História das Psicoterapias e da Psicanálise/VII/II
1) Desde o início do emprego da livre associação como método analítico, Freud e com ele todos os psicanalistas notaram, nos pacientes, uma tendência geral a ocultar certos fatos essenciais, pertencentes aos fatos traumáticos que causaram a doença. Para designar todas as características próprias deste comportamento, Freud escolheu o nome de RESISTêNCIA.
Notaram, de imediato, dois tipos de resistência, uma consciente e outra inconsciente. Consistia o primeiro na retenção e omissão voluntária e consciente da informação necessária à complementação da história. A causa poderia ser: 1) um medo de ser censurado e rejeitado pelo analista; 2) certa desconfiança a respeito deste, por ser-lhe ainda pouco conhecido e 3 ) um natural desejo de causar nele uma boa impressão de decência e honestidade.
Este tipo de resistência não pareceu muito nociva nem insuperável, pois, sendo consciente, o paciente podia ser convencido a superá-la.
A resistência inconsciente era mais significativa e de mais difícil solução. Parecia que as mesmas forças que tinham criado o recalque continuavam agora a exercer como que um breque para impedir o seu retorno à consciência. A resistência inconsciente, pensava Freud, era "uma força conservadora que se esforçava em manter o "status quo" criado pelo recalque". Parecia ser uma força auxiliar do recalque e outra das mais eficientes defesas do EGO. O doente parecia que se achava bem, naquela situação, e não mais queria sair dela.
Em suma: o analista deve precaver-se para o fato de que "todo paciente" oferecer-lhe-á o máximo de RESISTêNCIA inicial, para o devido esclarecimento da situação traumática de seu comportamento anormal, fazendo assim muito mais difícil e penoso o processo psicanalítico e, por conseqüência, o psicoterapêutico.
2) Vencida a resistência, começava a surgir outro tipo de empecilho no tratamento psicanalítico: a transferência. Estabelecidas as relações interpessoais entre o paciente e o analista, parecia que o doente tomava a este como se fosse o próprio objeto causador de seus conflitos e lhe fazia alvo daquela afetividade positiva ou negativa que os gerara. Confundindo-o, por exemplo, com seu pai, para ele canalizava todo o seu amor libidinoso e doentio, ou bem, toda a sua agressividade, origem de seus conflitos e complexos edipianos.
A Freud pareceu inicialmente a transferência como uma espécie de resistência, destinada a proteger o recalque. Parecia como que um novo tipo de projeção ou de deslocamento, capaz de esconder, camuflar ou dissimular a verdadeira realidade do problema. A transferência, entretanto, acabou sendo reconhecida como um fator importante, para o conhecimento das causas e sua cura; isto é, como um elemento psicanalítico e psicoterapêutico.
Todas as pacientes femininas mostravam invariavelmente, o desejo evidente de obter o amor do analista e todos os pacientes masculinos tendiam a manifestar uma atitude hostil, resistindo à sua autoridade e desejando competir com ele. Coerente com sua teoria sexual da neurose e o complexo de édipo, como seu centro principal, Freud pensou que estas atitudes estavam relacionadas com alguma situação erótica que as causara. Seria, pois, a revivência daqueles fatos, na situação edipiana atual, tomando o analista como o próprio pai. Neste sentido, a transferência, mais que como uma nova resistência, devia ser considerada como um ótimo meio de esclarecimento do passado...; pois, como notaram, outros psicanalistas posteriores, o paciente estava transferindo para o analista não só os seus sentimentos eróticos do período edipiano, mas toda espécie de atitudes, além das sexuais, e também todos os seus conflitos de qualquer gênero. Daí o nome de "neurose de transferência", dado justamente aquelas que são susceptíveis de cura psicanalítica.
A transferência significava agora como que uma nova forma de "catarse", ou uma nova eclosão emocional em que o paciente podia transvazar e refletir no analista todos os seus traumas causadores de suas doenças, seguindo-se o devido esclarecimento e a conseqüente cura. A transferência foi tomada, e representa, na realidade, o ponto crucial e o princípio curador do método psicanalítico.
3) Modernamente, o conceito de transferência adquiriu, na psicoterapia geral, uma amplitude significativa muito maior da que, originalmente, apresentava na psicanálise primitiva. Em termos gerais, a palavra transferência é utilizada para designar: "O conjunto de reações que se pode estabelecer entre o médico (analista) e seu paciente", ou melhor ainda: "a relação subjetiva ou totalidade de reações que se processam entre o "eu" e o "você" dessas duas pessoas".
A transferência, relação intersubjetiva, implica o conceito dual do "nós"; ela inclui a noção de reciprocidade. De um lado, a transferência e, de outro lado, a "contra-transferência", ou noção de ambivalência, com sua seqüela de reações positivas e negativas. Tal tipo de interações transferenciais agem não só na psicanálise clássica, mas também em todos os tipos de psicoterapia analítica ou não-analítica. Daí que, se o psicoterapeuta não controlar bem as suas reações "contra-transferenciais" correrá o risco de falsear e prejudicar completamente a evolução do tratamento psicoterapêutico.
a) Não existem métodos medicinais e, em especial, psicoterapêuticos em que esta relação não se estabeleça. Apesar da não-intervenção e uma total neutralidade do analista (tão exigidas deste nos métodos psicanalistas puros e ortodoxos) "certa reação interpessoal" se estabelece entre paciente e analista, necessariamente. Todavia, essa relação intersubjetiva, estabelecida na ligação do doente com o analista, a transferência não deve ser uma relação de caráter mágico, nem uma simples relação amorosa e sexual. O analista não deve representar o papel do "mágico" todo-poderoso sabe-tudo, nem o de um "guia iluminado" ou "grande sacerdote".
4) Como deixamos dito, no sentido freudiano, a transferência e contra-transferência representariam apenas "a tarefa projetiva da libido entre ambos" ou, mais freqüentemente, do paciente para seu analista. Todavia, como estamos vendo, tudo isto é muito restrito. Atualmente seu conceito tende a englobar "todo o conjunto das reações médico — doente", tornando-se este um anel na corrente de identificação, não só entre as identificações infantis primitivas, como também nas identificações superiores a maturidade e do equilíbrio. Coisa que ocorre, não só na psicanálise clássica, mas também em toda classe de psicoterapia.
5) Eis as diferentes atitudes que o médico — analista pode ou costuma adotar diante de seus pacientes:
a) Atitude de "neutralidade" rígida ou quase mística;
b) Atitude de "frieza" impávida e distante;
c) Atitude de "agressividade" ou de irritação contra o paciente por seus comportamentos irracionais;
d) Atitude de "gratuidade", procurando a benevolência e simpatia do paciente e tudo fazendo para "estar bem com ele";
e) Atitude HUMANA E COMPREENSIVA, de imensa autenticidade vivencial.
Como é natural, somente este último tipo de atitude do psicoterapeuta será o que poderá curar eficientemente. Do contrário, a sua inevitável "contra-transferência" ser-lhe-á inteiramente perniciosa.