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História das Psicoterapias e da Psicanálise/III/I

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1) Desde o nascimento, e ainda antes, a criança deve percorrer um predeterminado curso de desenvolvimento e crescimento. De início o faz dotada que é de tendências e funções automáticas, ou reflexos não-aprendidos, que lhe são úteis para a manutenção das condições permanentes do organismo necessárias à vida. Elas não exigem esforço consciente e pertencem todas ao equipamento hereditário, obedecendo a motivos internos homeostáticos ou biológicos. Tais a circulação do sangue, os processos digestivos e excretórios, a respiração, a mamação, etc.

Mas a satisfação posterior dessas necessidades e outras muitas que as seguem deverá ser aprendida, através dos reflexos condicionados ou apreendidos. O reto desenvolvimento físico, em primeiro lugar, exige todo um aprendizado, que se faz necessário. Após o desmame, as atividades alimentares se modificam e a criança precisa adaptar-se à nova alimentação; precisa aprender a locomover-se, a controlar as funções excretórias, assim como o exercício da linguagem, etc. Ela deve aprender, também, a coordenar os movimentos que lhe permitam pegar as coisas, a mastigar os alimentos, a focalizar os olhos, a levantar-se, andar, falar, deve aprender a aceitar a realidade externa, a reconhecer os impulsos internos e externos e a ter uma visão global do mundo exterior. Daí que o crescimento exige um aprendizado constante, pois são constantes as modificações que exigem um comportamento flexível e de rápidas reações adequadas a cada momento. Isto é realizado através da tentativa-erro-repetição que vai desenvolvendo os reflexos condicionados ou aprendidos.

2) A vida da criança será, portanto, uma luta contínua, entre a tendência do organismo para conservar os velhos padrões adquiridos e comprovados úteis, numa espécie de automatismo, e o desafio imposto pelas novas circunstâncias, que a obrigarão a adotar novos padrões cada vez mais adequados à nova realidade. Tal adaptação deverá obedecer aos princípios básicos de aprendizagem.

l) Princípio do prazer e da dor — Desde o nascimento a criança reage a impulsos internos e estímulos externos, experimentando várias sensações, que podem ser de dois tipos: umas agradáveis, que chamaremos positivas (+) e outras desagradáveis, que designamos como negativas (-). As do primeiro grupo são geradoras de prazer e as do segundo de desprazer, desconforto ou de dor. A criança, mesmo que inconsciente, procura as primeiras e tende a fugir das segundas. Inclusive, ela é capaz de guardar e arquivar (memorizar) as lembranças dessas sensações, boas e más, que pela repetição, vão produzir os correspondentes reflexos condicionados, que se irão fixando em constelações ou grupos, que dão origem aos complexos do mesmo tipo. Os do primeiro tipo serão positivos ou de superioridade e os do segundo negativos ou de inferioridade.

A esta motivação do comportamento, quase que exclusivamente biológica e instintiva, no início, constituída apenas pelos impulsos isolados, que buscam satisfação imediata, é ao que Freud chamou de "princípio do prazer e da dor". Buscando satisfazer cada impulso, isoladamente, sem considerar as necessidades do organismo total, a criança pode querer comer e brincar ao mesmo tempo. Se irritada, revelará sua irritação chorando, gritando, dando pontapés, num comportamento irracional e indiscriminadamente hostil. Mais tarde, porém, ver-se-á obrigada a controlar tais explosões, pois aprende, mesmo que inconscientemente, que dessa forma prejudica o carinho e o apoio dos pais.

2) Princípio da realidade — Como uma transição ou extensão do princípio anterior, Freud faz referência a este princípio em seus últimos escritos. Trata-se, como ele mesmo disse, de um princípio de prazer e de dor aperfeiçoado, aprendendo a satisfazer necessidades de modo agradável e evitando, com êxito, as tensões dolorosas criadas pelas frustrações e pelos estímulos externos desagradáveis, como a punição, machucaduras, etc.

Freud analisou os mecanismos em que se baseia este princípio, distinguindo dois tipos de desejos. Uns de fuga e rejeição, pois envolvem lembranças de sensações desagradáveis como dor, fome, medo, etc., que surgem de necessidades insatisfeitas e provocam tensões que, se não são inibidas, terão que ser liberadas em atividades musculares de choro, grito, agressividade, etc. Os outros são estímulos por oportunidades de satisfações agradáveis ou lembranças de satisfações do mesmo tipo. Estas despertam novas esperanças de satisfações positivas, visando a realização de alguma coisa e não de fuga, como os anteriores.

De qualquer maneira, a capacidade de reagir segundo o princípio da realidade depende da capacidade integradora do EGO, para satisfazer as necessidades possíveis ou de solucionar o conflito entre necessidades incompatíveis. Isto depende, por sua vez, do controle dos impulsos que exigem satisfação imediata. Se a tensão se elevar demasiado, o controle resultará ineficiente.

3) Princípio de economia ou de inércia — A tendência a poupar energia, que o trabalho constante de adaptação ao ambiente e às novas circunstâncias exige, é chamada pelos psicólogos de princípio de "economia" ou princípio de "inércia". Consiste na adoção de padrões de comportamento mais adequados, que pela repetição se tornam automáticos e se praticam com o mínimo esforço e, portanto, com a maior economia. é repetido precisamente porque segue a direção do menor esforço e que exige menor dispêndio de energia.

Aludindo a este processo Freud lhe deu o nome de "compulsão de repetição", cuja vantagem para o desenvolvimento do organismo é evidente. A energia poupada pelo comportamento automático por ele ocasionado pode ser utilizada para enfrentar novas situações e tarefas, que exigem novo esforço, na sempre cansativa experimentação inicial de cada aprendizado.

Dessas três repressões, só a primeira é inconsciente e recalcada, resultando em causa possível da neurose. A segunda é consciente e pode ser revoltada, podendo dar origem também à neurose a longo prazo. A terceira repressão nunca pode ser prejudicial, mas benéfica, nela se baseando toda a educação. De onde se deduz, que não é a repressão em si, mas a forma ou tipo de repressão que causa a neurose como afirma a Escola Culturalista.

4) Princípio de estabilidade — A vida consiste num ciclo contínuo de produção e consumo de energias. Estas devem ser substituídas regularmente à medida que vão sendo consumidas. Como conseqüência do princípio anterior surge a necessidade de certo equilíbrio entre a produção e consumo para que o excesso ou carência excessivas não venha a perturbar o organismo em seu desenvolvimento.

Na fisiologia existe um princípio regulador formulado por Canon, que leva o nome de "homeostase". Com esse nome se designa a tendência fisiológica que mostram os organismos vivos à preservação das condições internas, como a temperatura, fluídos e líquidos orgânicos em determinado nível constante, chamado também de metabolismo. Percebe-se também que junto a vontade e ao psiquismo exista uma tendência reguladora básica, inata e automática, cuja função principal seja a de manter as tendências psicológicas num nível constante de tolerância. Freud, tomando emprestado de Fechner esse princípio deu-lhe o nome de "princípio de estabilidade".

Os princípios de estabilidade e a homeostase são, pois, idênticos, sendo um deles formulado em termos psicológicos e o outro em termos fisiológicos. Em certo modo o "princípio de estabilidade" representa a melhor expressão do chamado "instinto de conservação" ou "instinto de vida", sendo porém uma formulação mais concreta e mais precisa da mesma coisa, ou seja, a função pela qual o organismo luta para preservar as condições internas ótimas, nas quais o processo vital se faça possível.

Na teoria freudiana da personalidade o EGO representa esse princípio regulador e sua tarefa principal é a de pô-lo em prática. O EGO consciente é o chefe do governo do organismo, dotado das funções de integração e de execução, a fim de protegê-lo contra os estímulos internos e externos excessivos, esforçando-se para reduzí-los a um nível constante.

5) Princípio de excesso e de redução de energia — A fim de manter esse equilíbrio regulador no seu devido estado, mister é a existência de um outro princípio, o "da redução da energia excedente". As atividades lúdicas da criança, por exemplo, não são destinadas a poupar energias, mas a gastá-las espontaneamente, à margem dos princípios da inércia e da estabilidade, que antes temos estudado. Não representam repetições automáticas nem reajustes utilitários, mas estimulam o organismo a novas empresas e contínuas experiências cansativas. A energia consumida dessa forma pródiga e agradável é a energia excedente, não usada na sobrevivência da vida física ou na estabilidade homeostática psíquica. Sua descarga é uma manifestação específica do princípio homeostático, pois o excesso de energia, se não utilizado, perturbaria o equilíbrio da mesma maneira que a sua carência, e portanto deve ser descarregada.

Na criança, cujas necessidades são satisfeitas em sua maior parte pelos adultos, apesar de seu rápido e dispendioso crescimento, a produção de energia é muito maior que o seu consumo, de modo que ainda sobra muita energia "excedente" que não sendo nem armazenada nem gasta para manter a existência, seu resíduo precisa ser libertado em atividades lúdicas e outras.

O mesmo ocorre na puberdade, onde as atividades se multiplicam, acrescentando as laborais e criativas às propriamente lúdicas e do crescimento. Mas no adulto cessa totalmente o crescimento e diminui seu interesse pelas atividades lúdicas, e uma maior quantidade de energia pode ficar "excedente", que ele vai gastar num aumento das atividades laborais e criativas de um lado, e num novo tipo de descarga, de outro. Este novo tipo está representado pelas atividades sexuais, necessárias à propagação biológica da espécie. Assim, o princípio de economia da energia e o da energia excedente interligam seus coeficientes, a fim de manter a vida em seu ritmo crescente e para permitir a sua propagação.