas virtudes hygienicas.
1182. Semea-se ordinariamente em março, quer de preferencia boa terra de horta, mas contenta-se com quasi todos os terrenos; não é melindroso nos amanhos, mas paga com prodigalidade os que se lhe fazem, prescinde de regas frequentes, e até se dá em terrenos seccos; mas apraz-se nos humidos e regadios, produzindo então uma maior copia de fructos.
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1183. Esta planta horticola, e arvense ao mesmo tempo, não é só cultivada nas hortas, é-o tambem nos campos, e em larga escala nos da estremadura hespanhola e castellas; sendo ahi um objecto de grande exportação. O pimentão póde n'um bom systema de rotação succeder aos feijões, ás favas, e geralmente a todas as leguminosas.
1184. Ha muitas variedades de pimentões, sendo certamente preferiveis as do pimentão ordinario pela sua rusticidade, e do pimentão doce ou grosso de Hespanha pelo seu excellente sabor, e pela abundancia e maior valor dos seus productos.
1185. Cultura da cenoura. A cenoura (daucus carota) é uma planta biennal da familia das ombelliferas; de que se cultivam entre nós muitas variedades; sendo as principaes a branca, a amarella e a roxa: da primeira ha duas subvariedades, que são a branca comprida, e a branca redonda, da segunda ha outras duas com as mesmas denominações, e tanto umas como outras são muito cultivadas e apreciadas no reino; da terceira ha a roxa do Algarve, que é geralmente conhecida pelo nome de roxa grande de Hespanha, e de que já fizemos menção na cultura arvense desta planta, e a roxa curta da Hollanda. Estas duas ultimas subvariedades são muito estimaveis, a primeira pela grossura e sabor sacharino da sua raiz, sendo por isso muito cultivada nas nossas provincias do Sul, e a segunda pela sua precocidade e gosto delicado, achando-se por esta razão muito generalisada a sua cultura em França.
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1186. Ha paizes em que esta planta é cultivada em grande escala, por servir de alimento tanto ao homem como a muitos animaes domesticos, que a comem com grande avidez e proveito. Os flamengos e varios outros povos do Norte dividem com os seus gados as suas provisões de cenouras, de que fazem um largo e quotidiano consummo.
1187. As cenouras gostam de um solo profundo, pingue e um tanto silicioso, ou de uma terra franca que ande bem esterroada e fabricada. Semeam-se em quasi todos os mezes, mas principalmente na primavera e no outomno, incluindo todo o mez de setembro. É preciso fazer grande selecção da semente, desconfiando sempre da do commercio, e diligenciando tel-a de producção propria,
1188. Dois bons lavores á enchada, e uma boa camada de estrume vegeto-animal, são amanhos preparatorios indispensaveis á boa cultura desta planta. Posto que alguns fazendeiros usem semeal-a a lanço, é todavia mais economico e proveitoso semeal-a em regos distanciados uns dos outros de 6 até 8 pollegadas. Neste ultimo processo de cultivo ha as reconhecidas vantagens de não ter que desbastar, e de não dispender tanto na arrenda e na sacha, amanhos indispensaveis para a prosperidade desta cultura. Quando a cenoura é destinada para se comer em verde e desde logo, póde semear-se mais basto, mas quando queremos guardal-a para o tarde, e desejamos que as raizes adquiram o maior desenvolvimento possivel, é então necessario semear á distancia de 8 a 10 pollegadas. Podemos porém alcançar o mesmo resultado semeando muito basto e desbastando successivamente, porque deste modo obtemos muitos mais productos.
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1189. Convem deixar alguns pés para semente, que devem sempre ser os mais formosos e alentados. A semente conserva-se 3, 4 e 5 annos; julga-se porém que a de 2 annos de edade é a melhor para ser semeada.
1190. Ainda que o fabrico das cenouras, seja mais dispendioso que o do nabo, por exigir lavores mais profundos e sachas mais repetidas, deve todavia aquella planta ser preferida na cultura arvense por dar maiores lucros, e forragens mais abundantes e substanciaes. Fôra para desejar que esta cultura, em ponto grande, se generalisasse entre nós, não só pelas razões apontadas, como tambem pelo grande melhoramento que imprime aos terrenos; predispondo-os principalmente para as culturas dos cereaes.
1191. Cultura do rabão e dos rabanetes. O rabão (raphanus sativus oblongus) é uma planta da familia das cruciferas originaria da China, que apresenta na cultura bastantes variedades, sendo as principaes o rabão roxo cumprido, o pequeno temporão, o rosado e o branco. O rabanete (raphanus sativus rotundus) é uma planta tambem da mesma familia e do mesmo genero de que se cultivam egualmente muitas variedades, como são o rabanete branco ordinario, o branco temporão, o rosado, o violeta ou roxo, e o amarello. Além destas variedades merecem ainda mencionar-se as que ultimamente, em 1839, vieram da China para a Europa, onde se tem generalisado; e são o branco da China de folhas longas, e o rosado de inverno. Estas duas variedades são na verdade preferiveis ás que anteriormente possuiamos, pelo seu excellente sabor e pelo tenro da sua carne.
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1192. Tanto os rabãos como os rabanetes são egualmente submettidos á mesma cultura. Podem semear-se todos os mezes, mas as melhores sementeiras são desde outubro até março. Gostam de uma terra esterroada, fresca, adubada e profunda: devem regar-se frequentes vezes, e sempre que a terra se achar secca. Os rabanetes semeam-se em covas pequenas e superficiaes na distancia de 2 a 3 pollegadas. Não devem deixar-se por muito tempo na terra, para que não encorticem e se façam demasiadamente picantes. Comem-se crus e em salada. São desenjoativos, abrem o apetite e consideram-se como muito hygienicos, principalmente se não são demasiadamente picantes.
1193. Costumam deixar-se nos canteiros alguns pés para semente, que se colhe em julho e agosto, arrancando-se os pés quando o folhelho começa a amarellejar, deixando-os finalmente em pequenos molhos, que se penduram no tecto da casa.
1194. Cultura dos nabos, das betarrabas e das batatas. Estas plantas, de que já nos occupámos ao tratar das culturas campestres, tambem se cultivam nas hortas, mas por meio de processos muito similhantes aos que já foram expendidos.
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1195. Os nabos da familia das cruciferas apresentam-nos um tão grande numero de variedades e subvariedades, que fôra tão longo como inutil indicar aqui: bastando saber que elles variam quasi annualmente na côr, na fórma, no volume e no sabor segundo os climas, os terrenos e as culturas. As variedades mais geralmente cultivadas nas hortas, são o nabo branco de Hollanda e o de Portugal.
1196. Esta planta bonificadora mais do dominio da cultura campestre, do que da horticolar é todavia cultivada nas hortas em maior ou menor escala, segundo os gostos e habitos locaes. É muito pouco exigente tanto pelo que respeita ao terreno, como aos cuidados do horticultor. Contenta-se com terras delgadas e areosas, e apenas regeita as nimiamente tenazes e barrentas: ella póde crescer até na area quasi pura, com tanto que tenha sido adubada com estrumes substanciaes. Bastam-lhe terrenos beneficiados com um unico lavor, e esterroados por uma gradadura. É quasi sempre semeada a lanço nos mezes que decorrem de agosto a maio. Os hortelões usam semeal-a basta para a irem successivamente desbastando, para utilisarem mais a rama do que as cabeças dos pés que arrancam; cessa-se de desbastar quando os restantes ficam sufficientemente espaçados para crearem grandes cabeças. Esta raiz possue a qualidade muito rara de não se deteriorar durante o inverno, epoca em que se torna preciosa para a alimentação do homem e dos gados. Assim vemos ser ella cultivada com este dobrado fim, e com o de estabelecer um bom systema de rotação com as gramineas, e leguminosas com as quaes alterna optimamente.
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1197. As betarrabas, da familia das chenopodeas, cultivam-se nas hortas, quasi pelo mesmo modo que fôra indicado na sua cultura arvense. Como a raiz desta planta se enterra até á profundidade de um pé, e ás vezes de pé e meio, precisa de um terreno dividido e profundamente fabricado. Em geral ella prefere os terrenos de consistencia media, antes tenazes que delgados, frescos e reforçados por bons adubos. A epoca geral da sementeira é ou no mez de setembro, ou no mez de março e abril; mas convem advertir que estas epocas são muito sugeitas a variar, porque se subordinam necessariamente ás circumstancias geraes do clima, e especiaes das localidades, e isto não só pelo que respeita a esta, mas tambem a todas, ou quasi todas as plantas hortenses; devendo por tanto entender-se que as epocas que nós indicamos são na verdade as mais ordinarias, mas não são nem geraes, nem invariaveis. Esta advertencia é muito importante; e desejamos nós que os nossos cultores, principalmente os das provincias do Norte, cujas epocas de sementeiras são commummente mais serodeas, a tenham sempre presente.
1198. Semea-se a betarraba ou em alfobre, para ser transplantada quando tem a grossura de uma pena, ou nos proprios taboleiros, onde tem de crear-se. Não exige grandes lavores de preparação, mas pede-os profundos, como já dissemos. Requer algumas sachas e muito poucas regas. Ella supporta na verdade grandes seccas, o que a torna preciosissima para o nosso paiz, onde em quasi todas as culturas horticolas e pratenses temos de luctar com aquelle terrivel inconveniente. É esta a principal razão porque nós a recommendámos tão vivamente como planta forraginosa. Ha porém uma outra apresentada por Schwertz, e é a de ser menos esgotante que as batatas e outras raizes. As especies de betarrabas, que mais se cultivam nas hortas para usos alimenticios, são a campestre ou raiz da abundancia, a grossa roxa commum, a branca da Silesia e a amarella de Alemanha.
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1198. Come-se a betarraba assada no forno, misturada com as saladas, guizada e de conserva; e de todos estes modos é um alimento muito saudavel.
1199. As batatas da India, da familia das solaneas, pertencem essencialmente á grande cultura de quem são um elemento indispensavel, mas nem por isso deixam de ter um logar reservado e distincto nas hortas. Esta planta é inquestionavelmente uma das mais uteis á especie humana, por fornecer uma fecula de excellente qualidade em proporção quadrupla (segundo o conde de Gasparin) daquella que póde ser fornecida por uma egual quantidade de terreno semeado de trigo. Ella póde por conseguinte quasi quadruplicar a população possivel de uma nação, que vivesse quasi exclusivamente da cultura banal dos cereaes. Muitas causas vão fazendo crescer prodigiosamente a população da Europa, mas entre ellas avulta principalmente a generalisação da cultura da batata, e a fecunda e successiva introducção dos afolhamentos.
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1200. Para que a subsistencia de um paiz seja assegurada contra o flagello da fome é mister que as suas culturas sejam variadas, e que recaiam principalmente sobre plantas, cujos productos possam simultaneamente servir a alimentação dos póvos e dos animaes domesticos; porque deste modo nos annos de abundancia o consummo fica assegurado por esta dupla applicação; e nos de escassez encontram-se dobrados recursos quer na carne dos animaes, que se não podem conservar, quer nos alimentos que lhes teriam sido consagrados se os não sacrificassemos á nossa alimentação. Ora este feliz resultado só póde obter-se pela cultura das batatas e de outras plantas, cujas raizes tem aquelle duplo destino.
1201. Mas se as culturas não são convenientemente variadas, e se a cultura supplementar toma o logar da principal, então podem occorrer terriveis calamidades. - É no meio dos brados da mais dolorosa angustia, e na presença do espectaculo tão novo como terrivel de um povo immenso morrendo de fome, e dos esforços impotentes de um governo que deseja e não póde soccorrer tão profunda miseria, que nós escrevemos agora estas linhas! Deplorando com todos os amigos da humanidade essa longa agonia, essa desgraça quasi fabulosa do povo irlandez, nós devemos colher ali uma importante lição!
1202. A cultura das batatas tem trazido um grande incremento á nossa população, mas a cultura quasi exclusiva desta ou de outra qualquer planta poderia fazer-nos tão desgraçados como é esse povo, que dizem pertencer á mais opulenta nação da Europa, mas que de facto pertence á mais apoquentada e miseravel de todas.
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1203. O numero das variedades, hoje conhecidas, das batatas é muito extenso e augmenta todos os dias. O celebre Dombasle nota com razão, que perpetuamente se estão formando todos os dias novas variedades nos campos, onde se deixam apodrecer as bagas antes da colheita: Mr. Vilmorin publicou um catalogo destas variedades numerosissimo; e Mr. Girardin julgou que era necessario dividil-as em grupos, ou classifical-as para se poderem bem comprehender.
1204. A cultura desta planta nas hortas pouco ou nada differe da campestre, de que já nos occupámos no 1.º vol. desta obra. Esta cultura é fundada sobre o principio da completa divisão e esterroamento do terreno, quer antes da plantação, quer durante o crescimento da planta. O successo desta cultura nos terrenos de egual riqueza está na razão directa da sua humidade, e na inversa da sua tenacidade - a humidade porém não deve ser excessiva, porque nesse caso os tuberculos entram em putrefacção: para chegar a esse resultado satisfactorio é mister que a terra conserve a palmo e meio da sua profundidade 15 a 18 centessimos do seu pezo de agoa: quando a secura se apodera do terreno os tuberculos entram n'um trabalho de organisação interior sem poderem engrossar; é por esta razão que nos paizes meridionaes são indispensaveis em certas estações as regas para obter tuberculos abundantes e bem creados.
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1205. A epoca mais ordinaria da plantação nas hortas é a do mez de fevereiro: depois de fabricado o terreno plantam-se os tuberculos em covas de seis a sete pollegadas, dispostas em xadrez, e distantes umas das outras pouco mais ou menos vinte pollegadas: as covas são feitas á enchada, tendo-se o cuidado de lançar a terra sobre as bordas: cobre-se então o tuberculo com uma parte desta terra lançando-lhe por cima uma camada da espessura de dois a tres dedos: o resto da terra é destinado a arrendar a planta quando ella tiver a altura de 5 a 6 pollegadas. Este processo dá excellentes resultados, porque faz desenvolver uma ordem superior de tuberculos, que ordinariamente é mais productiva do que a mais inferior. O methodo irlandez, que apresentamos no n.º 974, póde tambem ser adoptado nas hortas com evidente vantagem. As sachas e as arrendas devem praticar-se pelo modo indicado no n.º 978. Convem porém acrescentar neste logar, que tanto nesta cultura como na cultura arvense das plantas de raizes carnosas é muito conveniente sachar e amontoar por meio do alporcador Valenciano, a que em Hespanha se dá o nome de forcate, que é um arado mui simples, puchado por um só animal, e muito similhante ao buttoir de Dombasle.
1206. Para conservar as batatas durante todo o anno basta abrigal-as das geadas, e collocal-as depois de colhidas em logares seccos, enterrando-as em areia bem secca. Os tuberculos, segundo alguns agricultores, estão maduros quando a planta acaba de murchar; segundo outros a maturação do fructo é o signal de haverem chegado ao maximo do seu desenvolvimento.
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1207. As batatas são desgraçadamente sugeitas a molestias epidemicas, que se extendem a provincias e a reinos inteiros, privando da sua principal subsistencia populações numerosas, que haviam fundado uma grande parte da sua alimentação sobre esta planta.
1208. Entre estas molestias apparece desgraçadamente uma que tem tolhido a espansão da cultura desta planta cosmopolita, e que tem provavelmente de mudar o regimen alimentar de alguns povos, se não fôr atalhada, ou enfraquecida.
1209. Esta molestia é conhecida pelo nome de molestia propriamente dita das batatas: existe desde tempo immemorial nos Andes, paiz natal desta solanea.
1210. Manifesta-se pelos seguintes simptomas; quando cortamos em dois um tuberculo atacado percebem-se distinctamente manchas russas, partindo em geral da periferia, avançando debaixo da epiderme, e depois pela espessura da camada cortical: estas manchas penetram gradualmente pelo corpo, e por vezes até ao centro dos tuberculos - quando os submettemos á decocção aquosa por espaço de duas ou tres horas, todas as partes do tecido comprehendido pelas manchas se tornam mais duras do que as partes sans.
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1211. Observações minuciosas, e os caracteres da molestia fazem crêr que esta affecção talvez seja devida á presença de uma planta cryptogamica que germina e cresce sobre os caules e sobre as raizes da batateira.
1212. Muitos meios se tem proposto para combater esta terrivel enfermidade, mas é forçoso confessar, que todos tem sido até hoje mais ou menos inefficazes. Aquelles, porém, de que parece resultar algum proveito, são: 1.º o proposto pelo Dr. Klotzsch, que consiste na capação geral de todos os ramos ou talos no comprimento de meia pollegada, quando a batateira tiver um palmo de altura, e na repetição desta operação em todas as hasteas e galhos na 10.ª e 11.ª semana depois da plantação. Este meio deve ser ensaiado mesmo porque dá sempre em resultado uma maior producção: 2.º a regeneração da planta por meio da semente, que segundo parece, tem sido mais ou menos proveitosa em algumas localidades.
1213. Fôra aqui occasião de tratar das batatas doces e das batatas do Brazil, se o que dissemos com respeito á cultura campestre destas plantas não fosse inteiramente applicavel á horticolar.
1214. Cultura dos espargos. O espargo (asparagus officinalis L.) da familia das asparragineas é uma planta indigena do reino, e de varios outros paizes da Europa, que se encontra no estado selvagem em quasi todas as nossas provincias. Distinguem-se do espargo hortense duas principaes variedades a verde ou a commum, e a grossa ou a de Hollanda.
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1215. Esta planta propaga-se pela sementeira. Umas vezes semea-se em alfobre para ser transplantada para a esparragueira, e outras é logo semeada na propria esparragueira; este segundo methodo é o preferivel no nosso clima, e em todas as localidades onde os invernos não forem nimiamente rigorosos.
1216. O terreno destinado á cultura dos espargos deve dividir-se em canteiros de uma vara de largura, pouco mais ou menos, e separados por espaços intermediarios de tres palmos. Estes canteiros devem ser cavados até á profundidade de 3 a 4 palmos, e a terra que delles se extrahir deve ir-se amontoando nos espaços adjacentes. Logo que as vallas se acham abertas lança-se-lhes no fundo uma camada de areia e cascalho miudo, precaução que só deve dispensar-se nos terrenos delgados e areosos: em cima desta camada estende-se e calca-se uma outra de bom esterco de estrebaria quasi consummido, espessa de palmo e meio a dois palmos; é sobre esta que se colloca uma boa cama da terra que se extrahira das vallas; e é nella que se semeam os espargos em pequenas covas de uma mão travessa de altura, distantes umas das outras 15 a 18 pollegadas. O excedente da terra dos espaços vasios serve para se ir successivamente lançando nos canteiros á proporção que os espargos vão crescendo, e carecem de ser amontoados. Estes espaços ou carreiros podem aproveitar-se, semeando nelles quaesquer hortaliças que deem a sua novidade dentro de seis mezes.
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1217. Este processo é sem duvida o mais racional e economico, e é o que geralmente se usa na Hollanda, na Inglaterra e na França sempre que esta cultura se faz em ponto grande. Alguns hortelões fazem vallas até á profundidade de seis palmos, revestindo-as inferiormente de uma camada de estrume de tres a tres palmos e meio de espessura; mas segundo a opinião dos horticultores modernos, vallas tão profundas e tão abundantemente estrumadas não são mais do que uma perda inutil de adubos e de trabalho.
1219. A sementeira deve fazer-se em fevereiro e março. Lançam-se então duas até tres sementes em cada cova, e logo se cobrem de terriço. Em junho arrancam-se dos tres pés dois, deixando sempre o mais vigoroso: em novembro torna a lançar-se nas vallas nova camada de terra de duas pollegadas de espessura.
1220. Feitos estes amanhos não ha cultura mais facil, e menos dispendiosa do que a do espargo: ella não demanda mais do que uma sacha nas primaveras, e a applicação immediata de uma ligeira camada de esterco, e de uma outra nos outomnos depois de colhida a novidade.
1221. No segundo anno cortam-se os talos aos espargos duas pollegadas acima do chão, no terceiro já a esparragueira dá alguma novidade, no quarto porém, e d'ahi por diante até ao decimo e ao duodecimo produz abundantes e repetidas colheitas de turiões ou espargos, que se colhem apenas despontam no solo, e com grandes precauções para não offender o collo das raizes.
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1222. A cultura dos espargos funda-se nas seguintes condições: 1.º É mister evitar que a humidade estagne junto das raizes, porque de outro modo apodrecem com facilidade. 2.º É preciso que a lavoura seja bastante profunda, para que as mesmas raizes possam penetrar e ramificar-se no solo. 3.º São necessarios abundantes adubos para alimentar o rapido e successivo desenvolvimento da planta.
1223. Ha poucas culturas tão productivas como as dos espargos: assim como poucas hortaliças tão saudaveis e tão saborosas. Em França tem-se calculado que uma esparragueira da extensão de duas geiras de terra sustenta muito bem uma familia. Esta cultura é pouco conhecida entre nós, apenas nas proximidades das nossas principaes cidades se cultivam alguns canteiros desta planta; no centro das provincias usam-na, mas é da que espontaneamente nasce nos campos e que é conhecida pelo nome de espargo silvestre maior (asparagus aphillus L.) Fôra muito para desejar que os nossos cultivadores se dessem mais geralmente a esta cultura; podendo até cultivar esta planta nos carreiros e veredas das vinhas (como se usa em alguns pontos da França), onde se dá perfeitamente sem o menor prejuizo das videiras.
1224. Cultura da alcachofra. A alcachofra (cynara scolymus L.), da familia das compostas, é uma planta vivaz, muito cultivada em diversos paizes da Europa, e em alguns pontos do reino, principalmente nas hortas de Lisboa e Porto.
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1225. Esta hortaliça é de uma digestão facil e de um gosto agradavel. As suas variedades mais estimadas são a alcachofra verde ou franceza, e a roxa ou genoveza.
1226. Multiplica-se ou por sementeira ou pelos rebentos que nascem das raizes, a que os hortelões chamam olhos ou filhos. Este segundo meio é o que geralmente se prefere.
1227. A sementeira póde ter logar em março ou em abril, segundo o estado da temperatura - em França é ordinariamente na primeira semana de maio que se procede a esta operação, mas entre nós deve ser um mez ou mez e meio mais cedo, conforme correr a estação. As alcachofras podem semear-se em alfobre para depois se transplantarem, ou nos proprios canteiros onde hão-de ficar; este ultimo alvitre é aquelle que commummente se adopta; e eis aqui como se procede para o levar á execução. - Em taboleiros de terra bem fabricados e adubados traçam-se linhas espaçadas entre si dois palmos a dois palmos e meio, e abrem-se nellas a egual distancia pequenas covas, nas quaes se lançam duas a tres sementes, não muito juntas para bem se poderem arrancar as duas plantas que parecerem menos vigorosas. Durante a vegetação da planta fazem-se largas irrigações, sempre que o solo as reclama: estas irrigações devem ser mais frequentes e abundantes quando a planta começa a formar cabeça.
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1228. A plantação por rebentos pratica-se do seguinte modo. Cava-se a terra até dois palmos de fundura, arma-se em canteiros, e abrem-se nelles pequenas covas, na distancia de quatro palmos em quadro, onde se lançam dois a tres punhados de esterco. Em cada uma destas covas plantam-se dois a tres rebentos, um pouco desviados uns dos outros: e no caso de pegarem todos arrancam-se dois dos mais fracos, deixando apenas o mais vigoroso. Os amanhos de entretenimento reduzem-se depois a sachar e regar, a amontoar a terra em torno dos pés, para os defender do frio e das geadas, e a cortar as hasteas, apenas se colhe o fructo, o mais perto possivel da terra.
1229. Os filhos ou rebentos nascem á roda da hastea principal, quasi sempre no fim do inverno, separam-se então della e transplantam-se para os canteiros, do modo que já indicámos. Em algumas localidades, segundo as circumstancias do anno, tambem se desenvolvem novos filhos no mez de setembro, e então poderá fazer-se a plantação neste mez.
1230. Esta planta dura em boa vegetação tres a quatro annos, conforme a natureza da terra e do clima. Se o terreno fôr substancial e profundo, e o clima temperado, obteremos bons fructos durante todo aquelle tempo. Para que os fructos sejam bem creados e volumosos é preciso deixar poucos a cada pé, eliminando a maior parte delles antes de formarem cabeça.
1231. Cultura dos morangos. O morangueiro (fragaria L.) é uma planta vivaz da familia das rosaceas, de que se conhece um grande numero de especies de raças e de variedades. Nós não indicaremos aqui senão as principaes: e são o morangueiro silvestre (fragaria vesca); o morangueiro dos Alpes ou de todos os mezes (f. semper florens) o de Virginia (f. canadensis) estimavel pela antecipação dos seus fructos; o da Carolina (f. caroliniana) de uma grande fecundidade; o morangueiro ananaz (f. grandiflora) notavel pela grossura e pela côr escarlate dos seus fructos; o ananaz vermelho de fructo oval purpurino, mais aromatico e saboroso que o antecedente; o morangueiro de París (f. chiloensis flore hermaphrodito) preferido em França pela facilidade da sua cultura e abundancia dos seus fructos, e ultimamente o rei dos morangueiros, que os inglezes denominaram Keen's Seendling, variedade notavel pela côr avermelhada e sabor aromatico do seu fructo, bem como pela sua copiosa fructificação.
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1232. O morangueiro multiplica-se umas vezes por semente e outras por plantação; este segundo methodo é preferivel ao primeiro, e por isso só delle trataremos aqui.
1233. Querem os morangueiros uma terra substancial, bem fabricada, adubada e exposta ao meio dia em sitio abrigado. Plantam-se umas vezes em taboleiros exclusivamente destinados á sua cultura, outras vezes nas margens das regueiras ou dos canteiros onde se cultivam outras hortaliças. Para a sua plantação servimo-nos quer dos estolhos ou braços que a planta lança da base das folhas, quer dos filhos ou gomos subterraneos que nascem das touças, os quaes se separam em fragmentos, precisando ter cada um um gomo ou renovo pelo menos: algumas vezes tambem dispômos a planta previamente semeada e creada no alfobre.
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1234. A plantação é feita com intervallos variaveis entre palmo e meio a dois palmos em quadro, segundo são mais ou menos ramificaveis as especies ou variedades que cultivamos. A epoca desta plantação póde ser ou a do começo do outomno, ou a da primavera, sendo a primeira geralmente preferivel no nosso paiz, e particularmente em todas aquellas localidades em que os invernos não forem excessivamente rigorosos.
1235. Alguns hortelões dos arredores de París costumam plantar os morangos dos Alpes, ou de todos os mezes, entre as fileiras das couves temporãs, que sendo arrancadas cedo deixam depois prosperal-os á vontade: esta pratica sendo evidentemente economica deve ser geralmente adoptada. Por um processo muito simples chegamos a obter morangos em setembro e outubro, mesmo das variedades que não dão fructo em todas as estações. Cortam-se as flores e as summidades das hasteas no começo da floração, retardando por este modo o apparecimento dos fructos que se tornam assim muito serodeos.
1236. Quasi todos os morangueiros começam a bracejar logo que as hasteas, que hão-de dár as flores e os fructos, tem adquirido um certo desenvolvimento; é por isso que nesta epoca se costumam supprimir os braços, a fim de fazer acummular a seiva nos orgãos da fructificação, augmentando assim a quantidade e aperfeiçoando a qualidade dos fructos.
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1237. As chuvas, uma vez que não sejam muito abundantes, não dispensam as regas dos morangos - estes dão uma grande preferencia ás irrigações artificiaes sobre as naturaes, e é por isso que ha em França um proverbio que diz que o morangueiro gosta mais de beber da agoa do poço do que do ceu.
1238. Esta planta é muito cultivada na Inglaterra, na Belgica, França e em outros paizes da Europa; entre nós já o é bastantemente em Lisboa, no Porto e nas hortas de alguns proprietarios das provincias; mas não em tal quantidade que possa abastecer o mercado, o que é para lastimar por ser o seu fructo um alimento tão saboroso como hygienico.
1239. Cultura da Framboesa. A framboesa (rubus ideus L.) é uma planta da familia das rosaceas e da tribu das driadeas, que alguns cultivadores introduzem na arboricultura; mas que nós julgámos dever mencionar aqui por ser um subarbusto geralmente cultivado nas hortas.
1240. Distinguem-se tres variedades desta planta, a saber, a framboesa de fructo branco, a de fructo cor de carne, e a de fructo vermelho, a que se dá tambem o nome de framboesa dos Alpes, ou das quatro estações; posto que não produza realmente fructos senão nas duas primaveras.
1241. Esta rosacea esgota muito a terra, e é bastantemente nociva ás plantas vizinhas, devendo por isso ser cultivada á parte, e mudada de tres em tres annos. Prefere os solos frescos e sombrios, mas não é difficil sobre a sua escolha. Multiplica-se pelos seus numerosos renovos, que se plantam desde novembro até março. No começo do inverno cortam-se as hasteas que fructificaram no anno anterior, e que ficam incapazes de fructificar novamente; cava-se em seguida o terreno e esterca-se. Como no começo da primavera a planta rebenta de novo, e como seus rebentões tendem a elevar-se consideravelmente com prejuizo dos fructos, devem podar-se na altura de uma vara para fazer refluir a seiva para os raminhos lateraes, que são os que florecem e fructificam. Os fructos desta planta são muito estimados em França; e são na verdade mimosos, e muito proprios para se comerem misturados com os morangos.
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1242. Culturas de algumas leguminosas. O que dissemos sobre a cultura arvense das ervilhas, dos feijões e das favas é quasi inteiramente applicavel á cultura hortense destes legumes; e como não só devemos cuidadosamente evitar a reproducção, do que já fôra em outro logar expendido, mas devemos egualmente precisar e contrahir os variados assumptos, que devem ser tratados neste Manual, exporemos sómente aqui alguns promenores sobre o cultivo horticola destas plantas.
As ervilhas (pisum sativum) possuem em alto gráu a estimavel propriedade de crescerem e fructificarem com poucos, ou nenhuns estrumes; a sua cultura póde por tanto pôr-nos em estado de aproveitar nas hortas, e fora dellas, os terrenos que não podermos estercar.
1243. Esta planta dá uma decisiva preferencia aos terrenos virgens, ou que tenham estado por muito tempo maninhos, aos roteados de fresco, principalmente se são soltos, calcareos e marnosos. As cinzas de toda a qualidade de plantas, assim como os carbonatos de cal activam consideravelmente a sua vegetação.
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1244. É nas linhas marginaes dos canteiros, ao longo dos muros e das espaldeiras, e muitas vezes em taboleiros proprios que este rico legume se cultiva nas hortas.
1245. Para lograr novidades muito temporãs, o que é muito de appetecer, precisa o hortelão de semear cedo, e de procurar as exposiçõos mais quentes, e os sitios mais abrigados da sua horta. Deve tambem semear em epocas aproximadas e successivas, de 15 em 15 dias, por exemplo, para obter periodicamente novidades frequentes. Para este fim, quando semear nos mezes mais frios do anno, deverá fazel-o sobre camas descobertas, e deverá mesmo defender e cobrir as plantas com colmo, esteirões, e outros generos de abrigos.
1246. As ervilhas anãs querem mais amanhos do que as de trepar; estas contentam-se com uma até duas sachas, e podem deixar-se entregues a si mesmas depois de empadas; aquellas exigem dois, tres e mais lavores, segundo a maior ou menor divisibilidade e seccura do terreno - se por occasião da sacha lançarmos junto de cada pé um ou dois punhados de terra vegetal, misturada com cal e cinzas, teremos logar de admirar a acção fertilisante destes adubos.
1247. Ás ervilhas das sementeiras temporãs devem supprimir-se as summidades das hasteas no acto da florescencia; esta capação faz-se acima da 3.ª ou 4.ª flor, conforme a força do ramo: esta operação fazendo refluir a seiva para as gemmas floraes que se estão desenvolvendo, reprime o viço da planta e faz com que as vagens se desenvolvam com mais força e antecipação.
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1248. O feijoeiro (phaseolus vulgaris) é um dos legumes mais productivos e mais cultivados das nossas hortas. As vagens ou silicas desta planta, conhecidas pelo nome de feijão verde, tem um extenso consummo em todas as cidades e villas do reino; e quando o horticultor não póde consummir todos os productos dos seus feijoaes em verde, guarda-os para serem consummidos em secco; podendo sempre ter a certeza de que por um, ou por outro modo ha-de achar consummidores aos productos deste excellente legume.
1249. Pouco precisamos addicionar ao que já dissemos sobre o cultivo do feijoeiro no 1.º vol. desta obra. Ha sempre nas culturas hortenses mais cuidado e esmero do que nas campestres, sendo tambem esta uma das razões que as tornam mais productivas. Os lavores preparatorios são mais perfeitos, e devem deixar a terra completamente esterroada; é por isso que quando o chão da horta fôr argiloso e compacto teremos de applicar-lhe um maior numero de lavores, do que sendo delgado e areoso: nos primeiros terrenos devemos semear em linhas ou em regos distantes entre si dois palmos, e em casas a oito dedos de distancia; nos segundos convem semear em xadrez, collocando 3 a 5 sementes em cada casa, com intervallos de palmo e meio: esta ultima disposição das plantas é sobre tudo vantajosa para obstar á evaporação do solo.
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1250. A epoca geral desta sementeira é no começo da primavera; entre tanto segundo as circumstancias do anno, as diversas localidades e as variedades que se cultivam; bem como segundo o fim com que a cultura é feita assim se antecipará ou retardará aquella epoca.
1251. Os feijões nas hortas devem sachar-se logo que desponta a 4.ª folha, e mesmo mais cedo se a terra se achar endurecida pela acção combinada e successiva das chuvas e dos calores. É muito recommendavel a pratica de lançar um ou dois punhados de esterco bem curtido junto de cada pé, no acto de sachar pela segunda vez. As regas frequentes são a vida desta planta indiana, assim como de todas as plantas horticolas dos paizes meridionaes.
1252. Podemos prolongar o uso dos feijões verdes durante o inverno, submettendo-os ao seguinte processo. Colhem-se as vagens mais tenras, tiram-se-lhes os fios, no caso de os terem, e lançam-se n'um cesto, que será mergulhado por duas vezes n'uma caldeira de agoa a ferver, e tirado alguns segundos depois da inmersão. Expõe-se então as vagens ao ar livre em sitio sombrio até que estejam bem seccas, e neste estado guardam-se embrulhadas em papeis. Quando se querem comer deitam-se de môlho em agoa fria durante uma noute: ellas tornam depois desta operação a adquirir a sua primeira frescura e podem então preparar-se como se fossem acabadas de colher.
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1253. Os dolichos, que como já dissemos formam um genero muito proximo e parecido com o do feijoeiro, fornecem ao agricultor dos paizes meridionaes algumas especies e variedades estimaveis, como são o feijão cutelinho (dolichos lablab) natural do Egipto e assás cultivado nas hortas de Coimbra, Lisboa e Porto, principalmente como planta de ornamento; o feijão frade (dolichos monachalis) muito cultivado em todo o reino, tanto nas hortas como nas varzeas e valles humidos; o feijão espargo (dolichos sesquipedalis) raro entre nós, mas muito notavel pelo grande comprimento das suas vagens carnosas celindricas, e saborosas; estas vagens chegam a ter algumas vezes a extensão de seis pés, e ordinariamente de dois. É planta que merece generalisar-se pela riqueza dos seus productos, e por ser muito propria para formar espaldeiras, revestir muros, &c. A sua cultura é a mesma que a dos feijões ordinarios.
1254. A faveira (vicia faba L.) é uma planta annual, natural da Persia, mais propria, pela sua rusticidade, da cultura arvense, do que da horticola. Além das variedades que já indicamos, quando tratámos do cultivo desta planta, podem ainda mencionar-se duas como as mais proprias para a horticultura. Estas são a fava anã roxa, variedade muito nova e a mais temporã e rasteira de todas, e a verde da China, que nos veio deste paiz, e cujo fructo de um gosto agradavel permanece sempre esverdeado mesmo depois de secco.
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1255. A cultura hortense da fava não differe da campestre senão em ser mais completa, não só porque os lavores de preparação são feitos á enchada, mas porque os de entretenimento são mais numerosos; e na verdade as favas não só são sachadas nas hortas ordinariamente duas vezes, mas ainda depois disto são amontoadas.
1256. As summidades das faveiras devem ser cortadas como as das ervilhas, quando a planta está em florescencia. Esta operação, que se não costuma fazer na grande cultura, explica a enorme differença de productos que apparece entre as favas tratadas nos campos, e nas hortas.
1257. Cultura do melão. O meloeiro (cucumis melo), da familia das cucurbitaceas, é uma planta, cujos fructos de sabor e aroma delicados, são um dos primeiros regalos das mezas da maior parte dos povos da Europa.
1258. Os francezes contam tres raças principaes de melões que comprehendem um grande numero de variedades. Nós não faremos aqui a sua enumeração, porque sabemos que não tem estabilidade alguma, e que se modificam nos diversos climas, e até se transformam com grande facilidade nas mesmas localidades, segundo as diversas circumstancias do anno. É mister por tanto que os cultivadores as estudem, especialmente para conhecerem quaes são as mais temporãs e as mais serodeas, as mais aromaticas e delicadas, e finalmente as mais analogas ao seu terreno e clima.
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1259. Os melões são muito cultivados em todo o reino, mas as raças que mais geralmente se cultivam são inferiores e pouco escolhidas: de modo, que nós podemos dizer da maior parte dos nossos hortelões o que M. de Plancy dizia dos de França: «Quando se pedem aos nossos hortelões melões e conselhos elles os dão em abundancia, mas tão máus uns como os outros». Com isto não queremos insinuar que os melões sejam em toda a parte máus, porque ha em quasi todas as nossas provincias, e principalmente nas meridionaes, melões riquissimos no gosto e no aroma: e por não citar outros mencionaremos sómente os de guarda ou de inverno de Fronteira e Arronches, na provincia do Alemtejo, que podem certamente rivalisar com os melhores de França e de Italia.
1260. Nas localidades onde a temperatura é egual e elevada, e onde as primaveras são quentes póde tirar-se um grande resultado dos meloaes, quer se façam nos campos, quer nas hortas. Os terrenos de Coruche e da Azambuja, e geralmente quasi todos os da borda d'agoa, são uma prova desta verdade.
1261. Esta planta quer terras francas, e um solo substancial e calcaro-argiloso: pede adubos copiosos tanto de terra vegetal, como de estercos vegeto-animaes, e apraz-se finalmente nas exposições meridionaes e nos sitios mais abrigados.
1262. No nosso paiz cultivam-se os melões em ar e terra livre: a cultura em camas quer surdas, quer descobertas, as coberturas com redomas, a sementeira prévia em viveiros e vasos para depois se transplantarem os pés para as mesmas camas são entre nós quasi desconhecidas - e nas provincias meridionaes inteiramente desnecessarias, salvo se quizermos obter fructos muito temporãos, ou o que os francezes chamam primores: e é por isto que nós deixamos de expôr os processos desta cultura neste logar, reservando esta exposição para quando tratarmos das culturas forçadas.
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1263. Depois de rota a terra abrem-se covas em distancia de 10 a 15 pés umas das outras, que tenham pé e meio de diametro e outro tanto de profundidade. Nestas covas, que devem apresentar a fórma afunilada, lança-se obra de um pé de estrume muito bem cortido misturado com boa terra, e em cima desta camada uma outra de terriço de 3 a 4 dedos de espessura, que deve calcar-se bem com a enchada. E' sobre esta camada que se deitam 5 a 6 sementes, as quaes se cobrem com uma nova camada de terra substancial de uma mão travessa de espessura.
1264. Esta sementeira faz-se no mez de março, e nas localidades mais frias do reino no mez de abril. - Se os frios forem rigorosos então devem-se cobrir com um pouco de colmo as covas; e esta precaução será quasi sempre sufficiente para preservar a vida das plantas durante o primeiro periodo do seu desenvolvimento. Quando já se não temem os grandes frios e principalmente as geadas, inimigas capitaes do meloeiro, levanta-se o colmo com a devida precaução para não offender as plantas.
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1265. Passados uns trinta dias é sachado o meloal, e amontoa-se a terra em torno dos pés.
1266. A arte da capação dos melões acha-se hoje muito simplificada. A horticultura moderna tem chegado a reconhecer, que a capação póde e deve ser muito menos complicada do que era antigamente. Nós exporemos aqui os dois processos, tanto o antigo como o moderno, para se poderem facilmente comparar um com o outro.
1267. No processo antigo é a planta capada logo que apresenta quatro folhas acima das cotyledonares. A capação faz-se logo por cima da 4.ª folha, e como passado pouco tempo se desenvolvem dois ramos lateraes, estes são capados logo que mostram a sua 5.ª folha acima do segundo nó: cada um destes dois ramos suspendidos no seu natural desenvolvimento produzem, por baixo do córte, outros dois, que se deixam crescer do mesmo modo até ao apparecimento da 5.ª folha, capando-se egualmente acima do segundo nó; cada um destes dá ainda origem a dois ramos lateraes, que são tratados do mesmo modo que os antecedentes, e assim por diante até á 5.ª capação, depois da qual apresenta o meloeiro 32 ramos. Chegada a planta a este estado escolhem-se d'entre os fructos mais grossos aquelles, que se devem conservar, e sacrificam-se os outros com os ramos que os sustentam: de modo que sómente se deixa o numero necessario de ramos fructiferos, sendo supprimido tudo o que vem posteriormente.
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1268. No processo moderno capa-se desde logo o braço ou hastea central, que sahira do meio dos cotyledones; esta capação deve fazer-se quando a terceira folha tem despontado, e logo por cima do segundo olho; os dois braços lateraes, que se desenvolvem sobre o primeiro, são tambem capados acima do 5.º ou do 6.º olho depois de desenvolvida a 6.ª folha; executada esta suppressão deixam-se desenvolver todos os braços livre e naturalmente sem supprimir mais nenhum. Quando os fructos tem já um certo desenvolvimento, isto é, quando apresentam o tamanho de um ovo, escolhem-se e destinam-se para ser conservados aquelles que annunciam uma vegetação mais vigorosa. Feita esta escolha, capam-se todos os ramos do fructo dois olhos acima dos melões conservados; e sacrificam-se todos os mais ramos com os fructos que sustentam. Depois d'isto supprimem-se todas as hasteas que sobrevem de novo. Este processo não só é mais simples, porém mais racional; e é por isso que vai sendo mui geralmente adoptado em França, onde a cultura dos melões tem chegado a um alto gráu de perfeição.
1269. Os melões tambem pódem deixar de capar-se, havendo simplesmente o cuidado de cortar a hastea principal: esta é sem duvida a operação essencial, e que nunca deve omittir-se. Entre tanto alguns agronomos modernos suppõem que esta mesma capação pode ser inteiramente supprimida sem o menor inconveniente; e esta era já a opnião de Rosier, haverá meio seculo, bem como a pratica dos hortelões do meio dia da França. Se o terreno for substancial e bem estrumado talvez a capação possa dispensar-se, não resultando d'ahi outro inconveniente senão o menor volume dos fructos; que devem todavia ser neste caso muito mais numerosos.
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1270. A cultura dos melões quer abundantes e bem curtidos estrumes, e poucas regas. Na nossa provincia do Alemtejo cultivam-se nos terrenos frescos, e muitas vezes nos roteados de novo, os chamados melões de sequeiro, assim como os de guarda, que são na verdade os melhores e os mais esquisitos de todos. Entre as diversas variedades desta ultima raça destinguem-se sobre tudo os maltezes, os de pelle de rato e os matincas.
1271. Os melões de guarda são colhidos quando ainda não despedem aroma algum, antes de terem chegado ao estado de perfeita madureza, e quando o pé começa a engelhar-se; costumam nas provincias do Sul fazer-lhes com junça umas camizas de malha, onde os mettem para os pendurar nos celleiros, nas adegas e nas dispensas: na Provença envolvem-nos n'uma capa de colmo, atando-o pelas suas duas extremidades; e penduram-nos depois nas casas mais seccas que tem.
1272. Os melões da estação só se colhem quando o seu aroma nos revella haverem chegado ao estado de perfeita maturação.
1273. É mister grande cuidado na escolha da semente. Deve procurar-se a das melhores raças, tanto pelo que respeita ao numero, como a qualidade dos fructos. Antes de nos servirmos da semente, que deve ter sido cuidadosamente guardada, devemos ter a precaução de a lançar n'um copo de agoa; e veremos então que a má e fallida sobrenada, que a mediocre desce de vagar, e que a boa se precipita para o fundo do vaso. A semente de tres annos conservada com cuidado póde ainda servir, porém a melhor é a do anno antecedente.
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1274. Cultura das melancias. A melancia ou melancieira (cucurbita citrullus) é uma planta, da familia das cucurbitaceas, muito cultivada no reino e em todos os paizes meridionaes, por nos mimosear durante o estio e uma parte do outomno com um fructo refrigerante e delicioso, tão agradavel ao paladar como á vista, e que é ao mesmo tempo o regalo, tanto do rico, como do pobre.
1275. Ha em Portugal muitas, localidades onde se criam formosas raças de melancias de um volume espantoso e de um gosto exquisito. As de Coruche na borda d'agoa, as de Logomel no Alemtejo, e as de Estarreja no districto de Aveiro passam por ser das mais afamadas.
1276. A cultura desta planta é em geral a do melão. No meado de março, ou no mez de abril, conforme as localidades, é a terra cavada á enchada na profundidade de pouco menos de meia vara. Abrem-se depois covas em xadrez, na distancia de vara e meia umas das outras; estas covas devem ser circulares e afuniladas, tendo superiormente quatro palmos de diametro, e dois de altura: enchem-se depois nos dois terços da mesma altura de bom estrume bastantemente curtido, e misturado com a terra extrahida das mesmas covas: lança-se-lhes ainda por cima uma camada de boa terra da espessura de uma mão travessa, onde, depois de calcada, se dispõe a semente, a qual é finalmente coberta com uma nova camada de terra da mesma espessura que a antecedente.
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1277. Passado um mez sacha-se o melancial, arrancam-se os pés menos vigorosos, deixando sómente cinco ou seis em cada cova, e amontoa-se a terra calcando-se em torno dos mesmos pés. Havendo plantas invasoras do terreno torna-se ainda a dar segunda sacha, quando as melancieiras começam a bracejar.
1278. Passados alguns dias repartem-se com egualdade os braços das melancieiras, a fim de não se embaraçarem uns nos outros, e de terem espaços sufficientes para o seu desenvolvimento. Quando os braços são demasiados, cortam-se alguns dos menos vigorosos junto do pé, e deixam-se murchar no mesmo terreno. Esta operação é não só necessaria para reprimir o excessivo vigor da planta, mas tambem para impedir que os fructos fiquem privados da acção directa dos raios solares, que é indispensavel ao seu completo desenvolvimento.
1279. O horticultor nunca deve perder de vista que os estrumes, a luz e calor do sol, uma temperatura elevada, e alguma agoa são os quatro principaes elementos desta vegetação.
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1280. Na maior parte das localidades do reino, não se costumam capar as melancias; este costume parece-nos preferivel ao opposto, que é todavia usado em alguns pontos de Hespanha e de França. Esta operação quando se praticar deve ser feita por algum dos dois processos acima indicados.
1281. E' tambem raro entre nós, que as melancias se semeem em alfobre para se transplantarem depois: esta pratica só póde ser proveitosa nas localidades muito frias, sugeitas a fortes geadas nos mezes de abril e maio, ou nos climas frios, onde a planta não póde alcançar, durante o estio e parte do outomno, o seu completo crescimento: mas no nosso paiz, a não ser que se desejem fructos muito temporões, acreditamos que não deve adoptar-se.
1282. E' muito usual nas nossas provincias do sul semear melanciaes nos terrenos roteados de novo, onde se dão admiravelmente ainda com pequenas quantidades de estrume.
1283. A madureza das melancias é conhecida pela dureza e elasticidade da casca, pelo som occo e sonoro, que apresentam, quando se percutem com os dedos, e ultimamente pelo emmurchicemento do pé.
1284. Tambem se conservam durante algum tempo, mas perdem a graça e o sabor, devendo por esta razão comer-se na estação propria.
1285. Cultura das abobaras. A abobara (cucurbita pepo) pertence ainda á mesma familia das cucurbitaceas, e é cultivada nos paizes temperados e quentes do globo, já como alimento para os homens, já como forragem para os gados.
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1286. Esta planta apresenta grande numero de variedades, umas mais interessantes do que outras. As mais geralmente cultivadas são a abobara porqueira, assim chamada por ser quasi exclusivamente dedicada ao sustento e céva dos porcos; a abobara menina, destinada a usos culinares; a abobara chila ou chilacaiota propria para doce.
1287. Além da especie acima mencionada ainda se cultivam mui geralmente outras tres; conhecidas, a primeira pelo nome de abobara cabaço (cucurbita lagenaria), especie trepadeira, que dá fructos, que os horticultores utilisam na qualidade de vasos para conter liquidos, sementes &c., a segunda pelo nome de geromum (cucurbita americana), especie onde se encontram as variedades conhecidas pelos nomes vulgares de barrete tureo, barrete de eleitor ou alcachofra de Jerusalem; ambas estimaveis, não só pela belleza da planta como tambem pelo gosto assucarado dos seus fructos; e a terceira finalmente pelo nome de abobara mogango (cucurbita compressa) muito propria para guizados de cozinha.
1288. As abobaras, assim como todas as plantas, que pertencem a esta mesma familia, são originarias dos paizes quentes, e só medram bem no meio do calor e da humidade, sendo o frio o seu maior inimigo.
1289. A cultura desta planta é a mesma que a da melancia, com a differença de querer ainda mais estrumes e mais agoa, de maneira que é nas bordas das ribeiras, e em montes de esterco, onde ella medra de uma maneira prodigiosa, chegando a produzir fructos de mais de duas arrobas de pezo.
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1290. Não devemos deixar nas covas das abobaras mais do que um pé, porque esta planta é insaciavel de principios alimentares, e como adquire grande desenvolvimento, lançando longos braços e largas folhas, é mister dar-lhe espaço sufficiente para se estender á vontade.
1291. As abobaras tambem não convem que sejam capadas, segundo a opinião dos melhores hortelões; mas se quizermos applicar-lhes esta operação sómente deveremos supprimir a hastea central, acima do 2.º ou 3.º olho, e quando o fructo tiver obtido o tamanho de uma laranja, caparemos então o ramo, que o sustentar, dois olhos acima do ponto da origem do mesmo fructo.
1292. Quando as abobaras começam a desenvolver-se são excellentes para conservas em vinagre, e quando chegam a ter o tamanho da cabeça de uma creança são optimas para se guizarem de varios modos.
1293. Cultura do pepino. O pepino (cucumis sativus) é uma planta, do mesmo genero e da mesma familia que o melão, que se cultiva como elle com muito pequena differença.
1294. Ha muitas variedades hortenses de pepinos, sendo as principaes o branco comprido, o branco temporão, o temporão de Hollanda, o cornichão e o da Russia. Ha ainda outra especie conhecida pelo nome de pepino serpente (cucumis flexuosus.)
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1295. As casas para a sementeira dos pepinos são mais pequenas do que as do melão, mas devem adubar-se e preparar-se do mesmo modo. Aquella planta póde soffrer a operação da capação pelos dois processos que indicamos para os melões. Carece porém de muitas mais regas, e neste ponto mais se assemelha á abobara do que ao seu congenere.
1296. O pepino cornichão e o da Russia são particularmente destinados ás conservas de vinagre. Os outros, quando recentes e tenros, tambem podem destinar-se a este uso, mas além delle utilisam-se ainda em saladas e n'outros misteres de cosinha.
1297. Para obter sementes maduras de todas as especies de pepinos é necessario deixar apodrecer sobre a planta alguns dos melhores fructos, e recolher a semente, quando a polpa dos mesmos fructos estiver quasi inteiramente destruida. Guarda-se depois a semente na certeza de que póde durar um grande numero de annos em bom estado.
1298. Cultura das caiotas da Madeira. As caiotas (echium edule) conhecidas no Brazil pelo nome de chus-chus, são uma planta vivaz e trepadeira, da familia das borraginaceas que se cultiva em algumas hortas e jardins de Lisboa, e raramente em alguns outros pontos do reino; e que merece ser vulgarisada pela belleza e abundancia dos seus fructos, pela formosura do seu porte, e ainda pela propriedade que tem, não só de guarnecer os muros, trepando pelos esteios que se lhe offerecem, como tambem de formar espaldeiras e vestir caramanchões, contralatadas, &c.
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1299. Nós cultivamos as caiotas ha alguns annos a esta parte no horto experimental da Ajuda, e temos sempre obtido uma grande copia de fructos mais bellos e desenvolvidos do que aquelles que nos vem da Madeira.
1300. Semeam-se os fructos em terra de horta, muito bem fabricada e adubada, procurando para este fim os mais perfeitos, e aquelles, cujo germen começa a desenvolver-se, o que acontece sempre que os guardamos em sitios pouco illuminados. E' no mez de fevereiro e março que deve fazer-se esta sementeira. Procuram-se sempre sitios abrigados e de uma exposição meridional ao longo de muros, podendo ser.
1301. A planta começa logo no primeiro anno a bracejar e a trepar como a chilacaiota, á qual se assemelha no habito externo, mas com a differença de lançar um maior numero de hasteas e de folhas. Só no segundo anno, lá para o mez de outubro e novembro, apresenta fructos muito similhantes na côr e no aspecto ás toranjas, porém muito diversos dellas na fórma, que é piriforme, e ainda muito mais na organisação interior.
1302. Conserva-se esta planta na terra por muitos annos, e continua sempre dando grande abundancia de fructos uma vez que o terreno seja regado e adubado convenientemente.
1303. Os fructos das caiotas podem utilisar-se, quando recentes, em conservas de vinagre, e quando maduros em diversos misteres culinares, e tambem em doce secco, á semelhança da abobara, com a qual tem no gosto uma remota analogia.
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1304. Nós entendemos que conviria introduzir esta planta nas nossas provincias do sul, e que a sua introducção além de facil seria muito interessante por ser um vegetal muito productivo e de simples grangeio. Nós temos enviado caiotas para alguns pontos do reino, e consta-nos que em toda aparte tem medrado excellentemente.
Cultura natural das plantas industriaes.
1305. Estas plantas demandam optimos terrenos, estrumes abundantes, e rigorosos amanhos; e por isso quando faltar alguma destas condições, será melhor não emprehender a sua cultura. Ellas são: além de exigentes, muito esgotadoras do terreno, não se podem fazer succeder a si mesmas, antes devem alternar-se com outras culturas beneficiadoras ou fertilisantes. Como o seu preço é subido são tratadas pelo cultivador com grande attenção e cuidado, e tem o merecimento de o esclarecer sobre as vantagens dos bons processos agricolas, induzindo-o a substituir os bons methodos ás velhas rotinas, e o gosto do progresso á inercia da negligencia.
1306. Como o preço dos productos das culturas industriaes depende da extensão das artes, que transformam esses mesmos productos, é claro que este preço deve ser mui variavel nas diversas localidades: e então é preciso que o agricultor consulte esta circumstancia economica, e uma vez que ella seja favoravel deve então dar-se a estas culturas, que costumam ser neste caso grandemente productivas.
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1307. Não é sómente nas hortas que se cultivam as plantas industriaes; mas é tambem nos campos, e é por isso que na maior parte dos livros de agricultura se trata da cultivação destas plantas, por occasião de tratar das mais culturas campestres; nós porém julgamos preferivel este logar pela razão de considerarmos as hortas como as localidades mais apropriadas para aquellas culturas.
1308. Cultura do linho. O linho (linum usutatissimum) da familia das linéas, é uma planta textil, cultivada desde a mais remota antiguidade, não só pela sua materia filamentosa, como tambem pelas suas sementes, que podem utilisar-se n'um grande numero de usos economicos, servindo, já de sustento aos animaes, já de medicamentos na arte de curar, e fornecendo finalmente um oleo muito usado nas artes e na medicina.
1309. Cultivam-se da especie acima mencionada muitas variedades, sendo as principaes o linho da terra, o gallego e o mourisco; mas, além desta especie, cultivam-se tambem, posto que menos vulgarmente, outras; a mais notavel das quaes é conhecida pelo nome de linho vivaz (linum perenne), que tem o merecimento de ser muito rustica e duradoura, mas que parece não prosperar entre nós tão francamente como a precedente.
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1310. A sementeira do linho faz-se a lanço, em terra delgada, bem dividida, estrumada, e disposta em taboleiros, ou margens abauladas para dar facil escoamento ás agoas. Na sua cultura arvense fabricamos a terra com o arado, gradamos uma ou duas vezes, e sachamos na epoca propria, que é quando a planta tem ainda pouca elevação e desenvolvimento. Se a cultura porém fôr hortense cava-se a terra, dispõe-se em canteiros, e dá-se-lhe uma ou duas sachas, conforme a necessidade o pedir, assim como o numero de regas que se julgar opportuno.
1311. Quando desejarmos uma materia filastica mais fina devemos semear basto e em terra delgada; quando quizermos obter uma boa semente semearemos ralo e em terra forte. São duas as epocas para a sementeira do linho; a primeira é em outubro e novembro para o linho, que chamamos de sequeiro ou temporão, a segunda é nos principios de abril para o linho de regadio ou serodio.
1312. E' conveniente semear em separado o linho que destinamos para obter linhaça, e aquelle de que sómente queremos utilisar a filaça, não só pela razão já indicada, como tambem porque o segundo póde e deve ser arrancado mais cedo que o primeiro; e na verdade este só deve arrancar-se (ou cortar-se se fôr vivaz) quando as capsulas dão indicio de quererem abrir-se, e aquelle quando tiverem já amarellecido - e se quizermos, como muitas vezes acontece, que nos sirva a ambos os fins, então deverá fazer-se a colheita entre estas duas epocas.
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1313. Concluida esta operação espalha-se o linho na terra até que esteja bem secco, o que se conhece pela mudança de côr, pois se torna mais ou menos branco pela acção do sol. Depois desta exsecação ripa-se ou na eira, ou em casa para lhe aproveitar a semente, e ripado que seja enfeixa-se para depois se cortir; a linhaça é então joeirada para se limpar dos casulos e mais substancias extranhas, a fim de se guardar cuidadosamente por causa dos ratos que a devoram com avidez.
1314. A linhaça que destinamos ás sementeiras ulteriores deve ser escolhida, e proveniente de alguma porção do linho que tenha recebido uma cultura mais esmerada. E' muito melhor que o agricultor faça a sua provisão de semente, procedendo como dissemos, do que a mande vir de Riga, ou do Tirol; por isso que quasi sempre vem sophisticada. A boa semente conhece-se pela sua côr amarella dourada, por ser luzedia, pesada e oleosa. E' preciso saber que esta planta esgota consideravelmente os terrenos, não podendo por isso resemear-se no mesmo campo, antes de decorridos seis annos. E' conveniente por esta razão semeal-a nos terrenos surribados de fresco, podendo ser precedida das culturas do trevo, da couve, do canamo, da aveia e da cevada.
1315. Cultura do canamo. O canamo (canabis sativa), da familia das urticéas, é para o cultivador uma planta muito prestadia, e a certos respeitos preferivel ao linho nas localidades que lhe são propicias.
1316. O canamo gosta principalmente dos terrenos surribados de novo, ricos, fundaveis e pinguemente adubados; assim como dos paúes recentemente esgotados.
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1317. Quer lavores repetidos e profundos, e algumas gradagens, se a cultura é nos campos; e cavas egualmente profundas, e uma a duas sachas, se a cultura é nas hortas. Prospera principalmente nos climas quentes e humidos, mas dá-se como o linho em todos, desde as geladas regiões da Russia, até ás temperadas da Italia e da Hespanha.
1318. O seu logar n'uma boa rotação é depois das batatas, das couves, do tabaco e de outras plantas sachadas.
1319. Semea-se desde o meado de março até ao fim de maio. Se os terrenos forem seccos é melhor a sementeira temporã, se porém forem de regadio ou humidos deve preferir-se a serodea. Convem regar logo depois da sementeira para facilitar a germinação. Quando se quer uma filaça fina semea-se basto; e pelo contrario, muito claro, quando se quer obter de preferencia a semente. Esta deve cobrir-se com tres ou quatro dedos de terra. Quando a sementeira se fizer no meado de março vem-se a fazer a colheita para os fins de julho.
1320. Esta planta é unisexual, isto é, tem as flores masculinas n'uns pés, e as femeninas n'outros. A colheita dos primeiros faz-se depois da floração, e quando os caules começam a amarellejar; a colheita dos segundos, que são os que dão a semente, só se faz algum tempo depois, quando elles estão maduros: crê-se que a filaça do primeiro córte é mais fina, do que a do segundo. Porém n'alguns paizes, como no Aragão, na fertil e formosa Veiga de Calatayud, e em outros pontos da Italia e da França colhem-se ao mesmo tempo os pés: masculinos e femeninos.
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1321. Depois de concluida a colheita o canamo é tratado do mesmo modo que o linho, para se obter a filaça e a semente.
1322. A producção desta planta, é em proporção, o dobro da do linho, sem reclamar maiores cuidados e dispezas. Propagou-se ha poucos annos a idéa de que a canamo gigante, cultivado no Piemonte, era uma especie particular (a que se deu o nome systematico de canabis gigantea) que merecia cultivar-se de preferencia por causa da elevação dos seus caules, que chegam a apresentar-se com a altura de sete a nove pés; mas os ensaios feitos em França para a sua aclimatação não tem sido felizes, e parece terem demonstrado que a especie é puramente accidental, porque se transforma no primeiro ou no segundo anno na especie commum.
1323. Cultura do linho da Nova-Zelandia. O linho da Nova-Zelandia (phormium tenax) é uma planta, da familia das liliaceas, que se eleva á altura de quatro a oito pés, e que apresenta em torno do caule folhas numerosas, coreaceas, invaginadas e filamentosas.
1324. Esta preciosissima planta é empregada pelos habitantes da Nova-Zelandia na fabricação de muitos estofos, e póde ser principalmente utilisada nas telas e outros objectos de marinha, attenta a espantosa tenacidade da sua filaça.
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1325. Os grandes ensaios feitos em França para a sua aclimatação sómente, não falharam em Toulon e Cherbourg, onde se chegaram a conseguir sementes fecundas. Mas entre nós prospera o linho da Nova Zelandia admiravelmente, sendo por isso muito para desejar a sua vulgarisação.
1326. Esta planta quer terra franca, delgada e fresca, ama os terrenos paludosos, e dar-se-hia perfeitamente nas margens das ribeiras e dos rios, e nos paúes esgotados recentemente: quer uma boa exposição, e muitas regas durante o estio.
1327. Multiplica-se por semente e pelos seus renovos, que se plantam no começo da primavera, e mesmo no outomno.
1328. As fibras filamentosas desta planta extrahem-se das suas folhas, que se vão successivamente arrancando depois da floração; e são submettidas á maceração na agoa de cal, ou á ebullição n'uma lexivia concentrada; a substancia glutinosa que unia os filamentos das folhas, sendo dissolvida por qualquer destas operações, a filaça apresenta-se quasi pura, manifestando uma bella côr de palha assetinada, muito similhante á da pita.
1329. A cultura desta planta, em muitos sitios paludosos do reino, apresentaria a duplicada vantagem de os tornar mais saudaveis, e de offerecer um grande manancial de novas riquezas agricolas.
1330. Cultura do algodão. O algodão (gossipium) apresenta duas especies agricolas, que são o algodão herbaceo (gossipium herbaceum), e o algodão arboreo (gossipium arboreum); o primeiro é uma planta annual, de flores amarellas, muito cultivada em Malta, na Sicilia e na Italia, e que se dá em quasi todos os climas; o segundo é uma planta vivaz, arborescente, de flores purpurinas, propria das regiões temperadas e quentes, cultivada no Egypto, na Hespanha, e hoje na America, para onde foi transportada, assim como a primeira especie, pelos europeos, e onde medrou admiravelmente.
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1331. Quer esta planta terrenos humidos, fundaveis e substanciaes, gosta das exposições meridionaes, e dos sitios abrigados.
1332. Eis-aqui como se cultiva a especie arborea nas Andaluzias. Semeão-na em viveiro nos principios de maio, quando já se não temem as geadas, para depois a transplantarem, quando apresenta uma mão travessa de altura. Preparado o terreno para a plantação, abrem-se covas a tres palmos de distancia umas das outras; onde se collocam, ordinariamente tres ou quatro plantas.
1333. Feita a plantação é preciso ter grande cuidado em destruir as hervas ruins e adventicias por meio de sachas repetidas, e em regar, sempre que a planta dê signaes de sede: arrancam-se, passado algum tempo, as plantas mais debeis, deixando apenas uma em cada cova. Depois disto não se torna a entrar dentro da plantação até que se tenha seccado a ultima flor, para não correr o risco de perder o fructo.
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1334. As plantas da especie de que tratamos duram onze e mais annos, quando se cultivam com cuidado, assumindo a altura de quinze pés. No primeiro anno deixam-se crescer naturalmente; no segundo, depois da colheita, podam-se, cortando todas as hasteas a um palmo de distancia da terra; no terceiro anno faz-se o mesmo que no primeiro, mas deixam-se, tanto o caule principal, como alguns dos ramos que nascem delle; dahi por diante todos os annos se procede do mesmo modo.
1335. O algodão arboreo começa a florecer quatro mezes depois de nascido. A colheita costuma fazer-se em outubro e novembro; epoca em que as capsulas se abrem, expellindo dos seus repartimentos a materia filastica, que se vai successivamente recolhendo. Apparece muitas vezes uma segunda novidade, que se colhe em fevereiro, mas esta é sempre menos abundante e de inferior qualidade. Costumam sempre deixar-se nos viveiros algumas plantas para substituir as faltas das que perecem.
1336. A persuasão em que estamos, de que, tanto o algodão arboreo, como o herbaceo, podem naturalisar-se no reino e ilhas adjacentes com grande vantagem dos nossos cultivadores, foi quem nos moveo a dar aqui uma noticia, posto que succinta, da sua cultura em Hespanha. A nossa provincia do Algarve, e mesmo a do Alemtejo, são naturalmente chamadas a ensaiar esta cultura, de que hão-de provavelmente tirar grandes proveitos: não ha na verdade razão alguma para que a cultivação desta planta seja immensamente lucrativa na Andaluzia, e deixe de o ser entre nós na parte austral do reino, cujo clima é tão analogo ao daquella orla litoral das Hespanhas. Se acreditarmos o que asseveram alguns agronomos daquelle paiz, só um valle da Andaluzia, submettido a esta cultura, tem chegado a produzir mais do valor de um milhão de cruzados em alguns annos de boa novidade.
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1337. Cultura da piteira, da giesteira e do esparto. A piteira (agave americana) dá-se nos terrenos mais pobres e estereis das nossas provincias do Sul, onde costumam empregal-a na formação das sebes. Multiplica-se pelos rebentos que procedem da raiz. As suas folhas carnosas fornecem uma excellente filaça, de que se fazem cordas, papel, e um grande numero de tecidos e obras curiosas. No nosso Algarve tira-se um grande partido desta planta industrial.
1338. Tanto a giesteira das sebes (sparteum grandiflorum), como a branca (sparteum album), crescem espontaneamente nos terrenos mais areosos e magros de Portugal: estas plantas basta que se semeem em terra ligeiramente revolvida para prosperarem consideravelmente. Os seus talos dão uma excellente filaça depois de seccos e macerados em agoa. Na Catalunha faz-se grande uso, tanto da primeira, como da segunda especie, como plantas filamentosas.
1339. O esparto (stepa tenacissima) é uma planta largamente utilisada em Hespanha, como planta filastica, e merece grande attenção pelos seus innumeraveis usos. Convem propagal-a em Portugal, nos terrenos magros e estereis: e a sua cultura poderia fornecer-nos, além da materia textil, uma boa forragem para os gados. Cultiva-se como a giesteira, e é rustica e vividoura como ella.
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1340. Cultura do anil. O anil (indigofera) é um genero botanico, de que se cultivam muitas especies, sendo as principaes o anil franco (indigofera anil) e o anil de Guatimala (indigofera caroliana). A primeira destas especies (arbusto de dois a tres pés, originario da India) já tem sido ensaiada em grande na Hespanha, com feliz resultado: a segunda (planta herbacea, de um pé a pé e meio de altura) é cultivada de preferencia na America. O anil produz, como se sabe, uma rica materia colorante com que ordinariamente se faz a côr azul.
1341. Esta planta quer terras de fundo argilo-siliciosas e humidas - medra nas exposições meridionaes e nos climas temperados ou quentes.
1342. Semea-se em março e abril, depois de haver sido preparado o terreno com lavores reiterados e fundos, para que as suas raizes perpendiculares possam cravar-se profundamente no solo.
1343. A semente deve ser recente e bem sasonada. No fim de seis mezes, depois de nascida a planta, póde fazer-se a colheita das folhas, que são os orgãos que exclusivamente se utilisam, e aquelles donde se extrahe o anil, por um processo de maceração muito simples, que por brevidade não apresentamos aqui.
1344. Posto que nós não partilhemos da opinião dos que pensam ser conveniente cultivar no reino, um grande numero de plantas exoticas, cujo producto liquido nem sempre eguala o das indigenas, que não estão além disto sujeitas a muitos contratempos excepcionaes, todavia como é tão subido o preço desta planta, e tão facil o seu grangeio, entendemos que poderia ser de grande vantagem a sua naturalisação e cultura; á qual por esta razão consagrámos estas poucas linhas.
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1345. Cultura do pastel (isatis tinctoria), da familia das cruciferas. Esta planta, muito menos delicada do que o anil, dá-se em quasi todos os climas, e apresenta tambem nas suas folhas uma materia colorante, que produz uma boa côr azul; é cultivada em alguns pontos do reino, circumvisinhos ás localidades, onde se acham estabelecidas fabricas de tecidos de lã e algodão.
1346. Quer terrenos arenosos, calcareos, profundos, e bem adubados, porque a sua vegetação é energica, e a sua raiz enterra-se no solo, na profundidade de uma vara. Assim como as plantas antecedentes, póde cultivar-se nos campos ou nas hortas. Para a cultivarmos nos campos devemos dár antes do inverno alguns lavores preparatorios; e depois de estrumado o terreno applicar-lhe um outro lavor antes da sementeira, e em seguida uma gradagem. Semeamos então em outubro, ou em março, e cobrimos a semente com a grade. E' mais vantajogo semear em linhas do que a lanço, porque no primeiro caso tornam-se mais faceis os lavores de entretenimento, isto é, as sachas e as mondas, a que devemos proceder durante o estio e outomno. Para a cultivarmos nas hortas devemos cavar profundamente o terreno, armal-o em taboleiros para poder regar algumas, ainda que poucas vezes; e sachal-o com frequencia mais ou menos, segundo a necessidade.
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1347. E' só no fim de quinze mezes que a planta começa a produzir, mas a sua producção estende-se de dois a tres annos, segundo os climas e os terrenos.
1348. Quando as folhas tem attingido o comprimento de um palmo, pouco mais ou menos, e quando as que se acham mais proximas do colo da raiz começam a amarelejar, e as mais superiores a azular-se nas pontas, cortam-se com a fouce; este córte faz-se ordinariamente em julho, passado um mez ou mez e meio faz-se a segunda, e depois a terceira, e ás vezes até a quarta colheita. As folhas depois de cortadas, seccam-se, espalhando-se em celleiros arejados e quentes, guardam-se depois cuidadosamente, até que se vendem.
1349. Esta planta, segundo alguns agronomos de grande reputação, é tambem uma excellente forragem de inverno. Daubenton e Gasparin fazem-lhe grandes elogios, como planta pratense. E' verdade que o irlandez Blacker, e alguns agricultores inglezes impugnam esta sua qualidade, asseverando que os gados em Inglaterra a regeitam. Nesta fluctuação de opiniões, ou antes nesta diversidade de resultados precisa-se proceder a novos ensaios para esclarecer este ponto de duvida.
1350. Cultura da ruiva, (rubia tinctorium) da familia das rubiaceas. Esta planta vivaz, representante da sua familia, foi introduzida em França por um Persa chamado Althen, haverá cousa de 10 annos; mas ella havia sido cultivada antigamente nas Gallias, na Flandres, na Allemanha, na Italia, e em outros paizes. E' na sua raiz que reside um principio colorante, que nos fornece uma excellente côr encarnada. Esta planta, e o anil são as duas substancias tinctoriaes mais importantes, por darem, a primeira todas as gradações da côr encarnada, e a segunda todas as da côr azul. Dá-se perfeitamente nos terrenos pantanosos recentemente enxutos, e gosta dos que são calcareos, substanciaes, e frescos, ou susceptiveis de irrigação.
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1351. Ha grande variedade nos methodos de cultura desta planta nos diversos paizes, mas aquella que é mais geralmente adoptada é a seguinte.
1352. Lavra-se o terreno profundamente uma ou duas vezes antes do inverno; esterca-se na primavera, e torna logo a lavrar-se, gradando-se, passado algum tempo. Dispõe-se então o terreno em taboleiros cumpridos, dando-se-lhe a largura de duas a tres varas; no meio destes taboleiros deixa-se uma faxa de terreno no sentido do seu comprimento, com meia vara de largura; esta faxa não é consagrada a plantação alguma de ruiva, mas póde utilisar-se na cultura de outras plantas. Preparado assim o terreno procede-se á sua plantação no começo, ou do outomno, ou da primavera. Servimo-nos então dos renovos que nascem em torno dos pés antigos, cada um dos quaes fornece ordinariamente uma meia duzia delles. Estes renovos são plantados em pequenas covas, praticadas a um palmo de distancia nos taboleiros, que estão separados pela faxa que indicámos. Quando não temos renovos para a plantação podemos servir-nos da sementeira, lançando em cada geira obra de 160 arrateis de semente.
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1353. Os lavores de entretenimento são em primeiro logar uma sacha, para destruir as más hervas. Nos paizes do norte cobrem-se as plantas, durante o outomno, com a terra que se toma das faxas intermedias aos taboleiros; mas no nosso paiz só nas localidades muito frias será conveniente esta operação, e onde o não fôr será inutil deixar aquellas faxas. Durante o estio torna-se a sachar de novo, afim de destruir ainda todas as hervas adventicias, que possam ter rebentado no decurso da primavera.
1354. A colheita tem logar ordinariamente no segundo anno, e durante o outomno. Nas hortas faz-se á mão com o enxadão, e nos campos com a charrua ou com a grade, o que facilita muito o trabalho; se fizermos uso da charrua devemos supprimir a sega: ao longo dos taboleiros collocam-se dois homens que vão juntando as raizes, que a charrua põe a descoberto, em pequenos montes: quando as raizes estão seccas desembaraçam-se da terra que as reveste. Neste estado estão em circumstancias de se poderem vender afim de serem usadas nas tinturarias.
1355. Cultura do lirio dos tintureiros (rezeda luteola) da familia das rezedaceas. Esta planta, indigena do paiz, é de cultura mui facil, e até se apresenta espontanea e frequente nos campos, nas bordas dos caminhos, e nas searas. Dá uma côr amarella bastantemente usada na tinturaria. Apraz-se nos climas temperados, e nos terrenos arenosos. Nos terrenos seccos deve semear-se no outomno, para aproveitar as agoas do inverno; nos humidos na primavera, logo no mez de março. Prepara-se a terra dando-lhe um lavor, e lança-se-lhe a semente na proporção de dois selamins por geira, misturando-a com areia em consequencia de ser muita miuda: cobre-se depois com as costas da grade; e deixa-se até que nasça. Apenas a planta tem uma mão travessa de altura deve sachar-se: a colheita faz-se em julho ou agosto, arrancando os pés do lirio quando começam a murchar; e depois de lhes sacudir a terra, e de os deseccar ao sol, enfeixam-se em pequenos molhos, e guardam-se no celleiro para se exporem á venda em occasião opportuna.
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Culturas forçadas.
1356. O horticultor que estiver munido de todos os meios phisicos que a sciencia fornece, e que possuir a instrucção, e os recursos necessarios para pôr em acção aquelles meios, não deve recear-se nem da adversidade do clima, nem da aspereza das estações. Elle póde certamente triunfar destes obstaculos naturaes, senão sempre, pelos menos a maior parte das vezes, cercando as plantas com as condições climatericas das diversas regiões botanicas, de que forem oriundas. E' verdade que estes obstaculos não se vencem sem grandes despezas, sem incessantes cuidados, sem uma pericia consummada na arte da cultura; mas vencem-se com o discreto emprego destes meios, chegando então a obter-se n'uma dada região os fructos das regiões mais oppostas.
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1357. Para chegar porém a estes maravilhosos resultados é mister submetter as plantas ao que chamamos culturas forçadas - estas culturas tem por fim anticipar, ou retardar as novidades de certas plantas; e obter d'outras, indigenas dos paizes intratropicaes, productos, que sem aquelles auxilios jámais apparecerião nos climas frios, ou temperados, tão differentes do seu. Para accelerar os diversos periodos da vegetação precisamos principalmente elevar a temperatura, e para isso servimo-nos de redomas, de camas quentes, simplices, ou guarnecidas de caixas com vidraças, de estufas baixas, de hybernaculos, ou de estufas temperadas, e de estufas quentes, quer por meio de fogões, quer por meio do termosiphão.
1358. Conseguido o augmento da temperatura em gráu mais ou menos elevado, segundo a natureza da planta, torna-se ainda necessario fornecer-lhe agoa e estrumes, quasi sempre com prodigalidade, de modo que estas tres condições, calor, humidade, e adubos são os elementos indispensaveis desta casta de culturas.
1359. Os meios porém de que acima fallámos, se exceptuamos as vidraças, as camas, e as estufas baixas, são por tal modo dispendiosos, que não podem instituir-se vantajosamente na horticultura ordinaria. Os hybernaculos, e as estufas temperadas ou quentes apenas se observam em algumas hortas dos arredores das grandes capitaes, ou em quintas de abastados proprietarios, onde se procura mais a exquisita variedade dos productos, do que a sua abundancia e barateza.
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1360. As culturas forçadas, que constituiam um ramo de industria importante nos grandes centros de população, tem perdido uma grande parte desta importancia com a facilidade e rapidez das communicações. Em Paríz, por exemplo, torna-se já quasi inconveniente a cultura forçada dos melões, porque não póde competir com a natural, praticada no meio dia da França. E esta é a grande vantagem de boas vias de communicação - extinguir as industrias facticias e improprias de qualquer localidade, e fomentar as que lhe são propicias e naturaes.
1361. Estas culturas forçadas são muito mais necessarias nos paizes frios, do que nos temperados, e mais nestes ainda, do que nos quentes. Em o nosso paiz a poucas plantas se deve applicar este genero de cultura. Os chamados primores ou novidades temporãs podemos nós quasi sempre obter, semeando nas encostas, em exposições meridionaes, em situações abrigadas, e em terrenos bem adubados. Servindo-nos só destes meios, que entram todos no dominio das culturas naturaes, podemos antecipar a epoca de muitas novidades, um mez, ou mez e meio. - Tanta é a benignidade do nosso clima, e a influencia protectora do nosso céu!
1362. Podem por tanto considerar-se entre nós quasi todas as culturas forçadas, mais como um objecto de curiosidade e de luxo, do que de especulação agricola. Ellas são apenas para o horticultor um ensaio, ou um prazer - mas um prazer intimo e real, porque é o de uma difficuldade vencida, ou o de uma victoria alcançada sobre o clima, por seus incessantes e intelligentes cuidados.
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1363. As vidraças, e principalmente as camas, devem considerar-se como a base fundamental das culturas forçadas. E' a estes dois meios que os hortelões se soccorrem mui cummummente para obterem os primores. As camas, como já dissemos, podem ser descubertas ou surdas, sendo as primeiras as que se usam de preferencia neste systema de cultura. E' muito commum cobrirem-se com as vidraças para lhes augmentar e conservar a temperatura, e auxilial-as com os rescaldos para obter o mesmo fim.
1364. Nós vamos tratar de algumas destas culturas, mas vamos fazel-o muito succintamente pela pouca voga que ellas tem em o nosso paiz.
1365. Cultura forçada dos espargos. Ha hortelões em París e em Londres que fazem desta cultura, durante o inverno, a sua principal industria. Em o nosso clima porém, sendo o uso desta planta muito limitado, nunca a sua cultivação poderia deixar de ser ruinosa, attentas as grandes despezas que em toda a parte reclama. Entre tanto para que não fique desconhecido o methodo de a praticar, tanto aos curiosos, como aos donos das grandes quintas, sempre daremos della uma succinta noticia.
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1366. Em canteiros convenientemente preparados semeam-se os espargos muito bastos, para que seja um pouco retardado o seu desenvolvimento. Deixam-se ahi durante tres a quatro annos; e passado este praso transplantam-se para as camas descobertas, de que fallámos no começo deste capitulo: esta transplantação faz-se, ou nas ultimas semanas de novembro, ou nas primeiras de dezembro. As camas são cobertas com vidraças durante as noutes, e tambem durante os dias mais frios: quando vão arrefecendo é preciso acudir-lhes com rescaldos, porque o essencial desta cultura é evitar o abaixamento da temperatura, uma vez que os espargos começaram a brotar. A colheita dos turiões deve fazer-se logo que elles despontam á superficie da terra, se os quizermos brancos; ou algum tempo depois se os quizermos verdes e ligeiramente violaceos.
1367. Os inglezes que praticam muito em grande esta cultura costumam servir-se do calor do vapor, ou do de thermosiphão, assim como do emprego de estufas baixas; é verdade que estes methodos são mais dispendiosos, mas os productos são tambem mais regulares e abundantes.
1368. Cultura forçada das ervilhas. Esta cultura não cobre as suas despezas, e então os hortelões que vivem deste mister devem inhibir-se de a tentar; mas os curiosos que poderem com estas pequenas perdas acham, e hão-de sempre achar, muito agradavel obter no coração do inverno o mais delicado e saboroso de todos os legumes.
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1369. O melhor local para estabelecer as camas das ervilhas são as estufas; mas estes abrigos são quasi sempre destinados ás plantas mais preciosas, e então costumam semear-se estas leguminosas em camas descobertas, não muito espessas e carregadas para evitar uma elevação de temperatura superior áquella que este legume comporta.
1370. As primeiras sementeiras podem começar do meado de novembro para diante, e devem repetir-se todos os quinze dias até meado de janeiro, para obter quatro ou cinco novidades successivas. As camas onde fizermos a sementeira devem ser revestidas superiormente de uma camada de boa terra de horta, de meio palmo de espessura. As ervilhas logo que tem uns oito dedos transplantam-se para outras camas, cuja camada superior de terra deve ser de palmo e meio de espessura: plantam-se ahi dois a tres pés, em linhas afastadas umas das outras obra de um palmo, e em casas de meio palmo de distancia.
1371. A fim de facilitar a fructificação é preciso cortar as summidades das hasteas, apenas mostrarem tres ou quatro flores, e tombal-as para o chão. Alguns hortelões semeam logo as ervilhas nas camas onde hão-de ficar: e se os frios são excessivos costumam cobrir as mesmas camas com vidraças, tendo o cuidado de arejar as plantas frequentes vezes.
1372. Cultura forçada dos feijões verdes. Esta cultura é tambem mais para curiosos, do que para hortelões de profissão, por ser summamente dispendiosa, e mais dispensavel entre nós do que nos paizes frios; visto que as novidades desta planta podem prolongar-se e anticipar-se muito em o nosso paiz. E na verdade as vagens do feijão podem prolongar-se até quasi ao fim do outomo, uma vez que semeemos bastante tarde, e em encostas expostas ao meio dia, e bem abrigadas; e podem antecipar-se consideravelmente, obtendo bons legumes nos principios da primavera, uma vez que nos sirvamos dos mesmos meios, e semeemos com grande antecipação. Entre tanto para obtermos novidades desta excellente leguminosa no coração do inverno, é mister que recorramos ás culturas forçadas.
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1373. E' simples o processo destas culturas. Semea-se o feijão muito basto, e sobre camas, por todo o mez de Janeiro, e apenas as duas primeiras folhas estiverem bem formadas, transplanta-se para as segundas camas, onde tem de ficar; o calor destas camas não deve ser grande, mas deve ser constante e mais forte que o das ervilhas. A transplantação deve fazer-se em linhas espaçadas entre si obra de palmo e meio, e em casas distantes um pouco menos de um palmo. Em cada uma destas casas devem dispôr-se tres a quatro pés. A fructificação accelera-se vergando os caules para o chão, e sugeitando-os ahi por meio de pequenas cavilhas. O feijão anão de Hollanda, que é geralmente preferido para esta cultura, não carece desta ultima operação. Mez e meio depois de semeados podemos obter uma boa novidade destes legumes, mas é quasi sempre nos fins de fevereiro quando se colhe a maior abundancia de vagens.
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1374. Cultura forçada das plantas hortenses de fructos alimentares. Ha entre estas plantas tres especies agricolas muito estimadas, e que merecem ser principalmente submettidas ás culturas forçadas: estas especies são os morangos, proprios das regiões temperadas; os ananazes das regiões tropicaes, e os melões das regiões intermedias a estas duas.
1375. Os morangos, se exceptuarmos os de todos os mezes, sómente se podem obter entre nós mediante a cultura natural desde o começo da primavera até ao meiado do outomno, uma vez que se semeiem em epocas diversas, e em localidades apropriadas. Mas durante o inverno nunca se obtem senão por meio da cultura forçada, cultura que dura dois mezes desde a plantação até á colheita.
1376. Nós podemos começar a forçar os morangueiros logo desde o meiado de outubro; e isto com mais probabilidade de bom resultado do que no centro da França, onde só produzem bem quando são forçados de janeiro por diante. Em París forçam-se commummente nos primeiros tres mezes do anno; e só se obtem fructos naturaes em junho; mas entre nós anticipando-se a fructificação quasi tres mezes, devemos por esta razão começar a cultura forçada noventa dias mais cedo.
A cultura forçada desta planta é a seguinte:
1377. Durante a primavera plantam-se os morangueiros em vasos de mediana capacidade, cheios de boa terra. Collocam-se quatro a cinco pés em cada vaso, e conservam-se em logar bem abrigado até chegar a epoca de os forçar; mettem-se então os vasos em camas quentes ou em estufas temperadas, submetendo as plantas a uma temperatura de 10 gráus durante a floração, e de 15 a 18 durante a fructificação.
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1378. Os morangos são então regados abundante e frequentemente; mas deve haver todo o cuidado em não regar as flores para que se não tornem estereis.
1379. Os morangos tambem pódem ser forçados nas estufas dos ananazes, collocando ahi os vasos, e tratando as plantas do modo que fica indicado.
1380. As especies mais proprias para esta cultura são o morangueiro dos Alpes, ou de todos os mezes, o escarlate de Virginia, e o morangueiro ananaz.
1381. Feita a colheita dos morangos tiram-se os vasos das estufas, e collocam-se em logares sombrios com o fim de os forçar ainda uma segunda vez.
1382. Melões. A cultura forçada desta planta é indispensavel para se obterem os seus fructos nos paizes frios. Em França, se exceptuarmos a sua fronteira do meio dia, não se obtem um unico melão maduro sem o auxilio desta cultura. Entre nós, porém, apenas póde ser conveniente para obter fructos temporões ou primores; posto que seja muito preferivel cultivar os melões de guarda ou de inverno, de primorosa qualidade, que se conservam até Abril nas provincias do Sul, e que se poderiam guardar até á novidade seguinte por meio de melhores processos de conservação.
1383. Semeam-se os melões, ordinariamente em vasos, á maneira das ervilhas, e introduzem-se em camas superiormente defendidas por vidraças, e cobertas com esteirões de colmo, que se vão levantando pouco a pouco depois de nascidas as plantas, para que possam gozar da acção creadora da luz. - Quando as primeiras camas vão arrefecendo, alimenta-se o seu calor por meio dos rescaldos, e quando a sua temperatura se não puder já reanimar passam-se os vasos para a segunda, e depois para a terceira cama até á completa maturação do fructo.
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1384. Estas plantas, desde a sementeira até ao começo da fructificação, demandam uma temperatura de 16 a 18 gráus, e mais tarde a de 18 a 25 até á sua perfeita maturação.
1385. Alguns horticultores não estabelecem a cultura em vasos, mas em camas para onde se transferem successivamente as plantas; este processo, porém, é mais laborioso, e menos seguro e productivo.
1386. Os melões em cultura forçada capam-se pelos mesmos processos que atraz indicamos, e regam-se com agoa, em que se tenha dissolvido um pouco de esterco de pombo.
1387. Ananaz. Esta planta conhecida pelo nome systematico de bromelia ananaz, e pertencente á familia das bromeliaccas, de quem é representante, é originaria dos paizes tropicaes, tanto do antigo, como do novo continente, e não póde fructificar na Europa senão com o auxilio da cultura forçada. O seu fructo é uma aggregação de ovarios, que se incorporam uns nos outros, apresentando finalmente a fórma de uma pinha: elle é o maior regallo que a natureza prodigou ao homem nos paizes intertropicaes. O seu aroma rivalisa com o seu sabor. É uma mistura exquisita de morango, pecego, e melão. Antigamente só na meza dos principes apparecia este fructo primoroso, mas presentemente já apparece na dos particulares abastados, graças aos progressos que tem feito a horticultura.
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1388. As especies mais geralmente cultivadas, e que mais merecem sel-o, são o ananas da Martinica ou commum, o temporão de Cayenna, o violeta da Jamaica, o rainha moscovita, o branco da providencia, e o conde de Pariz.
1389. Todos os horticultores sabem hoje que o ananaz para chegar á sua perfeita maturação, não preciza senão, ou de ser submettido a acção das camas quentes cobertas de uma camada de entrecasco de carvalho, e defendidas superiormente por vidraças assentes em caixas; ou quando muito de ser cultivado em estufas baixas.
1390. O terreno mais proprio para os ananazes é uma mistura de uma metade de terra franca, ou normal, de uma quarta parte de terra vegetal, e de outra egual quantidade de estrume gordo misturado com terra siliciosa. É com esta terra que se enchem os vasos de 4 a 5 pollegadas de diametro, munidos de duas ou tres aberturas inferiores, e de uma pequena camada de arêa no fundo; e é nestes vasos que plantamos os ananazes, isto é, uma corôa ou um filho em cada um, e isto no mez de Setembro ou Outubro.
1391. Feita que seja esta plantação, enterramos quasi inteiramente os vasos em cama quente, formada por uma espessa camada de estrume novo e de folhas murchas, revestida superiormente, como já dissemos, por outra de entrecasco de carvalho.
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1392. Os ananazes pódem supportar até 40 gráus de calor centigrados; mas é de todo indispensavel que não fiquem expostos nas camas a uma temperatura inferior a 20 graus. As camas ou as estufas baixas devem cobrir-se nas noites frias com colmo, e nos dias de sol muito activo com telas ou esteirões pouco tapados, que impedindo a acção directa dos raios solares, deixem todavia penetrar alguma claridade, que é sempre conveniente, posto que esta planta possa ficar muitos dias n'uma meia escuridão sem notavel transtorno.
1393. Os ananazes devem ficar nas camas proximos das vidraças, mas não contiguos a ellas para não se afoguearem.
1394. Tres semanas depois da plantação já os ananazes tem lançado raiz, o que logo se conhece pelo crescimento do seu gomo terminal. É então que se começam a regar mais ou menos abundantemente, segundo o maior ou menor gráu de calor. Acreditava-se, ainda não ha muito tempo, que estas plantas não prosperavam com regas copiosas, mas hoje está averiguado o contrario. Em todo o caso é necessario regar os ananazes com agoa amornada dentro das estufas; e convém orvalhar as caixas e as vidraças que defendem as camas, para que o ar alli contido (e que deve renovar-se frequentes vezes) seja humido, e vaporoso.
1395. Se no fim de Julho, ou mais tarde no principio de Setembro, a cama tiver consideravelmente arrefecido, e se já não puder reanimar-se o seu calor por meio de novos rescaldos, é então necessario mudar os vasos para uma nova cama ainda mais reforçada que a primeira, mas preparada do mesmo modo, a fim de que os ananazes passem ahi o inverno: é então que se deve ter todo o cuidado em lhe conservar uma quasi constante temperatura por meio de rescaldos renovados todos os mezes, e por meio de boas coberturas quando o frio augmentar; as quaes devem ser tiradas sempre que o sol estiver descoberto.
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1396. Podemos servir-nos de uma estufa baixa, ou de outra qualquer, para nella estabelecer as camas onde colloquemos as plantas; mas estas construcções dispendiosas não são indispensaveis, porque o systema das camas e das vidraças sustentadas sobre caixas mais ou menos elevadas, segundo a diversa idade dos ananazes, é sufficiente para obter uma boa fructificação.
1397. Passado um anno, ou anno e meio depois da plantação, achando-se as plantas em vasos muito estreitos é preciso transferil-as para outros que tenham um palmo de diametro; visitam-se nesta epoca as suas raizes, e cortam-se as que estiverem viciadas. Os novos vasos são então collocados em novas camas, que devem ter vidraças assentes sobre caixas mais elevadas. A maneira de tractar então os ananazes, é a mesma que já foi referida, com a differença de que caminhando as plantas para a sua fructificação, e tendo adquirido um maior desenvolvimento, demandam mais calor, mais regas, e um ar ainda mais humido e vaporoso.
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1398. Em vez desta transplantação para novos vasos, poderemos transplantar os ananazes para as proprias camas, que devem neste caso ser superiormente revestidas de um leito de boa terra, sufficientemente espesso; tendo então o cuidado de manter a conveniente temperatura por meio de rescaldos renovados todos os mezes. Este methodo, que começa a vulgarisar-se, tem a vantagem de fortificar muito as plantas, e de accelerar o seu desenvolvimento, mas imprimindo ás raizes um grande crescimento, torna indispensavel a suppressão de muitas dellas, quando se procede a ulterior transplantação.
1399. Em fim, na primavera do terceiro anno, transferir-se-hão as plantas para vasos de palmo e meio de diametro, e tractar-se-hão ainda mais cuidadosamente, se é possivel, augmentando o calor, as regas, e os banhos de vapor. A temperatura deve então conservar-se com o maior cuidado sempre acima de 30 gráus. Em vez de collocar os ananazes em vasos, tambem podemos, neste ultimo processo, estabelecel-os em estufas baixas, onde lhe prepararemos um leito de terra vegetal, de palmo e meio a dois palmos de profundidade, no qual os plantaremos em xadrez, e a distancia de palmo e meio uns dos outros. Debaixo deste leito faremos então circular um tubo do termosiphão para aquecer fortemente a terra. Por este methodo se pódem obter ananazes maduros e muito grossos em 25 ou 26 mezes. Quando a fructificação começa, excita-se por meio do calor e da agoa até que o fructo tenha attingido toda a sua grossura. Reconhece-se que os ananazes estão maduros pela sua mudança de côr, e sobre tudo pelo cheiro extremamente agradavel que lançam. Convém depois de colhidos deixal-os estar 4 a 5 dias em logar quente e sombrio antes de comel-os, a fim de que o acido salico se transforme em sacharino.