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História das Psicoterapias e da Psicanálise/VI/III

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1) Freud disse acertadamente que a interpretação dos sonhos é a "estrada real" (Via Regia) para o conhecimento do Inconsciente e seus comportamentos. Isto tem especial importância para o estudo dos comportamentos "instintivos" e "inconscientes" dos neuróticos e para o diagnóstico das causas e raízes de suas neuroses. Quem sabe interpretar os sonhos está mais habilitado para conhecer as diversas atividades do dinamismo inconsciente .

Como se procede e qual é a chave a utilizar para a interpretação de um sonho? é ele a voz do nosso irracional ou do nosso superior-racional? Ou é algo exterior a nós?

2) A interpretação dos sonhos preocupou sempre a todos os homens pensadores, que trataram de conhecer seu significado. Fenômeno tão maravilhoso e de aparência sobrenatural, e por outro lado tão comum entre os homens, deu origem, já desde o início, a duas tendências entre os intérpretes: a dos que os atribuem a entidades externas ao sonhador e a dos que pensavam ser atividades humanas dos próprios sonhadores.

Desde os primeiros tempos, os místicos e religiosos atribuíram os sonhos a:

a) Mensagens vindas de Deus ou das entidades superiores (Sonhos de José, do Faraó, do Rei Baltazar, etc.), realismo sobrenatural.

b) As personagens dos sonhos são "espíritos dos mortos", que aparecem para transmitir mensagens especiais. Necromancia e Realismo espiritual.

c) Os sonhos são experiências reais da alma do sonhador, quando separadas de seu corpo durante o sono. Teoria antiga e primitivista, que ainda vigora hoje em círculos espíritas e de filosofias orientalistas. A alma ou duplo espiritual do homem (o Rá dos egípcios), separado do corpo durante o sono, perambula por vários lugares e tem suas próprias experiências que permanecem em sua memória em forma de sonhos (Realismo espirítico).

Os índios "achantes", por exemplo, consideram adultério real e castigam como adultério ao indivíduo que "sonha ter relações com a mulher de outrem..."

d) Os sonhos obedecem a símbolos religiosos prefixados. Para conhecer os sonhos é preciso conhecer o significado desses símbolos.

Um índio navajo sonhou que "ao partir um ovo, dele saiu uma águia nova, mas adulta. Estando dentro de uma casa com portas e janelas fechadas não podia sair, revoltando-se, agredindo e causando destruição em toda a casa". Conhecendo que a águia pertence ao grupo dos três espíritos alados: vento, relâmpago e pássaros, conclui-se que o espírito águia, ofendido por alguma razão, a quem está avisando que vá infringir algum castigo. A causa deveria ser que o índio, talvez, devia ter pisado no ninho causando danos aos filhotes (Realismo simbólico objetivo).

3) Interpretações psicológicas pré-freudianas

a) Uma fonte indiana do século I a.C., já atribuía aos sonhos, uns como enviados por Deus para expressar suas mensagens e os demais: 1º a influência do próprio temperamento (nervoso flutuante, sangüíneo-belicoso, ou fleugmático; 2º à influência do caráter e hábitos; 3º aos desejos de prognosticar.

b) Homero os considerava como manifestações das próprias faculdades humanas: as racionais (em cujo caso os sonhos seriam coisas verdadeiras) ou as irracionais (sendo neste caso os sonhos meras ilusões fantasiosas).

Para Sócrates os sonhos representam a voz da consciência.

Para Platão, como para Freud, os sonhos são a expressão da natureza irracional, exclusivamente, só o sendo em menor grau, nos sábios mais maduros.

Para Aristóteles, os sonhos, ou são quimeras sem significado, ou são verdadeiros. Quando verdadeiros, se são proféticos, o são por mera coincidência: os demais podem ser considerados como resultados de nossas atividades, sejam biológicas ou racionais.

Em Roma, Cícero negou toda validade aos sonhos, considerando-os como quimeras.

Lucrécio, aproximando-se e precedendo a teoria de Freud, afirmava que os sonhos "tratam de coisas em que estamos interessados durante o dia ou de necessidades físicas satisfeitas no sonho". Ou então, "os sonhos são como a realização de nossos desejos ocultos".

Antemidoro distingue cinco tipos de sonhos, considerando-os como :

Uma fantasia ou vã imaginação — onde se manifestam os nossos "desejos irracionais" (teoria freudiana).

Um sonho verdadeiro, que é a expressão simbólica do discernimento racional superior, descobrindo o verdadeiro, sob uma figura oculta (Sonho do Faraó das sete vacas e as sete espigas).

Uma visão — o sonho precognitivo em que se vê dormindo o que se verá logo quando acordado, tempos depois. (Um vê em sonho o mesmo dentista que mais tarde lhe sacará o dente de verdade).

Oráculo — que é uma visão de Deus ou seus enviados, que lhe comunicam uma mensagem (Sonho de S. José e dos Reis Magos).

Aparição — que é uma visão noturna, própria de criança e velhos fracos.

4) Na Idade Média e posteriormente até Freud, filósofos e religiosos católicos, judeus e ocultistas, voltam freqüentemente sobre o mesmo tema, apontado geralmente as quatro fontes interpretativas dos sonhos vistos anteriormente.

a) Os sonhos seriam causas ou resultados das reações somáticas.

b) Os sonhos seriam os resultados de anseios e paixões da natureza irracional.

c) Os sonhos seriam produtos das faculdades superiores racionais.

d) Os sonhos seriam avisos recebidos de Deus ou de entidades superiores externas ao homem.

Em resumo: Todas as teorias interpretativas dos sonhos pré-freudianas viram nos sonhos:

1º) A manifestação ou revelação de entidades superiores extra-humanas (como Deus, Anjos, demônios, espíritos desencarnados, etc.).

2º) Manifestação da alma, perambulando fora do corpo, durante o sono.

3º) Manifestação de nossa natureza racional superior, atuando mais livremente durante o sono e isenta das preocupações da vigília.

4º) Manifestação de nossa natureza irracional.

5º) Manifestações originadas em reações somático-fisiológi-cas.