História das Psicoterapias e da Psicanálise/VIII/I
1) Desde que a Psiquiatria acadêmica antiga conseguiu abolir o velho conceito moralista "das doenças-pecados", passou a considerar todos os fenômenos, doentios ou não, manifestados através da histeria da epilepsia, do sonambulismo, da "possessão diabólica", do transe "extático" ou "mediúnico", e todos os distúrbios da personalidade, em geral, como se fossem variadas perturbações funcionais da MENTE.
Em seu conceito materialista, tais perturbações, como era lógico supor, ainda que não encerrassem distúrbios anatômicos-fisiológicos, deviam ser consideradas, certamente, como distúrbios funcionais da substância nervosa do cérebro-mente, ou do sistema neuronal geral. Daí que tais "doenças mentais" recebessem a denominação genérica de "neurose", nome oriundo da palavra grega "neuron", que significa nervo. E os portadores de tais doenças eram tidos, portanto, como neuróticos, neuropatas ou sofredores dos nervos.
O conceito de "neurose" parece ter partido do médico alemão Dr. Brown, que afirmava que "o ser humano se achava sendo bombardeado, constantemente, por estímulos externos, que produziam em si um estado de superexcitação ou ESTENIA, ou então, por falta de estimulação, seria levado a um estado de fraqueza nervosa ou astenia. Tanto num caso como no outro, a conseqüente tensão nervosa provocaria, como resultado lógico, o esgotamento nervoso ou FRAQUEZA NERVOSA. E "neurose" foi o nome ideal adotado, daí em diante, para designar todas as doenças mentais ou de comportamento anormal, para as quais não se conseguia achar nenhuma outra causa orgânica específica e determinada. Em seu conceito materialista e antipsicológico (significado próximo, para eles, ao de anti-espiritualista), os médicos organocistas supunham logicamente que a causa de tais doenças continuaria a ser orgânica necessariamente. E no caso de não achá-la em nenhuma "lesão cerebral", atribuíam-na à simples fraqueza nervosa. Os doentes sofriam dos nervos; isto é, de todo o sistema nervoso indeterminadamente, e não do cerebral em espécie.
Todavia, a "neurose", em seu conceito, não era uma "ite" (neurite ou inflamação, ou moléstia de algum tecido neuronal, mas sim uma "ose" (neurose ou distúrbio funcional da substância nervosa).
2) Mas Freud, e com ele todos os representantes da escola psicologista, sempre se esforçaram em provar que esta conceituação era inteiramente estreita e inadmissível. Extremando-se, passaram ao campo contrário e tentaram sempre demonstrar que "as perturbações neuróticas" ou "neuroses" tinham SEMPRE causas e raízes exclusivamente psicológicas. E em vez de ter adotado para exprimir este conceito o nome de "psicose" (em substituição do termo "neurose"), continuaram a qualificar de "neurose" toda essa gama de doenças, que eles afirmavam ser "psíquicas" e não orgânicas.
Como resultado, aí está toda essa enorme confusão que, ainda hoje, se nota no uso atual dessa nomenclatura, em todos os tratados de Psiquiatria, de Psicoterapia e Psicanálise, não sendo fácil entender, se a distinção entre "neurose" e "psicose" é apenas de grau (de menor ou maior intensidade), ou se a sua natureza causal é qualitativamente diferente.
Contrariamente às suas respectivas posições e conceitos, parece que os psicanalistas e psicologistas gostam mais de usar a palavra "neurose", referindo-se aos comportamentos e perturbações mentais mais benignos, que supõem estritamente psíquicos e emocionais, assegurando que conseguem curá-los por meios únicamente psicológicos e sem o uso de remédios. Inversamente, também em oposição a seus próprios conceitos, os psiquiatras preferem usar o termo "psicose" para designar as perturbações mentais mais extremas, que os psicanalistas abandonam em suas mãos, e que, por supô-las de natureza puramente orgânica, as tratam com remédios e métodos inteiramente físicos.
Todavia, admitindo-se hoje por todos psiquiatras e psicanalistas, que existem realmente duas classes de doenças mentais: as organogênicas, cuja causa do distúrbio é obviamente orgânica ou física (neuronal, hormonal, etc.) e as psicogênicas, no caso de serem originadas por causas estritamente psíquicas (disfunções mentais ou emocionais); sendo no primeiro caso a disfunção mental um efeito ou mero resultado do distúrbio físico, e no segundo caso, tendo a disfunção mental uma causa psíquico-emocional, ela é que vem a ser, muitas vezes, a causadora dos distúrbios físicos; nós achamos que está já na hora de utilizar uma NOMENCLATURA mais condizente com os conceitos atuais. Proporíamos que, independente do grau e atendendo unicamente à natureza própria de cada tipo de doença mental, se reserve o nome de NEURO-PSICOSES para as doenças mentais ou psíquicas organogênicas, o de PSICO-NEUROSES para as psicogênicas com derivativos orgânicos, e, finalmente, o nome de PSICOSES simplesmente, para as perturbações psico-emocionais (mentais ou não) puramente psíquicas e sem nenhum derivativo orgânico.
3) Usualmente e a grosso modo, nós podemos distinguir três tipos de doenças mentais, manifestadas como disfunções da mente ou da personalidade e que tanto podem pertencer à linha orgânica como à linha psíquica. Assim, pode-se falar de: psicoses, neuroses e histerias, como perturbações mentais, de caráter ou da personalidade, sejam de origem orgânica ou psíquica.
No uso atual, esses termos tomam um sentido mais quantitativo que qualitativo. O termo psicose por exemplo, compre-ende genericamente os grandes processos mórbidos de desintegração da personalidade. Corresponde, em certo modo, ao conceito popular de loucura e alienação. Os doentes psicóticos, mesmo de origem psíquica, são encaminhados ao médico psiquiatra, para serem tratados por métodos físicos, pois seu estado de total alheiamento não permite o uso dos métodos psicanalistas ou psicoterápicos. (Psiquiatria do grego — psiché alma, mente, e iatreia cura ou tratamento, ramo da medicina clínica que trata preferentemente das perturbações orgânicas mentais ou cerebrais e das psíquicas em último grau).
As outras perturbações (neuroses, histerias, etc) de grau menor que não sejam especificamente orgânicas, são tratadas preferentemente pelo psicanalista ou psicoterapeuta. No caso de uma psicose aguda, por exemplo, como a esquizofrenia e a paranóia é muito difícil saber quanto tem de defeito orgânico ou de distúrbio emocional. Sabe-se, apenas, que o tratamento, nestes casos, torna-se possível e eficiente somente quando é feito por meios psiquiátricos e quase impossível mediante a psicoterapia analítica, ou de outra espécie verbal. Nesses casos utiliza-se o método psiquiátrico, até levar o doente a um estado em que seja possível ser abordado pelo psicoterapeuta.
4) Um trauma físico, hereditário, congênito ou adquirido pode abalar os elementos constitutivos da mente e conseqüentemente criar uma disfunção dessa faculdade. Igualmente, um trauma psíquico-emocional pode alterar o metabolismo hormonal e criar uma similar disfunção da faculdade mental. Estamos aqui diante de um primeiro grupo de doenças ou distúrbios mentais de caráter funcional em que a disfunção mental é um efeito ou resultado de uma causa que pode ser de dupla origem: física ou psíquica.
Por sua vez, a disfunção mental, uma vez produzida, junto com a alteração do metabolismo na produção hormonal, pode ser causa de novas moléstias ou distúrbios, como as que constituem a ampla gama de patologia psicossomática, e os muitos tipos de comportamentos anormais, que formam o grupo das "neuroses" de caráter ou das "personalidades" neuróticas ou psicopatas.
Apoiado neste princípio é que o Dr. Guntrip resume as doenças mentais a estes quatro grupos:
a) Doenças psicossomáticas, em que coexistem certos distúrbios tanto psíquicos quanto físicos, embora os primeiros sejam a causa dos segundos, como certas paralisias, colites, eczemas, úlceras, etc., devidas a uma causa psíquica-emocional.
b) Doenças mentais constitutivas, em que a disfunção mental é devida a uma causa física, um tumor, uma sífilis, uma intoxicação alcoólica, uma infecção hidrofóbica, etc., ou devida a um trauma psíquico-emocional gerador de um excesso de adrenocromo ou de serotina, por exemplo, ou de uma carga excessiva de bioeletricidade; como o delirium-tremens dos alcoólatras, a loucura produzida pela raiva, os delírios alucinatórios e certos tipos de epilepsias, que acusam forte disritmia bioelétrica.
c) Desordens neurofuncionais ou psiconeuroses, onde existe apenas uma disfunção de órgãos totalmente saudáveis, não aparecendo nenhuma lesão ou causa física atuante.
d) Desordens funcionais da personalidade, do comportamento, mental ou "neuroses" de caráter, tais como os desvios sexuais, as toxicomanias, as fobias, as manias, as obsessões, os comportamentos criminosos, e as explosões temperamentais do histérico, do neurótico e do paranóico, etc.
5) O psicoterapeuta geral precisa do conhecimento exato da gênese e dos processos de todos os quatro tipos de doenças mentais, para a formulação de um bom diagnóstico, e os meios de quadros de cura. O psiquiatra concentra-se principalmente nas doenças mentais do segundo grupo, e após a sua constatação, trata de curá-las com remédios físicos.
Já o psicanalista limita-se ao estudo e cura das doenças mentais do terceiro e quarto grupos. Suas armas são exclusivamente o discernimento analítico e psicoterapia psicanalítica. O psicoterapeuta, por sua vez, conhecido o estado psíquico da pessoa, pode usar alguns dentre os diversos métodos psicoterápicos.
Em grau ascendente, as doenças psíquicas mais comuns da área da psicopatologia podem ser agrupadas da maneira seguinte:
6) As fobias ou medos irracionais ou patológicos nada mais são que estados de angústia que surge diante de determinados objetos ou situações específicas, como revivências de outros medos passados da época infantil: animais, espaços amplos ou fechados, alturas, multidões, etc.
Manias — são determinadas maneiras de agir de aspecto compulsório e obsedante provenientes de hábitos e idéias fixas, fora do normal e racional: mania de lavar as mãos constantemente, mania de limpeza exagerada, etc.
Obsessões — são certas atitudes insistentes, provenientes de idéias ou imagens fixas, associadas a grandes cargas de afetividade, que jazem no inconsciente, recalcadas, que se impõem continuadamente. A obsessão de ser perseguido, por exemplo.
As toxicomanias — são certas tendências, hábitos ou necessidades de tomar tóxicos, entorpecentes, drogas ou álcool, criadas por necessidades físicas ou psíquicas, artificialmente provocadas.
Desvios sexuais — são certas práticas que procuram a satisfação sexual de modo habitual e fora do uso comum de acasalamento bissexual, como a ninfomania, o homossexualismo masculino, o lesbianismo, o travestismo, etc., quando adquirem aspecto permanente, tendencioso e doentio.
Tendências criminosas — são certas inclinações para práticas ilegais e criminosas como a piromania, cleptomania, etc.
Histeria de fixação — em que o histérico trata de chamar a atenção dos seus semelhantes (mesmo inconscientemente) sobre "vivências desagradáveis" que produziram profunda impressão no "EU infantil"; isto mediante a clássica sintomatologia dos "ataques histéricos", acompanhados de gestos, gritos, e posturas mais ou menos espetaculares.
Histeria de conversão — em que a atenção é chamada mediante distúrbios orgânicos ou funcionais mais ou menos graves e permanentes, como os tiques, paralisia, mutismo, gagueira, eczemas, espasmos, meiar a cama, etc.
Histeria ansiosa — em que o paciente, não logrando transferir seu problema para sintoma externo, fica simplesmente inibido e ansioso.
Neurose de conversão — é uma resultante da angústia quando os medos que a provocam se transformam em sintomas somáticos. Representa uma descarga de energia semelhante a que acontece com a histeria de conversão, como no caso de certas insônias, neuralgias, convulsões, espasmos, tremores, vertigens, etc.
Diz-se também "neurose de compulsão", quando envolve uma idéia fixa, obsessão ou mania, formando uma tendência impulsiva para determinada ação, etc.
Neuroses traumáticas — Diz-se daqueles sintomas neuróticos que se estabelecem a partir de situações externas, que envolvem graves traumatismos emocionais, como a morte de seres queridos, insucessos financeiros, desastres, catástrofes, etc., entre as quais são notáveis as chamadas "neuroses de guerra".
A neurastenia — nome dado por alguns psiquiatras a certas neuroses de tipo conversivo, como tonteiras, insônias, irritabilidade constante, hipocondria, astenia ou cansaço, impotência, etc.
O sufixo OIDE — classifica certos tipos neuróticos fronteiriços entre os estados da neurose e da psicose. Em grau de intensidade, são estados intermediários, mesmo que a natureza seja considerada a mesma.
Paranóide — de tipo extrovertido e tendências agressivas, sofre de neurose obsessiva de "compulsão", provocada por idéias fixas, que lhe levam a agir sempre contra tudo e todos. Geralmente hipermotivo e incontrolável, torna-se um perseguidor ou torturador, ou um simples criminoso.
Tendo fases de quase normalidade, passa por situações verdadeiramente neuróticas para chegar a momentos de verdadeira paranóia.
Esquizóide — tipo introvertido e depressivo, é o homem da eterna dúvida e da contínua discordância, não com os demais, mas sim consigo mesmo. Todos temos dúvidas e temores, mas o esquizóide as têm em número infinito e por motivos imaginários, predominando nele as ações compulsivas não-agressivas. é uma personalidade dividida em perpétua desarmonia.
Eis alguns tipos:
a) O hipocondríaco, possuidor de verdadeira mania de doenças que não existem, em estado de permanente melancolia, misantropia e isolamento.
b) O astênico é um apático e amorfo, eternamente desinteressado de tudo, não conseguindo ser motivado por nada.
c) O anético que é um tipo inteiramente amoral e por vezes perverso, levado a praticar toda classe de atividades excusas, que não envolvem briga ou agressividade, pois é muito medroso.
Ciclóide ou maníaco-depressivo — é um tipo intermediário entre o paranóide e o esquizóide, alterando-se em certos períodos chamados ciclos. Extremamente otimista, cai de repente em estado de aflita depressão, passando da agressividade interna à maior timidez.
A psicose — quando o paranóide e o esquizóide chegam a passar a linha divisória entre a neurose e a psicose, perdem o contato com a realidade objetiva e ficam às voltas com a sua realidade subjetiva. Neste caso, a desintegração da personalidade chega a seu auge e a ligação afetiva entre a percepção e a inteligência não mais existe. é a loucura declarada.
Como nos casos intermediários ou benignos vistos anteriormente, pode ser do tipo agressivo ou inibido; isto é, de forma paranóide ou esquizóide.
O paranóico — podem distinguir-se dois tipos de paranóicos: o pacífico e o agressivo.
a) O paranóico pacífico: se caracteriza pelas idéias de grandeza. Julga-se um grande homem, um grande personagem, um profeta ou mesmo Deus, um messias, um profeta, um gênio ou a reencarnação de alguma personagem histórica imaginária; pode acreditar-se um Nero, um Napoleão, etc.
b) O paranóico agressivo: sente-se perseguido por todo o mundo e sempre, em permanente defensiva, defende-se agredindo. Sente-se perseguido por vivos e defuntos, por terrenos ou marcianos, por bichos ou fantasmas, por seres reais ou imaginários. Sofre freqüentes alucinações, vê mesmo seus perseguidores por toda parte, ouve suas vozes, sente o sabor dos venenos que lhe ministram as forças ocultas. Extremamente irritável e irritado, torna-se agressivo com todo o mundo, a ponto de ter que ser recluído e sujeitado a métodos violentos como a "camisa de força", o que o faz mais agressivo ainda.
O esquizofrênico — representa uma evolução extrema do esquizóide em todos os seus subtipos. Seu caráter de inibido e introvertido o leva ao isolamento total da realidade objetiva e se reclui na sua realidade subjetiva, onde seu mundo de fantasias, delírios e alucinações, coincide em parte com o mundo mágico e fantástico da sua infância.
Como no paranóico, no esquizofrênico podemos distinguir, também, alguns subtipos mais ou menos diferentes:
a) O autismo ou esquizofrenia simples — caracteriza-se por uma espécie de apagamento cada vez maior da iniciativa e das relações afetivas até a apatia quase total e ruptura dos interesses sociais, e total isolamento.
b) Esquizofrenia catatônica — apresenta sintomas como mutismo e negativismo quase totais, imobilidade prolongada nas mesmas posições e atitudes.
c) Esquizofrenia hebefrênica — está acompanhada de um certo descontrole, apresentando atitudes, idéias e palavras inteiramente disparatadas, tolas e imotivadas, desconexas e como que assumidas ao acaso. Representa uma extrema regressão aos estados infantis.
d) Esquizofrenia paranóide — nome dado por alguns autores, quando o esquizofrênico apresenta idéias delirantes de grandeza e perseguição semelhantes às do paranóico. Noutros casos, queixar-se-á, como o hipocondríaco, de sensações e idéias extravagantes a respeito de seus órgãos corporais: serpentes no estômago, corpos estranhos em seu organismo, fios elétricos ligados ao cérebro, etc.
às vezes mostrará uma ambivalência estranha para com os seus semelhantes: carinho, brutalidade, respeito, ou desaforo, etc.
O psicótico ciclóide — como nos graus neuróticos mais benignos, existe também o psicótico ciclóide, manifestando a dupla tendência maníaco-depressiva, em que se alternam os períodos ou ciclos de psicose paranóica e psicose esquizofrênica. Crises maníacas de humor exaltado, alegria ou cólera exageradas, excitação psíquica e motora; e crises melancólicas de humor deprimido, tristeza, inibição psíquica e motora, auto-recriminação, e tendências ao suicídio, suscedendo-se em determinados períodos.
A resultante em todos os casos parece ser a "ausência" do poder de julgamento do juízo, que fica de tal modo alterado, que as elaborações mentais dos neuróticos e psicóticos tornam-se falsas ou absurdas. Daí seu comportamento disparatado.
Como dissemos tantas vezes, a causa dessa ausência do poder de julgamento pode ser um distúrbio mental orgânico ou uma mera causa psíquico-emocional, sendo todas as doenças descritas meros degraus ou fases de desenvolvimento do mesmo defeito, orgânico ou psíquico.